:: Seu mega portal jurídico :: inicial | sobre o site | anuncie neste site | privacidade | fale conosco
        

  Canais
  Artigos
  Petições
  Notícias
Boletins informativos
Indique o
Escritório Online
 

Escritório Online :: Artigos » Direito Internacional


O Tribunal Penal Internacional e os problemas futuros a enfrentar em relação à soberania nacional

16/12/1999
 
Miguel Guskow



--------------------------------------------------------------------------------
O trabalho a seguir foi apresentado na UNB no Seminário sobre o Tribunal Penal Internacional em 21.09.99, e foi enviado para divulgação pelo próprio autor, podendo ser copiado no todo ou em parte, desde que citada a fonte e autoria.
--------------------------------------------------------------------------------



Sumário:


Características do TPI
Jurisdição

Possíveis óbices à integração do TPI quanto à soberania nacional

Extradição e entrega

A questão doutrinária de recepção de norma de direito internacional

A recepção do TPI no direito interno brasileiro

Conclusão









I. Características do TPI


Havia um elo que faltava no sistema do ordenamento jurídico internacional em relação ao direito humanitário. Um Tribunal Penal Internacional, como instituição permanente e com poderes para exercer jurisdição sobre pessoas em relação a crimes de maior seriedade no interesse internacional.



É um Tribunal supra nacional, isto é, transcende as soberanias nacionais, com natureza complementar das jurisdições criminais nacionais, cujo objetivo final é o respeito quanto à execução da Justiça Internacional.



O Tribunal deverá manter relacionamento com a ONU, através de acordo a ser aprovado pela Assembléia dos Estados-partes do Estatuto e assinado pelo Presidente do Tribunal.

A sede do Tribunal será a cidade de Haia, mas poderá atuar em qualquer lugar, quando julgar necessário.







II. Jurisdição



Limita-se aos crimes de maior seriedade de interesse internacional.

O preâmbulo do Estatuto se refere a laços comuns que unem povos com heranças compartilhadas, que são formadas pelas suas culturas. Lembra os milhões de crianças, mulheres e homens que, durante o século XX foram vítimas de atrocidades inimagináveis, que chocam profundamente a consciência da humanidade, reconhecendo que tais crimes graves ameaçam a paz, segurança e o bem estar da terra.

O preâmbulo também afirma que os crimes mais graves, que interessam à comunidade internacional como um todo não devem permanecer impunes e que a sua persecução seja assegurada por medidas de caráter nacional e pela capacitação da cooperação internacional. A determinação de colocar um fim à impunidade no cometimento de tais crimes, também contribui para a sua prevenção e para o exercício, pelos Estados, de sua própria jurisdição.

O Estatuto declara que o Tribunal tem personalidade legal internacional e pode exercer suas funções e poderes no território de qualquer Estado-parte, e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado.



O Tribunal permanente e independente é criado, harmônico com o sistema da ONU, com jurisdição sobre os crimes de maior seriedade e de interesse da comunidade internacional como um todo.

É complementar às jurisdições nacionais e expressa sua determinação em garantir o respeito final quanto à Justiça Internacional e sua execução.



Na parte n. 2, o Estatuto dispõe sobre a jurisdição, admissibilidade e o direito aplicável.

Em relação aos crimes dentro da jurisdição do Tribunal, o Estatuto dispõe que a jurisdição do Tribunal deve se limitar aos crimes de maior seriedade de interesse da comunidade internacional.

Tem jurisdição sobre os crimes seguintes: genocídio: crimes contra a humanidade, crimes de guerra; e o crime de agressão.

Especifica que o Tribunal exercerá sua jurisdição sobre o crime de agressão, tão logo a definição seja adotada conforme os artigos 110 e 111, com o estabelecimento das condições sob as quais o Tribunal deverá exercer a jurisdição sobre tal crime. Tal dispositivo deve ser consistente com os dispositivos da Carta das Nações Unidas.

As disposições seguintes definem aqueles crimes para os objetivos do Estatuto:

O termo genocídio refere-se a qualquer dos atos seguintes, cometidos com o intento de destruir, no todo o em parte, um grupo nacional, ético, racial ou religioso: matar membros do grupo; causar danos sérios ao corpo ou à mente para os membros do grupo; infligir deliberadamente ao grupo condições de vida, com o fim de lhes trazer destruição física no todo ou em parte; impor medidas destinadas a evitar nascimentos no grupo; e transferir à força crianças do grupo para outro grupo.

O termo crime contra a humanidade está limitado a algum dos atos seguintes, quando cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil, tendo em vista o conhecimento do ataque: morte, extermínio, escravização, deportação ou transferência forçada de população; prisão ou outra privação severa da liberdade física em violação das normas fundamentais do direito internacional; tortura; estupro; escravidão sexual; prostituição forçada; gravidez forçada; esterilização forçada, ou outra forma de violência sexual; perseguição contra qualquer grupo ou coletividade identificável por razões políticas, raciais, nacionais, étnicas, culturais, religiosas, gênero ou por outras razões universalmente reconhecidas como não permitidas sob o direito internacional, que se relacionem com qualquer ato deste parágrafo ou com qualquer crime da jurisdição do Tribunal; desaparecimento forçado de pessoas; o crime de segregação racial; e outros atos desumanos de caráter similar, que causem intencionalmente grande sofrimento ou danos graves ao corpo ou à saúde mental.

Define o termo extermínio: infligir intencionalmente condições de vida com a privação ao acesso a alimento e remédios, visando como resultado a destruição de parte da população.

Define deportação ou transferência forçada de população como a mudança forçada de pessoas causada por expulsão ou outros atos coercitivos, do local onde as pessoas estão estabelecidas legalmente, sem os fundamentos do direito internacional.

Define gravidez forçada como confinamento ilegal de uma mulher tornada grávida à força, com o objetivo de afetar a composição étnica de uma população ou levar a cabo outras graves violações do direito internacional. Esta definição não deve ser interpretada como exclusão de qualquer direito nacional relativo à gravidez.

Define desaparecimento forçado de pessoas como a prisão, a detenção ou o seqüestro de pessoas através de ou com a autorização, apoio ou aquiescência de um Estado ou de uma organização política, seguida da negativa de informar a privação da liberdade ou de fornecer informações sobre a sorte e o paradeiro daquelas pessoas, com a intenção de removê-las da proteção da lei por um período de tempo prolongado.

O termo gênero é definido como referência aos dois sexos, homem e mulher, no contexto da sociedade. O termo gênero não indica nenhuma conotação diferente da estatuída acima.



Um texto sobre os crimes de guerra estabelece que o Tribunal terá competência sobre crimes de guerra em particular quando cometidos como parte de um plano ou política ou como parte de um cometimento em larga escala de tais crimes.



Para as finalidades do Estatuto, crimes de guerra são:



Violações graves da Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949, especificamente, qualquer dos da lista de atos contra pessoas ou propriedade protegidas sob as disposições da Convenção de Genebra, que é parte do Estatuto, e que inclui a matança deliberada e a tomada de reféns.
Outras sérias violações do direito e dos costumes aplicados em conflitos armados internacionais, dentro das limitações do direito internacional, que incluem atos como o direcionamento de ataques contra população civil, tanto como contra indivíduos civis que não têm parte direta nas hostilidades; e a transferência, direta ou indireta, pelas forças de ocupação de partes de sua própria população civil ao território que é ocupado, ou a deportação ou transferência de toda ou de parte da população do território ocupado dentro deste próprio ou para fora do território.

Também, na lista de violações sérias há o seguinte:

emprego de veneno ou de armas envenenadas;
emprego de projéteis de expansão dentro do corpo humano, tais como projéteis com camisa dura, que não cobre integralmente o miolo ou projéteis com incisões;
emprego de armas, projéteis e materiais e métodos de guerra que, por natureza, causam danos ou sofrimentos desnecessários, que sejam indiscriminadamente utilizados em violação ao direito internacional dos conflitos armados, tendo em vista que tais armas estejam sujeitas a proibições específicas e estejam incluídas no anexo deste Estatuto por emenda, de acordo com as disposições de relevância deste Estatuto.
cometer estupro, escravizar sexualmente, forçar a prostituição, forçar a gravidez como definido no Estatuto, forçar a esterilização ou outra forma qualquer de violência sexual também constituem uma grave violação das Convenções de Genebra.
No caso de um conflito armado não de caráter internacional, as violações sérias do artigo 3 comum às quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, especialmente, qualquer dos atos seguintes, cometidos contra pessoas que não tomam parte ativa nas hostilidades, incluindo membros das forças armadas que depuseram suas armas e aqueles fora de combate por doença, ferimentos, detenção ou qualquer outra causa.
Especifica-se que este provimento se aplica a conflitos armados não de caráter internacional, mas não se aplica a situações de distúrbios internos e tensões, como atos isolados e esporádicos de violência ou outros atos de natureza similar.

Outras violações sérias do direito e costumes aplicáveis nos conflitos armados não de caráter internacional, nos limites do direito internacional, inclusive com o alistamento de crianças menores de 15 anos às forças armadas ou grupos, que delas se utilizam para participar ativamente nas hostilidades.

Um artigo sobre a tipificação dos crimes estabelece que a tipificação deve ser o elemento para o Tribunal na interpretação e na aplicação de artigos relevantes do Estatuto. Deve ser adotado por uma maioria de 2/3 dos membros da Assembléia dos Estados-partes. Emendas à tipificação dos crimes podem ser propostas por qualquer Estado-parte, os juizes deverão decidir por maioria absoluta.

O texto enfatiza que o Tribunal tem jurisdição somente quanto aos crimes cometidos depois de entrar em vigor o Estatuto. Se um Estado se torna membro do Tribunal depois de entrar em vigor, o Tribunal poderá exercer a jurisdição somente no que diz respeito aos crimes cometidos depois da entrada em vigor do Estatuto para aquele Estado, exceto se esse Estado fizer um declaração de aceitação de jurisdição.

Como precondições para o exercício da jurisdição estatui-se que um Estado, tornando-se membro do Acordo, aceita a jurisdição do Tribunal somente naquilo que diz respeito aos crimes mencionados no Estatuto. Quando um caso é levado ao Promotor por um Estado-parte, ou o Promotor usa dos seus poderes ex-officio, o Tribunal pode exercer sua jurisdição se um ou mais dos Estados são partes ao Estatuto ou aceitaram a jurisdição do Tribunal, nas seguintes condições:

O Estado em cujo território o ato ou omissão em questão ocorreu, ou se o crime foi cometido a bordo e navio ou avião, o Estado de registro daquele navio ou avião;
O Estado cujo nacional está sendo investigado ou processado.

O Estatuto diz que o Tribunal pode exercer sua jurisdição com respeito a um crime da Parte n. 2, se:

Uma situação na qual um ou mais desses crimes que foram cometidos é levada ao Promotor por um Estado–parte;
Uma situação na qual um ou mais desses crimes que foram cometidos é levada ao Promotor pelo Conselho de Segurança, agindo em concordância com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas; ou
O Promotor iniciou uma investigação a respeito de tal crime.

Sob outras provisões, um Estado-parte pode levar ao Promotor uma situação em que um ou mais dos crimes dentro da jurisdição do Tribunal parecem ter sido cometidos, requerendo ao Promotor a investigação da situação para a finalidade de determinar se uma ou mais pessoas devem ser indiciadas pelo cometimento de tais crimes.



O Promotor pode iniciar investigação ex-officio, tendo por fundamento a informação da existência de crime sob a jurisdição do Tribunal. O Promotor deve analisar a seriedade da informação recebida, e poderá procurar informação adicional dos Estados, orgãos das Nações Unidas, organizações inter-governamentais e não governamentais, ou outra fonte confiável que julgue apropriada. Pode receber testemunhos orais ou escritos na sede do Tribunal. Se o Promotor conclui que há fundamentos razoáveis para continuar uma investigação, junta o material coletado. Vítimas podem representar à Câmara de Pré Avaliação, conforme as Normas de Procedimento e de Provas.

Se a Câmara de Pre-avaliação, diante do exame do material requisitado e do material que acompanha o processo, considerar que há fundamento razoável para continuar uma investigação, e que o caso parece se enquadrar na jurisdição do Tribunal, ela (a Câmara de Pre-avaliação) deverá autorizar o começo da investigação, sem prejuízo de determinações subsequentes do Tribunal que digam respeito à competência e à admissibilidade do caso.

O indeferimento da Câmara de Pre-avaliação da autorização da investigação não prejudica a apresentação de um pedido subsequente do Promotor, baseado em novos fatos ou provas para o mesmo caso. Se, depois do exame preliminar, o Promotor concluir que a informação recebida não constitui um fundamento razoável para uma investigação, o Promotor deve informar àqueles que forneceram a informação. Isto não lhe prejudicará na consideração de novas informações do mesmo caso, à luz de novos fatos ou provas.



Há no texto a suspensão de investigação ou do inquérito, dizendo que nenhuma investigação ou inquérito poderá ser iniciado por um período de 12 meses depois que o Conselho de Segurança adotar, por Resolução prevista no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, um pedido ao Tribunal para este efeito; o pedido pode ser renovado pelo Conselho nas mesmas condições.



Em matéria de admissibilidade, o Estatuto diz que o Tribunal deve determinar que um caso é admissível quando: está sendo investigado ou processado por um Estado que tem jurisdição sobre ele, a menos que o Estado não deseje ou seja incapaz de desenvolver a investigação ou o processo; o caso foi investigado pelo Estado que tem jurisdição sobre ele e o Estado decidiu não processar a pessoa investigada, a menos que a decisão tenha resultado da falta de vontade ou de incapacidade do Estado em processar; a pessoa já foi julgada por conduta que é objeto de notitia criminis, e um julgamento pelo Tribunal não é permitido por outras disposições deste Estatuto; o caso não está revestido de gravidade suficiente para justificar uma ação do Tribunal.



Para determinar-se a falta de vontade num caso particular, o Tribunal deve considerar os princípios do devido processo legal, reconhecidos pelo direito internacional. Para determinar-se a incapacidade em um caso em particular, o Tribunal deve considerar se, devido a um total ou substancial colapso ou inexistência do sistema judiciário nacional, o Estado é incapaz de deter o acusado ou carrear as provas necessárias e as provas testemunhais ou é, de qualquer outra forma, incapaz de levar adiante o necessário processo.



Um artigo com sete parágrafos contém disposições relativas às regras preliminares de admissibilidade, inclusive quando a situação tenha sido levada ao Tribunal e o Promotor tenha determinado que haveria fundamento razoável para começar uma investigação, ou o Promotor começa a investigação, o Promotor deve notificar todos os Estados-partes e aqueles Estados que, levada em conta a informação disponível, deveriam normalmente exercer sua jurisdição sobre os crimes em questão. O Promotor pode notificar tais Estados em bases confidenciais e, onde achar necessário proteger as pessoas, ou para prevenir a destruição de provas ou para prevenir o desaparecimento de pessoas, pode limitar o conteúdo da informação enviada aos Estados.



Quando houver oposição à jurisdição do Tribunal, ou quanto à admissibilidade de um caso, o texto diz que o Tribunal deve determinar se tem jurisdição no caso que lhe é submetido. Oposição à admissibilidade do caso, ou oposições à jurisdição do Tribunal poder ser opostas pelo acusado ou por uma pessoa que tem contra si mandado de prisão para interrogatório; por um Estado que tenha jurisdição sobre o caso, fundamentando-se na sua própria investigação ou processo; ou um Estado cuja aceitação da jurisdição está sendo solicitada.



O Estatuto prevê o ne bis in idem, com a proibição de duplo julgamento, se a pessoa já tiver sido julgada, condenada ou absolvida pelo mesmo crime.

Ninguém que já tenha sido julgado por outro tribunal poderá ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional em relação à mesma conduta, exceto se o processo do outro tribunal:

atuar com a finalidade de proteger a pessoa da responsabilidade criminal dos crimes da jurisdição da Corte; ou
não for conduzido com independência ou com imparcialidade, de acordo com o devido processo legal reconhecido pelo direito internacional, e for conduzido de maneira tal que as circunstâncias indiquem a inconsistência em levar a pessoa a julgamento.

Quanto à lei aplicável, o Tribunal deve aplicar em primeiro lugar o Estatuto e as Normas de Procedimento e de Prova; e, em segundo lugar, os tratados aplicáveis e os princípios e normas do direito internacional, incluindo os princípios estabelecidos pelo direito internacional dos conflitos armado. Além disso, os princípios gerais de direito, como apreendidos pelo Tribunal das leis nacionais dos sistemas legais do mundo, incluindo o direito nacional dos Estados que normalmente deveriam exercer a jurisdição sobre o crime, se não forem incompatíveis com o Estatuto e com o direito internacional e normas internacionalmente padronizadas e reconhecidas.

A aplicação e interpretação da lei deve ser compatível com os direitos humanos reconhecidos, sem distinção adversa em gênero, idade, raça, cor, língua, religião ou crença, opinião política ou outra, origem nacional, étnica ou social, riqueza, nascimento ou outro estado.



O Tribunal não terá jurisdição sobre pessoas menores de 18 anos ao tempo do cometimento do crime.

O texto declara que o Estatuto deve ser aplicado eqüitativamente para todas as pessoas sem distinção de status oficial. Esclarece que um Chefe de Estado ou de Governo, um membro de Governo ou de Parlamento, um membro eleito ou um funcionário de governo não se eximirá de responsabilidade criminal diante deste Estatuto, nem constituirá fundamento para redução de pena. Imunidades ou a existência de regras especiais ligadas a funções oficiais de uma pessoa, seja diante do direito nacional, seja diante do direito internacional, não inibirão o Tribunal no exercício de sua jurisdição sobre tal pessoa. Este assunto é também matéria normativa em relação à responsabilidade dos comandantes e de outros superiores. Dispõe que um comandante militar ou uma pessoa agindo como comandante militar deve ser responsabilizada criminalmente pelos crimes englobados na jurisdição do Tribunal, cometidos pelas forças sob seu efetivo comando e controle. Também é responsável um comandante militar ou pessoa que tinha conhecimento ou que deveria ter conhecimento que as forças estavam cometendo ou tentando cometer tais crimes, e aqueles nessa condição, que não tomaram todas as medidas necessárias e razoáveis dentro de seu poder para prevenir ou reprimir o cometimento desse crime ou submeter o assunto às autoridades competentes para investigação e processo.

Um superior será criminalmente responsabilizado por crimes de jurisdição do Tribunal, cometidos pelos seus subordinados sob sua autoridade e controle, como resultado de sua incompetência no exercício apropriado do controle sobre tais subordinados.

A pessoa será criminalmente responsabilizada e culpável por um crime de jurisdição do Tribunal se os elementos materiais foram executados com dolo e conhecimento.

Fundamentos para exclusão da culpabilidade incluem a perturbação mental ou doença mental, e estado de intoxicação, que obstrua a capacidade da pessoa de avaliar a ilegitimidade ou a natureza de sua conduta, ou a capacidade de controlar a sua conduta em conformidade com as exigências legais. Não há exclusão, se a pessoa se intoxicou voluntariamente, sob circunstâncias que a pessoa sabia, ou assumiu o risco, como resultado da intoxicação, de agir em conduta criminosa de jurisdição do Tribunal. Outros fundamentos incluem atos de legítima defesa, ou defesa de terceiro, ou em caso de crimes de guerra, a propriedade que é essencial para a sobrevivência das pessoas ou essencial para cumprir a missão militar. Também é excluída a conduta resultante de ameaça ou morte iminente ou a continuidade ou iminência de um dano físico.

Erro de fato só será fundamento para exclusão da responsabilidade criminal somente se negar o elemento volitivo do tipo do crime. Erro quanto ao direito, ou se uma conduta em particular constitui crime diante do Tribunal, não é fundamento adequado para exclusão, exceto se nega o elemento mental necessário a tal tipo, ou quanto a ordens superiores e a determinação legal. Se o crime foi cometido pela pessoa que cumpre ordens de um Governo ou de um superior, seja militar ou civil, não retira desta pessoa a responsabilidade criminal. Há exceções, como por exemplo se a pessoa estava legalmente obrigada a cumprir ordens do Governo ou do superior em questão; que a pessoa não sabia que a ordem era ilegal; e que a ordem não tenha sido manifestamente ilegal. Ficou estabelecido que ordens para cometer genocídio ou crimes contra a humanidade são manifestamente ilegais.





III. Possíveis óbices quanto à integração do TPI em relação à soberania nacional.



A supra nacionalidade é um processo político, evidenciado após a 2a. Guerra. ´Dela decorreu um direito, que procurou integrar países que tinham uma grande homogeneidade econômica e cultural, mas que, ao mesmo tempo, figuravam naquele cenário, uns como vencidos, outros como vencedores. A submissão dos estados à supranacionalidade não se dá por vontade própria, mas para dar vazão e restauração das democracias combalidas pelo desrespeito à dignidade humana dos cidadãos.



A consciência supranacional foi a base da construção da Comunidade Econômica Européia, de modo que não houve, salvo tênue exceção, preocupação em repudiar, através do clamor de soberania, o cenário político que emergiu da necessidade de tratamento supranacional para a consecução do respeito, por todos, dos princípios básicos do direito humanitário.



Nós, ao contrário. Nenhum fundamento de proteção da dignidade humana nos impele a arroubos maiores em relação ao Tribunal Penal Internacional, a não ser o respeito, a integração e o status de nosso país no cenário internacional. Compartilhamos das preocupações que moveram a comunidade internacional a reunir-se e a firmar o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional. Na verdade, a criação do Tribunal Penal Internacional foi uma resposta da comunidade internacional a um desafio que se impunha à ONU, há mais de 50 anos.



Em nosso país não existe ainda uma consciência da necessidade, nem da eficiência de instituições supranacionais, uma vez que, em termos específicos do Tribunal Penal Internacional, os crimes de que trata afiguram-se ao homem médio como algo num horizonte longínquo, muito além do seu dia-a-dia.



Um segundo problema, e provável óbice ao livre fluxo da corrente de recepção do TPI é o corporativismo da magistratura nacional e a corrente, encabeçada pela mídia, de lhe impor restrições e controles, sejam eles externos, ou supranacionais. Já se ouve falar de que o Judiciário nacional sente-se colocado em cheque na sua altivez e soberania, no momento em que se alia a idéia da existência iminente de um Tribunal Penal Internacional com a tentativa de controlar o Judiciário, através do chamado controle externo, isto é, de submetê-lo a interesse político. É típica a reação de alguns setores superiores da Magistratura nacional em Ouro Preto, como característica corporativa, quando invocam a garantia de acesso a justiça como se fosse uma garantia entregue aos juizes nacionais, com o monopólio de sua jurisdição, reafirmando o caráter de cláusula pétrea dessa garantia. A intangibilidade do juízo é apenas um meio assecuratório de liberdade individual e não um direito do juiz à exclusividade de jurisdição.

Este problema deve ser colocado em termos eminentemente objetivos e não corporativos.



Um terceiro aspecto é que a igualdade de todos perante a lei seja assegurada. Pouco importa se o Tribunal Penal Internacional seja um tribunal supranacional, com normas autônomas, ou se estas normas serão incorporadas ao direito nacional. Em caso contrário, estaremos com um sistema jurídico incompleto. De qualquer aspecto que se veja a questão, a própria natureza do TPI esclarece que é um tribunal complementar à jurisdição nacional. Por isso, nosso país não tem necessidade de transferir poderes jurisdicionais da soberania para sua atuação. Só atuará em caso de omissão ou impossibilidade de exercício da jurisdição nacional.

A Constituição brasileira instituiu um sistema jurídico de organização fechada de poderes, um sistema jurídico hermético, em que os tratados ratificados têm a mesma hierarquia das leis ordinárias, onde o controle da aplicação dos tratados e convenções é exercido pelo judiciário nacional, e, em última instância pelo STJ. Dessa interpretação dos tratados pelo Superior Tribunal de Justiça não cabe recurso para o Supremo Tribunal Federal, exceto no caso de inconstitucionalidade, de modo que a Constituição brasileira não contempla, nem permite que os órgãos de jurisdição nacionais (órgãos de soberania nacional) se submetam a um tribunal internacional.



O quarto óbice é a necessidade de reforma constitucional para a adequação do sistema judiciário nacional ao sistema supranacional. Quanto a isto, já se vê que o Brasil está perfeitamente harmonizado com os sistemas internacionais quanto ao que se refere à lavagem de dinheiro, quanto à corrupção de funcionários governamentais em relação a empresas estrangeiras, quanto à ética do funcionalismo público, quanto ao tráfico de drogas e outras mais. Todas essas normas seguem, invariavelmente, um padrão aceito pela comunidade internacional, fruto de intensivos e exaustivos trabalhos de adequação de padrões existentes.

É o que deverá acontecer em relação ao Tribunal Penal Internacional. Não será certamente o Tribunal Penal Internacional que se adequará aos padrões brasileiros, mas nosso sistema é que se harmonizará com os padrões globalizados. E, quanto ao direito humanitário, salvo algumas questões menores, os padrões são universalmente aceitos.



Um quinto óblce é aquele que ressalta que os plenipotenciários que assinam a ata de instituição do TPI (tratado de Roma) não dispõem de representatividade popular para elaborar normas jurídicas. Este não foi até agora um problema maior, porque os atos elaborados pelos órgãos institucionais dos quais o Brasil faz parte vão ao Congresso Nacional. No entanto, esse mecanismo coloca o Parlamento nacional em situação subalterna, de modo que sua resistência ou divergência, exporia e constrangeria o país a não poder cumprir compromissos internacionais firmados seja por chefe de governo, seja por plenipotenciários. Quanto a isto veremos adiante a discussão doutrinária entre monistas e dualistas.







IV. Extradição e entrega







O que diz o texto constitucional sobre extradição:



Art. 5º, LI, C.F. de 1988:



nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.


Art. 5º, LII, C.F. de 1988:


não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.




Entendimento corrente sobre extradição:


Extradição é o ato de entrega de um indivíduo infrator da lei penal, homiziado em um país, para que seja apresentado ao juízo competente de outro país, onde o crime foi cometido, para fim de julgamento ou de cumprimento de pena já imposta .


(Ministro Celso de A. Mello).
A extradição pode ser definida como sendo o ato por meio do qual um indivíduo é entregue por um Estado a outro, que seja competente a fim de processá-lo e puni-lo. Interessante também como elemento informativo é o acórdão relatado por Sua Excelência na Extradição n. 545, julgamento em 19/12/91 - Tribunal Pleno:


Extradição e dupla tipicidade.
A exigência da dupla incriminação constitui requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição. O postulado da dupla tipicidade impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente, sendo irrelevante, para esse específico efeito, a eventual variação terminológica registrada nas leis penais em confronto. A possível diversidade formal concernente ao nomen juris das entidades delituosas não atua como causa obstativa da extradição, desde que o fato imputado constitua crime sob a dupla perspectiva dos ordenamentos jurídicos vigentes no Brasil e no Estado estrangeiro que requer a efetivação da medida extradicional. (...)


(Ministro Rezek).
A extradição é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de indivíduo que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena.


(Accioly).
Extradição é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo acusado de fato delituoso ou já condenado como criminoso, à justiça de outro Estado, competente para julgá-lo e puni-lo.








A extradição e a entrega no relacionamento entre Estados e o TPI.


Na área penal, o relacionamento entre Estados e o Tribunal Penal Internacional é fundamentalmente diverso do relacionamento tradicional.

Não pode haver confusão de institutos e de entendimentos quanto à entrega de um indivíduo ao TPI com extradição. Tratam-se de institutos distintos em seus conceitos fundamentais.



A extradição diz respeito à cooperação entre Estados, regida pelo princípio da igualdade soberana, ou, podendo-se qualificá-la como cooperação horizontal.



A entrega diz respeito à cooperação entre Estados e o Tribunal Penal Internacional, uma relação jurídica regida pelo princípio da complementaridade, pela qual a jurisdição do TPI tem caráter excepcional e complementar. Isto quer dizer que somente será exercida em caso de manifesta incapacidade ou falta de disposição de um sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição primária. Pode-se estudar certo paralelismo existente no entendimento a respeito da extradição no caso de tráfico de entorpecentes, como no caso na hipótese de serem registrados fatos delituosos em território brasileiro, vinculados à finalidade de exportação de entorpecentes para território estrangeiro, assumindo indiscutível relevância jurídica o efeito de reconhecer-se a competência penal do Estado requerente, quando não adotadas, pelas autoridades do Estado requerido, de qualquer providência de caráter persecutório referente aos atos infracionais cometidos no Brasil (RTJ 148/110-111, Relator Ministro Celso de Mello).



Ou (...) Concurso de jurisdições penais: atos delituosos praticados em território brasileiro e italiano: prevalece a jurisdição penal italiana, dado que não existe, no Brasil, procedimento penal persecutório contra o extraditando. Precedentes do STF. (Extradição 638-0 República Italiana, Relator Ministro Carlos Velloso).



Mas, se a jurisdição do TPI for acionada, os Estados se obrigam a cooperar com o Tribunal, no que se aplica à entrega de pessoas, qualquer que seja a sua nacionalidade. Pode-se dizer que este é caso de cooperação vertical.





As proibições constitucionais à entrega de nacionais



As distinções fundamentais entre os dois institutos (entrega e extradição) levam à conclusão que não se aplica a vedação constitucional na entrega de nacionais ao TPI. Provavelmente não tenha sido outra a razão pela qual o termo entrega tenha sido utilizado no artigo 89 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, senão com o propósito de estabelecer transparente diferença entre este instituto e o da extradição. No artigo 102, que se dedica integralmente à conceituação da terminologia empregada, é inspirada e consagrada a exata diferenciação dos dois termos para as finalidades do Estatuto do TPI.





Diz o art. 102 do Estatuto de Roma:



Para os efeitos do presente Estatuto:



por entrega se entenderá a entrega de uma pessoa a um Estado ao Tribunal, de conformidade com o disposto no presente Estatuto;


por extradição ser entenderá a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado, de conformidade com o disposto em um tratado ou convenção ou no direito interno.



As negociações sobre a entrega



Tanto em Nova York, como em Roma, muito se discutiu se as partes do Estatuto estariam obrigadas ou não a entregarem seus nacionais ou se a cooperação com o TPI deveria basear-se em mecanismos previstos em tratados tradicionais sobre a extradição. A tese de que seria necessária a definição de um novo instituto jurídico prevaleceu. Uma das principais funções do TPI é assegurar que a persecução dos indivíduos, que tenham cometido crimes contra a comunidade internacional, fosse possível, apesar dos interesses de determinado Estado em proteger seus próprios nacionais (digamos, seus interesses pétreos paroquiais). E, para que o TPI pudesse assegurar pronta resposta internacional coordenada a crimes de extrema gravidade, foi que se entendeu que esse Tribunal deveria ter à disposição um sistema para contornar os habituais e potenciais óbices, criados normalmente pelos Estados nos tratados de extradição.

Já no projeto preliminar do Estatuto, elaborado pela Comissão de Direito Internacional, refletia-se esse intuito de permitir ao TPI ficar a cavaleiro das limitações dos tratados internacionais específicos de extradição, no caso de que um Estado tivesse aceito a jurisdição do TPI em relação a determinado crime. Essa mesma Comissão, ao comentar o artigo 53 do projeto do Estatuto, esclarece que transferência (no Estatuto de Roma, entrega) foi utilizado para cobrir todo caso em que um acusado é colocado à disposição do TPI para fins de julgamento, a fim de evitar qualquer confusão com a noção de extradição ou outras formas de entrega de pessoas entre dois Estados. Pronunciamentos oficiais do Presidente do Tribunal Penal para a antiga Iugoslávia e relatórios anuais daquele órgão salientaram que entrega de pessoas a uma corte penal internacional não é extradição. É um sistema sui-generis.





Impedimentos de extradição de nacionais



As justificativas normais para a não entrega de nacionais fundamentam-se em três principais correntes de preconceitos:



não se 'confia' no padrão de justiça criminal aplicado pelo Estado requerente;
o próprio Estado tem jurisdição (questão de soberania) sobre seus nacionais;
os Estados não deveriam jamais abdicar de qualquer parcela de soberania, sendo que a entrega de nacional à justiça estrangeira seria espécie de 'renúncia' de direitos de soberania.

Preocupações sobre eventual inadequação de procedimentos ou da legislação pertinente de um Estado requerente não se aplicam evidentemente ao Tribunal Penal Internacional. O Estatuto de Roma prevê garantias processuais que se perfilam ao mais alto padrão de respeito aos direitos dos acusados. Portanto, o preconceito 'legalista' não poderia autorizar a que a cláusula dita 'pétrea' de não extradição de nacionais viesse a barrar uma extensão da própria soberania do País: o Tribunal Penal Internacional.

A própria prática dos tribunais 'ad hoc', criados pelo Conselho de Segurança da ONU, trouxe uma expectativa favorável ao TPI.

De outro lado, não há que se questionar sobre a jurisdição dos Estados sobre seus nacionais, porque o TPI foi criado justamente para cobrir casos excepcionais, em que os Estados não possam, ou não desejem julgar seus nacionais. Esta é a própria essência do princípio da complementaridade, que, exemplificativamente, já vem sendo adotado em relação aos crimes previstos em tratados bilaterais.



Assim, em situações normais, jamais se questionaria a entrega de nacionais ao TPI, uma vez que os próprios tribunais nacionais exerceriam sua jurisdição, portanto, sua soberania. Logo, a complementaridade entre o TPI e os sistemas judiciários nacionais somente se tornará operacional, se as partes se comprometerem a entregar seus nacionais ao Tribunal. Com certa hilaridade e não sem boa dose de ironia, na ocasião dos trabalhos preparatórios de negociação para a concretização do Estatuto de Roma, dizia-se que, se os Estados se recusarem a entregar seus nacionais, a jurisdição do TPI somente se exerceria sobre nacionais exilados e turistas desavisados.



Em relação à soberania, esta não reina mais absoluta, a não ser nos alfarrábios da história absolutista hegemônica. Temos agora, como exemplo, vindo conjunturalmente a calhar, a questão da crise econômica internacional, em que os países estão quebrando, sendo obrigados a tomar empréstimos do FMI, sob condições que são desconhecidas ao grande público, mantidas como segredo de negócio entre instituições financeiras e outras partes, e que nenhum estado 'soberano' poderia desejar para seus próprios nacionais. Esta, certamente, não é a vontade do governante, nem das instituições ou das constituições vigentes. Que fazer, então, com as chamadas cláusulas 'pétreas'? Transformá-las em pão, seguindo o conselho de Satanás a Jesus Cristo, já que o governante, em princípio, é investido da autoridade divina, e está sofrendo a tentação do deserto econômico e social, representadas pelas necessidades sempre crescentes? Ou reconhecer que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que emana de Deus? Quem sobreviverá isolado com suas cláusulas pétreas na época de comunidades internacionais, que partilham de interesses comuns para atender necessidades prementes?

No caso do TPI, o próprio Estado cooperou e lá esteve presente, em todas as negociações para estabelecê-lo, e de cujo acordo é parte. A ratificação do Estatuto é um ato soberano do Estado (opção do próprio Estado em obrigar-se no momento da expressão do seu consentimento). Por esse aspecto, a jurisdição do TPI deve ser entendida como extensão das jurisdições dos Estados Partes, em nada diminuindo sua soberania.





Exceções tradicionais à extradição



São exceções normalmente previstas em tratados bilaterais, porém irrelevantes para o TPI:



atos motivantes da não extradição

delitos de reduzido poder ofensivo: todos os crimes do Estatuto de Roma são crimes extremamente graves.

2. crimes políticos


2.1. A Convenção de 1949 sobre genocídio prevê expressamente que aquele crime não deverá ser considerado crime político para fins de extradição



2.2. A Assembléia Geral (Resolução 3074 (XXVIII) declarou que a categoria de crime político não se aplica a crimes contra a humanidade e crimes de guerra



condições exigidas para a extradição:

infrações que não são passíveis de punição no Estado requerente (não se aplica ao TPI)


prescrição do delito ou da pena: os crimes de jurisdição do TPI são imprescritíveis.


ne bis in idem: está previsto no Estatuto


fato que poderia ser julgado por Tribunal de exceção: não é o caso do Tribunal Penal Internacional.


princípio da especialidade: está devidamente especificado no Estatuto.





V. O problema da recepção pelo sistema jurídico brasileiro da norma de direito internacional





A dicotomia da existência de duas ordens jurídicas - a interna e a externa - uma vez que a produção da norma externa não tem o mesmo processo de criação que origina todas as normas de direito interno. Na ordem jurídica interna a produção normativa observa, geralmente, a norma maior ou Constituição, onde estão elencadas as competências dos órgãos que têm a si o encargo de produção normativa, já na ordem jurídica externa ou internacional as normas procedem de convenções internacionais, do costume e dos princípios gerais do direito, reconhecidos pelas nações civilizadas, conforme se lê no preâmbulo do Estatuto de Roma, reconhecendo que todos os povos estão unidos por laços comuns, sendo que suas culturas estão entrelaçadas em herança compartilhada, assim como o mosaico pode ser revolvido a qualquer tempo.

A distinção entre as ordens jurídicas interna e externa pode ser buscada no objeto que ambas disciplinam. A interna é o complexo de normas do ordenamento jurídico de uma soberania, aquilo que rege as relações jurídicas dentro dela. A ordem externa é o complexo normativo, positivo ou costumeiro, que vincula duas ou mais soberanias e ou organizações internacionais, pelo disciplinamento de suas relações sujeitas ao direito internacional.

Recepção refere-se exclusivamente às relações que se estabelecem entre a ordem jurídica interna e a ordem jurídica internacional, assim que a ordem jurídica interna recebe a ordem jurídica internacional, sendo a internação da norma jurídica externa e sua incorporação na ordem normativa interna de uma soberania.



Doutrinariamente duas correntes existem para explicar a internação ou incorporação da norma jurídica externa: são os monistas e os dualistas.



As diferenças de enfoques entre os doutrinadores relacionam-se à existência ou não de uma ou de duas ordens jurídicas. Os monistas entendem que o direito interno e o direito internacional são dois ramos de um mesmo sistema jurídico, havendo, entre os monistas os que sustentam a primazia do direito interno se confrontado com o direito internacional; havendo também os que juram que o direito internacional tem prioridade sobre o direito interno. Já os dualistas dizem que o direito interno e o direito internacional são dois sistemas distintos, independentes entre si, sendo que a criação das normas é realização direta dos destinatários. Para os dualistas, a norma internacional só tem validade após seu recebimento na ordem jurídica interna. Logo a eficácia da norma jurídica internacional para os dualistas requer sua incorporação ou transformação para direito interno. Isto quer dizer que a norma internacional não terá validade se não for laborada pelo órgão nacional de aprovação do ato executivo em sede internacional. Nosso sistema constitucional designa o Executivo como competente para conduzir as relações externas e o Legislativo como competente para aprovar os atos celebrados no plano internacional. Logo, o direito internacional, para ter validade interna, não dispensa sua transformação em direito interno pelo Legislativo. Nos sistemas monistas, de primado do direito internacional, dispensa-se qualquer atividade interna de incorporação, porque se subentende que o direito interno e o direito internacional são dois ramos de um mesmo sistema jurídico.





VI. A recepção do Tribunal Penal Internacional no direito brasileiro



O Tratado de Roma já prevê como será a recepção de suas normas nos diversos sistemas internos de direito dos signatários, no seu artigo 126, item 2., isto é após o depósito de cada Estado do respectivo instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou recepção.



Normalmente os Estados signatários prometem adotar todas as medidas necessárias para assegurar, no seu território, a incorporação ao ordenamento jurídico nacional, mediante os procedimentos previstos pela legislação do país.



VII. Conclusão



O Tratado de Roma é uma norma jurídica de direito internacional extremamente bem elaborada, porque resultado do que há de mais moderno, tanto na doutrina, quanto na pratica do direito humanitário aplicado ao direito penal e ao direito processual. Quanto a estes aspectos nada há a ressalvar.



Contudo, diante do nosso ordenamento jurídico interno, temos o confronto da nova figura criada pela norma internacional que é o da entrega de nacional, o que certamente haverá de confrontar com a vedação da extradição de nacionals. Quanto às penas, há a questão da prisão perpétua (art. 77, 1.b) que o legislador interno haverá de examinar e justificar para a recepção.

(*)

Quanto ao mais, trata-se de documento de validade incontestável, cuja recomendação é pela assinatura do tratado e sua ratificação rápida.



Fonte: Escritório Online


Enviar este artigo para um amigo                            Imprimir


Para solicitar o e-mail do autor deste artigo, escreva: editor@escritorioonline.com



© 1999-2012 Escritório Online. Direitos Reservados. Leis 9.609 e 9.610/98.


Publicidade