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Escritório Online :: Artigos » Sociologia e Filosofia do Direito


A importância da história para o Direito

17/02/2000
 
Valter Antonio Silva Flor Júnior



SUMÁRIO: 1) Intróito; 2) Direito: conceito impreciso; 3) Sociedade e Direito: fenômenos inseparáveis; 4) A Tridimensionalidade do Direito; 5) A tríplice face do Direito e o seu operador; 6) Conhecimento histórico: condição de realização de justiça.
1) Intróito.

Visa o presente trabalho a analisar o Direito como fenômeno intrinsecamente relacionado ao conhecimento histórico, analisando e demonstrando a sua importância como meio inolvidável à realização de justiça.

2) Direito: conceito impreciso.

Não obstante ser tema de intensos estudos e profundas investigações pelos doutrinadores, a conceituação científica do Direito ainda não foi realizada de modo universal, absoluto e definitivo.

Enfrentam os luminares que percorrem os meandros desta questão jusfilosófica a dificuldade consistente na fixação e avultação dos caracteres básicos desta "pretensa" ciência, dos seus elementos mínimos e essenciais, os quais devem representar, como em todo universo científico, sólido alicerce para a edificação de suas peculiaridades e desenvolvimento de seus aspectos heterogêneos, acessórios, compartimentados e mutáveis (1).

Ainda não houve quem desprezasse o componente substancial dessa área do conhecimento quando da sua definição, desconsideração importante para a finalidade almejada, vez que somente com o despojamento de seu conteúdo esta poderá revelar a sua compleição mais depurada, homogênea, compacta e estável, ou seja, a sua diretriz básica singular, nota distintiva das diversas outras ciências.

O obstáculo ao desempenho dessa tarefa reside na pluralidade de significados atribuídos ao termo direito ao longo da evolução da humanidade no tempo, a qual foi responsável pela existência de variadas óticas sobre o fenômeno jurídico.

Com efeito, sua complexidade confere inspiração aos estudiosos para detectarem em seu arcabouço particularidades que são ressaltadas ou elididas de conformidade com a análise de quem aprecia a questão. As linhas de pensamento dedicadas à resolução da matéria privilegiavam uma determinada qualidade ou característica eleita, possuindo uma perspectiva monocromática e setorizada, alheia às demais matizes e relevos do contexto, contribuindo, dessa forma, para a polissemia do vocábulo.

Caio Mário bem sintetiza a problemática em pauta, ao prelecionar que "a formulação do direito como conceito na ordem do conhecimento tem sido deduzida com imperfeição pelos maiores espíritos, ninguém conseguindo oferecer uma definição satisfatória. Demasiadamente influenciados pelo espírito da escola, os positivistas o confundem com a lei. Mas pecam pelo excesso, podendo-se objetar-lhe o que Cícero há dois milênios já vislumbrava, quando tachava de mais que estulto admitir que o furto ou assassínio se tornassem justos em razão de o legislador, num gesto tresloucado, o permitir como norma de comportamento. Mais felizes não foram os historicistas, os normativistas, os finalistas, os sociólogos do direito, eivando as suas concepções dos prejuízos decorrentes da visão unilateral em que se colocaram" (2).

A controvérsia suscitou várias acepções para a dição em tela, empregadas nas órbitas das linguagens técnica e popular, merecendo destaque as abreviadamente expostas a seguir.

De origem milenar é a reação à unicidade do Direito institucionalizado no regimento social (3), cultivando-se o chamado Direito Natural, segundo seus prógonos, "um direito ideal, imanente à espécie humana, posto que reúne um conjunto de prerrogativas e ansiedades indispensáveis à natureza do ser. Por esta razão, concluem todos pelo seu caráter universal e eterno, devendo, por isso ser objeto de permanente ação da humanidade, para preservação e adoção no direito positivo dos povos civilizados. Por tudo isso, deve ser a fonte inspiradora de Justiça"(4).

"Assim, a teoria do direito natural corresponde a um anseio comum a todos os homens por um direito mais justo, por um direito mais perfeito. Em correspondência com esse anseio, o direito natural representa o papel de um direito perfeito, absoluto, universal, superior aos direitos positivos, tendo por fonte a natureza humana ou a razão humana. (...)

Concepção dominante no passado, chegou a criar uma escola (Escola do Direito Natural), que vingou nos séculos XVII e XVIII, o que exerceu influência decisiva no direito internacional público e no direito privado. Os postulados individualistas do Código de Napoleão, a propriedade absoluta, a liberdade contratual, o respeito aos pactos e aos tratados, estavam no programa dessa escola. A ‘Declaração dos Direitos do Homem’, da Revolução Francesa, se inspirou em seus princípios.

Contribuiu, ainda, para a abolição da escravatura, para a abolição das penas infamantes e desumanas, para a humanização do direito penal. Foi a propugnadora do princípio da igualdade diante da lei" (5).

Refutando os argumentos dos jusnaturalistas, surgiu, no século XIX, tendo como expoente, o célebre Savigny, a Escola Histórica, para a qual o Direito corporifica-se, não por obra do feitor da lei nem de uma centelha divinal, mas devido a uma formação lenta, discreta e espontânea, no caudaloso leito cultural, através, principalmente, dos costumes. Com essa gênese, o Direito retrata fielmente o temperamento, as demandas do povo, suas repulsas e anelos, o seu atlas de justiça.

Infere-se, em face disso, a preeminência concedida por estas correntes aos substratos material e filosofal na compreensão do Direito.

Desencadeou-se, dessarte, a utilização corriqueira da sinonímia dessa palavra com a concepção de justiça. Numa conotação eminentemente centrada na valoração, o Direito corresponde à idéia de correção, de justeza, de legitimidade, de acordo com as convicções íntimas de cada um, inexistindo, neste campo, vinculação de identidade entre a legalidade estabelecida e a noção de justo.

Outro sentido digno de observação é o atinente ao ordenamento jurídico, estrutura continente dos preceitos de caráter genérico, abstrato e de obediência compulsória, concernentes às liberdades do homem nas suas relações intersubjetivas.

Diz-se positivo do Direito vigorante em determinado momento histórico, coevo ou pretérito, e objetivo (6) do vigente nos dias contemporâneos, em certo local, ambos dimanados pelo Estado, providos de validez, eficácia, e regularidade formal.

Preconiza, nesse diapasão, a Escola Positivista, em contraposição frontal às teses expendidas, a total ausência de qualquer cogitação no Direito além dos limites do texto legislado. Não indaga-se neste pórtico da sua consonância com o querer coletivo ou da justiça de suas normas. Este se resumiria tão-somente à lei em vigor, procedente do Estado, no exercício de sua soberania, com o condão de obrigar a todos ao seu cumprimento, sob pena de inflição de sanções aos desobedientes. Sua ocupação seria restrita ao estudo das regras do ordenamento objetivo, abstraída de inquirições quanto aos valores que deveria este albergar em seus preceitos para ser justo (7).

Hans Kelsen, um de seus fervorosos defensores, engendrou a Teoria Pura do Direito, de cunho estritamente normativista, expulsando os citados ingredientes sociológicos e axiológicos do terreno da pesquisa jurídica, para nele erigir uma pirâmide normativa organizada hierarquicamente. Nessa disposição, há uma cadeia de sustentação em que cada norma adquire suporte em uma outra, e todas têm fulcro na intitulada Norma Fundamental, Grande Norma ou Norma Hipotética, situada em seu vértice (8). Na lâmina do microscópio do jurista deve estar a regra, única via para a realização de justiça, admitida apenas relativamente, tida como atingida com a simples aplicação da lei à contenda sucedida na zona prática.

Por fim, a elaboração teorética e as construções exegéticas sobre o molde e o conteúdo do sistema normativo são nomeadas de Ciência Jurídica, Dogmática Jurídica ou Jurisprudência (9), sob cujo abrigo, o Direito pode ser visualizado como um escaninho das Ciências Sociais, ao lado das suas demais congêneres, ou seja, da Antropologia, da História, da Economia, da Sociologia, entre outras.

Nenhuma dessas proposições é dotada de fôlego para subsistir de maneira autônoma e isolada, porquanto refletem um juízo secionado, tolhido de uma contemplação panorâmica e global do fenômeno jurídico.

3) Sociedade e Direito: fenômenos inseparáveis.

São rotundos, no entanto, os pensadores, quanto à presença, desde tempos imemoriais, nas formas mais impolidas e primitivas de convivência social, de algum centro difusor de regras de conduta.

Entendem inviável a vida comunitária desprovida de alguma sorte de regulamento a disciplinar a coexistência entre os indivíduos, impondo-lhe balizas em sua atuação perante os seus semelhantes.

A fragilidade orgânica do ser humano impôs-lhe a necessidade de formar agrupamentos com seus pares, onde poderia encontrar proteção contra as hostilidades do meio, constituindo essa reunião, aliada à concentração de esforços para a consecução de fins comuns, um ambiente propício para a sua sobrevivência e progresso, evidenciando o seu inegável gregarismo.

Por seu turno, o dom da racionalidade lhe atribui capacidade cognitiva, daí derivando a aptidão para desenvolver juízo crítico acerca de sua mesma condição, o que, por via de conseqüência, lhe proporciona potencial para interferir na realidade, mediante a concretização de seus desígnios volitivos. Na sofreguidão desmedida de satisfazê-los, assumia uma postura ativa diante dos fatos e acontecimentos, ignorando limites em suas iniciativas, culminando, no mais da vezes, no desrespeito a bens preciosos à seu próximo. Este, percebendo-se vitimado pela ofensa, mobilizava-se no escopo de oferecer resposta ao agressor, com base nos seus critérios pessoais de castigo, como retribuição merecida pela lesão provocada.

A generalização desse quadro seria deveras comprometedora à continuidade do ente coletivo. Um mecanismo de frenamento dos impulsos comportamentais do homem revelava-se, pois, como um imperativo inerente à manutenção da vida grupal, uma verdadeira condição de sobrevivência da civilização, sob pena de instauração do caos, da desordem e da decadência, no qual o procedimento de cada um de seus membros não encontraria contenções ou limites, estimulando, de tal arte, o arbítrio e a voluntariedade, e, por conseguinte, a proliferação dos conflitos, cuja resolução reclamaria a intervenção dos interessados valendo-se de sua própria força e à luz da sua noção particular de justiça.

Na esfera da concretude, dito expediente manifestava-se por intermédio dos denominados instrumentos de controle social.

Posteriormente, num estágio mais avançado da cultura, ao tempo em que fora constatada a imprestabilidade dos mencionados recursos para os objetivos a que se destinavam, dada a carência de coercibilidade dos mandamentos dali emanados, passou o Direito a ser incluído neste rol, como um esboço rústico e primário do que viria a se tornar o ordenamento jurídico como é conhecido hodiernamente (10).

"A ausência do Direito impossibilitava a sociedade. Já observavam os romanos: ubi societas ibi jus. A ausência do Direito incentiva o determinismo natural, a presença dos desvalores que contrariam a constelação da justiça, em que se implicam a ordem, a segurança, a composição, o equilíbrio, a harmonia, valores indispensáveis às manifestações culturais da sociedade"(11).

Lapidar é o ensinamento de Paulo Nader a respeito. Segundo sua ensinança, "O Direito não é o único instrumento responsável pela harmonia da vida social. A Moral, Religião e Regras de Trato Social são outros processos normativos que condicionam a vivência do homem na sociedade. De todos, porém, o Direito é que possui maior pretensão de efetividade, pois não se limita a descrever os modelos de conduta social, simplesmente sugerindo ou aconselhando. A coação — força a serviço do Direito — é um de seus elementos e inexiste nos setores da Moral, Regras de Trato Social e Religião. Para que a sociedade ofereça um ambiente incentivador ao relacionamento entre os homens, é fundamental a participação e a colaboração desses diversos instrumentos de controle social" (12) (13).

Essa supremacia do Direito é franqueada pela avocação estatal da privatividade da jurisdição. "O Estado moderno, então, assumiu para si o encargo e o monopólio de definir o direito concretamente aplicável diante das situações litigiosas, bem como o de realizar esse mesmo direito, se a parte recalcitrante recusar-se a cumprir espontaneamente o comando concreto da lei" (14).

A premente necessidade de se garantir a viabilidade da vida coletiva, assim como a perpetuidade da existência social ordenada e harmônica e o conseguimento de tal desiderato com o auxílio precípuo, fundamental do Direito, imprescindível em função do respaldo estatal emprestado exclusivamente aos seus preceitos, na forma de coerção dos comandos jurídicos no caso de sua inobservância espontânea pelas pessoas: eis uns dos poucos pontos em que parece se verificar unissonância entre os cultores no controverso debate (15).

4) A tridimensionalidade do Direito.

A múltipla carga semântica em exame, resultante do embate teórico, serviu para descortinar à alguns juristas a concorrência simultânea e indissociável de três fatores de relevância axial para uma nítida percepção do Direito.

Depreenderam que o menosprezo a qualquer um dos ditos componentes imprimirá à toda perscrutação em torno deste o vício da fragmentação, fornecendo ao investigador um entendimento parcial e fatalmente incompleto a respeito.

Essa tríade é constituída por substâncias fáticas, valorativas e normativas, as quais, em perfeita interação, sintetizam o fenômeno jurídico.

Consoante expendido alhures, o Direito justifica-se pelo carecimento grupal em ver regulada a conduta de seus membros a fim de se garantir a tranqüilidade nas aglomerações humanas. Em corolário, urgem disciplinamento os atos do homem quando exercem algum influxo efetivo sobre o patrimônio alheio. Igualmente se dá com todos os eventos sucedidos no seio social introdutores de relevantes alterações para a comunidade e que exigem a proteção do manto regulador do Estado. É o ângulo fatício do Direito, onde este encontra lastro para a sua incidência, o foco para a sua atuação.

Todavia, sem embargo de ser o plano dos fatos o nascedouro primário do Direito, a simples ocorrência destes mostra-se inidônea à sua criação, sendo, mais precisamente, uma etapa inicial do seu surgimento. A ingerência jurídica na sociedade não se dá gratuitamente. Opera-se em razão da impressão por esta experimentada imediatamente à previsão ou consumação dos acontecimentos em seu palco. A coletividade não recebe o seu impacto passivamente, mas traduz essa sensação num julgamento acerca da iminência factual ou do havido, marcando-lhe com um valor, seja positivo ou negativo. Delineia-se, por esta forma, a dimensão axiológica do Direito.

Uma vez configurado pela comunidade o seu posicionamento e a sua conveniência no respeitante ao fato, cumpre ao Direito, em um Estado democrático, acolhê-los e convertê-los, de conformidade com as formalidades fixadas, em norma jurídica, prestando, desse modo, a sua utilidade. Perfaz-se, assim, com sua sede normativa, a tricotomia sobre a qual ergue-se o Direito.

Trata-se, em epítome, da teoria da Tridimensionalidade do Direito, a qual, apesar de sua paternidade não pertencer à Miguel Reale, encontra neste, que repousa na cúpula da quintessência doutrinal pátria, sua formulação mais rebuscada e encomiada pelos eruditos.

Em seu magistério, o juscientista culturalista pontifica: "a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor; b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados uns dos outros, mas coexistem numa unidade concreta; c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade histórico-cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram" (16).

"Está, assim, disposta a sua Teoria Tridimensional do Direito, a qual, portanto, focaliza o Direito na sua correlação interpenetrante do Fato, do Valor e da Norma, os quais se acrisolam como os fundamentos impostergáveis da ordem jurídica, mesmo porque o Direito não é senão a ‘norma elaborada pelos homens com o propósito de realizar certos valores’, tal como sugeriu a linha doutrinária que parte de Recaséns Siches.

Para que, portanto, o Direito seja válido ou socialmente aceito, tornando-se, assim, aplicável, e para que essa aplicação se mostre aceita e acatada pelo grupo social, os três fundamentos retroenunciados devem estar conjugados, necessária e essencialmente, de modo a excluírem todas as antinomias lançadas pelos Idealistas, apenas empenhados na fundamentação transcedente dos valores jurídicos, e pelos Realistas, afirmadores exclusivistas de que aqueles valores emanam tão-só da experiência histórica.

Por isso é que Miguel Reale ainda explica que os três fundamentos do Direito são fatores inseparáveis e comunicantes, que correlacionam e ligam a Filosofia do Direito, a Sociologia do Direito e a Jurisprudência dentro de uma realidade dialética, que é realmente, o ‘mundo do Direito’, porque o ‘valor’ tem caráter da pesquisa filosófica, o ‘fato’ é objeto de estudo da Sociologia, e a ‘norma’ se constitui no elemento técnico-normativo especial do Direito" (17).

"A afirmação pessimista de Kant — ‘os juristas procuram ainda hoje uma definição para o conceito do direito’ (18) — continua válida", mas dita polêmica, a despeito de estar longe de extinção, desponta-se arrefecida diante do elóquio de Reale, porquanto abarca todos os níveis perpassados no caminho à sua eclosão, pinçando e coligindo, para tanto, o mais valioso dos melhores postulados aduzidos até então, com o que concebeu uma robusta teoria congraçadora e, concomitantemente, assaz inovadora (19).

5) A tríplice face do Direito e o seu operador.

Seu mais notável mérito é dilucidar ao jurista a equiparação entre cada um dos pedestais basilares do Direito, simetria capital ao rigoroso alcance de sua finalidade.

Desaconselha-se, logo, ao seu operador, seja ele legislador, intérprete, advogado, representante do Ministério Público ou magistrado, uma atuação desatenta à sua trípode amplitude, maculada pelo olvidamento da inteiração e análise de qualquer dos seus três sustentáculos, todos paralelamente cruciais à prestância do labor jurídico.

A recomendação assume ares de ditame numa sociedade em célere marcha inexorável à crescente complexidade de sua organização, dos inúmeros métodos estabelecidos para a satisfação das novas necessidades incessantemente emergentes, das infindáveis modalidades de relação surgidas nas órbitas civil, trabalhista, comercial, administrativa, criminal e nas demais áreas envolvidas pelo largo amplexo dos ramos do direito objetivo. Como pode este ser proveitosamente invocado para instalar no sistema jurídico um certo padrão de comportamento ou dirimir dado conflito de interesses se os homens encarregados de tal tarefa ignoram as raízes do fato requerente de regência, o sentimento social sobre o mesmo ou os atinentes cânones vigentes? Decerto redundaria em lei, interpretação, petição, parecer e decisão judicial enodoados pela incompletude da noção do fenômeno jurídico, acarretando prejuízos à coletividade como um todo e diretamente aos litigantes.

As fontes dessas valiosas informações assomam o Direito na imagem de um denso plexo de ciências jurídicas, agentes em âmbitos distintos dessa manifestação humana, mas convergentes para o conglobamento de suas ilações, compondo-a em sua integralidade, destacando-se, dentre outras, a Sociologia Jurídica, a Filosofia do Direito e a Dogmática Jurídica.

Notabilizando-se o Direito brasileiro pela preponderância de normas legisladas em sua composição, a vida social, afinal, é regrada pelo tino dos integrantes do Poder Legislativo no concernente aos apelos da coletividade, através da geração de leis, principal esteio dos julgados proferidos pelos órgãos judicantes nos litígios trazidos e submetidos à sua apreciação.

Essas funções estatais, de legiferação e jurisdicional, são exercidas por pessoas, naturalmente passíveis de falha, cujos dogmas, frutos, por vezes, de crenças reproduzidas nos círculos familiar, escolar, religioso, podem não estar em sintonia com as aspirações comunitárias, não sendo completamente imunes a permear seu exercício, de modo a perturbar, assim, a isenção do ofício do legislador, e a do juiz, quando assumem posição prevalente na condução de seu convencimento, comandando a sua persuasão.

Ademais, a Lei de Introdução ao Código Civil (20), em seu artigo 5°, dispõe que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Cuida tal orientação hermenêutica de autorizar e ordenar, num só golpe ao julgador, libertando-o dos grilhões da letra legal, a adequar as suas prescrições, eventualmente anacrônicas, ultrapassadas e desconexas com os reclamos da coletividade advindos das constantes modificações de suas avaliações concernentes à sua realidade. Não é improvável, além disso, a hipótese de insucesso do seu criador, ao deixar de introduzir com primor em suas disposições a mens legislatoris, cabendo, novamente, ao Judiciário guiar a sua interpretação no rumo da concordância com as instâncias da comunidade para a sua perpetuação pacífica e ordeira, no estádio vivenciado (21).

Essa espécie normativa, a lei, resta patente, dada a sua grave importância disciplinante e extensa penetração no cotidiano social, não deve ser concebida sem um esquadrinhamento dos reportados sítios científicos nem aplicada com o seu desprestígio.

A communis opinio doctorum, em sua nobre responsabilidade de examinar minuciosamente o Direito, dissecando-o em todas as suas feições, para conhecê-lo plenamente, e, só então, construir o seu esqueleto científico, com o concebimento de teorias, institutos, princípios, tudo a nortear a sua intelecção, identificando e anunciando seus defeitos e máculas, e apontando os avanços jurídicos solicitados pelas transfigurações das conjunturas sociais, não escapa à essa imposição. Qualquer trabalho doutrinário destinado ao comentário, explicação ou exegese de um diploma legal deve render-se a todas as aludidas perspectivas previamente à abordagem do teor de seus dispositivos.

Intransponível, pois, é a indeclinável reverência devida pelo inquiridor do direito objetivo às faces fática e valorativa do fenômeno jurídico, como conditio sine qua non à proficuidade de sua pesquisa. Sofrível esta seria distanciada do conhecimento das manifestações e precisões sociais a cuja regulação se destina o ordenamento a viger.

E, por ter a sociedade captado a magnitude da inserção do elemento justiça na resolução de cada "conflito de interesses qualificado por pretensão resistida" (22), ao invés de solucioná-los sem o comprometimento com os ideais de certo e errado, de bom e de mau, de moral e imoral, firmados na consciência da comunidade, a proficiência dos resultados desse exame também está jungida a uma outra perquirição, a dos valores consagrados pela comunidade, segundo os quais esta espera que a pessoas se conduzam, cuja violação enseja a repulsa ao indivíduo infrator e a sua repreensão.

"Sendo a estrutura da experiência jurídica, tridimensional, como bem o explica Miguel Reale, simultaneamente, fato, norma e valor, a realidade do Direito não se limita apenas à Dogmática Jurídica ou Ciência do Direito, que interessa à norma, mas também é objeto de pesquisa sociológica (através do fato, Sociologia Jurídica) e de orientação filosófica (por meio do valor, Filosofia do Direito). Três fatores assim correlacionados, o sociológico, o dogmático e o filosófico garantem, na unidade do Direito, a norma jurídica (sempre originada de um fato social), tentativa de realização de um valor ético jamais distanciado da justiça" (23).

À Sociologia Jurídica toca essa missão primacial de averiguar o sucesso social, desde sua fase germinal, entranhando-se até o seu âmago, para compreender sua motivação e, sobretudo, suas seqüelas, buscando apurar a necessidade de interferência do Direito e a vontade popular relativa ao episódio sob sondagem. Serve, desse modo, de alerta ao legislador, por sinalizar-lhe o irrompimento de expressivas inovações no estilo de vida coletivo, que requestam a sua atividade disciplinadora, instante à salvaguarda da estabilidade e da eutimia nas relações interpessoais. Devota-se a munir quem labuta com a regra jurídica, vigente ou revogada, dos subsídios elementares à sua confecção e à sua epiquéia em estreito acento com a querença da grei.

"A Dogmática Jurídica tem significado acentuadamente uma técnica de sistematização e análise que tende a isolar aspectos puramente abstrato-normativos do conjunto da vida social, sobretudo com o objetivo prático de facilitar a aplicação judiciária ou administrativa das normas. (...)

Muito diversa dêsse procedimento lógico-técnico, que não tem escapado a um certo artificialismo, é a orientação da Sociologia do Direito. Êste conhecimento, pondo embora a tônica de sua indagação no fenômeno social jurídico, o indaga sempre, contudo, como inserido na dinâmica da realidade social total" (sic), critica Cláudio Souto (24), para quem a "Sociologia Jurídica é o ramo do saber científico que investiga o fenômeno social jurídico, na totalidade e de sua dinâmica. Ou seja, de modo bem simples: a Sociologia do Direito em correlação com a realidade social total. Ou ainda, se se prefere: a Sociologia Jurídica indaga a realidade social total em função do direito, estudando as relações recíprocas existentes entre tal realidade social total e o direito"(25).

Em faixa acroamática do pasto, a Filosofia do Direito empreende lucubração na disquisição da justeza das treitas. Coopera com o hermeneuta e aplicante da lei, porquanto baliza o bem da vida acastelado, deslinda os valores implantados em seu preceito pelo Legislador, aquilatando e reflexionando acerca das virtudes abroqueladas e licensiodades rechaçadas em cotejo com as injunções à plácida prossecução do grupo humano.

"Enquanto a Ciência do Direito se limita a descrever e a sistematizar o Direito vigente, a Filosofia do Direito transcende o plano meramente normativo, para questionar o critério de justiça adotado pelas normas jurídicas. De um lado, a Ciência do Direito responde à indagação Quid juris? (o que é de direito?), de outro, a Filosofia Jurídica atende à pergunta Quid juris? (o que é o Direito?). Esta é uma disciplina de reflexão sobre os fundamentos do Direito. É a própria Filosofia Geral aplicada ao objeto Direito. Preocupado com o dever ser, com o melhor Direito, com o Direito justo, é indispensável que o filósofo conheça tanto a natureza humana quanto o teor das leis. Basicamente o objeto da Filosofia do Direito em seus aspectos mais variados e complexos, e outro de natureza axiológica que desenvolve a crítica às instituições jurídicas, sob a ótica dos valores justiça e segurança" (26).

Irrefragável, nada obstante, a densidade desses tópicos. A devassagem de seu implexo conteúdo depende, decerto, de prolongadas e abissais esmerilações nos compêndios e tratados que versam sobre essas fastigiosas tenções.

Lamentavelmente, as grades curriculares de algumas Universidades e Faculdades de Direito não diamantizam as disciplinas Sociologia Jurídica e Filosofia do Direito. Ministrando um ensino superficial dessas cátedras, privam o seu acadêmico de parcelas de índole loctal à compreensão total e sazonada do fenômeno jurídico.

De seu lado, copiosa quantidade de profissionais do Direito da atualidade, em decorrência da inquietação diurnal em seu mister, distrai-se do retorno às meditações dos remontados e decantados debuxos sociológico e filosófico, cingindo a sua lida à locução ad litteram da norma.

À supressão dessa deficiência, indubitavelmente, é insubstituível a espreita didascálica específica dessas orbes. Sua amplidão não tolera ligeiras leituras para a apreensão dos apascentamentos traçados.

6) Conhecimento histórico: condição de realização de Justiça.

Todavia, os padecentes da acenada má formação universitária ou da remetida escassez de tempo podem socorrer-se da História para extrair de suas induções o pendor das defluências sociológicas e axiológicas na gestação das leis que já regeram ou regem um povo.

Em seu bojo estão estampados os motores sociais de cada criação legislativa ordenadora do convívio humano, além dos indícios dos valores contíguos à perfeição para a vivenda comunitária dos homens, dos hospedados pela coletividade na seara da cotidianidade e, finalmente, dos agasalhados pelos encarregados da agência legislatória.

Naylor Salles Gontijo realça esse predicado, professando: "Tão especial é o contato do Direito com a História que, a partir do século XIX, os historiadores consentiram na autonomia de um ramo especializado dentro de seu gênero de trabalho. Nasceu, então a História do Direito, com o objetivo específico de explicar a evolução do Direito, através de todos os seus antecedentes. A História do Direito tem o propósito de escoimar os fenômenos jurídicos de todos os demais fenômenos que não lhe sejam essenciais, tal como se se isolasse uma espécie biológica, a fim de melhor analisá-la sob as lentes de um perfeito detalhador" (27).

Deveras, "De todos os saberes jurídicos, aquele que mantém mais íntimas relações com a sociologia jurídica é, inegavelmente, a história do direito. A intimidade desses dois ramos especializados da sociologia e da história procede, aliás, da íntima ligação a que estão presas suas matrizes teóricas. Com efeito, a história e a sociologia tematizam o mesmo objeto material, aquele que, de certo ângulo, pode ser visto como a vida social. E, de outra perspectiva, como a vida histórica.

Também a sociologia e a história tematizam o aspecto jurídico da vida social ou da vida histórica. Para ambas o direito aparece como um fato histórico-social. Seu objeto material é, pois, idêntico" (28).

O ínclito e sapiente José Cretella Júnior discreteia ex professo a respeito da conexão em tábua, brindando os aguçados ao mote com áureo e impagável arrazoado, trasladado doravante (29):

"Se o objeto da história é o estudo das transformações que os seres e instituições experimentaram no decurso dos tempos, bem como as causas e conseqüências dessas transformações, nada existe que não tenha história, pois tudo se desenvolve no tempo.

Por isso, o estudo de qualquer disciplina, sob o aspecto histórico, é da maior relevância para a compreensão dos fatos presentes e suas relações de causa e efeito.

A importância do conhecimento histórico cresce de vulto nas disciplinas filosóficas, porque o passado revive no presente e este não se compreende sem aquele.

O direito, fenômeno histórico-cultural, por excelência, não é invenção da fantasia humana, mas corresponde a uma necessidade natural e perene do espírito do homem, cuja preocupação com a justiça ocorreu no passado e se estende até nossos dias.

Nas disciplinas filosóficas, a importância do conhecimento dos fatos que se passaram em outras épocas assume papel considerável, porque as cogitações filosóficas de hoje são as mesmas do passado, diferindo apenas, em muitos casos, o processo interpretativo.

Do mesmo modo, os temas da filosofia do direito revelam que sempre se meditou sobre o fenômeno jurídico, que é fato natural, correspondente a constante anseio do homem.

Sendo a filosofia do direito um profundo filosofar a respeito do fenômeno jurídico e sendo este um produto constante na história do homem, as explicações que os antigos deram sobre uma dada série desses fenômenos têm o mérito de orientar o estudioso do pensamento filosófico moderno, que interpretará toda a experiência acumulada das épocas passadas.

Em frase que se tornou clássica, ponderava Ortolan com muito acerto que todo historiador deveria ser jurisconsulto e que todo jurisconsulto historiador, como que ressaltando a conexão profunda entre a história e o direito.

Por esse motivo, os estudos de filosofia do direito deverão apoiar-se num retrospecto geral da evolução do pensamento jurídico através das épocas e no modo pelo qual os jurisconsultos e filósofos os consideraram.

Tudo o que os povos da antiguidade de épocas seguintes pensaram e exprimiram por meio de seus maiores filósofos é de interesse para a filosofia do direito.

A separação entre filosofia, história, história da filosofia, filosofia do direito e história da filosofia do direito é impossível, porque a filosofia e a filosofia do direito são históricas e sua história lhes pertence de modo absoluto. (...)

Todo o meditar sobre o direito se fundamenta na totalidade do passado e se projeta para o futuro, desencadeando a marcha da história da filosofia do direito.

A filosofia do direito é um fazer histórico e dinâmico. Imobilizada, perderia sua razão de ser". (sic)

Destarte, a história exsurge como manancial das especulações sociológicas e filosóficas, propiciando aos jejunos nestes quadrantes do Direito, quando mais não seja, um pródigo painel da qüididade de suas contemplações, coadjuvando-os sobremaneira na produção e no manejo da lei, delivrando-os da estreita circunscrição de uma legalidade excessivamente formalista, fria, estanque, cega e insensível, em homenagem ao ideal de justiça anelado por seus destinatários.

Não deve o lidador do Direito aventurar-se no audaz prepósito de entabular, de pronto, uma atividade interpretativa em torno de matérias de tamanho tomo e vasteza, como as de natureza jurídica, sem antes apreciar os seus precedentes históricos (30). Deve, ao revés, em atenção às tais exortações da nata dos docentes, imbuir-se de humildade e atilamento, para reconhecer a insuficiência da superficial noção da mensagem gramatical da norma, e de ânimo investigativo, conciliando as urgências dos prazos processuais e a sobrecarga de feitos em tramitação nos juízos e pretórios com este cuidado, e, assim, percorrer os arquivos da história do instituto ou regra enfocada com o fito de irradiar uma luz proemial sobre os mesmos, hábil, porém, para bussolar seu correto, apropriado e justo emprego, especialmente nos casos em que flamejam prélios acerca de bens jurídicos, onde subjazem, no mais das vezes, verdadeiros dramas e aflições, sejam de um só indivíduo, sejam de toda uma coletividade — quando postulam ao Estado-Juiz ou perante este se defendem —, merecedores do máximo da diligência de cada profissional militante nos ofícios dos domínios deste saber, os quais têm a custosa incumbência de decidir diariamente o destino de incontáveis pessoas: o Direito.



NOTAS REMISSIVAS:

1 - NAYLOR SALLES GONTIJO, em sua obra Introdução à Ciência do Direito, 2ª edição, editora Forense, 1969, rememora a existência de teorias negatórias do porte científico do direito. Segundo o ilustre autor, "Júlio Von Kirchman diz que o Direito não pode ser estudado como ciência em vista de seu caráter dinâmico, evolutivo e mutável, o que lhe retira a condição de poder ser contido por leis gerais, imprescindíveis para o processo científico. Por causa da imprevisibilidade do Direito, ele somente pode ser estudado por qualquer ciência como ‘fenômeno jurídico realizado’, depois de já acontecido. Nota-se, aqui, forte impressão do sociologismo, sem dúvida. Da lavra desse jurista, a célebre frase que bem dá a idéia central de sua teoria: ‘Três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras convertem-se em lixo". Mais adiante, leciona que as teorias em comento não encontraram amparo entre os grandes mestres do Direito.

2 - CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, Volume I, 13ª edição, Forense, página 05.

3 - Tal aversão justificava-se pela necessidade de garantir-se aos homens direitos básicos e inerentes à sua condição humana, tais como à vida, à liberdade e à dignidade, diante da maleabilidade do direito institucionalizado nas mãos das classes dominantes, que poderiam modelá-lo ao seu bel-prazer.

4 - VALTER CORRÊA LUIZ, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, editora Forense, 1996, página 18. A seguir, acrescenta:

"Remonta à antiguidade a concepção de direito natural, como ideal de justiça eterno e imutável.

Santo Tomás de Aquino expôs três espécies de leis: lex aeterna, que governa o mundo e é inacessível ao homem; lex naturalis, perceptível pela razão do homem, porém ditada pela expressão divina; e lex humana, que tende à perfeição na medida em que se aproxima da lex naturalis

Hugo Grotius, séc. XVI, criou a escola do direito natural, a qual considerava que a lei não tem base na vontade do legislador, que é apenas o seu intérprete.

Hermes Lima ensina: ‘na expressão direito natural estão os princípios atribuídos a Deus, à razão, ou decorrentes da natureza das coisas. Independem de convenção ou legislação e seriam informativos ou condicionantes de leis positivas.’

Modernamente, Maximilianus vincula a idéia de direito natural, a sua abstração, ao sentimento de justiça da comunidade".

5 - PAULO DOURADO DE GUSMÃO, Introdução à Ciência do Direito, Editora Revista Forense, 1956, páginas 32 e 33.

6 - VALTER CORRÊA LUIZ, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, editora Forense, 1996, página 22: "O direito objetivo se apresenta sob diversas formas. No Brasil há duas concepções: em sentido estrito, é a lei; em sentido lato, abraça as diversas formas que podem revestir a norma de conduta (usos, costumes, princípios gerais do direito etc)".

7 - Esposaram a tese positivista a Escola da Exegese, a Escola dos Pandectistas, a Escola Analítica da Jurisprudência, Hans Kelsen, e, no Brasil, juristas da envergadura de Clóvis Bevilácqua e Pontes de Miranda.

8 - A pirâmide normativa de Kelsen tem em sua base os atos executivos, seguidos da sentença, lei, a constituição, e, no ápice, a Norma Fundamental.

9 - Registra Miguel Reale, em sua obra Lições Preliminares de Direito, 18ª edição, Saraiva, página 62: "A Ciência do Direito, durante muito tempo teve o nome de Jurisprudência, que era a designação dada pelos jurisconsultos romanos. Atualmente, a palavra possui uma acepção estrita, para indicar a doutrina que se vai firmando através de uma sucessão convergente e coincidente de decisões judiciais ou de resoluções administrativas (jurisprudências judicial e administrativa)".

10 - J.FLÓSCOLO DA NÓBREGA, Introdução ao Direito, 6ª edição, Sugestões Literárias S/A, 1981, páginas 09 e 10:

"Temos como assentado que o direito é uma forma de cultura, a um só tempo, processo cultural: processo, porque é realização de valores, e produto, porque é valor realizado, objetivado em dados naturais.

Como processo cultural, o direito é uma atividade valorativa, orientada no sentido de realizar a ordem e a segurança e a paz nas relações sociais. A vida em sociedade é condição natural, necessária do homem. sozinho em face da natureza, não poderia ele viver, seria de logo vencido pela pressão das circunstâncias — as intempéries, a fome, as feras, as doenças. A necessidade vital de conservação deu origem à sociedade, levando os homens a viverem em comum, para melhor resistirem às forças adversas do meio. Mas o homem é também o pior inimigo do próprio homem. Se a vida social lhes permitiu escapar à destruição pelas forças cegas da natureza, agravou-lhes ao mesmo passo as competições, os conflitos e rivalidades no satisfazer a pulsões da fome, do amor e do poder. A sociedade teria afundado na anarquia, na insegurança total, se não houvesse surgido o meio de estabelecer um equilíbrio de forças, uma espécie de paz armada nessa guerra de todos contra todos.

Esse meio é o direito e sua função é a de disciplina e controlo, criando dispositivos de segurança e eliminando os atritos e desgastes entre as partes. O direito opera como um processo de engenharia social, visando a que satisfação das necessidades humanas se torne menos custosa e se faça com menos sacrifícios e com rendimento cada vez maior. Para isso, constrói as barreiras e canais das instituições, que represam a onda das desordens e dão vazão pacífica às atividades. É, portanto, um processo adaptativo, de transformação da vida animal em vida social; seleciona, normaliza as formas de comportamento adequado à convivência social e, assim, disciplina, organiza as relações entre os homens".

11 - GERSON DE BRITO MELO BOSON, Filosofia do Direito (Interpretação Antropológica), Del Rey, 2a. edição, Belo Horizonte, 1996

12 - PAULO NADER, Introdução ao Estudo do Direito, 6ª edição, Forense, página 32.

13 - A L. MACHADO NETO, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 2ª edição, revista e aumentada, Saraiva, 1973: "Porque os modos sociais que vai viver um indivíduo são cultura e não natureza é que eles não lhe podem ser proporcionados pela herança biológica, e sim pela tradição social.

A esse processo, que consiste em adaptar o indivíduo ao seu grupo, os sociólogos denominam socialização.

É algo que, se falta inteiramente — como o comprovou COOLEY —,então o indivíduo não chega nem a poder desenvolver o que nos habituamos a chamar sentimentos humanos, conformadores da natureza humana. O indivíduo não socializado é o Homo ferus.

Para que cada um de nós desenvolva aqueles sentimentos e mais ainda se comporte dentro dos cânones estabelecidos pela convivência é que, a cada passo, do berço ao túmulo, a sociedade nos está socializando.

Da admoestação materna às penitenciárias, do castigo escolar aos tribunais, da penitência religiosa ao escárnio popular, a sociedade nos cerca, de todos os lados, com instâncias de socialização. Tais instâncias atuam ensinando-nos a colocar-nos em lugar dos outros, de modo a antecipar e prever suas expectativas quanto ao nosso comportamento (nosso rôle) e o dever que nele vai implícito, graças, especialmente, ao grupo e a tais expectativas.

Como, não obstante esse tenaz esforço socializador da sociedade, nem todos os indivíduos se socializam inteira ou suficientemente, como também o composto originado da combinação das diversas naturezas biopsíquicas dos indivíduos com o ingrediente social que a socialização lhes ajunta à personalidade é algo vário, a sociedade há de estar prevenida de que o anti-social pode ocorrer em seu seio, e prepara a prevenção de sua ocorrência com uma série de normas coatoras que em seu conjunto são conhecidas como o aparato de controle social. Em seu seio, situam-se as normas do trato social, as normas morais, a educação, as normas religiosas e o direito. (...)

O direito, centro de nossa atenção nesse trabalho, é, pois, o modo mais formal do controle social formal. Sua função é a de socializador em última instância, pois sua presença e a sua atuação só se fazem necessárias quando a s anteriores barreiras que a sociedade ergue contra a conduta anti-social já foram ultrapassadas, quando a conduta anti-social já se apartou da tradição cultural aprendida pela educação para, superando as condições de mera descortesia, simples imoralidade ou, mesmo, pecado, alcançar o nível mais grave do ilícito ou, tanto pior, do crime.

Por estar em acordo com o inteiro mecanismo do controle social que se lhe antecipa (todo ele mais exigente em extensão, mas, menos exigente em profundidade ou em sanção do que o direito) o direito pode reservar sua atuação para a última ‘chance’, aguardando que antes dele os níveis anteriores e mais compreensivos do controle social façam a sua parte como instâncias primeiras da socialização".

14 - HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, Volume I, 18a edição, editora Forense, Rio de Janeiro, 1994, página 34.

15 - PAULINO JACQUES, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, 4ª edição, editora Forense, 1981, Rio de Janeiro, página 160: "Por isso, os velhos brocardos, — ubi homo, ibi societas (onde o homem, aí a sociedade), ubi soceitas, ibi jus (onde a sociedade, aí o direito) e ubi homo, ibi jus (onde o homem, aí o direito)— exprimem um verdadeiro silogismo, em que a premissa maior é o homem, a menor, a sociedade, e a conclusão, o direito. Realmente, onde existe o homem, preexiste sociedade, e, onde há sociedade, manifesta-se o direito — porque o homem, sem direito, não passa de animal selvagem".

16 - Obra citada, página 65

17 - NAYLOR SALLES GONTIJO, Introdução à Ciência do Direito, 2ª edição, Editora Forense, 1969, página 65.

18 - JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, Filosofia do Direito, Forense, 4a. edição, Rio de Janeiro, 1993.

19 - PAULO NADER, obra citada, página 424: "A originalidade do professor brasileiro está na maneira como descreve o relacionamento entre os três componentes. Enquanto que para as demais fórmulas tridimensionalistas, denominadas por Reale genéricas ou abstratas, os três elementos se vinculam como em uma adição, quase sempre com a prevalência de algum deles; em sua concepção, chamada específica ou concreta, a realidade fático-axiológico-normativa se apresenta como uma unidade, havendo nos três fatores uma implicação dinâmica. Cada qual se refere aos demais e por isso só alcança sentido no conjunto".

20 - MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil, 1° volume, Teoria Geral do Direito Civil, editora Saraiva, 8ª edição, 1991, São Paulo:

"Para Wilson Campos Batalha, a Lei de Introdução ao Código Civil é um conjunto de normas sobre normas, isso porque disciplina as próprias normas jurídicas, assinalando-lhes a maneira de aplicação e entendimento, predeterminando as fontes de direito positivo, indicando-lhes as dimensões espácio-temporais. Isto significa que essa lei ultrapassa o âmbito do direito civil, vinculando o direito privado como um todo e alcançando o direito público, atingindo apenas indiretamente as relações jurídicas. A Lei de Introdução do Código Civil contém, portanto, normas de sobredireito ou de apoio que disciplinam a atuação da norma jurídica. (...)

A Lei de Introdução é aplicável a toda ordenação jurídica (...)".

21 - O insigne Francisco Barros Dias, Juiz Federal na Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, em artigo publicado na revista jurídica eletrônica Jurisnet, de título "Algumas considerações sobre o Positivismo Jurídico", critica, na parte conclusiva de seu trabalho, a incontestável preponderância da lei, stricto sensu, na atividade jurisdicional do magistrado em virtude de, nem sempre, coincidir esta com o intenção de realização de justiça, de modo a ressaltar a necessidade de perene deferência do jurista com relação aos elementos fáticos e axiológicos do Direito. O dito trecho de seu texto é de transcrição imprescindível:

"Como vimos o Positivismo Jurídico embora tenha se desenvolvido na segunda metade do século XIX em diante, teve suas raízes desenvolvidas na Grécia.

Escolas e pensamentos fizeram surgir o Positivismo como resposta ao Jusnaturalismo, primeiro, tecendo-se diversas críticas para depois serem firmados pontos e idéias que se identificam perfeitamente com esse movimento. O historicismo jurídico Alemão, a codificação francesa, a escola de exegese, os pandectistas, além de outras idéias apregoadas antes e durante o Positivismo, especialmente a construção doutrinária de KELSEN, serviram e servem de embasamento teórico ao Positivismo Jurídico.

A formalidade, abordagem avalorativa do direito, a coação, a lei como única fonte de qualificação do direito, a idéia imperativa da norma, o ordenamento jurídico, o Estado como ente maior do monopólio da legislação e jurisdição, enfim toda ideologia desenvolvida pelo Positivismo, encontram-se presentes na formação dos juristas pátrios que de uma forma ou de outra apregoam, aceitam e toleram esses dogmas.

Em razão dessa circunstância temos no campo doutrinário ou jurisprudencial posições que impedem um melhor desenvolvimento do direito e da Justiça no Brasil. Isso se deve por força das limitações nos campos da criação legislativa e da interpretação e aplicação do direito, sem que haja possibilidade dos operadores do direito se valerem de outras fontes que não seja a lei e esta tenha se originado do Estado, além de ser censurada de forma constante e veemente qualquer criação da jurisprudência que leve a um divórcio com o sentido literal da norma.

O conservadorismo de muitos julgados em nossos Tribunais, o apego exagerado à lei, a valoração que se empresta a interpretação literal, são empecilhos que testemunhamos na prática diária do foro como impeditivos de uma melhor aplicação da Justiça e talvez de um desenvolvimento dinâmico.

Não se pode negar as grandes conquistas que o Positivismo trouxe ao direito e a Justiça, especialmente o princípio da legalidade, porém não devemos nos esquecer que a norma deve servir como referencial na aplicação dos casos concretos, tendo em vista a sua generalidade, o que muitas vezes necessita de uma maior adequação por parte do intérprete e aplicador.

Por outro lado, outros movimentos estão a indicar uma nova postura do intérprete e aplicador da lei. É bastante que se tenha em vista o racionalismo jurídico anglo-saxão, o sociologismo jurídico de EUGEN EHRLICH, a lógica do razoável de RECASÉNS SICHES, o Juiz legislador de CAPELLETTI, além de outros movimentos aqui e alhures que indicam um outro caminho, talvez mais razoável na interpretação e aplicação do direito".

22 - IÊDO BATISTA NEVES, Vocabulário prático de tecnologia jurídica e brocardos latinos, APM Editora, 3a edição, 1987, Rio de Janeiro.

23 - OLIVEIROS LITRENTO, Curso de Filosofia do Direito, Forense, 2a. edição, Rio de Janeiro, 1984.

24 - CLÁUDIO SOUTO, Introdução ao Direito como Ciência Social, Editora Universidade de Brasília, 1971.

25 - Op. citada, página 17.

26 - PAULO NADER, Op. citada, pág. 12.

27 - Obra citada.

28 - A L. MACHADO NETO, Sociologia Jurídica, 6a. edição, editora Saraiva, 1987, São Paulo. Prossegue asseverando:

"Divergem apenas quanto ao tratamento metodológico que submetem esse mesmo objeto material. Divergem apenas no objeto formal, diriam os filósofos escolásticos; na forma como abordam seu idêntico objeto material.

A Historiografia jurídica, como ciência do individual, como ciência idiográfica, detém-se na consideração de cada fenômeno sócio-jurídico individual, procurando enquadrá-lo no sistema geral em que a própria história de si própria consiste.

Assim, a história estudaria o direito surgido da revolução francesa, procurando anotar suas correlações com o movimento revolucionário que lhe deu origem, enquanto a sociologia jurídica encontraria, com base nesse caso singular e em outros idênticos ou semelhantes, os caracteres gerais, a figura típica do direito pós-revolucionário e das correlações empíricas constantes entre o direito e a revolução."

29 - Obra citada, páginas. 87 a 89.

30 - Prima facie, a interpretação teleológica aparenta ser a mais cômoda à ambição do artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil. Mas incorre em equívoco quem acredita na auto-suficiência desta técnica. Avulsa, não logra o êxito pretendido pela intentio legis. Aliás, o mesmo se diga dos demais métodos de interpretação da lei (gramatical, lógico, sistemático). Somente com a assistência da interpretação histórica, sugerida por Savigny, poderá o intérprete, pesquisando as primícias das instituições jurídicas, as razões de seu surgimento, a sua receptividade pelo grupo social e a dinâmica interação entre os mesmos, efetivamente perceber os clamores da comunidade e de que modo deve a aplicação da norma ser orientada.



OBRAS CONSULTADAS:
BOSON, GERSON DE MELO, Filosofia do Direito (Interpretação Antropológica), Del Rey, 2a edição, Belo Horizonte, 1996;

DIAS, FRANCISO BARROS, Algumas considerações sobre o Positivismo Jurídico (artigo publicado na revista eletrônica Jurisnet);

DINIZ, MARIA HELENA, Curso de Direito Civil, I Volume, Teoria Geral do Direito Civil, 8a edição, Saraiva, São Paulo, 1991;

GONTIJO, NAYLOR SALLES, Introdução à Ciência do Direito, 2a edição, Forense, 1939;

JACQUES, PAULINO, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, 4a edição, Forense, Rio de Janeiro, 1981;

JÚNIOR, HUMBERTO THEODORO, Curso de Direito Processual Civil, Volume I, 18a edição, Forense, Rio de Janeiro, 1994;

JÚNIOR, JOSÉ CRETELLA, Filosofia do Direito, 4a edição, Forense, Rio de Janeiro, 1993;

LITRENTO, OLIVEIROS, Curso de Filosofia do Direito, 2a edição, Forense, Rio de Janeiro, 1984;

LUIZ, VALTER CORRÊA, Introdução ao Estudo do Direito, 2a edição, Forense, 1996;

NETO, A L. MACHADO, Sociologia Jurídica, 6a edição, Saraiva, São Paulo, 1987

NEVES, IÊDO BATISTA, Vocabulário prático de tecnologia jurídica e brocardos latinos, 3a edição, APM Editora, Rio de Janeiro, 1987;

NÓBREGA, J. FLÓSCOLO DA, Introdução ao Direito, 6a edição, Sugestões Literárias S/A, 1981;

PEREIRA, CAIO MÁRIO DA SILVA, Instituições de Direito Civil, Volume I, 13a edição, Forense;

REALE, MIGUEL, Lições Preliminares de Direito, 18ª edição, Saraiva

SOUTO, CLÁUDIO, Introdução ao Direito como Ciência Social, Editora Universidade de Brasília, 1971.

Fonte: Escritório Online


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