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Escritório Online :: Artigos » Direito Internacional


Lavagem de dinheiro - Parlamento Europeu que impor aos advogados a denunciação de clientes envolvidos no chamado "branqueamento de capitais"

20/10/2000
 
Augusto Lopes-Cardoso



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EXCLUSIVO - INTERNACIONAL
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CONCLUSÕES DE SEMINÁRIO SOBRE A PROPOSTA DE
QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL DOS ADVOGADOS DA EUROPA
FRENTE À INVESTIGAÇÃO DE "LAVAGEM DE DINHEIRO"
OU "BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS"

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AVISO:
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O texto a seguir trata-se de um relatório sobre proposta em análise no Parlamento Europeu, para que advogados informem fatos relacionados ao "branqueamento de capitais" (conhecido no Brasil como "lavagem de dinheiro"), que tiverem conhecimento no exercício da sua profissão. A questão tem causado polêmica em razão da eventual quebra de sigilo profissional dos advogados.
Essa matéria está sendo trazida ao Brasil em "primeira mão", pelo Escritório On-Line.
A União Internacional de Advogados, na pessoa do seu Vice-Presidente para Portugal, Dr. Augusto Lopes-Cardoso, Bastonário (Conselheiro) da Ordem dos Advogados de Portugal, e também com a recomendação do Presidente da Ordem naquele País, o Dr. António Pires de Lima, encaminhou o trabalho ao Escritório On-Line.
Trata-se de um texto bastante interessante e indispensável para quem pretende estar atualizado com o direito internacional.
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Consta a seguir o texto na versão original (inclui apenas o programa em Francês - o restante em Português)
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1. Sob a coordenação do Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses, Dr. Augusto Lopes-Cardoso, também actual Vice-presidente para Portugal da União Internacional dos Advogados e coordenador do seu Comité Nacional, e com a intensa participação e apoio da ORDEM DOS ADVOGADOS PORTUGUESES, realizou-se na cidade do Porto de 28 a 30 de Setembro de 2000 um Seminário Internacional, subordinado ao tema de O Segredo Profissional na Advocacia e a Directiva relativa ao Branqueamento de Capitais (PROFESSIONAL CONFIDENTIALITY IN THE EUROPEAN UNION THE DIRECTIVE ON MONEY LAUNDERING).
Participaram 90 Advogados de doze países, com a presença do Presidente e outros membros do Comité Director da U.I.A..
Eis o respectivo e atraente programa, no seu texto francês:

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Union Internationale des Avocats
International Association of Lawyers
Unión Internacional de Abogados

Comite National Portugais
Portuguese National Committee
Comité Nacional Português

Le secret professionnel dans l’Union Européenne
La directive sur le blanchiment de l’argent
(de l’essence du secret; perspectives deontologique, de la prevention, de l’investigation et du jugement criminel, bancaire, fiscal, communautaire)

THE CONFIDENTIALITY IN THE EUROPEAN UNION
THE DIRECTIVE ON MONEY LAUNDERING

O SEGREDO PROFISSIONAL NA UNIÃO EUROPEIA
A DIRECTIVA SOBRE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS

(da essência do segredo; perspectivas deontológica, da prevenção, investigação e julgamento criminal, bancária, fiscal, comunitária)

Jeudi 28, Vendredi 29 et Samedi 30 septembre 2000
Thursday 28, Friday, 29 and Saturday, 30 September 2000
Quinta-Feira 28, Sexta-feira 29 e Sábado 30 de Setembro 2000

Avec la collaboration de / With the collaboration of / Com a Colaboração de ORDEM DOS ADVOGADOS DE PORTUGAL
Avec le soutien de / With the support of / Com o apoio de Banco Comercial Português

Asociação Comercial do Porto
Fundação de Serralves
real companhia velha
P O R T O

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Jeudi 28 septembre 2000
18h00 Transfert en bus des hôtels du Séminaire aux Caves « Real Vinícola »
18h30 Réception et « Porto d’Honneur » dans les Caves « Real Vinícola »
MESSAGES DE BIENVENUE
António PIRES DE LIMA, Bâtonnier de Ordem dos Advogados de Portugal, Lisbonne, Portugal
Luis DELGADO DE MOLINA HERNANDEZ, Président de l’Union Internationale des Avocats, Alicante, Espagne
Augusto LOPES-CARDOSO, Vice-Président National de l’Union Internationale des Avocats au Portugal, Ancien Bâtonnier, Porto, Portugal
Orlando GUEDES DA COSTA, Président du Conseil de Porto de Ordem dos Advogados de Portugal, Porto, Portugal
19h00 Visite guidée des chais de Vin de Porto dans les Caves « Real Vinícola »
20h00 Dîner dans les Caves « Real Vinícola »
Vendredi 29 septembre 2000
8h30 Transfert en bus des participants des hôtels du Séminaire à la Fondation Serralves
9h00 – 9h30 ENREGISTREMENT DES PARTICIPANTS – FOndaTION Serralves
9h30 – 11h00 SÉANCE D’INAUGURATION
António COSTA, Ministre de la Justice, Portugal
António PIRES DE LIMA, Bâtonnier de Ordem dos Advogados de Portugal, Lisbonne, Portugal
Luis DELGADO DE MOLINA, Président de l’Union Internationale des Avocats, Alicante, Espagne
11h00 – 11h30 Pause-café
11h30 – 13h00 PREMIÈRE SÉANCE:
Président de Séance:
António PIRES DE LIMA, Bâtonnier de Ordem dos Advogados de Portugal, Lisbonne, Portugal
Intervenants :
11h30 – 12h00 Augusto LOPES-CARDOSO, Vice-Président National de l’Union
Internationale des Avocats au Portugal, Ancien Bâtonnier, Porto, Portugal
12h00 – 12h30 Bernard CAHEN, Ancien Président de l’Union Internationale des
Avocats, Cahen & Associés, Paris, France
12h30 – 13h00 Luís LINGNAU DA SILVEIRA, Procureur Général Adjoint,
Procuradoria Geral da República, Lisbonne, Portugal
13h00 – 14h30 Déjeuner – Fondation Serralves
14h30 – 18h00 DEUXIÈME SÉANCE :
Président de Séance :
Luis DELGADO DE MOLINA, Président de l’Union Internationale des Avocats, Alicante, Espagne
Intervenants :
14h30 – 15h00 - Bernard GRELON, UGGC, Paris, France
15h00 – 15h30 – Nicolas STEWART, q.c., Premier Vice-Président de l’Union Internationale des Avocats, Hardwicke Building, Londres, Royaume Uni
15h30 – 16h00 Pause-café
Intervenants :
16h00 – 16h30 – José Manuel RUBIO GOMEZ CAMINERO,
Bâtonnier, Barreau de Badajoz, Badajoz, Espagne
16h30 – 17h00 - Pascal MAURER, Président de la Commission « Défense de la Défense » de l’Union Internationale des Avocats,Keppeler & Associés, Genève, Suisse
17h00 – 17h30 - Salvatore ORESTANO, Rome, Italie
18h00 Transfert des participants vers les hôtels du Séminaire
19h30 Transfert des participants des hôtels du Séminaire au Palais de la Bourse pour le Dîner de Gala
20h00 Dîner de Gala au Palais de la Bourse
(Optionnel – sur inscription)
23h00 Transfert du Palais de la Bourse aux hôtels du Séminaire
Samedi 30 septembre 2000
9h30 Transfert des participants des hôtels du Séminaire à la Fondation Serralves
10h00 – 13h00 TROISIÈME SÉANCE :
Président de Séance :
Orlando GUEDES DA COSTA, Président du Conseil de Porto de Ordem dos Advogados de Portugal, Porto, Portugal
Intervenants :
10h00 – 10h30 Carlos CANDAL, Membre de la Commission Justice et Marché Intérieur, Parlement Européen, Aveiro, Portugal
10h30 – 11h00 John FISH, Représentant du Conseil Consultatif des Barreaux d’Europe (CCBE), Strasbourg, France
11h00 – 11h30 Pause-café
11h30 – 12h45 TABLE RONDE
Modérateur :
Luís Miguel NOVAIS, Directeur Adjoint du Développement, et Vice-Président de la Commission « Avenir de l’Avocat » de l’Union Internationale des Avocats, Novais & Loureiro, Porto, Portugal
Intervenants :
Augusto LOPES-CARDOSO, Vice-Président National de l’Union Internationale des Avocats au Portugal, Ancien Bâtonnier, Porto, Portugal
José Manuel MATOS FERNANDES, Juge Conseiller, Supremo Tribunal de Justiça, Porto, Portugal
Modesto BARCIA LAGO, Battônier, Colegio de Abogados de Pontevedra, Pontevedra, Espagne
12h45 CLÔTURE DU SEMINAIRE
António PIRES DE LIMA, Bâtonnier de Ordem dos Advogados de Portugal, Lisbonne, Portugal
Luis DELGADO DE MOLINA, Président de l’Union Internationale des Avocats, Alicante, Espagne
13h00 Transfert des participants à Ribeira pour le déjeuner-croisière
13h30 Déjeuner-croisière sur le Douro « Les Ponts de Porto »
Dimanche 1º octobre 2000
7h00 – 20h00 Excursion Post Séminaire
(Optionnel – sur inscription)

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2. Não pode, nem deve, tratar-se a matéria que especializadamente nos ocupa neste Seminário sem buscar a essência daquilo que lhe subjaz: o Segredo Profissional.
Se o não fizéssemos corríamos o risco de admitir que a violação do segredo profissional do Advogado seria apenas um meio, de entre outros, da justa luta contra o hoje chamado «branqueamento de capitais».

E talvez ficássemos aquietados na nossa consciência profissional, se não mesmo na nossa consciência democrática. Tratar-se-ia apenas de "um caso de polícia"! E até ficávamos, porventura, convencidos de que o melhor dos mundos será aquele que procura intransigentemente a verdade, doa a quem doer, seja por que meio for.

Em suma: lobrigaríamos a árvore e seríamos incapazes de ver a floresta. Ou, então, cantaríamos louvores àquela busca de "verdade" com o mesmo à-vontade com que, em antes, se aceitavam como meios as «ordálias» ou a tortura e a obtenção obsessiva da confissão como meio único ou, quiçá, a violação grosseira da intimidade da vida privada ! Os «meios processuais» medievais e, mais recentemente, os estalinistas ou nazis tiveram tentações e "realizações" semelhantes !

3. É frequente proclamar-se que a essência do Segredo Profissional reside na relação de confiança que o Cliente tem para com o Advogado. Mas o simples facto de se verificar - entre nós como em outros Países - que também é estabelecida a obrigação de sigilo em favor de outrem, designadamente da «parte contrária», com a qual o Advogado, por si ou através do Colega que patrocina aquela, estabeleceu relações de «fidutia» que urge preservar, basta para concluir que é muito limitada a dita proclamação de essência.

Deverá dizer-se, pois, que o segredo profissional merece foros de instituto de direito autónomo.

Assim acontece no Código Deontológico do CCBE, que lhe reserva a definição, destacada e depois pormenorizada, de um dos "princípios gerais" definidores da actividade de advogar. E é seguramente também por isso que no nosso Estatuto da Ordem dos Advogados o artº 81º regula esta matéria com autonomia de regra basilar de Deontologia, quer no plano substantivo quer no de natureza processual; e outras normas do mesmo Estatuto são, no fundo, explicitações daquela.

4. Não é, assim, exagero dizer-se que a natureza da obrigação de segredo profissional está intimamente ligada à natureza da própria profissão e tem uma tradição histórica marcada entre todos os países de raiz romano-germânica e mesmo saxónica. É essa seguramente a razão que leva o Código Deontológico do CCBE a proclamar com ênfase que o segredo profissional é "o direito e o dever primeiro e fundamental do Advogado".

Como justamente se tem dito - embora por vezes daí retirando consequências excessivas - a natureza jurídica inerente não é do foro contratual.

O serviço "da justiça e do Direito", que deve timbrar o exercício profissional do Advogado, tem a ver com a "honra" e com as "responsabilidades" inerentes, como se diz paradigmaticamente no Estatuto português.

5. Como demos a entender, na base do segredo profissional está sempre uma exigência da confiança depositada no Advogado. Por isso, pôde o Código Deontológico do CCBE afirmar, de maneira mais programática que normativa, que "sem a garantia da confidencialidade não pode haver confiança", assim pondo o acento tónico na moldura do sistema.

Antes de mais, trata-se duma relação de confiança intensa entre o Advogado e aquele que, fazendo fé naquele "serviço", naquela "honra" e naquelas "responsabilidades", se lhe "confia", entregando-lhe, como soe dizer-se, a defesa da fazenda e da honra próprias. Para tanto, tal como expressa o ditado popular, o "cliente" devia, ou teve de, «dizer-lhe toda a verdade», com tudo o que isso implica de abertura de alma e de capacidade de ser ouvido, e de ser defendido de acordo com critérios de justiça e de oportunidade não isentos de boa dose de subjectivismo.

Não é inútil afirmar que, ao contrário do que porventura se pretende exigir-lhe, o Advogado só é obrigado à objectividade consentânea com o respeito pela verdade possível. Jamais ao serviço de uma verdade a qualquer preço.

A sua actuação, com efeito, está e tem de estar naturalmente eivada de subjectivismo, e até, não se receie dizê-lo, de parcialidade, porque ele não pode deixar de ver com mais acuidade a "verdade" do seu cliente. Todavia, ele não se "mistura" nem deve "misturar" com o patrocinado, pois que por preço nenhum "vende" a sua independência e isenção, razão pela qual é chamado frequentemente a fazer de "advogado do diabo", com as consequências de obrigar quem o procura a ver mais claro, ou de ele próprio chegar à conclusão de que não deve exercer o patrocínio que lhe é pedido. Mas em toda esta delicada relação tudo deve confinar-se ao sigilo, sob pena de o Advogado não ser Advogado !

6. No entanto, se a matriz do sigilo é, desde logo, consectário natural da relação de prestação de serviços profissionais a alguém, o "cliente", em função do qual a profissão existe, aquele mesmo sigilo torna-se num autentico compromisso com a sociedade. E nesse compromisso reside muito da eminente dignidade da Advocacia.

Não é por outra razão que o segredo profissional vai ter frequentemente outros destinatários ou beneficiários para além do "cliente". O Advogado, nas suas múltiplas relações sociais profissionais (e até fora delas, como sintomaticamente refere o nosso artigo-chave da Deontologia) é, e deve ser, merecedor de confiança e de isenção na sociedade. A conciliação de interesses, que faz dele um privilegiado pacificador das relações sociais, exige intensamente aquelas qualidades.

Vem sendo dito, por tudo o que expusemos em síntese, que, mais até do que do próprio profissional, o segredo é "um dever de toda a classe", é condição da "plena dignidade" do Advogado como da Advocacia.

Ora, em todas estas circunstâncias o Advogado "fica na mão" com o conhecimento de factos, que nunca pode trair, pela confiança que significou serem-lhe revelados.

Na verdade, não fora o dever de sigilo e seria insuportável o clima de gravíssima suspeita que recaía sobre o Advogado, pudesse ele propalar o que lhe foi transmitido. Ao comprometer a honra alheia malbaratava até à abjecção a honra própria. Não podia ser.

De modo que as referidas independência e isenção não lhe permitem só o silêncio. Exigem-lho.

A "fidutia" não desrespeita essas virtudes. Pelo contrário, é penhor delas. A "dependência moral" que essa confiança comporta é, afinal, garante das proclamadas independência e isenção da profissão, sabido até que ninguém, nem o próprio cliente, em princípio, pode "obrigar" o seu patrono a revelar os factos sigilosos.

Justo é mesmo dizer, e proclamar que a isenção e independência do Advogado em que se radica, como «pão para a boca» a obrigação de sigilo é um dos pilares do Estado de Direito e, logo, da Democracia. Não é por acaso que os regimes totalitários amordaçam a Advocacia e não toleram que o Advogado guarde segredo no exercício da sua nobre profissão.

Por isso, o respeito pelo segredo profissional representa uma evolução histórica do Direito, designadamente no âmbito da investigação criminal, com paralelismo com o respeito pelo segredo religioso, como com o uso indiscriminado de quaisquer meios contrários à integridade física ou moral para a obtenção de provas.

7. Não admira, assim, que a violação de tão transcendente obrigação seja acompanhada de forte reprovação social. Se esta reprovação se encontra na generalidade das legislações democráticas, afigura-se-nos que o sistema português é particularmente perfeito.

Deste modo, no plano do Direito Criminal encontra.-se definido o crime proveniente da violação do sigilo (o artº 184º do Código Penal), ainda que com o requisito de que aquela seja susceptível de causar prejuízo.

A censurabilidade da violação comina-a também como uma gravíssima falta disciplinar, a apreciar e julgar pela Ordem dos Advogados. E, como é hoje entendimento unânime, a responsabilidade disciplinar é cumulável com a responsabilidade penal e com a civil.

A mesma reprovação se faz sentir no plano processual ou do Direito probatório. Assim é no campo do Processo Civil português em que se considera a inabilidade dum depoimento testemunhal feito com violação de segredo profissional.

E no plano do Processo Penal é estabelecido que "(...) os Advogados (...) podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo". Como tem sido dito, esta prevenção inscreve-se no quadro dos direitos de defesa: a delação do Advogado, comprometendo designadamente o cliente, traduzir-se-ia em atribuir - em contradição com importante princípio processual penal - valor decisivo à "confissão" por interposta pessoa, o que desde há muito é considerado uma aberração relegada para o caixote do lixo da evolução do Direito.

Mais sinteticamente, e de uma maneira mais completa porque prevê a protecção tanto "a priori" como "a posteriori", o artº 81º-5 do Estatuto da Ordem dos Advogados determina que «não podem fazer prova em Juízo as declarações feitas pelo Advogado com violação de segredo profissional», norma esta que tem aplicação em qualquer tipo de processo.

Finalmente, estas conclusões parecem de apadrinhar sem reservas no ordenamento jurídico português se tivermos ainda em consideração a norma genérica de carácter probatório que emana do artº 32º-6 do Constituição da República Portuguesa, segundo a qual «são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações».

Com efeito, entendemos que a violação da reserva sigilosa representa uma abusiva intromissão na vida privada, na medida em que representa a defraudação da justa esperança e confiança em que determinado profissional (no caso o Advogado) compartilhe de maneira privilegiada da privacidade necessária à respectiva relação profissional.

Por isso que qualquer norma - ainda que oriunda de Directiva Comunitária, como está neste momento em causa - que ponha em causa este primacial princípio constitucional terá de vir a ser considerada como inconstitucional.

8. Cremos ser importante centrarmo-nos agora na legislação portuguesa, se bem que de maneira muito breve, sobre alguns casos de exigência de revelação do segredo profissional, precisamente aqueles que podem quadrar-se com o Tema deste Seminário. De facto, o nosso sistema é, de há muito, dos mais perfeitos.

Desde sempre que qualquer revelação de segredo profissional só pode ser feita com a audição da Ordem dos Advogados (do Presidente do Conselho Distrital, com recurso para o Bastonário, este de âmbito nacional) - ou seja, nem sequer por alvedrio do próprio Advogado ou de acordo apenas com a sua consciência profissional.

E hoje o regime de audição da Ordem tem a exigência especial de «autorização» (e não mero parecer), pelo que na falta desta o segredo não poderá ser revelado.

Durante muito tempo era apenas o Advogado que possuía legitimidade para requerer a autorização.

Mas desde 1987, no âmbito do Processo Penal, e desde 1991, no do Processo Civil, que veio introduzir-se uma inovação que permite à «autoridade judiciária», com relevo para o Juiz, ordenar o depoimento do Advogado, sobre factos sigilosos, em certas circunstâncias. Isto é, desde então a iniciativa para a revelação dos factos sigilosos já não pertence apenas ao Advogado, inovação aceite pela Ordem com todos os riscos que ela comporta mediante o complemento de regime que se segue.

9. Ora, das novas normas processuais em vigor resulta que o princípio-base é o de que, intimado a depor, o Advogado pode principiar por escusar-se a fazê-lo.

E o regime seguinte é este: «Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena ou requer ao Tribunal que ordene, a prestação do depoimento». Esta «ilegitimidade» pode, obviamente, resultar desde logo de haver a convicção de que a dita escusa não passaria de uma mero pretexto para não depor, por os factos, afinal, não serem do âmbito do segredo profissional.

Então, o Tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, noutros casos, um Plenário de Juizes alargado, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional se se verificarem certos pressupostos.

Quais são eles ?

10. Um deles é precisamente o de não haver legitimidade para a escusa, no caso de não haver factos sigilosos no verdadeiro sentido: por exemplo, se o Advogado conhece os factos fora do exercício da sua profissão.

A outra hipótese é a de subsistirem valores superiores ao do dever/direito ao sigilo, que, por isso, justifiquem fazer cessar o já "legítimo" direito à escusa.

Justificar-se-á, então e legalmente, a violação do segredo para «cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior», ou por se «visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim».

11. Mas não basta ainda isso para que a revelação seja exigível. Com efeito, certo é que, quer numa das hipóteses (falta do "direito" à escusa ou «ilegitimidade»), quer na outra (cessação do direito à escusa «legítima»), a decisão obrigando o Advogado a depor só pode ser tomada após audição da Ordem dos Advogados, e isso «nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável». Ou seja, não basta também o alvedrio ou a prudente decisão da autoridade judiciária para obrigar o Advogado a depor ou a revelar por outro meio (p.ex. junção de documentos existentes no escritório) os factos sujeitos a segredo. A lei é expressa e clara.

Quer isso dizer, que tudo vai depender da «autorização» que o órgão competente da Ordem dos Advogados conceda ou não. Deste modo, a audição da Ordem tem carácter vinculativo, não só quanto à respectiva solicitação pela «autoridade judiciária» como quanto ao respectivo resultado: autorizar ou não autorizar».

Na verdade, segundo o EOA, e, logo, segundo os «termos» e os «efeitos» previstos neste, a pronúncia dos órgãos da Ordem dos Advogados com competência em matéria de dispensa de segredo profissional não se traduz num mero "parecer", mas em "prévia autorização", o que é, sem sombra de dúvidas, substancial e juridicamente diferente.

Segue-se que podem aqueles órgãos da Ordem não conceder aquela autorização, quando ouvidos pela autoridade judiciária ou pelo Tribunal, o que é o suficiente para que não possa ser imposto ao Advogado o depoimento.

12. Como é evidente, este regime é de grande isenção, responsabilidade e exigência para a Ordem dos Advogados e é fruto do grande prestígio da Instituição no sistema judiciário nacional. Preserva-se a dignidade do segredo profissional na Advocacia e é conferida a devida competência a quem (a Ordem dos Advogados, com relevo para o Bastonário nacional) pertence velar por matéria tão transcendente.

Ademais esta decisão a nível da Ordem dos Advogados não é susceptível de ser contrariada pela «autoridade judiciária», dentro do já citado princípio da nulidade das provas produzidas com violação de segredo profissional.

E - como vimos sustentando com larga argumentação - aquela mesma decisão não pode ser objecto de recurso para os Tribunais. Isto sob pena de verdadeira aberração do sistema, que, afinal, se traduziria na publicitação prévia dos factos sigilosos … pretendidos revelar ! Seria o fim !

13. Chegados aqui neste grande esforço de síntese - desculpem-me os que pacientemente me têm escutado - é altura de introduzir o tema que especialmente nos ocupa neste Seminário: o da Proposta de Directiva Comunitária sobre o «branqueamento de capitais». E pretendemos fazê-lo evitando retirar campo a tantas intervenções esperadas, seguramente da maior qualidade científica, e designadamente as relativas a cada legislação nacional ou até à recomendações recentes do CCBE.

E principiamos precisamente por onde tinha terminado a nossa rápida reflexão sobre a intervenção da Ordem dos Advogados portuguesa na delicada matéria da obtenção de provas em Processo - agora com particular incidência no Processo Criminal.

Efectivamente, o último texto da Proposta de Directiva de que o Seminário se vai ocupar manteve uma norma essencial, que já representou uma enorme evolução desde o seu texto primitivo. Referimo-nos ao seu artº 6º-3, segundo o qual, no caso da profissão de Advogado,

«os Estados-Membros podem designar a Ordem dos Advogados ou outro órgão de auto-regulamentação adequado da profissão como a autoridade visada no nº 1, e neste caso devem ser previstas formas apropriadas de cooperação entre essas entidades e as autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais.»
Está em causa, portanto, a futura regulamentação da Directiva. E trata-se, em particular, de ter havido iniciativa de entidade responsável (a que genericamente podemos chamar de "autoridade judiciária") para a obtenção de elementos probatórios a respeito do branqueamento de capitais.
Ora, como vimos, o regime português já comete à Ordem dos Advogados funções prestigiantes e decisivas nesta matéria de autorizar ou não a revelação de factos sigilosos, por solicitação de "autoridade judiciária".

Quer isso dizer, que é premonitória, mas no caso português meramente explicativa, a dita norma da Proposta de Directiva. Ou seja, a Directiva está regulamentada «avant la lettre»: o Estado Português já encarregou a Ordem dos Advogados daquilo que ali se pretende prever.

Este último texto da Proposta (que se não continha nos textos antecedentes) foi uma inteligente e alertante inovação de quem teve a noção de que se estava a correr o grave risco de destruir na sua alma a profissão de Advogado, assim constrangendo e involuindo a Democracia e o Estado de Direito.

O que daqui resulta é, por consequência, que, cada vez que uma «autoridade responsável pela luta contra o branqueamento de capitais» pretenda, em fase de prevenção criminal ou de repressão criminal, que um Advogado lhe forneça determinados elementos do tipo dos que (o projecto) de Directiva prevê (que vão desde a documentação do dossier à sua prestação de depoimento), terá de solicitá-lo por intermédio ou pela autorização dos já citados órgãos da Ordem dos Advogados competentes, que a concederá ou não sem recurso da respectiva decisão.

14. Entendemos, porém, que, uma vez concedida a autorização, terá o Advogado de sujeitar-se a essa revelação, não lhe sendo já lícito (ao contrário dos outros casos) invocar a norma estatutária de que, mesmo que dispensado o sigilo, pode não o quebrar.

É que na concessão da autorização solicitada pela autoridade judiciária está implícita a absoluta necessidade da revelação e, por ter sido ajuizado que subsistiam valores superiores, a obrigação de colaborar com a Justiça.

Escusado será realçar mais uma vez a enorme responsabilidade que cabe aos ditos órgãos da Ordem. Como resulta claramente do regime da concessão da «autorização» em geral, eles possuem, para esse efeito, uma larga competência para esclarecimento próprio, a fim de decidirem tão delicada matéria. E, como é do sistema, toda a colheita de elementos pela Ordem, que pode e deve exigir a revelação dos factos para consigo mesma a fim de poder emitir uma pronúncia correcta, tudo fica, pos sua vez, no sigilo dos seus arquivos.

15. Regressando, porém, à parte substantiva, convém dizer de uma vez por todas que os Advogados não são nem podem ser cidadãos privilegiados, nem é disso que cura em caso algum o dever de segredo profissional.

Por isso, jamais estará em causa matéria desta natureza se o Advogado, ele mesmo, é suspeito de autor ou cúmplice de crime de branqueamento de capitais. Nesse caso a investigação é e deve ser livre e ampla, pois que não pode um regime excepcional pôr o Advogado a coberto das suas responsabilidades criminais.

15. Situação diferente, a que a Proposta de Directiva veio a atender, nas suas mais recentes formulações, é a que permitiu consignar no artº 6º-3 que

«Os Estados-Membros não têm de aplicar as obrigações previstas no nº 1 aos membros dessas profissões jurídicas, quanto às informações que àqueles tenham sido dadas por um cliente para a sua representação num processo judicial (ou "procedimento legal" ?). Esta exclusão das ditas obrigações não se aplica aos casos em que haja razões para suspeitar que foi pedido conselho com o fim de facilitar o branqueamento de capitais.»
Tal norma visa garantir o direito de defesa, ou, como costuma proclamar a U.I.A. em feliz expressão, a defesa da defesa.
Mas o preceito está longe de ser claro, não sendo designadamente evidente (até pela tradução) se está em causa apenas a representação em processo que esteja em Tribunal ou, também, a representação em outro tipo de procedimento legal como seja a intervenção junto de entidades várias. Esperemos que este Seminário esclareça esta dúvida.

16. Finalmente não deveremos deixar de apontar um aspecto da Proposta de Directiva que continua a ser preocupante.

Efectivamente, no artº 6º-1 manteve-se até hoje, também a respeito dos Advogados, a obrigação de os Estados-Membros estabelecerem normas pelas quais estes

«(…) colaborem plenamente com as autoridades responsáveis pela luta contra o branqueamento de capitais:
a) informando-as, por iniciativa própria, de quaisquer factos que possam constituir indícios dum branqueamento de capitais».
Já não se trata, assim, do âmbito da iniciativa de quem faz investigação criminal, mas da exigência de que a comunicação de factos seja feita por iniciativa própria do Advogado.
Desta feita, comete-se-lhe uma participação activa na dita luta precisamente enquanto exerce a sua profissão. E, mais delicado ainda, pretende-se que, para tanto, proceda ou actue em relação a clientes que o procuram e a respeito dos quais possa haver uma suspeita de branqueamento de capitais através das actividades ou acções dadas a conhecer ao próprio Advogado.

Dito de outro modo, o legislador parte do princípio – o qual reputa de teoricamente objectivo - de que certo tipo de acções, que tipifica de modo especial no nº 5 do artº 2º-bis, são propícias ao branqueamento de capitais (e que, diga-se de passagem, são de grande extensão). E, dando como normal que esse tipo de acções ou actos têm necessidade da intervenção jurídica de Advogado ou são frequentemente praticados por este em representação do Cliente (sobretudo, por exemplo, nos casos dos chamados investimentos estrangeiros), entende que se justificará, por princípio, que seja obtido através do Advogado a informação da prática de tais acções ou actos e dos seus beneficiários, para que os órgãos competentes para a investigação sobre o branqueamento de capitais, destinatários dessa informação, possam verificar de seguida, pelos seus próprios meios, se há ou não motivo para considerarem que ocorreu ou vai ocorrer tal branqueamento (prevenção ou repressão).

17. Por um lado, faltará saber quais as consequências jurídicas pretendidas com esta obrigação de iniciativa própria.

Nada diz a Proposta de Directiva a esse respeito. É de esperar que sejam as legislações nacionais a retirar daí os devidos efeitos. E mal se compreenderá que não seja criada norma interna sem a correlativa sanção por ser violada tal tipo de obrigação ! Como ? Não vemos como, senão com a criação de uma "classe privilegiada" de delatores ou esbirros !

Uma coisa seria certa: embora o regime não tenha sido pensado para situações como esta, seria inaceitável que o Advogado delatasse factos sem prévia autorização da Ordem dos Advogados. Mas isto mal serviria de panaceia !

18. É que, por outro lado, devemos afirmar que deve ser excluída e considerada decisivamente indesejável a criação de qualquer obrigação que possa ser estabelecida como impendendo sobre os Advogados de, por sua iniciativa, denunciarem factos conhecidos nas suas relações com os clientes às entidades em causa (agora as encarregadas da luta contra o branqueamento dos capitais).

Em circunstância nenhuma os Advogados deverão poder vir a ser incumbidos de denúncia dos seus clientes, nem que sob os inocentes auspícios de se tratar "apenas" dos actos que o legislador teve por propícios ao branqueamento de capitais.

Nunca os Advogados foram na sua longa História esbirros, nem o podem vir a ser, e tampouco algozes ou agentes da investigação.

A postura que se lhes pretende imputar é a negação mais absoluta da confiança que a sociedade deposita e tem de depositar neles, e da particular "fidutia" que cada Advogado merece a quem o procura. Entre a negação de patrocínio e a delação vai um abismo que nenhum poder pode saltar, tal como o sol se não tapa com uma peneira.

Admitir o regime da iniciativa delatória do Advogado seria ferir de morte a nobreza da profissão e seria, com a pretensão de a alcandorar, rebaixar a actividade profissional a um torpe instrumento do poder, ainda que sob a capa da sacrossanta "verdade material", tantas vezes tentação totalitária da investigação criminal, que já serviu historicamente para outros graves atentados ao Homem.

19. Em pleno decurso do Seminário ocorreu a aprovação no ECOFIN do texto do Projecto de Directiva, com algumas alterações, tudo ainda sujeito a «nova leitura» pelo Parlamento Europeu, o que permitirá que o texto definitivo passe ainda pelo crivo de Juristas competentes, depois de uma visão meramente economicista do dito ECOFIN, onde estão presentes apenas os Ministros das Finanças dos Países da U.E..

Por isso – mas também porque os Advogados nunca deixarão de lutar a favor dos Direitos Fundamentais, até conseguirem a sua definitiva consagração, sobretudo quando eles estão a ser postos em causa – foi emitido a partir do Porto, como tomada de posição unânime, a chamada «RESOLUÇÃO DO PORTO DA U.I.A», dirigida a todos os Governos da U.E. e aos órgãos dirigentes desta e a todas as Ordens de Advogados, com o seguinte conteúdo:

«Os Advogados reunidos no Porto, pertencentes a oito Países da U.E. e a quatro não comunitários, a convite da UIA e da ORDEM DOS ADVOGADOS PORTUGUESES para debater o Segredo Profissional e o Projecto de Directiva sobre o Branqueamento de Capitais, adoptaram as seguintes conclusões:

1ª - O Segredo Profissional do Advogado é um direito fundamental do cidadão e um dever essencial do Advogado, de que este não pode dispor livremente, indispensável ao Estado de Direito e ao bom funcionamento da Justiça, garantido pelos art.ºs 6º e 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pela jurisprudência constante do Tribunal de Estrasburgo.

2ª - O Seminário considera, por unanimidade, que a tentação de confundir o papel das autoridades judiciárias com a defesa e aconselhamento em matéria jurídica constitui um recuo na organização democrática da sociedade.

O Seminário convida o conjunto das Ordens e demais organizações profissionais de Advogados europeus a manter a sua vigilância sobre a evolução do projecto de Directiva em discussão e a tomar todas as iniciativas necessárias à manutenção dos princípios essenciais supra mencionados.

3ª - O alargamento do campo de aplicação do projecto de Directiva, da perseguição do crime organizado de tráfico de estupefacientes ao da protecção "dos interesses financeiros da comunidade", insuficientemente precisados, constitui uma grave preocupação.

Exortam-se o Parlamento Europeu e os Ministros da Justiça à defesa, sem compromissos equívocos, dos fundamentos do Estado de Direito e dos Direitos Individuais dos cidadãos.»

AUGUSTO LOPES-CARDOSO, Bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal

Fonte: Escritório Online


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