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Escritório Online :: Artigos » Direito Imobiliário


Visão histórica do direito de propriedade imóvel

04/09/2000
 
Celso Marini



"A propriedade é o direito de usufruir e dispor das coisas, do modo mais absoluto..."
(Art. 544.º do Código Civil Francês)

"Tal como qualquer outra instituição da vida social, o regime de propriedade não é absolutamente imóvel, sendo a História testemunho desse facto."

(Pio XI, Encíclica Quadragésimo Anno)"





Capítulo I
Da formação do conceito de propriedade no decorrer da história





O instituto da dominialidade-propriedade (dominus para os romanos) sobre bens imóveis no decorrer da história dos povos sofreu mutações.

Para Jean-Philipe Lévy

"Muitos povos antigos tiveram, antes dos Romanos, uma civilização Brilhante. A noção de propriedade desses povos permaneceu contudo, bastante fruste. Em compensação a sua experiência é rica de ensinamentos do ponto de vista social."

Segundo o mesmo autor, citando o caso da Mesopotâmia

"Para a antiga Mesopotâmia, onde a evolução parece ter-se processado em sentido contrário, não é válido o esquema estabelecido 'a priori' que defendia a anterioridade constante da propriedade familiar em relação à individual."

Idade Antiga



A primeira idéia que se formou, teve na posse o fato mais marcante. É o que se nota na antiguidade clássica greco-romana. A formação desse conceito fundava-se no palpável, ou seja, naquilo que se tinha como legitimamente detido por alguém. Mas era uma posse sem qualquer título, a legitimação dava-se de forma fática. O direito para os antigos estava muito ligado aos fatos.

Na Grécia a pessoa que detinha um bem, tinha a posse dele, assim, era dona desse bem, que tinha característica próprias e específicas, mas, o advinha desse direito, notadamente os frutos, como resultado das colheitas, eram divididos com todos os cidadãos da localidade. Assim, tinha-se que a propriedade era um instituto que tinha na posse, sua origem. Esta palavra etimologicamente tem por significado estabelecer-se sobre a coisa, ficar estabelecido sobre ela.

Em Roma, o conceito de propriedade, tem como fonte originária o individualismo, fechadas nas suas posses, eram a, religião, a família e a propriedade. Para os romanos cada instituto desses era privado, porque ligados entre si, a partir da família. Não há divisão de frutos, pois a família era a possuidora deles, como benção divina.

Com a Constituição de Caracala, de 212, todos os habitantes do império romano passam a gozar da cidadania romana. Com Diocleciano, em 292, cessa imunidade dos fundos itálicos, o que acarreta um profundo golpe nas especulações financeiras da nobreza de então, fazendo com que contribuam para o Estado/governo. Neste mesmo período, retira-se da família tradicional romana a sua competência e relevância política, atrofiando-se os poderes do pater familias, e, em contrapartida, fortalecendo a função reguladora do Estado, o que reduz o direito de propriedade a uma expressão basicamente econômica.



Idade Média



O Império Romano Ocidental, entrando em decadência, foi invadido pelos bárbaros, que deram fim aquilo que era a antiguidade clássica.

Em razão das invasões bárbaras, germânicos e romanos entraram em contato com diferentes civilizações. Daí surgiram algumas formas inovadoras de propriedade no medievo, a par das já existentes que, tinha o feudalismo como sistema de propriedade e a enfiteuse como forma de regulá-la, por seus marcos norteadores. Dentre essas inovações destacaram-se a comunal, como sobrevivência da antiga mark germânica; a alodial, considerada como livre; a beneficiária, surgida da concessão feita pelos reis e pelos nobres, ou por estes aos plebeus; a censual, modalidade intermediária entre a beneficiária e a servil, que implicava a fruição dos imóveis mediante o pagamento de valores determinados; e a servil, atribuída aos servos que possuíam a terra, porém se mantinham ligados a ela como seu acessório.

Rogério Gesta Leal anota que

"Entre os germanos, no tempo das invasões, ela apresenta ainda características arcaicas. Estes povos, estão fortemente propensos ao nomadismo, passam de um território a outro, que exploram coletivamente, enquanto se mantém fértil, depois emigram. As tribos é que são titulares desta propriedade coletiva (Marka, Allmende, Volkland). As terras confiscadas aos proprietários romanos ou provinciais tornam-se, por conseguinte, propriedade coletiva dos grupos gentílicos (sippen, fare) ou por vezes, de comunidades de soldados (arimannie). Mais tarde, em contato com o direito romano e por necessidade de salvaguardar o caráter intensivo das culturas, começa a desenvolver-se entre os germanos a propriedade privada das terras"

Na idade média, pelos anos de 500 e 600 d.c., com a miscigenação romano-bárbara, surgem os Estados. Estes estruturam-se na mentalidade do tempo, que é de dominação, poder, senhorio. Posse e poder tem um sentido paralelo. Com a sua organização e estruturação na Europa Medieval, o conceito de propriedade vai evoluindo.

O que se entende por Estado, está muito próximo no sentido de propriedade, de posse. Se na Grécia a posse era privada e os frutos coletivos, características da propriedade do imóvel; se em Roma, a posse e os frutos eram privados; na idade média, a propriedade tem como sinal marcante a presença do Estado. É o Rei, chefe, quase pessoa bruta, que se impõe, domina e constitui o Estado, tendo este direito imanente de propriedade sobre as terras, as quais domina diretamente por meio dos suseranos.

Toda essa mudança processa-se por um trabalho da elite, que busca manter supremacia sobre a terra, organizando o Estado com poder-propriedade sobre as terras.

Por tudo, se reconhece que o conceito de propriedade não é um exercício individual, mas nasce do Estado como um direito inerente a ela e aos que organizam o Estado (Reino).

É o domínio indireto da terra inerente dos nobres ( suseranos - constituídos por guerreiros e pensadores - defensores do Rei ) que se contrapõe ao domínio útil, direto da terra, exercido pelos vassalos, que por isso pagavam renda a esses nobres.

Idade Moderna



Na Idade Moderna dos anos 1500 a 1700, o Estado continua concedendo terras ( direito divino ) ao domínio dos Nobres, que recebendo títulos de nobreza concediam o domínio útil da terra aos que nela trabalhavam, entretanto, o Feudalismo, como forma de domínio territorial, até então existente, estava com seus dias contados.

Por influência dos descobrimentos das Américas, para onde se transferem as camadas menos favorecidas, vai se dando o desfavorecimento do tipo social, o vassalo (cessionários da terra através do instituto jurídico da enfiteuse), em contraposição ao surgimento da burguesia (comerciantes - detentores dos meios de produção ), entretanto, essas mudanças ainda eram tímidas.

Mudanças na vida das pessoas, dos Estados, alteram o uso da terra de domínio útil, a partir do domínio inerente ao Estado, para a locação de terra. É o aluguel da terra, como meio de posse da mesma. As terras passam a ser arrendadas com os vassalos medievais. Estes pagavam renda pelo uso da terra, propriedade dos nobres.

Nesta fase da história, dos descobrimentos, a locação da terra tem um sentido de posse; produção em vista de conseguir aqueles bens que a sociedade vai tendo e usufruindo com mais facilidade e requinte.

A partir do final do século XV e o início do século XVI, os burgueses começam a comprar as terras pertencentes aos nobres europeus, processo que se acelera durante os próximos tempos. Tais negócios jurídicos tomam duas formas bem distintas. A primeira indo de encontro à divisão do domínio direto e domínio indireto, pois o comprador burguês adquiria ambos os domínios, em dinheiro, ou sob a forma de aluguel perpétuo da terra. Graças a esse meio, antigas terras senhoriais foram retiradas do sistema feudal. No segundo caso, o burguês comprava somente o domínio direto a dinheiro ou sob a forma de aluguel e, às vezes, adquiria mesmo o título de nobreza do senhor, o que o colocava em seu lugar no sistema feudal. Assim, já no início do século XVII, cerca de três quartos das famílias nobres da França haviam adquirido seus títulos.

Ainda, nos fins do século XVI, isso faz com que as camadas produtoras, vivendo nas cidades, idolatrando os bens, mas perdendo o meio de produção, que ainda é a terra, proponham mudanças de uma maneira que tudo se transforma com a influência da nova filosofia burguesa. O resultado será a revolução francesa com liberdade, igualdade e fraternidade. Nasce a ideologia do liberalismo, cuja idéia mestra é que todo homem pode ter o que quiser, independente do poder divino.



Idade Contemporânea



Na Idade Contemporânea os princípios de liberdade igualdade e fraternidade implantaram-se de tal modo que o conceito de propriedade tomou um caráter egoístico com um fim em si mesmo.

Aos poucos a filosofia do direito divino perde sua força e a propriedade tem o sentido de adquirir poder, posse. A teoria liberal vai tomando corpo na vida das pessoas e da sociedade, definindo que a propriedade é um bem em si, e se usa, se goza, se dispõe porque se tem, como resultado da produção; portanto, propriedade é um direito que a pessoa adquire e pode fazer dele o que entender. Não há mais poder divino, poder natural que discipline a propriedade. Agora o direito é pessoal.

Propriedade é um bem de capital, que a pessoa usa como quer, e visando com ele ter mais riqueza para si mesmo. A propriedade torna-se individualista e egoística.

Na Idade Antiga a pessoa tinha porque usava. Na Idade Média, tinha porque era direito divino natural. Na Idade Moderna, ainda como direito divino, esboça-se o direito de propriedade como uma conquista econômica e consequência de uma igualdade de direitos, que fica acentuada de forma definitiva na Idade Contemporânea, como sendo a propriedade um bem de capital, que produz para a pessoa ter mais. Usa-se a propriedade, porque se tem e se faz o que quiser com ela.

Em 1.789, na França, a "Declaração dos Direitos do Homem" coloca a propriedade como um bem do homem e os frutos dela provindos, como atributos da pessoa humana. A Constituição Francesa de 1.891, segue o mesmo ideário.

Assim, era possível ao seu detentor, utilizar-se da coisa res, segundo os princípios do jus utendi, jus fruendi e jus abutendi do Direito Romano

A partir de então, as Constituições de todos os Estados, mesmo a Constituição Americana, vão se dando excessiva concentração ao poder de propriedade, que fica nas mãos de uns poucos, e dispondo que a defesa da mesma, é obrigação do Estado.









Capítulo II

O direito de propriedade no Brasil





De 22 de abril de 1.500, até a independência do Brasil, pertencia ao Rei de Portugal toda a posse sobre o território descoberto, a título de domínio original do Estado. Investido o Rei deste senhorio, em 1.532, determinou a divisão administrativa do território em quinze capitanias. A partir de março do mesmo ano, as primeiras cartas de doação começaram a ser entregues aos beneficiários.

O historiador Hélio Viana afirma que em 1.504, já fora criada a primeira Capitania Hereditária do Brasil: Ilha de São João ou da Quaresma, hoje Fernando de Noronha, e doada a Fernão de Noronha.

Embora houvesse sido o território, na primeira divisão administrativa do Brasil, dividido em 15 partes, foram apenas doze os donatários, cujos quinhões foram delimitados e as prerrogativas inseridas nas respectivas Cartas de Sesmarias, começou a cindir-se o domínio original do Estado, iniciando o domínio privado sobre as terras.

Da independência do Brasil, até o ano de 1.850, houve ocupação do solo pela tomada da posse sem qualquer título.

Lígia Osorio Silva, esclarece

"Em meados do século XIX, o Estado imperial elaborou a primeira legislação agrária de longo alcance da nossa história, que ficou conhecida com a Lei de Terras de 1.850. Essa intervenção do Estado na "questão da terra", veio no bojo das grandes transformações que nesse período começaram a propelir a sociedade brasileira, ainda escravista e arcaica, nos rumos da modernidade. A Lei das Terras visava promover o ordenamento jurídico da propriedade da terra que a situação confusa herdada do período colonial tornava indispensável.

Embora a relevância de uma lei que objetiva regularizar a situação jurídica dos proprietários de terras seja patente, no caso brasileiro seu significado assume ainda maior importância. Isso porque, em inúmeras análises sociológicas, aos proprietários de terras é atribuído um papel destacado na organização social e política do Estado imperial republicano."

Dessa fase, convém apenas ressaltar que a Lei das Terras, já citada (Dec. 601 de 18 de setembro de 1850), e seu Regulamento nº 1.218 de 30 de janeiro de 1.854, além de regulamentar as posses já existentes, até aquela data, conferindo aos posseiros o domínio, tinha também o escopo de tornar públicos os atos que tinham por objeto a declaração de transferência de terras, passando a ser de responsabilidade do Vigário da Igreja Católica, seu reconhecimento.

Entretanto, tal reconhecimento, tinha apenas o aspecto de tornar público o ato. Por isso, tem-se, por também conhecida, tal lei como, "Registro do Vigário".

Neste interim, é preciso salientar que apesar da importância de tal registro, este não tinha por efeito a transmissão da propriedade, da forma como hoje conhecemos, por serem ser a natureza de sua inscrição meramente declaratória, para diferenciar o domínio exercido pelo particular do domínio público.

A meta jurídica do legislador era estabelecer o que era bem particular, para por método de exclusão ter-se devolutos, ou seja, do Estado, todos os bens que não fossem de propriedade de particulares.

As legislações posteriores, vieram a regrar o sistema de propriedade no Brasil, sendo de tratativa diferenciada da lei que, primeiramente normatizou o tema, e que tem no estabelecimento do direito de propriedade do particular, seu aspecto principal, e porque não dizê-lo, natural.

















BIBLIOGRAFIA



1. COULANGES, Fustel de, A Cidade Antiga, Hemus

2. HUBERMAN, Leo, História da Riqueza do Homem, 21ª ed., revista, 1986, ed. Guanabara.

3. FORSTER, Germano Rezende, Programa de Direito Agrário

4. PAIVA, João Pedro Lamana, Panorama Histórico do Registro de Imóveis no Brasil, Contribuição ao XXIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, 1997.

5. LÉVY, Jean-Philippe, História da Propriedade, Editorial Estampa - Lisboa, 1973.

6. LEAL, Rogério Gesta, A Função Social da Propriedade e da Cidade no Brasil, aspectos jurídicos e políticos, 1998, Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul.

7. SILVA, Lígia Osório, Terras Devolutas e Latifúndios - Efeitos da Lei de 1850, 1996, Editora da Unicamp.


Fonte: Escritório Online


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