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Escritório Online :: Artigos » Sociologia e Filosofia do Direito


O justo coletivo

27/05/2000
 
Fabíola Bernardi



Recentemente, encontrei na obra "Ramsés", de Christian Jacq (ed. Bertrand Brasil), uma razão para voltar a pensar no jusnaturalismo dos meus tempos de faculdade.

Visualizo Maât, "deusa da justiça, simbolizada por uma mulher de aparência frágil ou por uma pluma", a "encarnação da Regra Universal", a retidão, e noto que, por volta de 1250 a.C., era possível crer na coerência de uma ‘Regra Universal’ a inspirar a Justiça.

O que me chama a atenção é a coincidência da idéia básica. Tomemos Kant e, na seqüência, Kelsen. Ressalto, desde logo, que estas rápidas linhas não têm a pretensão de espelhar ou defender qualquer posição. Nada mais representam senão um convite à reflexão.

Eis que, então, pondo à parte as construções teóricas jusnaturalista (idéia), positivista (fato) ou mesmo a dialética de Lyra Filho, ouso aventurar-me livremente.

Tenho, pois, que a Regra Universal simbolizada por Maât — e conceitos que se lhe afeiçoam pelos séculos — não tem inspiração ideológica, razão pela qual, aliás, destaco a presente análise de qualquer contexto pré estabelecido neste ou naqueloutro sentido. Sua existência transcende, ou inaugura a discussão e não há de ser limitada pela mesma, sob pena de restringir o contingente em benefício do conteúdo.

Segundo o mesmo enfoque, pensar em um ente representativo e orientador do justo também não esbarra na Moral. Para isso, teria que se ver inserto em um de seus diversos contextos, cujas variantes são múltiplas na medida em que o são as culturas e como resultado da própria evolução humana.

Arrisco afirmar que o ‘justo’ nada mais é que um conceito lógico intrínseco. É o ponto que equilibra, e que se encontra no centro da barra de chocolate a ser repartida entre irmãos. Crianças que sejam, sabem disso, desde sempre.

Quando, portanto, lê-se em Kant sua construção acerca dos ‘imperativos categóricos’, a orientarem, prescindindo do consciente coletivo, as condutas humanas, força admitir, em última análise, a existência de Maât. O mesmo em Kelsen, ao enunciar a ‘Norma Fundamental’, a qual encaro como um generoso e maternal imperativo categórico, por sua vez, órfão.

Quero dizer que não importa a orientação jurídico-filosófica que esses raciocínios — ou outros na mesma linha — encerrem, alimentam-se, todas as correntes, da mesma fonte do ‘justo’ praticado entre os irmãos na partição de seu doce.

Poderia, então, ser único, para as gerações, pelos milênios, o conceito básico de Justiça? Poderia ser encontrado em um canto qualquer da mente humana antes mesmo do que se convencionou chamar de ‘contrato social’, ou seja, da necessidade de reunião para a sobrevivência e manutenção da propriedade?

Penso que sim. Esse insight específico seria tão simples, de tão singela apreensão e representação, que dispensaria enunciados. É quando surge minha evocação dos bancos escolares. Lembro do jusnaturalismo como uma névoa diáfana a pairar sobre o mundo, numa dimensão captável pela massa (costumes) ou pelo legislador (normas), a positivar, por fim, um ‘Direito pré-existente’. Fios invisíveis conduziriam as informações, a unir céu e terra, realizando o Direito sonhado. Bonita imagem; quase a consumação dos desígnios de Deus... Depois fui à vida e às leituras e, pouco a pouco, abandonei o que me ensinaram tratar-se de um entendimento vago, quase ingênuo.

Eis que me surpreendo a repensar o que aprendi. Não, como já disse, em termos complexos, teóricos, conclusivos, mas como gênese de futuros estudos e como o que sempre foi a própria idéia isolada do ‘justo’: algo sumamente simples. Uma bonita imagem a qual, hoje, associo uma franca possibilidade de existência racional.

Dentro do que poderíamos parafrasear como um ‘inconsciente coletivo do justo’, o Homem de Neanderthal saberia, pois, que o ato de um semelhante de lhe tomar um naco de carne que sabia possuir, ser seu, nada teria de justo, caso em que parece razoável que, se surgisse esfacelada a cabeça do companheiro não se o poderia, simplesmente, condenar por isso. É instintivo, inato.

É certo que a singeleza da questão como posta a aproxima muito mais do conteúdo quase romântico da escola jusnaturalista. Creio, no entanto, que se possa abstrair, de nossa natural tendência a teorizar, a idéia colocada, para concluir que, ainda que assim fosse, esse enquadramento não lhe esvaziaria a razão. Não se me afigura, de fato, desprezível a colocação de que o gérmem do ‘justo’ habita a mente humana, o que, se não se presta a justificar a discussão é, no mínimo, belo e, por que não, consolador, na medida em que nos conduz a crer, em meio a tantas crises de nossa existência e consciência, na real possibilidade de o homem possuir, em sua essência, o ‘bom’, como corolário do ‘justo’.

Fabíola Bernardi

Advogada

Fonte: Escritório Online


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