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As despesas do condomínio especial em apartamentos (Lei nº 4.591/64)

27/09/2000
 
Reinaldo de Souza Couto Filho



INTRODUÇÃO

O Condomínio em edifício de apartamentos, descrito na Lei nº 4591/64, é especial em relação ao condomínio descrito no Código Civil Brasileiro, pois o regime jurídico da propriedade horizontal é, em diversos aspectos, diferente do regime estabelecido no Código de Beviláqua.

O direito anterior ao Decreto nº 5.481/28, inclusive na vigência do Código Civil, não contemplava a divisão de prédios em planos horizontais. Disciplinava, apenas, a divisão em planos verticais, que gerava as chamadas "casas geminadas", onde eram observadas as regras relativas ao direito de vizinhança.

A explosão demográfica ocasionada pelos movimentos migratórios, a questão da segurança pública e diversos outros fatores determinaram o surgimento da propriedade horizontal.

No regime especial da Lei nº 4.591/64, a idéia básica, que estabelece a diferença entre a propriedade horizontal e o condomínio comum, é a justaposição de dois tipos de propriedades, são elas: a propriedade exclusiva da unidade autônoma e a propriedade coletiva das áreas comuns. Ao contrário do condomínio do Código Civil, a comunhão horizontal é forçada e indivisa em relação às áreas comuns. Ressaltando-se que a unidade autônoma não sofre qualquer limitação aos poderes de usar, fruir e dispor do seu titular.

Várias teorias tentam explicar a natureza jurídica de condomínio em estudo, dentre elas:

a) a acéfala, que nega a existência de verdadeira propriedade nessa forma de condomínio; b) a da propriedade horizontal como servidão, adotada pelo direito francês; c) a da propriedade horizontal como direito de superfície, adotada pelo direito alemão. Para outros, há uma pessoa jurídica, oriunda da reunião de várias pessoas físicas (proprietários). A corrente mais aceita, entretanto, descreve o presente condomínio como um ente despersonalizado, que, apesar de não está classificado como pessoa jurídica, tem direitos que podem ser exercidos e deveres que devem ser observados. Ressalte-se de o condomínio pode celebrar contratos, o que ilustra a existência de vontade única, ainda que fictícia, emanada de um ente despersonalizado.

A Lei nº 4.591/64, no seu capítulo III, utiliza a expressão "das despesas do condomínio", mas não apresenta um conceito formal, ou seja, a citada lei não conceitua o instituto estudado. Portanto o conceito de despesas do condomínio é um conceito analítico, estabelecido pela doutrina.

As despesas do condomínio, segundo Roberto Barcellos de Magalhães, são os gastos feitos com a conservação, manutenção e administração das partes comuns e dos serviços gerais do prédio.

Os gastos feitos com a conservação e manutenção são os relativos aos danos provocados pelos agentes externos, pelo tempo e pela utilização da coisa comum, pois os condôminos visam a perpetuação das condições originais do imóvel. Os gastos feitos com a administração da coisa são os concernentes à comissão do síndico, ao salário de empregados, etc.

A NATUREZA JURÍDICA DAS DESPESAS

A taxa de condomínio é, basicamente, uma taxa de âmbito privado, vez que, em regra, corresponde a uma contraprestação pecuniária dos serviços prestados ou postos à disposição do condômino, criados em proveito do uso e da fruição dos bens, serviços e coisas comuns.

As despesas do condomínio representam obrigações acessórias mistas, pois se vinculam ao direito real, objetivando uma prestação devida pelo seu titular. O seu caráter é híbrido, vez que tem como objeto uma prestação específica, mas está incorporada a um direito real, do qual se origina. Assim, representam obrigações propter rem.

Alguns autores, dentre eles Sílvio Rodrigues, afirmam que a obrigação propter rem encontra-se no terreno limitrofe entre os direitos reais e os pessoais. Apesar de ser uma decorrência daqueles direitos, pois segue o titular, não obstante tem características de um direito de crédito, vez que há um liame que vincula duas pessoas, isto é, um sujeito ativo e um sujeito passivo, ainda que apenas por um determinado tempo, tendo por objeto uma prestação positiva ou negativa.

Apesar da existência de traços relativos aos direitos reais e aos direitos pessoais, pode-se notar a ausência de alguns traços ontológicos dos direitos citados, dentre outros, o objeto da obrigação propter rem não é o imóvel, mas a prestação pecuniária, além disto, pode haver cessão de débito sem a eminência do credor.

Alguns estudiosos afirmam que a obrigação propter rem deve ser classificada como um direito pessoal, vez que a maioria dos elementos encontrados naquela obrigação está relacionada ao direito pessoal. Outros autores, como Maria Helena Diniz e Sílvio Rodrigues, afirmam que as obrigações em tela devem ser colocadas em uma categoria jurídica autônoma, que não se enquadra no âmbito dos direitos reais, nem se adequa aos direitos obrigacionais, pois participa de ambos.

A primeira corrente parece mais acertada, vez que, apesar da formação híbrida, nas obrigações propter rem, as características de direito obrigacional se sobrepõe às características de direito real, tanto em relação ao aspecto quantitativo, quando em relação ao aspecto ontológico.

Os conceitos de direitos reais e de direitos pessoais ilustram bem a tese da sobreposição, pois os direitos reais indicam o exercício direto de um poder sobre a coisa, sem intermediação, interferência ou qualquer relação com outra pessoa ou ente; já os direitos pessoais exigem interferência, intermediação ou relação jurídica entre um sujeito e a pessoa ou ente, para que lhe seja acessível o bem querido.

No presente caso, sempre haverá uma pessoa ou ente entre o credor e o bem desejado, ou seja, ainda que o sujeito passivo (intermediador) possa parecer inconstante.

Observe-se que o intermediador não pode ser confundido com o sujeito passivo universal, que segundo a escola clássica é o sujeito passivo do direito real (obrigação passiva universal), vez que o intermediador da obrigação propter rem poderá sempre ser individualizado e identificado, ainda que não se configure qualquer lesão a direitos. Ao contrário do que acontece em relação ao direito real, a determinação do sujeito passivo, nas obrigações em tela, será sempre possível, mesmo que sejam realizadas alterações na titularidade do direito real.

A existência do devedor e do credor revela, também, a preponderância dos elementos de direito obrigacional, quando se trata de obrigações propter rem, pois a figura do sujeito passivo não está relacionada a qualquer lesão do direito.

O DEVEDOR E O CREDOR

As despesas do condomínio têm, como já foi dito, natureza de obrigação propter rem, portanto, em virtude da sua natureza, existem duas partes determinadas ou determináveis: um sujeito ativo (credor) e um sujeito passivo (devedor).

O credor pode ser definido como o ente que tem a expectativa de obter do devedor o cumprimento da obrigação, ou seja, o fornecimento da prestação, enquanto o devedor é aquele que tem o dever legal, contratual ou decorrente de ato ilícito, de satisfazer a obrigação, através de prestação estabelecida.

No presente caso, o credor é o condomínio, ente que não pode ser subsumido ao regime legal das pessoas do Código Civil, embora possa agir ativa e passivamente. Os entes despersonalizados constituem, segundo Maria Helena Diniz, um conjunto de direitos e obrigações, de pessoas e/ou bens sem personalidade jurídica, mas com capacidade processual.

Assim, o condomínio pode exigir a prestação que foi estabelecida no capítulo III, Lei nº 4591/64, inclusive judicialmente.

O devedor é o titular de um direito real sobre a unidade autônoma, ou seja, um direito que, em virtude da sua irrestrita publicidade, possa ser notado por todos, especialmente pelo condomínio (credor).

Assim, as relações obrigacionais travadas entre o titular do direito real sobre a unidade autônoma e terceiros não surtem qualquer efeito em relação ao condomínio. O sujeito passivo das despesas perante o condomínio continua sendo o titular do direito real.

Outro aspecto real pode ser notado quando o adquirente de qualquer unidade autônoma é responsabilizado pelos débitos do alienante, inclusive multas, em relação ao condomínio, pois a obrigação propter rem é caracterizada pela sequela, de modo que o adquirente se sub-roga ex vi legis nas obrigações do alienante, obviamente, sem prejuízo do direito de regresso.

AS DESPESAS ORDINÁRIAS E AS DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS

As despesas do condomínio podem ser classificadas em despesas ordinárias e extraordinárias. As ordinárias visam o custeio normal das áreas e serviços comuns, ou seja, destinam-se de maneira geral a cobrir gastos com o funcionamento dos serviços e com pequenas despesas de conservação das áreas comuns. As extraordinárias estão ligadas aos gastos vultosos normalmente gerados em ocasiões esporádicas.

Roberto Barcellos de Magalhães afirma que:

"Classificam-se em ordinárias e extraordinárias, conforme se refiram a necessidades de rotina ou a situações financeiras, criadas por necessidades urgentes ou imprevistas".

Em relação à classificação das despesas do condomínio horizontal, um aspecto interessante deve ser esclarecido: as despesas ordinárias e extraordinárias não são descritas pela Lei nº 4.591/64, sim pela lei 8.245/91 (Lei de Inquilinato). Os artigos 22 e 23 dessa lei determinam:
"Art. 22. O locador é obrigado a:
(...)

X - pagar as despesas extraordinárias de condomínio.

Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:

a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;

b) pintura das fachadas, empenos, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;

c) obras destinadas a repor as condições de habitalidade do edifício;

d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela despesa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;

e) instalação de equipamentos de segurança e de incêndio, de telefone, de intercomunicação, de esporte e de lazer;

f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;

g) constituição de fundo de reserva.

Art. 23. O locatário é obrigado a:

(...)

XII - pagar as despesas ordinárias de condomínio.

§ 1º - Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as necessárias à administração respectiva, especialmente;

a) salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio;

b) consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso comum;

c) limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum;

d) manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, de uso comum;

e) manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes e de lazer;

f) manutenção e conservação dos elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas;

g) pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum;

h) rateios de saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação;

i) reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado no custeio ou complementação das despesas referidas nas alíneas anteriores, salvo se referentes a período anterior ao início da locação".



O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO
A Lei nº 4.591/64 estabeleceu uma clara diferença entre o condomínio horizontal e o condomínio descrito no Código Civil, no que se refere à tributação. No Condomínio geral, o tributo incide sobre a totalidade da coisa comum, ensejando uma distribuição pro rata entre os consortes. Em relação ao edifício de apartamento, o fisco adota o critério da pluralidade de devedores, ressalte-se que tal critério define a responsabilidade dos consortes. No condomínio em apartamentos cada unidade autônoma se vincula a uma quota tributante, portanto cada condômino é obrigado a contribuir com o que lhe cabe, como se cada apartamento fosse um prédio isolado.

O artigo 11 da Lei nº 4.591/64 tem como escopo evitar a repercussão dos débitos tributários de um consorte nos demais condôminos. Não poderia ser diverso o tratamento dado às unidades, a sua autonomia tributária está veiculada ao caráter exclusivo da sua titularidade.


A NÃO UTILIZAÇÃO DE CERTOS BENS POR ALGUNS CONDÔMINOS
A análise do princípio da utilização individual, onde cada um responde de acordo com a efetiva utilização dos bens e serviços, não pode ser feita sem a investigação da natureza jurídica da relação entre o consorte e a coisa comum.

Roberto Barcellos de Magalhães afirma, de forma brilhante, que o consorte está ligado à coisa através de um direito de propriedade, que, segundo o § 5º da art. 12 da Lei nº 4.591/64, não pode ser renunciado, para exonerar o consorte dos seus encargos legais.

Alguns autores fundamentam o princípio da utilidade individual com base em um suposto direito de uso do condômino, mas a legislação deixa claro que a cada unidade autônoma caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e das coisas comuns, que será expressa sob forma decimal ou ordinária.

Além das questões referentes à propriedade da coisa comum e à irrenunciabilidade escusatória de direitos, a questão da utilização indireta tem fundamental importância, quando surgem os problemas concernentes à utilização da coisa comum. O princípio da utilização individual perde totalmente a consistência, quando não há utilização de certos bens comuns, mas esses valorizam de alguma forma a unidade do consorte inerte.

O exemplo mais conhecido é o da não utilização do elevador pelos moradores do andar térreo. De fato, a utilização direta se mostra pouco provável, mas a existência do citado bem comum agrega valor às unidades autônomas. Além da valorização no momento da venda, vários benefícios foram listados pelo Dr. Osny Duarte Pereira, juiz titular da 18ª Vara Cível do Rio de Janeiro:

"Os condôminos do andar térreo estão legal e justamente sujeitos a todos os encargos que pesem sobre os andares superiores. Isto é da essência do condomínio. Enquanto não houver divisão e desmembramento, o edifício é considerado como um todo econômico, em que cada comparte responde pelos encargos da administração do conjunto. Nem se diga que os elevadores não servem ao andar térreo. Graças a eles, a circulação é rápida, os empregados dispõem de mais tempo e energia, para realizar a limpeza da entrada, das escadas, soma de trabalhos que valorizam todo o edifício e, consequentemente, o andar térreo.
Se o andar térreo é uma loja, ainda maior é a vantagem para o proprietário, porque o edifício bem limpo, bem administrado, torna-se caro e assim os moradores serão todos pessoas de maior poder aquisitivo, o que influenciará nas rendas do ocupante, aumentando o volume de negócios. Sem elevadores, sem limpeza, sem iluminação, as pessoas de maiores haveres, abandonariam o prédio e ele transformar-se-ia num cortiço que só os operários humildes iriam habitar (in, Diário de justiça, de 27 de setembro de 1955, pág. 12322)".


O Supremo Tribunal Federal decidiu, através da sua 2ª Turma, da seguinte forma, em 13 de agosto de 1957:
"A administração do edifício pode exigir que o proprietário de apartamento no pavimento térreo pague sua cota na despesa com o serviço do elevador (in Diário da Justiça, de novembro de 1960, pág. 1.013)."

No caso das garagens, o art. 2º da Lei nº 4.591/64 esclarece o problema, em harmonia com o preceito de que as despesas com a coisa comum, ainda que não utilizada, se fundamentam no próprio direito de propriedade e não numa faculdade de uso, da seguinte forma:
"§ 1º O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjunto de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno". (grifo nosso)

O ilustre Roberto Barcellos de Magalhães afirma, em relação ao problema elencado, que os espaços destinados à guarda de carros constituem, segundo a própria disposição legal, um acessório da propriedade exclusiva sobre a unidade autônoma, acrescendo à respectiva fração. Se um consorte, por qualquer coisa, não dispõe desse acessório de seu direito de propriedade, deverá ficar isento de contribuir para a sua manutenção, já que somente tem direito em relação às coisas comuns. Não sendo comum a garage, nem as vagas, somente os que fizerem uso privativo de ambos deverão arcar com as suas despesas.
O TRATAMENTO DO ANTEPROJETO Nº 634/75

O anteprojeto, no seu art. 1.340, disciplina a questão da utilização individual da seguinte forma:

"As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve".

O artigo transcrito mostra a intenção do legislador de mudar as disposições sobre a questão da utilização das coisas comuns. Ao contrário da disposição vigente, o código futuro passa a tratar, no seu texto, do condomínio horizontal, buscando a alteração da disposição vigente, para eleger, de forma irrestrita, princípio da utilização individual.
Ressalte-se que a aplicação do citado princípio ensejará uma total discricionariedade na análise da utilidade do bem ou serviço comum, mas apesar dessa liberdade, o anteprojeto não lista o método que irá definir os critérios de uso exclusivo de um ou de alguns condôminos, nem estabelecem critérios para a aferição do uso exclusivo.

A FIXAÇÃO DAS QUOTAS

Anualmente, os condôminos devem votar, por maioria, a verba referente às despesas, cumprindo a cada consorte concorrer com a quota que lhe seja imputada no rateio, que será feito na proporção da fração ideal do terreno de cada unidade, salvo disposição em contrário na convenção do condomínio.

Os consortes somente serão obrigados, originalmente, a adimplir as despesas do condomínio que sejam aprovadas em assembléia geral, na proporção da sua parte estabelecida pela convenção ou, na ausência dessa, pela lei.

A MORA

Mora é o retardamento na execução da obrigação, que pode ser imputável ao devedor ou ao credor. O parágrafo 3º, artigo 12, Lei nº 4.591/64, estabelece a sanção para o condômino que não pagar a sua contribuição no prazo estipulado na convenção.

O citado parágrafo determina que sobre o atraso deve incidir juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 20% sobre o débito, que será atualizado, se estipular a convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso de mora por período superior a seis meses.

A multa descrita no citado dispositivo legal pode ser estipulada pela convenção ou na assembléia, observe-se que o percentual pode variar até 20%, ou seja, os condôminos podem estipular um percentual menor.

Alguns autores afirmam que o parágrafo 1º, o artigo 52, Lei nº 8078/90, Código de Defesa do Consumidor, revogou a disposição referente à multa descrita no parágrafo 3º, artigo 12, Lei nº 4591/64, vez que o parágrafo do Código consumerista determina a impossibilidade da aplicação de multas superiores a 2% do valor do débito. Tais autores defendem a aplicação indiscriminada das disposições legais mais benéficas, ainda que a relação material fática seja diversa da relação listada pela proposição jurídica.

Apesar da defesa brilhante de alguns autores, as disposições legais do CDC não podem ser aplicadas às relações originais entre o condomínio e o condômino, pois não há relação de consumo entre os citados atores. O conceito de relação de consumo é extraído dos conceitos de fornecedor e de consumidor estabelecidos nos artigos 2º e 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor. A utilização da subsunção de Kant mostra que os conceitos de condomínio e condômino não podem se subsumir aos conceitos elencados nos artigos citados.

O condomínio, ao contrário do fornecedor, não desenvolve atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. A atividade daquele ente despersonalizado é a manutenção, a administração e a conservação da coisa comum, que pertence aos seus integrantes, portanto, até pela confusão entre o conjunto absoluto dos condôminos com o condomínio, a relação de consumo jamais poderia ser justificada.

O condômino, ao contrário do consumidor, não adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, vez que o objetivo essencial da sua relação como o condomínio, do qual o condômino é parte integrante, é a conservação do que é seu.

O PRÊMIO DO SEGURO

Apesar de ter sido tratado em um capítulo diverso do que regula as despesas do condomínio, o prêmio do seguro representa uma despesa ordinária que deve ser dividida entre os condôminos, na forma do disposto no art. 12, Lei nº 4.591/64.

O citado prêmio deve ser calculado numa base de ano, para que as assembléias possam incluir essa despesa no orçamento do condomínio, desde que aprovada. Observe-se que a aprovação se refere ao valor, visto que o seguro da edificação ou do conjunto de edificações é obrigatório.

O objeto do seguro condominal é o risco de incêndio ou outro sinistro que cause destruição no todo ou em parte do prédio.





A COBRANÇA EXTRAJUDICIAL

O condomínio pode exigir extrajudicialmente o débito do condomínio em mora, sendo que essa restará configurada quando estiverem presentes os seguintes elementos:

a) existência de dívida líquida e certa;
b) vencimento da dívida;

c) não pagamento no prazo estipulado;

d) interpelação judicial ou extrajudicial do devedor, se a dívida não tiver termo.


No caso do condomínio, o item "d" deve ser desconsiderado, vez que as assembléias anuais estabelecem o termo para o pagamento das taxas condominais.
A cobrança extrajudicial das despesas do condomínio representa um meio para a obtenção do crédito, portanto não pode ter como fim o constrangimento desnecessário do devedor. Tanto a honra objetiva, referente ao conceito que os outros têm sobre a pessoa, quando a honra subjetiva, referente à esfera interna da pessoa, devem ser respeitadas. Apesar do respeito à honra do devedor, os demais condomínios devem ter acesso à lista dos devedores, vez que aqueles terminam pagando pelos faltosos.

Observe-se que, nos casos de inadimplemento, o condomínio não pode impedir a utilização das áreas comuns, pois a qualquer constrição somente é possível através da tutela judicial.



A COBRANÇA JUDICIAL DAS DESPESAS DO CONDOMÍNIO

E A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

A Lei nº 8.009/90 estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar em relação às dívidas contraídas pelos cônjuges, pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo em algumas hipóteses abarcadas pela citada lei.

No Direito brasileiro, a penhorabilidade dos bens do devedor é a regra, mas a Lei nº 8.009/90 estabelece disposições legais de exceção baseadas na impenhorabilidade dos bens imóveis descritos nos artigos 1º e 2º. Logo está claro que a citada lei representa um subsistema de exceção, mas mesmo dentro dos subsistemas podem ser encontradas proposições jurídicas excepcionais.

O ilustre professor Carlos Maximiliano afirma que em um subsistema orgânico de exceção há regras e exceções, o que pode ser provado pelas relações travadas entre o sistema geral e a Lei nº 8.009/90; entre essa lei e as exceções estabelecidas no seu corpo.

A principal questão que surge é a seguinte: o bem de família descrito na lei nº 8.009/90 poderá ser penhorado em função de uma dívida oriunda do dever estabelecido no artigo 12 da Lei nº 4.591/64?

Há duas correntes sobre o tema, uma afirma que as taxas condominais estão incluídas nas exceções à impenhorabilidade do bem descrito no inciso IV, do artigo 3º da Lei 8009/90.



O citado artigo afirma que:

"A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...).

IV - para a cobrança de imposto, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar".



Os autores que defendem a penhorabilidade interpretam de forma extensiva a norma citada, pois entendem que a palavra contribuições engloba as de natureza tributária e as de natureza condominal, o que representa atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Os adeptos dessa corrente afirmam que a interpretação restritiva levaria a um enriquecimento sem causa do condômino inadimplente proprietário de apenas um imóvel. Alegam também que não pode haver inamdiplemento eterno e premiado, vez que, normalmente, o credor tem a faculdade de conceder ou não crédito ao inamdimplemente, mas, no caso do condomínio, o credor seria obrigado, em virtude da sua natureza, a premiar o inadimplemente com os serviços que não podem ser cortados.

A segunda corrente opta pela impenhorabilidade baseada nos seguintes motivos:

1) o inciso IV, do artigo 3º, da Lei nº 8.009/90 é uma norma de exceção dentro de um sistema de exceção, que prejudica o proprietário do único bem de família, portanto deve ser interpretado de forma restritiva;

2) a questão é de política legislativa, vez que o legislador, agente político competente, não desejou englobar as contribuições condominais no texto da citada lei, portanto com base na constituição federal de 1988, o magistrado não poderia invadir a competência de Poder Legislativo, para criar uma figura não descrita pela lei;

Carlos Maximiliano afirma, em Hermenêutica e Aplicação de Direito, que sofrem exegese estrita as disposições que impõe limites ao exercício normal dos direitos sobre as coisas. Incluem-se, portanto, no preceito as normas que autorizam qualquer tipo de expropriação.

Assim, além do preceito geral de que as exceções são sempre interpretadas restritivamente, ainda que venham a beneficiar o sujeito, Maximiliano elege a construção restritiva das normas para os casos que prejudicam o indivíduo.

Em relação à questão constitucional, os defensores dessa corrente afirmam que o estudioso e o aplicador do direito devem estabelecer a diferença entre hermenêutica jurídica e política legislativa, para que não haja invasão das competências atribuídas aos poderes constituídos pela Constituição Federal de 1988.

O Poder Judiciário tem como função básica aplicar a lei ao caso concreto, substituindo a vontade das partes demandantes, o magistrado não pode inovar em relação ao que foi determinado pelo legislador. Logo somente o legislador pode positivar as determinações que, dentro da sua constante faculdade discricionária, considera justas, ficando vedado ao juiz desconsiderar a política legislativa adotada pelo Poder Legislativo.

Norberto Bobbio fornece, citando Montesquieu, bons argumentos contra a teoria do realismo, afirmando que:

"Assim, segundo Montesquieu, a decisão do juiz deve ser uma reprodução fiel da lei: ao juiz não deve ser deixada qualquer liberdade de exercer sua fantasia, porque se ele pudesse modificar as leis com base em critérios eqüitativos ou outros, o princípio da separação dos poderes seria negado pela presença de dois legisladores: o verdadeiro e próprio e o juiz que poria sub-repticiamente suas normas, tornando assim vãs as do legislador. Prossegue, de fato, Montesquieu:
‘Se os juízos fossem o veículo das opiniões particulares dos juízes, viveríamos numa sociedade sem saber com precisão que obrigação assumir’.

A subordinação dos juízes à lei tende a garantir um valor muito importante: a segurança do direito, de modo que o cidadão saiba com certeza se o próprio comportamento é ou não conforme a lei".


Por fim, os que interpretam restritivamente a questão presente afirmam também que a teoria do realismo não pode ser importada dos EUA sem a devida observância do sistema positivo brasileiro, que tem como escopo a estabilidade das relações jurídicas e a preocupação em assegurar as competências constitucionais dos poderes constituídos, com base na supremacia da Constituição de 1988.




CONCLUSÃO

1) O princípio da utilização individual não foi adotado pela Lei nº 4.591/64, prevalecendo a teoria da propriedade da coisa comum. Portanto o condômino que não utiliza determinado bem ou serviço posto a sua disposição deve, ainda assim, contribuir, em virtude da potencial valorização do seu imóvel.

2) O Código de Defesa do Consumidor não pode, em relação à multa, ser utilizado nas relações originais travadas entre os condôminos e o condomínio.

3) O inciso IV, artigo 3º, Lei nº 8.009/90, deve ser interpretado restritivamente, em consonância com o princípio da tripartição dos poderes, para que não fique configurada a invasão das competências atribuídas ao Poder Legislativo.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GOMES, Orlando. Direitos Reais. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 206-218.
MAGALHÃES, Roberto Barcellos de. Teoria e Prática do Condomínio: Comentários à Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Rio de Janeiro: José Konfino, 1966, p. 98-225.
MAXIMILIANO, Carlos. Condomínios: Terras, apartamentos e andares perante o Direito. 3ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1950, p. 32 -388.

MELLO NETO, João Alfredo. Manual teórico e prático do condomínio. 2ª ed., Rio de Janeiro: Aide, 1996.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 212-222.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1996.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10ª ed. atual., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 141-164.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 24ª ed. rev., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 216-219.
SOUZA, Agnaldo Celino de. Condomínio em edifícios: Manual do Condômino. São Paulo: Atlas, 1998, p. 45-53.
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Notas:


1 - No caso do condomínio horizontal o sujeito ativo não é uma pessoa formal.

2 - O professor Sílvio Rodrigues utiliza a palavra "determináveis", endossando a afirmação de que a obrigação propter rem figura, ontologicamente, no âmbito das obrigações. Ressalte-se, porém, que, nessas obrigações, o sujeito é determinado.

3 - A subsunção Kantiana citada por Karl Enghisc é basicamente a adequação típica do conceito aos conceitos descritos pela proposição jurídica ou do fato aos fatos descritos pela citada proposição.

4 - Citado por Roberto Barcellos de Magalhães, p. 118.

5 - Ronald Dworkin afirma que não é verdade que norte-americanos e ingleses concordaram tacitamente em delegar o poder legislativo aos juízes, mas qualifica a retórica "realista" como estimulante.

6 - Os ordenamentos jurídicos da Alemanha e dos EUA estão assentados em valores que podem ser sobrepostos às suas Constituições. Tanto DICEY, quanto BACHOF admitem um direito extrapositivo, o que não ocorre no Brasil.

Fonte: Escritório Online


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