:: Seu mega portal jurídico :: inicial | sobre o site | anuncie neste site | privacidade | fale conosco
        

  Canais
  Artigos
  Petições
  Notícias
Boletins informativos
Indique o
Escritório Online
 

Escritório Online :: Artigos » Sociologia e Filosofia do Direito


Deontologia do Direito

17/02/2000
 
Marcus Vinícius Amorim de Oliveira



Entende-se por deontologia o ramo da filosofia que se ocupa dos fundamento das coisas. Para nós, urge discorrer sobre a deontologia do direito.



Ao homem é possível contemplar duas realidades em torno de si: o mundo do ser e o mundo do dever-ser. A primeira se enquadra na realidade natural, enquanto a segunda no plano cultural.



A atitude humana diante dessas duas realidades é diversa, porquanto os mundos do ser e do dever-ser se diferenciam tanto por seus fundamentos como por suas conseqüências.



A realidade natural vem regida pelas leis físico-matemáticas, que se explicam pela necessidade. No mundo da natureza, as coisas são postas diante do homem em seu estado bruto, e os fenômenos naturais atendem a um nexo de causalidade. Nesse caso, cumpre ao homem num primeiro momento contemplar e, observando o que há ao seu redor, constata que os fatos naturais implicam em relações de funcionalidade e sucessão. Através da experimentação, seguindo determinados pressupostos teóricos, torna-se apto a captar os fenômenos em suas relações objetivas. Tem-se, pois, a ciência natural, que afirma o que é e necessariamente tem que ser sempre que as mesmas condições e circunstâncias se reúnem.



Tal assertiva não importa defender que a ciência natural seja absolutamente neutra e causal. Mesmo nesse campo de investigação, certas posições valorativas podem ser adotadas, o que não chega a ferir a objetividade do conhecimento.



De toda maneira, a lei físico-matemática, postulado lógico do fenômeno natural, procurar retratar, a seu modo e com a maior exatidão possível, a plenitude da realidade da natureza. Considerando que a lei física se restringe a narrar os fatos assim como eles acontecem, qualquer lei dessa espécie cede diante de qualquer outro fato que porventura venha a contrariar seu enunciado. Com efeito, entre a lei e o fato, no plano natural, prevalece sempre este último. Ainda que um único fato observado contrarie a lei que procura regê-lo, cai por terra a teoria, altera-se a lei.



Tomemos como exemplo ilustrativo a lei da gravidade, segundo a qual todo corpo tende a ser atraído pelo campo gravitacional da terra. Se estamos em sala de aula e, descuidadamente, empurramos um caderno, fazendo-o perder seu ponto de apoio sobre a cadeira, necessariamente, segundo a lei invocada, ele tenderá a atingir o chão. Se isso não acontecer, é porque a lei que trouxemos à baila para explicar o fenômeno definitivamente não nos serve.



Como alhures fora salientado, a realidade cultural é bastante diversa. O mundo do dever-ser se caracteriza e se distingue, essencialmente, por ser o reino da liberdade, contemplando o homem em suas enormes potencialidades. Há, diante da realidade do dever-ser, imersa no universo cultural, uma postura axiológica e teleológica, vale dizer, as leis culturais se referem a valores, adequando meios a fins.



Cultura é tudo aquilo que o homem, partindo da base natural, constrói para seu bem-estar e para atender determinados valores que entende interessantes para sua existência.



No que tange ao nosso objeto de estudo, as leis dessa realidade procuram contemplar o homem em sua relação com os semelhantes, isto é, no contexto da sociedade, que também é uma construção da cultura. A Ética, portanto, constitui-se no conjunto de regramentos que visam estabelecer padrões para a conduta humana. E aí se situam o direito e a moral. As normas éticas envolvem não somente um juízo de valor, determinando o que deve-ser, mas culminam na escolha de uma diretriz tida como obrigatória numa coletividade.



O certo é que toda norma, nessa perspectiva, enuncia algo que deve-ser, em razão de ter sido reconhecido um valor como elemento determinante de uma conduta declarada obrigatória. Ocorre que, devendo ser, é também possível não ser. A norma é formulada segundo o pressuposto essencial da liberdade que tem o homem de atender ou não a seus ditames. Assim, por mais paradoxal que seja, é certo afirmar que uma norma ética, ao contrário da lei físico-matemática, se caracteriza pela possibilidade de sua violação.



Não obstante, a despeito de sua violação, a norma ética continua plenamente válida, posto não terem sido alterados os valores que determinaram sua confecção e permanecerem os fins colimados.



A violação da norma só ocorre porque o homem é o único animal racional. Com efeito, só o ser humano possui capacidade de conhecer a si mesmo e de aperceber-se do que existe em torno dele. Tal não ocorre com os demais seres vivos. Estes apenas se comportam, seguindo um instinto que lhes é natural. O homem, ao contrário, além dos instintos naturais, demonstra a racionalidade que, em última análise, importa em possibilidade de escolha, no que assim é determinada sua liberdade em estabelecer sua conduta, sua postura diante das normas que se lhe apresentam como obrigatórias.



Livre, o homem pode reger por si mesmo e o próprio modo de conduzir-se. Entretanto, sua existência não se limita ao âmbito individual. Na qualidade de elemento imerso na sociedade, também precisa se relacionar com os outros, enfim, conviver. Isso implica em restrição de sua liberdade. Como magistralmente salientou KANT: "Direito é o complexo das condições que possibilitam a coexistência do arbítrio de cada um com o arbítrio dos outros, segundo uma lei universal de liberdade".



Restrição de tal monta responde a uma necessidade intrínseca do homem de satisfazer suas necessidades mais elementares. Ocorre que, sozinho, ele não conseguiria atingir tal objetivo. De fato, somente um ermitão ou um bruto poderiam dispensar o convívio social. O primeiro, por estar em contato íntimo com a divindade, e o segundo, por não conseguir simplesmente conviver. Já sentenciou ARISTÓTELES que o homem é um animal político, no sentido de que necessita relacionar-se com os demais para expandir-se.



Direito é, portanto, um sistema de limites à liberdade individual a fim de que possa haver liberdade de todos na sociedade.


------------------------------------

Junho / 97

Este trabalho foi apresentado na disciplina Filosofia do Direito, ministrada pelo Prof. Raimundo Bezerra Falcão na Faculdade de Direito da UFC, em 1997.

AD TERRARUM ORBIS SUMMI ARCHITETI GLORIAM

Fonte: Escritório Online


Enviar este artigo para um amigo                            Imprimir


Para solicitar o e-mail do autor deste artigo, escreva: editor@escritorioonline.com



© 1999-2012 Escritório Online. Direitos Reservados. Leis 9.609 e 9.610/98.


Publicidade