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Escritório Online :: Artigos » Sociologia e Filosofia do Direito


O Poder Judiciário e a conveniência do mais forte: sob olhar de Platão

16/12/1999
 
Fabiano André de Souza Mendonça



É sensível, por vezes, um desprezo nos meios jurídicos pátrios pelo conhecimento de caráter filosófico. Em geral, oriundo da dificuldade dos bancos universitários – felizmente, nem todos – em desnudar para o estudante, egresso em sua maioria do ensino secundário, as questões de fundo envolvidas na prática cotidiana. Para saldar essa dívida não se faz preciso trilhar um longo caminho nas sendas do pensamento. Mas, como o corpo humano, que se compraz, para uma vida saudável, em ter todas as suas partes em bom estado de funcionamento sem, todavia, precisar, para bem existir, ter o físico de um atleta de alto rendimento adaptado a determinado esporte ou os contornos próprios a específica concepção estética, o pensamento jurídico também precisa buscar sua harmonia.
Assim, não é universalmente exigível um criterioso domínio desse ramo do conhecimento. Porém, como um coração imaculado, com certeza, para que o corpo do jurista esteja em bom estado, mostra-se indispensável que o seu raciocínio também esteja, pelo menos, bem treinado. Algo que se mostra imprenscindível numa ciência que tem a pretensão de reger a conduta humana ou, ao menos, estudar esse fato.

Por isso, o estudo aqui desenvolvido não tem a ousadia de solucionar o problema contido no título. O que se busca, tão-somente – e aí está o objetivo, é aclarar as variáveis envolvidas no tema que possam servir de base ao posterior desenvolvimento de questões éticas junto ao profissional do Direito, seja ele professor, advogado, magistrado ou membro do Ministério Público (principais carreiras da área, o que não exclui inúmeras outras atividades, nos setores público e privado, que exijam o devido conhecimento científico).

A discussão que ora se coloca em análise tem foco no livro I de "A República", de Platão. Utilizando-se da dialética e em debate com Trasímaco, que defende a Justiça como "a conveniência do mais forte", Platão, através da personagem Sócrates, mostra que o forte também pode se enganar. E, quando isso ocorre, obedecer suas ordens é ir de encontro a ele próprio, o que transformaria essa posição na conveniência do mais fraco. Ao que Trasímaco responde:

"Julgas que eu chamo mais forte ao que erra, quando ele erra?" (…) "nenhum artífice se engana. Efectivamente, só quando o seu saber o abandona é que quem erra se engana e nisso não é um artífice. Por conseqüência, artífice, sábio ou governante algum se engana, enquanto estiver nessa função, mas toda a gente dirá que o médico errou. Tal é a acepção em que deves tomar a minha resposta de há pouco. Precisando os factos o mais possível: o governante, na medida em que está no governo, não se engana; se não se engana, promulga a lei que é melhor para ele, e é essa que deve ser cumprida pelos súbditos. De maneira que, tal como declarei de início, afirmo que a justiça consiste em fazer o que é conveniente para o mais poderoso."


Porém, Sócrates, por meio de exemplos, afirma que:
"nenhum chefe, em qualquer lugar de comando, na medida em que é chefe, examina ou prescreve o que é vantajoso a ele mesmo, mas o que o é para o seu subordinado, para o qual exerce a sua profissão, e é tendo esse homem em atenção, e o que lhe é vantajoso e conveniente, que diz o que diz e faz tudo quanto faz."
Observe-se que aqui não se adentrará na discussão acerca da justiça como conveniência do mais forte ou do mais fraco. Expor-se-á determinada conceituação acerca do Judiciário e confrotar-se-á com a colocação que faz Sócrates.
Diz Trasímaco que o Governante, quando erra, não o faz na qualidade de governante. Essa posição leva a interessante análise do fenômeno jurídico. Adote-se a então como princípio.

O governante, então, será considerado na figura do Poder Judiciário. O qual pode, até mesmo, configurar uma oligarquia. Assim, um específico tipo de lei é considerado: a decisão judicial. Desse modo, encaixa-se o Poder Judiciário no quadro da política estatal, como um dos órgãos de manifestação da vontade do Estado.

A pergunta que comumente é feita e que, não raro, leva a digressões de cunho mais poético que científico ou filosófico, é: até que ponto cabe ao Judiciário seguir a "verdadeira Justiça"? Noutras palavras, em sendo esse órgão um braço do Estado, estaria ele livre de seguir as determinações do grupo historicamente dominante.

Aqui, abrem-se brechas para análises do papel do Judiciário na sociedade e na perpetuação da normatividade social vigente. Todavia, isso fugiria, de maneira imediata, à presente indagação, que pede uma reflexão mais objetiva.

Se for entendido o Direito como sendo o padrão ideal de conduta, capaz de proporcionar uma maior coesão social e, conseqüentemente, um maior desenvolvimento do grupo, então, ele se iguala ao que o senso comum tenta definir por Justiça.

Deve o Judiciário segui-lo?

É fato que nem sempre o julgador opta por uma decisão que se alinha com o Direito, nos termos da noção acima mencionada. Dir-se-ia: quando optasse estaria realizando o verdadeiro julgamento, aplicando a razão da verdadeira força, e, quando não o fizesse, não estaria no exercício de seu poder político.

A questão, aqui, não se trata de definir qual seria o raciocínio, a ética, mais forte. Mas, sim, constatar o que então ocorre. Para não incidir-se na crítica dirigida por Sócrates a Trasímaco, é preciso compreender bem o Judiciário como um mero órgão do Estado.

E, no que tange a dizer que o Governante atenta primeiro para os governados, vê-se o delineamento de um novo papel para o Poder Judiciário no mundo moderno. Não mais no sentido de trazer a força para o fato e impor uma determinada vontade. Mas no sentido de vetor da evolução da normatividade e guardião da estabilidade social. Cabe a ele assegurar que a população consiga aplicar a lei, fazer com que a normatividade estatal penetre na mente do cidadão de uma maneira que não afronte o sentimento de conservação individual e da espécie que mantém a sociedade unida. Ele não é o único e, talvez, nem o mais importante mecanismo capaz de realizar essa atividade. Mas, sem dúvida, o braço político mais adequado a essa tarefa.

Nesse papel, ele poderá decidir de acordo ou não com o Direito, que não deixará de ser Governo. Caberá a ele assimilar esse seu novo papel e assumir as conseqüências de seus atos. Aí, então, a desvinculação entre Direito e Estado.

Aquele é uma espécie de normatividade estudada pelo cientista do Direito, que apenas expõe ao Poder Público o resultado de suas pesquisas. Caberá ao julgador, sabedor das repercussões de seus atos, tomar determinadas atitudes ou não. O fato de adotar conduta diversa da recomendável não faz com que deixe de ser Estado. Ao contrário, apenas deixa seu flanco mais aberto às necessidades sociais. Esse sim, o objetivo desse "piloto" da estabilidade social: o Judiciário.

Por fim, deve ser ressaltado que não se encaixam aqui as críticas ao realismo como tecidas por Habermas, por não haver uma desvinculação estrutural entre o direito e a política. Naquela visão, o Direito é concebido como um corpo de normas positivadas em constante debate político. No presente caso, ele é colocado em posição diferente, como um padrão de conduta com desenvolvimento paralelo e dotado de conseqüências fáticas por sobre a política, a qual engloba aquele "direito".

Bibliografia


ADEODATO, João Maurício Leitão: O problema da legitimidade: no rastro do pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
CUNHA, Djason B. Della: Sociologia Jurídica: Direito, Cultura, Cidadania. Natal: Ágape, 1998.

HABERMAS, Jürgen: Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. por Flávio B. Siebeneichler. Rio de Janeiro: tempo brasileiro, 1997. (Biblioteca tempo universitário, n. 101). v. 1.

KELSEN, Hans: "Introdução: o dualismo platônico", in: KELSEN, Hans: A ilusão da Justiça. Trad. por Sérgio Tellaroli. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 1-61. (Ensino Superior)

PLATÃO: A República. 3 ed. trad. por Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d.

PLATÃO: Defesa de Sócrates. Trad. por Jaime Bruna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 29-52. (Os Pensadores)

SOUTO, Cláudio: Ciência e ética no Direito: uma alternativa de modernidade. Porto Alegre: Safe, 1992.

Fonte: Escritório Online


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