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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Limitações processuais e constitucionais do direito à prova - Conferência

12/05/2000
 
A. Nabor Bulhões



Íntegra da conferência proferida pelo Conselheiro Federal por Alagoas, Dr. NABOR BULHÕES, sobre "Limitações processuais e constitucionais do direito a prova", no Colégio de Presidentes de Subseções da OAB-GO, no dia 11.04.97, em Caldas Novas: ---------------------------------------------------------------------------

O tema se vincula aos direitos e garantias do cidadão em face do poder estatal, e é atualíssimo, porque a Constituição de 1988, ao versar sobre a matéria, o fez de forma expressiva, traduzindo precedentes do Supremo Tribunal Federal. Mas, mais do que isso, dando-lhe expressão dogmática. A Constituição de 88, ao cuidar dos direitos e garantias do cidadão e da coletividade, estabeleceu no Art. 5º, Inciso LVI, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito. Pela primeira vez numa Constituição brasileira cuidou explicitamente do tema, que antes se consubstanciava única e exclusivamente em princípios, muitos deles emergentes de sistemas jurídicos outros, de que seja exemplo o sistema constitucional americano.
A jurisprudência da Suprema Corte brasileira sobre a matéria, até a Constituição de 88, se fundava por isso mesmo em princípios e precedentes do Direito norte-americano. As decisões mais expressivas existentes ou proferidas pelo STF, repito, se fundavam em precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Mas a partir da Constituição de 88 a matéria passou a ter um tratamento positivo.

Diria eu positivo e expressivo.

Mas a esta altura se poderia indagar: por que o legislador constituinte teria estabelecido limitações ao direito à prova, já que esse direito está assegurado constitucionalmente?

Não haveria, então, por assim dizer uma espécie de inconstitucionalidade de norma constitucional? Absolutamente, não. Em primeiro lugar, num sistema de Constituição rígida, como é o nosso, não se pode falar em inconstitucionalidade de norma constitucional. Ao depois, a própria Constituição, que teria estabelecido como garantias da ação e da defesa a prova, contemplou exceções, que se justificam sob o ponto de vista da ética e do direito.

A questão que se põe agora é saber se o legislador constituinte teria agido com acerto ao estabelecer essa sorte de limitação. Antes, porém, eu lembraria que o sistema de limitação do direito à prova não se adstringe necessariamente à normatividade constitucional. Essa limitação sempre existiu, nos planos material e processual.

Lembro a existência de dispositivos, por exemplo, do Código Civil e do Código de Processo Civil, do Código Penal e do Código de Processo Penal a respeito das limitações do direito à prova. Quando, no plano do Direito Civil, o legislador estabelece que somente determinado tipo de prova é admissível como apto a produzir certo efeito, está limitando a eficácia probatória. Está estabelecendo limites à eficácia probatória. Assim, ao estabelecer que a prova da propriedade só se fará por escritura pública devidamente registrada, não permitiu o legislador civil que toda sorte de prova fosse apta a produzir certa eficácia, certos resultados. É um exemplo de limitação material do direito à prova.

Essa limitação material do direito à prova se põe apenas no plano da eficácia probatória. É importante que se observe isto: a questão relativa à limitação material do direito à prova diz com a eficácia probatória; não tem nada a ver com a inadimissibilidade da prova, sob o ponto de vista de sua ilegitimidade ou de sua ilicitude. É uma questão adstrita única e exclusivamente à eficácia probatória. Mas há outras e outras normas no Código Civil e no Código de Processo Civil, no Código Penal e no Código de Processo Penal, sobre eficácia probatória.

Veja-se o que o Código de Processo Civil dispõe sobre colheita da prova testemunhal. Não é toda testemunha que pode depor, o que significa dizer que há limitações processuais à colheita da prova oral. Quando o legislador, ao cuidar dessa prova, estabelece limites em razão da capacidade do depoente, em razão das relações que ele mantenha com as partes ou com o julgador, bem como em razão do grau de seu interesse na causa, não está ele fazendo outra coisa senão limitar a eficácia probatória.

No Processo Penal, tem-se idêntico disciplinamento: há testemunhas que não podem depor ou há testemunhas que, depondo, não prestar compromisso. Isso, por exemplo, é o que se extrai do artigo 214 da Lei Processual Penal.

Como se vê, a limitação do direito à prova sempre conviveu com o princípio constitucional do direito à prova como garantia da ação e do processo. Essa é a primeira constatação que se deve fazer acerca do tema: limitação do direito à prova não é, pois, matéria nova. Não exsurge apenas a partir da Constituição de 88.

Ela sempre existiu no nosso sistema jurídico constitucional, independentemente de disciplinamento específico no plano constitucional. Mas a matéria assume uma feição mais abrangente, mais significativa, a partir da Constituição de 88, porque, ao cuidar dos diretos e garantias do cidadão e da coletividade, estabeleceu expressamente que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito" (art. 5º, LVI-CF).

Esta exposição versará sobre o alcance da cláusula inserida no Inciso LVI do Art. 5º da Constituição Federal e as recentes posições do STF sobre o tema, de sorte que a matéria exposta assuma feição concreta.

Em primeiro lugar, devo oferecer, sobre o tema, um dado histórico: o Direito Constitucional brasileiro se filiou, desde a Constituição 1891, ao sistema constitucional americano. Diria, predominantemente, porque as influências que se tem produzido no campo constitucional não se adstringem à experiência americana. Mas não há negar que por obra de Rui Barbosa a base do constitucionalismo brasileiro foi alicerçada na experiência americana, principalmente a partir de uma notável decisão que foi proferido em 1803, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, num caso submetido à sua apreciação. Esse caso é conhecido no contexto jurisprudencial americano como Marbury vs Madison.

Esse caso é interessante e deve ser referido porque está na base do nosso constitucionalismo: de 1802 para 1803, John Adams, presidente dos Estados Unidos, nomeou o jurista William Marbury Juiz de Paz do Distrito de Columbia. Isso ocorreu exatamente no final do governo de Adams. Não houve tempo para que se completasse a investidura de Marbury. Com a assunção de Thomas Jefferson na Presidência, James Madison, novo Secretário de Estado Americano, negou posse ao nomeado.

De conseqüência, irresignado com a negativa, William Marbury impetrou um writ of mandamus perante a Suprema Corte Americana contra o ato de Madison objetivando afastá-lo para garantir a investidura plena no cargo de Juiz de Paz do Distrito de Columbia. Nada obstante, ao contrário do que estabelecia a Lei Processual em que se fundara o impetrante, a Constituição Americana não previa como sendo da competência da Suprema Corte o writ of mandamus assestado contra ato de Secretário do Governo Americano.

Pela Carta Política americana, só ato do Presidente poderia desafiar o controle direto pela Suprema Corte. A questão crucial que se punha, para a Suprema Corte dos Estados Unidos, não era apenas jurídica. Era, antes de tudo, uma questão política. Thomas Jefferson assumia a Presidência dos Estados Unidos numa época em que se discutia a crescente influência que o Executivo vinha exercendo sobre os demais poderes. Então se afirmava que o Executivo tinha poderes demais, que o Presidente dominava a cena não apenas política, mas jurídica. Essa questão assumia relevo maior porque Thomas Jefferson era uma figura insinuante, influentíssima na Nação.

Por obra do Chiefe Justice John Marshall, Presidente da Suprema Corte, que foi o relator do Mandado de Segurança, se produziu uma das maiores e mais significativas peças jurídicas de que se tem conhecimento, que é o voto que levou a Suprema Corte, por decisão unânime, a fixar toda a técnica do controle jurisdicional da constitucionalidade das leis pelo sistema que se tornou conhecido como o sistema americano ou sistema difuso: a nulidade do ato inconstitucional realiza, de modo bastante expressivo, a concretização do princípio da hierarquia da normas e das fontes do direito: a posição de incontrastável superioridade jurídica da Constituição impõe a necessidade de tutelar a ordem normativa nela formalmente plasmada.

São expressivos dessa orientação os seguintes excertos do voto do Chief Justice Marshall, ao relatar o caso Marbury vs Madison:

"Certainly all those who have framed written constitutions contemplate them as forming the fundamental and paramount law of the nation, and, consequently, the theory of every such government must be, that an act of the legislature, repugnant to the constitution, is void."
(...)

"Those, then, who controvert the principle that the constitution is to be considered, in court, as a paramount law, are reduced to the necessity of maintaining that courts must close their eyes on the constitution, and see only the law.

This doctrine would subvert the very foundation of all written constitutions. It would declare that an act which, according to the principles and theory of our government, is entirely void, is yet, in practice, completely obligatory" (Excerto do voto do Juiz MARSHALL, então Presidente da Suprema Corte dos EUA, no caso Marbury vs Madison - 1803 - apud WILLIAM H. REHNQUIST, in The Supreme Court: how it was, how it is, First Quill Edition, New York, 1987, págs. 113/114).



Pois bem, como ressaltei anteriormente, por obra de Rui Barbosa esse sistema foi incorporado ao constitucionalismo brasileiro. E com ele veio todo um sistema de garantia jurídica inspirado na Constituição americana. Um sistema fundado no princípio do Due Process of Law -- Devido Processo Legal -- que na experiência americana tem dimensões material e formal, ainda não alcançadas pela experiência jurídica brasileira.
Essa diferença entre os dois sistemas jurídicos -- o brasileiro e o americano -- talvez explique um fenômeno: lá eles têm menos normas e mais efetividade. Aqui nós temos mais normas e menos efetividade. Por isso mesmo eles têm um sistema mais justo, mais eficiente do que o nosso, a despeito de termos mais normas e mais garantias formais. Lá eles têm mais garantias substanciais do que nós outros.

Enquanto, no Direito americano, o Due Process of Law já traz consigo um largo espectro de garantias materiais e processuais, em razão da própria integração efetivada pelas Cortes de Justiça, aqui nós estamos no plano de uma garantia ainda meramente formal. Lutamos para que essa garantia se transforme em garantia material. Eu lhes dou um exemplo patente: todos sabem que a experiência constitucional brasileira tem sido dominada pela ineficácia. Nossos direitos e garantias constitucionais nem sempre se efetivam, por circunstâncias várias. Entre elas, nós podemos apontar a própria circunstância de certas garantias constitucionais dependerem de completivos normativos para que possam operar efeitos. É o caso das normas programáticas. Isso é um grande defeito de nosso sistema, que se procurou resolver, inexitosamente, a instituição do Mandado de Injunção e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão na Carta Política de 1988.

O fato é que o nosso sistema, a despeito dos cuidados havidos na Constituição de 88, ainda é ineficaz. Esse sistema consagrou o devido processo legal quase que numa reprodução da cláusula do Direito americano, quase que numa reprodução literal. O inciso LVI do Art. 5º da Constituição brasileira reproduz, à exceção de uma expressão, exatamente a literalidade da Constituição americana, da Emenda 5ª à Constituição americana. Sabe o que está escrito lá: ninguém será privado de seus bens ou da sua liberdade sem o devido processo legal. Tal é o enunciado do Inciso LVI do Art. 5º da Constituição de 88. O que é isso? Cláusula do devido processo legal. Na Emenda 5ª à Constituição americana como é que a matéria aparece? Diz mais ou menos assim: Ninguém será privado da sua vida, da sua liberdade ou do seu patrimônio sem o devido processo legal. Na cláusula brasileira do devido processo legal retirou-se "life", por razões óbvias: é que a Constituição brasileira não permite a pena de morte, à exceção daqueles casos de guerra declarada etc. A rigor, o princípio é da não existência de pena de morte entre nós. Então, a cláusula do devido processo legal no Brasil é exatamente idêntica à cláusula americana, à exceção dessa palavra "life". Mas porque o legislador, a despeito disso, teve que em incisos subseqüentes ao LVI quis explicitar direitos e garantias que emergem naturalmente do Due Process of Law, dos sistemas americano e inglês. Bastou, nos Estados Unidos e na Inglaterra, se instituir a cláusula do Due Process of Law, para se entender, por exemplo, que ninguém pode ser preso ou processado sem uma acusação formalmente estabelecida, que ninguém pode ser preso sem uma ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Que a prova obtida ilicitamente prova não é, mas é arremedo de prova, e portanto torpeza processual, não sendo admissível no processo.

No sistema anglo-americano eles extraem do (...) um largo espectro de garantias materiais e processuais que são afirmados diariamente pelas Cortes de Justiça e principalmente pelas suas Supremas Cortes. Lá esse princípio funciona. NO Brasil, pela nossa tradição analítica de Direito escrito, nós tivemos que dizer, em incisos vários aquilo que é íncito ao devido processo legal. Bastaria, no sistema americano e no sistema inglês.(...) 57, 58, 59, 60, estivessem naturalmente compreendidas na garantia do devido processo legal.

Mas o nosso sistema analítico nós tivemos que reproduzir em vários incisos elementos que são íncitos à garantia do devido processo legal. Vejam: uma das mais expressivas projeções da garantia de devido processo legal como medida destinada à proteção da pessoal contra o abuso do Estado é a inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito.

Inobstante isso, o constituinte brasileiro redundantemente explicitou a inadmissibilidade como se fosse uma garantia destacada, separada do devido processo legal.

Nos Estados Unidos, por decisões da Suprema Corte, a inadmissibilidade da prova emerge da garantia do devido processo legal.

Isto, na realidade, no plano federativo, demorou um ponto, é verdade, mas já desde os primórdios da vigência Constituição americana a Suprema Corte dos Estados Unidos afirmava para as Cortes Federais, para os cidadãos acusados de cometimento de crimes federais, que o devido processo legal impedia a utilização da prova obtida por meio ilícito, ou prova ilegalmente obtida. Eles sempre extraíram da garantia do devido processo legal a inadmissibilidade em seus julgamentos, a prova que é obtida por meio ilícito prova não é. Não é uma entidade jurídica. É arremedo de prova, é torpeza processual, e, portanto, inadmissível num contexto de legalidade, de constitucionalidade, para incriminar alguém, ou para reduzir-lhe, ou afetar-lhe o patrimônio, por exemplo.

Lá tudo advém do devido processo legal, em termos de garantia à liberdade e às garantias públicas.

Outro dado significativo: a importância do tema, a inadmissibilidade da prova em razão do devido processo, assume uma feição tão relevante no sistema americano que eles terminaram mandando aplicar a garantia a todos os Estados. Isso aí no contexto americano causou um problema imenso, porque lá realmente eles tem um sistema federativo. Os Estados devem obediência à Constituição, mas a partir daí eles têm plena autonomia para fixar a sua legislação em matéria penal, em matéria civil, enfim, para estabelecer a sua legislação, desde que compatível com os princípios constitucionais.

O dado federativo é um dado muito vivo no sistema americano. Eles não admitem muitas intromissões do federal sobre os Estados, que tem uma autonomia imensa. A importância dessa garantia foi afirmada com tal grau de relevância que a partir de um precedente chamado Garret versus New Jersey e reafirmado num caso depois chamado Ohio e finalmente ainda uma vez reafirmado no caso Wolson versus USA, eles passaram a dizer que a garantia se impunha aos Estados, e portanto aos órgãos judiciários dos Estados, e não apenas ao plano federal, como tradicionalmente vinha ocorrendo na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos e dos Tribunais dos Estados. Eles passaram a dizer que o devido processo

legal como princípio geral da Constituição seria de observância obrigatória pelos Estados. É que os Estados têm uma legislação que disciplinava a utilização da prova ilícita. A Suprema Corte, nestes três precedentes, terminou dizendo que o devido processo legal tinha caráter absoluto, e por isso mesmo não comportava a invocação do princípio da proporcionalidade.

Não se poderia afirmar o interesse público da percepção penal contra o direito individual à liberdade, por que seria preferível que o Estado cometesse um erro ao absolver um eventual culpado do que eventualmente condenar um inocente, com o grau de irreversibilidade que o próprio sistema americano enseja, e continua a ensejar, porque contempla no seu bojo a pena capital, que é a pena de morte, que não tem retorno. O mesmo se diga da pena corporal, da pena restritiva da liberdade, que também não tem retorno. Você não recupera o tempo perdido.

O sistema americano progrediu e muito. Estabeleceu princípios que terminou importando para praticamente o mundo inteiro, e por isso mesmo é que hoje nós falamos, por exemplo, em institutos como da Regra de Exclusão e princípios dos Frutos da Árvore Venenosa, ou envenenada, como querem alguns. Esses dados históricos estão na base do Constitucionalismo brasileiro, inicialmente por obra de Rui Barbosa e ao depois pela própria circunstância do Brasil ter sido filiado a esse sistema, em decorrência lógica da filiação, esses dados históricos são fundamentais para que se entenda, exatamente, o que é que essa cláusula representa no contexto do Direito Positivo Constitucional brasileiro. Mais do que isso é importante que se observe o que a Suprema Corte, sobre o tema, tem decidido, e tem decidido recentemente.

Essas são as grandes questões que nós temos que colocar agora.

O que é que é a nossa garantia da inadmissibilidade da prova, segundo a cláusula do Inciso LVI do Art. 5º da Constituição Federal? O que significa essa garantia para nós? É uma garantia que propicia temperamentos, vale dizer, se estivermos diante de prova ilícita seria possível admiti-la a consideração do princípio da proporcionalidade? Essa a primeira grande questão a se por. O legislador constituinte brasileiro teria estabelecido uma garantia mitigada, fugindo aos padrões americanos, a que se vinculou inicialmente, ou teria estabelecido uma garantia mitigada, admitindo que a prova ilícita em algumas circunstâncias pudesse ser utilizada, em nome do interesse público, em nome do interesse social, em nome dos interesses da persecução penal, por exemplo. Eu posso lhes dizer que em tema de garantia das liberdades públicas o legislador constituinte brasileiro não permitiu que a prova ilícita pudesse ser considerada de alguma forma contra o acusado. Vejam: estou limitando a questão da proporcionalidade à utilização da prova contra o acusado. O legislador constituinte brasileiro se filiou ao princípio da Rejeição Absoluta ao Malecapto bene repentum (????), significa dizer que o legislador constituinte brasileiro afastou a possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade à prova ilícita quando se tratar de prova utilizada contra o acusado.

Não é invocável o princípio da proporcionalidade contra o acusado. A própria enunciação da norma constitucional deixa isto bastante claro. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meio ilícito. A dúvida que existia antes da Constituição de 1988, sobre aplicabilidade do princípio da proporcionalidade ao caso, restou afastada pelo dogma da inadmissibilidade posto com caráter absoluto na norma constitucional. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meio ilícito. São inadmissíveis.

E serem inadmissíveis aí significa: não se pode admitir a juntada da prova ilícita, ou se se juntou aos autos a provas ilícita ela não pode ser mantida nos autos. Inadmissibilidade

significa exatamente isto: não se permitir que se junte ou se se juntou inadvertidamente não se permitir que se mantenha nos autos. Ser inadmissível significa trazer uma carga processual constitucional à garantia, não permitindo a sua inclusão ou a sua manutenção, sendo inclusão indébita se estiver cuidando. É outro dado relevantíssimo, aliás, posto ao Supremo Tribunal Federal e solvido em questões concretas como vou lhes trazer, em casos históricos, que foram apreciados e julgados pelo STF.

As primeiras questões, as mais cruciais sobre a prova ilícita, foram postas perante o STF no famoso caso Collor-PC e eu vou lhes dizer o que foi posto e como o Supremo resolveu. Eu coloquei essas questões que estão na Revista 150, trimestral, do STF, e noutras revistas que eu vou referir também, resolveu as questões mais importantes sobre os limites processuais e constitucionais da inadmissibilidade do nosso contexto jurídico processual constitucional.

Vou lhes dar alguns dados concretos sobre como o Supremo resolveu a questão e como o Supremo, ao resolver a questão, definiu o balizamento constitucional da prova ilícita no nosso sistema jurídico-constitucional.

Outro dado giraria em torno de saber o que é que é prova obtida por meio ilícito. Já observamos que a cláusula constitucional de inadmissibilidade foi posta em caráter absoluto no que pertine as garantias de defesa. Vale dizer, a acusação não pode, em circunstância alguma, se utilizar, em nome do interesse público, da prova ilícita contra a liberdade, contra o acusado. Aí o dogma tem caráter absoluto.

Já observamos também que a inadmissibilidade significa a garantia de não se juntar aos autos prova obtida por meio ilícito ou se inadvertidamente se juntou não se permitir a sua manutenção nos autos. Aí está a sanção processual estabelecida pela Constituição à inadmissibilidade, a utilização da prova ilícita. Ao assim conceber a inadmissibilidade se está firmando a doutrina da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito entre nós. Em ordem a estabelecer o balizamento inconstitucional da prova ilícita entre nós.

A nossa Regra de Exclusão significa exatamente o seguinte: o réu no processo brasileiro tem o direito de não ser ......., o cidadão no contexto processual constitucional brasileiro tem o direito de não ser investigado, de não ser processado e de não ser condenado com base em prova obtida por meio ilícito. Ou, se estivermos cuidando do plano cível ou administrativo, o cidadão tem o direito de não se ver investigado ou processado ou de não sofrer qualquer constrição ao seu patrimônio em razão de prova obtida por meio ilícito.

A questão gira em torno de saber o que é a prova obtida por meio ilícito, segundo a doutrina e segundo a jurisprudência. A prova obtida por meio ilícito é, por exemplo, na autorizada manifestação do Supremo Tribunal Federal, aquela prova que se obtém com infringência dos direitos e garantias processuais, aquela prova que se obtém com infringência dos direitos e garantias materiais. Aí o Supremo estabelece duas categorias de provas obtidas por meio ilícito: as provas ilegítimas e as provas ilícitas propriamente ditas. As provas ilegítimas que são provas obtidas por meio ilícito, diz o Supremo, são as obtidas com infração às garantias processuais. As provas ilícitas são as obtidas com violação das garantias materiais, das garantias de Direito Material. Assim o Supremo resolve essa questão relativa às provas obtidas por meio ilícito dessa forma, dizendo que são provas obtidas por meio ilícito as provas ilegítimas e as provas ilícitas propriamente ditas.

Então, em primeiro lugar, na nossa doutrina da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito, já temos a constatação de que em se tratando de garantia de defesa o princípio é absoluto. Não comporta a invocação e utilização do princípio da proporcionalidade. Nunca, em nenhum momento, se poderá utilizar o Ministério Público, o Juiz pode utilizar prova ilícita contra o acusado, em matéria de liberdade. Não pode.

Em segundo lugar, a garantia da inadmissibilidade não permite a inclusão da prova nos autos ou se por inclusão indébita a sua manutenção nos autos, uma vez reconhecida a ilicitude.

Já agora chegamos à conceituação do que, segundo a dicção constitucional, seriam as provas obtidas por meio ilícito. O Supremo afirmou, interpretando a Constituição, que as provas obtidas por meio ilícito são as obtidas ilegitimamente, vale dizer, com violação das garantias processuais, ou aquelas outras obtidas ilicitamente, ou seja, obtidas com violação dos direitos e garantias materiais.

Aí já temos contornos significativos da doutrina da inadmissibilidade da prova entre nós.

Mas a matéria não se limita obviamente a isso. Há outras questões relevantíssimas, que devem ser suscitadas, e serão suscitadas ao longo da exposição, e suscitadas já numa dimensão mais objetiva, mais prática, para que esses princípios sejam bem absorvidos. Já na dimensão da experiência do Direito.

Sobre isso faria uma brevíssima reflexão, sobre essa relação entre teoria e prática. Certa feita, estava numa reunião do Departamento de Direito, onde se discutia sobre o remanejamento de certos professores para cobrir certos claros existentes naquele Departamento, já que havia professores de férias, outros tinham se aposentado. Um certo

professor, da área de Processo, estava irresignado com o que ele denominou de subutilização pelo Departamento, porque o Chefe do Departamento o tinha escalado como Professor de Teoria Geral do Processo e de Processo para dar Prática Forense na área. Ele disse assim: mas não vou dar Prática Forense porque isso é subutilização. Como se a Prática Forense fosse um momento menor da ciência. Achei aquilo uma coisa tão absurda, tão ridícula, e terminei dizendo: Olha, vamos fazer o seguinte: além das minhas disciplinas, também de Processo, lecionava Direito Processual e Constitucional, darei a Prática, porque a Prática é o momento maior da Ciência Jurídica. É o momento da sua efetivação. O momento maior da Ciência é a prática, porque a teoria fica no campo da abstração. A prática é o momento da justificação teórica. No plano do Direito a prática é o momento da justificação teórica do Direito, é o momento maior. Por isso que, por exemplo, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha, nos países mais desenvolvidos, os professores de prática são os professores mais categorizados.

Na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, os professores de Prática Constitucional são os mais categorizados da Universidade. São aqueles que não têm apenas a

dimensão teórica, mas o exato sentido do Direito. Tem a experiência do Direito, o que não é partilhado e compartilhado por todos.

Partir para o plano prático não é partir para o momento menor, é partir para o momento maior da justificação, da constatação e da justificação teórica do próprio Direito.

Vamos tentar justificar no plano prático essa teoria da inadmissibilidade já posta entre nós no plano doutrinário e no plano jurisprudencial, sendo este último a sua dimensão mais prática.

Algumas questões relevantes foram submetidas, e tem sido submetidas, à Suprema Corte em tema de inadmissibilidade. Entre elas, uma que é imanente ao sistema mas que, por isso mesmo, não está contida expressamente na norma constitucional. E é essa questão que vem ainda desafiando a Suprema Corte brasileira, que já tem uma posição sobre a matéria mas extraída por escassíssima maioria de um voto. A verdade é que, com relação ao tema que vou enunciar, a Suprema Corte vem decidindo no sentido também que vou enunciar, mas o faz por maioria de um voto. Quer dizer: basta que haja uma modificação na composição do Supremo para eventualmente se poder mudar a orientação. Estou a falar da prova ilícita por derivação, vale dizer: até esta parte nós cuidamos da prova ilícita originária, daquela que é obtida com violação das garantias processuais ou materiais, pudesse ser qualificada como inadmissível no Processo. Mas o que dizer daquela outra que assumiu uma feição autônoma, mas que só foi obtida em razão do conhecimento .... na ilicitude. Essa é uma questão crucial, que já foi posta no Direito americano e lá solvida adequadamente, e que está posta entre nós, e solvida por maioria de um voto no Supremo, em mais de uma decisão, é verdade, mas com a marca da instabilidade, justamente porque se trata de decisão tomada por escassa maioria.

A questão da inadmissibilidade da prova chamada derivada é uma questão crucial, não só no nosso mas em vários outros sistemas jurídicos. Como a matéria foi resolvida nos Estados Unidos? A matéria foi resolvida nos três casos que mencionei: Garriton versus New Jersey, ma (???) versus Ohio e principalmente no uausungue (???) versus United States of América, a matéria foi resolvida de forma profunda, brilhante e adequada. Neste último caso foi relator para o acórdão, com outros votos declarados, é verdade, o grande juiz da Suprema Corte, Brenan (???) ,. A essa altura juiz aposentado do Suprema Corte. Foi um dos melhores, um dos maiores juizes da Suprema Corte dos últimos tempos. Ele enfrenta o tema da seguinte forma: a garantia do Due Process of Laws não pode ser adequadamente preservada se estivermos diante de uma prova que tendo sido colhida autonomamente só teria sido possível ser produzida em razão da prova ilícita. Ou nós preservamos o preceito ou nós preservamos a cláusula constitucional em sua inteireza, ou estaremos prestigiando por via oblíqua a violação da garantia constitucional. Vale dizer: ou se preserva a garantia em sua inteireza ou de garantia não se está efetivamente a cuidar e preservar. Se a prova ilícita ministra um conhecimento capaz de levar a outros caminhos probatórios, que só produzem em razão daquela informação é induvidoso que a ilicitude originária se estende à prova derivada. Daí a doutrina da...., dos Estados Unidos, de denominar esse tipo de prova de ............., de Fruto da Árvore Venenosa, fruto envenenado é. Daí porque a nossa doutrina, tendo como sua mais expressiva representante a da .......,daí a nossa doutrina denominar essa modalidade de prova, de prova ilícita por derivação.

É bem de ver que a garantia constitucional originária não seria preservada realmente em sua inteireza se não se cuidasse de apurar qual foi o dado probatório colhido no processo sob a sua influência originária. Nós estaríamos admitindo a fraude à Constituição. Por exemplo a autoridade se valeria de prova ilícita, a omitiria para só então chegar a dados que aparentemente se colheriam sob pálio da ilicitude. Onde é que ficaria a garantia constitucional? Da intimidade, e as outras garantias? Da privacidade, da própria inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito. Então, o sistema jurídico que se preze não pode abrir exceções que conspirem contra a sua própria higidez. É ressabido que os direitos se afirmam através dos casos concretos. No momento em que se procurar estabelecer uma exceção, em razão de juízo preconceituoso, todo o sistema jurídico pode ruir, todo o sistema jurídico pode se comprometer.

É fundamental que o Direito, que a garantia seja protegida em sua inteireza, nessa relação de causalidade necessária. Por isso mesmo é que queríamos que a par da construção doutrinária afirmar jurisprudencialmente a inadmissibilidade também da prova obtida em tais circunstâncias, com fraude à Constituição. A Suprema Corte brasileira, na melhor tradição da Suprema Corte americana, veio, em casos concretos, a construir a sua teoria, da prova ilícita por derivação. E o fez em um caso extremamente grave, em que se tinha, diante do julgador, uma apreensão de 80 quilos de cocaína. Em razão de interceptação feita ilicitamente, porque conquanto autorizada pelo Juiz, não havia lei regulamentadora do preceito constitucional, como a própria cláusula estava a exigir. A Suprema Corte então, e com extrema cautela, decidiu, com absoluto acerto também, que a garantia da prova, da inadmissibilidade, não assume uma condição meramente formal. Quando a lei estabelece limites à atuação persecutória do Estado, por exemplo, o faz na garantia higidez probatória, da garantia da parte, do processo e da jurisdição. Porque, se a prova é ilícita na sua origem, que garantia se tem da sua própria higidez, da sua própria veracidade? Se você produz uma prova com violação das leis da Constituição, como você pode garantir que ela materialmente é uma entidade probatória? Que ela também não teria sido obtida de forma forjada? Não teria sido industriada? Você não pode pensar num sistema jurídico processual, que a par de permitir a persecução, por exemplo, penal, permita a inobservância das próprias regras que formam o sistema? Das próprias regras que suportam o sistema.

Está em jogo, ao se estabelecer a inadmissibilidade, se se cuidar do plano legislativo, a própria segurança jurídica. O móvel do legislador constituinte não foi beneficiar criminosos.

Não foi. O móvel foi garantir ao cidadão a percepção penal como instrumento de realização do direito e da justiça. E isso não se faz com violação do próprio sistema jurídico. Se é possível obter a prova de qualquer forma e por qualquer meio, não se está diante de um sistema de segurança jurídica e o processo é a mais lídima expressão desse sistema de segurança. A operação tem que se dar sob certas regras, sob a observância de certos princípios. E a partir daí, o Estado, obrigado a provar a acusação, pode proferir a condenação, ou as conseqüências que o sistema jurídico faz eclodir sobre o cidadão. Mas só então tendo observado o devido processo legal. Então, na base de toda discussão, há uma questão relevante que se chama segurança jurídica na obtenção dos dados probatórios. Isso só é possível se se observar o próprio sistema jurídico positivo. Se se puder obter a prova de qualquer forma — hoje se obteve, coincidentemente, de forma justa —, amanhã isso degenerará em abuso, seguramente.

Amanhã, nós teremos um caso que pertencerá não a um caso de justiça, mas à patologia judiciária. Nós teremos um caso abusivo de obtenção de prova contra alguém. Essa é a grande questão que está na base da proibição da utilização da prova obtida por meio ilícita contra o cidadão.

Pois bem, a prova ilícita por derivação veio a ser consagrado apelo STF em alguns precedentes, mas em decisões tomadas por escassa maioria. Hoje, é verdade, toda a Corte acompanha esse entendimento. Mas se vier a ocorrer uma mudança substancial na composição da Corte, quanto à prova ilícita por derivação, pode, mais adiante, haver alguma modificação.

O fato é que, até essa parte, a Suprema Corte vem repudiando a prova ilícita por derivação. Os dados probatórios, coligidos a partir das informações ministradas pela ilicitude originária, também se inserem na conceituação constitucional de prova obtida por meio ilícito e, por isso mesmo, também se vincula à sanção processual estabelecida pela própria Constituição, que é a inadmissibilidade.

Vamos ver alguns casos concretos em que essas questões foram postas e solvidas pela Suprema Corte. No famoso caso Collor/PC, questões elevantísssimas nessa linha foram

colocadas sobre a natureza, os limites e a própria extensão do próprio preceito constitucional (....) a inadmissibilidade como regra de exclusão da prova, de inadmissão ou de exclusão da prova já constante dos autos. Nós colocamos em preliminar todas essas questões ao Supremo Tribunal Federal, e o Supremo, até aquele momento, só tinha um precedente, e um precedente muito indefinido, sobre as interceptações telefônicas. Mas essas outras questões que lhe foram submetidas permitiram ao Supremo fixar, e agora já com maior nitidez, a sua doutrina da inadmissibilidade, a teor do inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal.

Vamos ver algumas dessas questões. O Ministério Público Federal imputava ao ex-Presidente e a outros acusados o acometimento de vários delitos em concurso material e

produtividade delitiva. A acusação do Ministério Público Federal era no sentido de que o ex-Presidente e outros acusados tinham cometido vários crimes de concurso material e de produtividade delitiva, de corrupção passiva, vários crimes contra a administração pública, crimes contra a administração da Justiça, e outros até. Entre os crimes imputados, estava a formação de quadrilha. A acusação de formação de quadrilha se fundava nuclearmente em provas que a defesa estimou obtidas por meio ilícito. A formação de quadrilha e até a corrupção, só que a corrupção estava fundada em outros dados também, e não apenas na prova ilícita mas também na prova lícita, em síntese, a interpretação de corrupção e de formação de quadrilha se fundava na prova ilícita, só que a imputação de corrupção tinha também fundamentos em dados probatórios que não se configuravam, em tese, obtidos por meio ilícito. Então, preliminarmente, sustentei perante o Supremo Tribunal Federal que a ilicitude da prova, que a inadmissibilidade da prova por meio ilícito era questão prejudicial. Vale dizer: já que o réu, o acusado em geral, o investigado criminalmente, e o cidadão tem o direito de não ser investigado, processado ou condenado com base em prova obtida por meio ilícito, é induvidoso que essa questão tinha que ser apreciada preliminarmente, antes de se aferir, antes de se valorar a prova em que se fundava o alegado cometimento dos crimes. Então, suscitei preliminarmente perante a Suprema Corte a questão da prejudicialidade, da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito. E diz que, se o cidadão tem o direito de não ser investigado, processado e condenado, obviamente que o Supremo deveria rejeitar a denúncia, já que se tratava de um processo que comportava o introdutório e o preambular, quer dizer, o Supremo não podia receber a denúncia antes de ouvir os acusados, que era um processo de competência originária do Tribunal, submetida ao rito próprio da Lei nº 8.038, de 1990. Pois bem, então o Supremo não podia receber a denúncia que se fundava em prova obtida por meio ilícito porque, ao receber a denúncia, estaria garantindo a instauração da ação penal, estaria instaurando a ação penal, melhor dizendo. Pois bem, o STF teve que, realmente, a questão assume feição de prejudicialidade. No primeiro momento, o que fez? No primeiro momento, o Supremo, depois de haver discutido com amplitude a questão da prova ilícita, ele disse que a argüição de ilicitude teve caráter prejudicial, de que o princípio da proporcionalidade não se invoca contra o acusado, afirmou desde logo, e, para rejeitar a denúncia em parte, o Supremo afastou desde logo uma vertente probatório, quando duas eram impugnadas pela defesa.

Afastou a vertente probatória, por voto de alguns ministros, de um computador que se apreendera ilegalmente pela Receita Federal, cujos dados tinham sido repassados para a Polícia Federal. E se resguardou para apreciar a argüição de ilicitude de outro dado probatório, de conversações telefônicas clandestinamente gravadas para o segundo momento, já que a matéria guardava uma certa ligação ou conexidade com o mérito da imputação. No primeiro momento, o Supremo, por ocasião do recebimento da denúncia, já deixava claro que a prova obtida por meio ilícito seria inadmissível no processo e, por isso mesmo, não podia fundar uma denúncia inibindo, desta forma, o Supremo Tribunal Federal, a instaurar uma ação penal com base naqueles dados ilicitamente coligidos. São dados relevantíssimos. Por isso é que caiu de logo, quando o Supremo recebeu a denúncia, a imputação de formação de quadrilha, porque a formação de quadrilha se fundava em elementos coligidos com base no que se continha na memória de um computador supostamente apreendido nas dependências do estabelecimento comercial, do estabelecimento profissional de um dos acusados. Mas a matéria ainda não teve a sua expressão maior nesse primeiro momento. Porque, no primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal, não podia apreciar certas questões que lhe pareciam vinculadas ao próprio mérito do processo. Mas neste primeiro momento já claramente estabeleceu que o que se contivesse no processo de prova ilícita não poderia ser considerado para efeito de condenação. O Supremo deixou claro. Isto está na revista 150 do STF, duas estrelas, ao apreciar a denúncia oferecida pelo Ministério Público, apreciou algumas dessas questões relativos à prova ilícita. Algumas dessas questões foram apreciadas pelo Supremo por ocasião já do recebimento da denúncia. O Supremo rejeitou a denúncia do crime por formação de quadrilha dizendo que a imputação se fundava em acusações genéricas, deduzidas pelo Ministério Público, e portanto infringentes do artigo 41 do Código de Processo Penal, e em prova obtida por meio ilícito. Já afastou o crime por formação de quadrilha. Mas essas questões voltaram e voltaram com maior profundidade por ocasião do julgamento de mérito. É que, por ocasião do julgamento de mérito, nós renovamos todas as preliminares e como os dados contidos no computador e das gravações clandestinas foram reinseridas no processo pelo Ministério Público, que pedia a condenação com base naqueles dados probatórios, nós tivemos a oportunidade de renovar, em alegações finais, as preliminares e aí o Supremo as apreciou e as apreciou profundamente, com as seguintes conseqüências, aí sim o Supremo reafirmou o caráter absoluto da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito, e admitiu a invocação da proporcionalidade apenas no caso em que estivesse em jogo a liberdade do réu. Vale dizer que o princípio da proporcionalidade só pode ser invocado em matéria de prova ilícita em favor do réu. Por que? O Supremo justifica: porque aí se estabelece um aparente conflito de direitos e garantias constitucionais. Você tem de um lado a garantia da inadmissibilidade da prova e de outro você tem a garantia da presunção de inocência, segundo a qual todo e qualquer cidadão é presumido inocente até que seja condenado por decisão transitada em julgado. Ora, até lá, o cidadão é credor de todos os direitos e garantias constitucionais. Então, em razão do princípio de presunção de inocência, é ônus do Ministério Público provar se a acusação é verdade, mas o cidadão tem direito constitucional à prova, direito este que em tema de liberdade se sobreporia ao próprio interesse público de persecução penal. Então, o Supremo afirma que o desafio do constitucionalismo moderno é compatibilizar garantias constitucionais aparentemente conflitantes, maxime, em tema de liberdade, e termina afirmando a liberdade sobre os interesses de persecução penal e dizendo que a garantia do devido processo legal, a garantia da ampla defesa do contraditório, não permitiria que, tendo o acusado, uma prova ilícita, não pudesse ele ser utilizada em seu prol, se dessa prova pudesse ser extraída alguma conseqüência positiva para a defesa. Então, o Supremo admitiu que alguma conseqüência advinda da prova ilícita, de certa prova ilícita, pode ser utilizada em prol da defesa, nunca contra ela, nunca contra o acusado. Aí, a prova ilícita ou a inadmissibilidade da prova ilícita tem ou teria caráter absoluto, segundo o Supremo Tribunal Federal. Mas ao admitir a invocação do princípio da proporcionalidade em prol do acusado, o Supremo estabeleceu algumas limitações, ao que me reportarei a seguir, já que se cuida de um dos itens de um dos casos concretos que eu vou referir.

Veja bem. Nas alegações finais, nós dissemos: formação de quadrilha não havia mais, tinha caído já com o recebimento da denúncia. Restava a acusação de crime por corrupção passiva, de alguns crimes contra a administração pública e outros contra a administração de Justiça, sendo os mais expressivos a imputação por crime de corrupção passiva.

A imputação de crime por corrupção passiva está fundada em três linhas de argumentação do Ministério Público, duas delas terminavam em prova que nós reputamos, que nós estimamos obtidas por meio ilícito: gravações clandestinas feitas por um cidadão chamado Sebastião Curió (isso foi de domínio público, foi publicado em todos os jornais, etc.). Sebastião Curió foi deputado aí no passado. Esse cidadão teria gravado em sua secretária eletrônica conversação supostamente mantida com o ex-ministro da Justiça, Bernardo Cabral, com um dos acusados, Paulo César Farias, e com o ex-diretor da Mercedes-Benz, chamado Luiz Adelar Soyer. Segundo o que se

conteria nas gravações realizadas por esse ex-deputado, haveria elementos indiciários de crime de corrupção passiva, segundo ele. Impugnei essa vertente condenatória dizendo que a gravação clandestina era prova obtida por meio ilícito porque o sr. Sebastião Curió não era parte na causa, era terceiro estranho à causa, e teria gravado a interlocução, e teria gravado a sua conversa com um interlocutor sem ciência do interlocutor, e por isso mesmo, clandestinamente. Veja que a Constituição estabelece uma disciplina para intimidade e privacidade, sob a denominação de inviolabilidade dos princípios da intimidade e da privacidade e do sigilo das comunicações telefônicos. Essa disciplina é constitucional, mas dizia a Suprema Corte, ao argüir a preliminar, que a matéria não estava verdadeiramente disciplinada no item XII do art. 5º. Não se tratava de disciplina das comunicações telefônicas, mas se tratava da disciplina da garantia da intimidade ou da privacidade, porque a garantia do sigilo das comunicações telefônicas é posta em outra ordem de abordagem, por exemplo, pela garantia da inviolabilidade das comunicações, tem-se que, sem lei regulamentadora, que não está existindo, pois existe agora, e sem autorização fundada nessa lei não pode haver interceptação telefônica válida e eficaz. Mas não era disso que se cuidava, porque aqui não se tratava de interceptação telefônica propriamente dita, mas de gravação de conversa telefônica feita por um de seus interlocutores, sem ciência do outro interlocutor. Então, dizia eu que o Supremo não iria admitir a aplicabilidade do inciso XII, dizia eu, que estava em jogo a garantia da intimidade e da privacidade. O cidadão tem o direito de escolher com quem vai falar e o direito de ter mantido o sigilo dessa sua comunicação, não em razão necessariamente da disciplina constitucional das comunicações telefônicas, mas da intimidade e da privacidade, porque isso poderia ocorrer numa conversa pessoal ou por telefone, ou por outra via. Poderia ser uma captação da voz por via de um computador, ou a captação de um contato pessoal, ou a captação por via telefônica. Independia do meio da captação se ela tinha sido feita por um dos interlocutores, era uma gravação clandestina que só poderia ser utilizada em prol da defesa do interlocutor, mas jamais contra outro interlocutor, num processo em que não estivesse o jogo a liberdade do interlocutor que a havia gravado. Porque a defesa do direito próprio, estando em jogo a liberdade, é que permitia a utilização da gravação pelo interlocutor.

Mas fora desse contexto, o princípio da intimidade, o princípio da privacidade, esses princípios deveriam prevalecer sob todas as demais circunstâncias. O Supremo Tribunal Federal disse sim, realmente não se trata de disciplina das comunicações telefônicas, mas se trata da disciplina constitucional da intimidade e da privacidade. O Supremo disse sim exatamente acolheu toda a tese que eu levantei, reafirma_sustentação oral feita da tribuna no que toca à ilicitude dessa prova pelo dr. Nabor"... E aí continua à página 442, dizendo: "Sim, é verdade que é assim". É verdade que essa disciplina está às folhas 442. Realmente, o Supremo Tribunal Federal disse sim e disse que o cidadão que conversa com outro ele pode querer, sem estar ciente da gravação, ele pode até conversar em tom de brincadeira, ele pode assumir até um fato em tom jocoso, ou em confiança, ou ele pode assumir a autoria de um fato que, em verdade, poderia não ser verdadeiro. O que a rigor pode não ser verdadeiro. Ele pode estar brincando, de se ter captado uma parte da conversa em tom de brincadeira e depois se utilizar como se fosse verdade contra ele, abstraindo o contexto do encontro, a sua circunstância anterior e posterior, os laços que ligam os dois, a circunstância mesma pela qual se deu a conversa. Então essas circunstâncias abstraídas poderiam levar à quebra da intimidade. A inciência do interlocutor, em verdade, estaria conspirando contra a própria higidez da prova.

Então, a estabelecer a garantia da intimidade e da privacidade, em verdade o legislador quis preservar a higidez dessa prova. Quis, com isso, que ela não pudesse ser utilizada nessas circunstâncias contra o acusado. Maxime in sed penal, onde está em jogo a própria liberdade do cidadão.

Então, vejo que o Supremo decidiu que a gravação feita por aquele cidadão, de uma conversa que outrem com ele mantivera, sem a ciência da parte contrária, era inadmissível no processo porque obtida por meio ilícito. E acrescentou: só se aplicaria no caso o princípio da proporcionalidade se o interlocutor estivesse sendo acusado de algum crime e se aquela fita pudesse ser considerado fator relevante para a sua defesa. Só admitiu aí, só admitiu a utilização da prova nessas circunstâncias. Expungiu o processo dessa prova, vale dizer, mandou afastar do processo essa prova. Outro dado, e isso mais relevante porque traz uma decisão que ainda não mereceu divulgação, conquanto inserida no acórdão do Supremo, e

isso da maior relevância: a Receita Federal, em investigação fiscal e invocando o regulamento do Imposto de Renda, invadiu o estabelecimento comercial de alguns dos acusados e lá afirma ter apreendido computadores, equipamentos, documentos que provariam a ilicitude de certas acusações. Esse é o dado mais relevante de todos: a Receita Federal, invocando aquele poder

de apreender, de fazer e acontecer, entrou, invadiu o estabelecimento, apreendeu equipamentos nas seguintes circunstâncias: tem a nota fiscal desse computador. É possível, mas não está aqui, eu comprei, não tenho, ninguém guarda a nota. Então, é prova ilícita, é produto de descaminho. Está apreendido o computador porque não tem a nota fiscal. E esse equipamento aqui, essa impressora. Também é prova ilícita, e levou. Fez a apreensão, notificou os interessados para que em 30 dias oferecesse defesa. como não foram apresentadas as notas fiscais, os equipamentos foram declarados perdidos em favor da União. Patrimônio da União, nós faremos agora o que nós quisermos com isso. Contrataram equipes e entraram na memória

do computador, porque supostamente teria sido apagada a memória. Entraram com equipamentos de última geração e teriam se apropriado de dados ainda contidos na memórias, teriam mandado degravar esses dados e produziram quatrocentas e tantas páginas, que denominavam de verdadeiro libelo incriminador, capaz de justificar a condenação por crime de corrupção passiva e isto foi objeto quase de uma revista Veja específica, porque essas coisas ocorrem assim: as garantias no Brasil estão no domínio, aqueles dados mais sigilosos que chegam às autoridades, antes de chegar ao processo, chegam à imprensa.

Um membro de CPI quebra o sigilo bancário de alguém e antes de chegar até aos autos da CPI, a matéria está

publicada em todos os jornais do País, quando a quebra de sigilo bancário não comporta transferência. O Supremo já decidiu: se a CPI quebra o sigilo de alguém nem a Receita Federal

pode se basear, se a Receita Federal quiser, tem que pedir a quebra judicialmente, não pode se basear nos dados colhidos pela CPI para autuar o cidadão, ou para quaisquer outros fins. Veja bem como é grave esse quadro de garantias no Brasil: ela diz que estão nas leis, mas que não são respeitadas pelas autoridades incumbidas de fazer cumprir a norma, de fazer cumprir a lei, de fazer efetivas essas garantias. Isso é extremamente grave. Pois bem. Esses elementos estavam na imprensa antes de chegarem ao inquérito. São autoridades inescrupulosas. Alguém cometeu um crime? Vamos pedir a prova, perseguir a condenação, tudo bem. Mas veja que coisa vil: isso daí foi publicado pela revista Veja, umas 30 páginas, chamadas de "Corruptograma", algo que não se poderia afirmar nem que se estava contido no computador, estava publicado em fac-símile, exatamente o que se teria apurado em tese estava publicado antes de chegar ao inquérito. Eu arrasei com isso no Supremo. Na sustentação que fiz ao Supremo, foi um arraso só. Nós temos a forma como se colheu e por onde passou antes de chegar ao próprio inquérito. Veja bem: primeiro a ilicitude na invasão, ao depois a apropriação indébita contra texto constitucional do que se conteria na memória do computador, ao depois ainda, por onde passaram esses elementos antes de chegar ao inquérito. Pois bem, veja a resposta que o Supremo deu à matéria. Dizia eu: em primeiro lugar, trata-se de prova

inadmissível, constitucionalmente inadmissível, portanto nula, porque obtida por meio ilícito; primeiro, porque a apreensão feita pela Receita Federal se deu sem autorização judicial, eles não tinham mandado que é exigido incontornavelmente como pressuposto de validade da apreensão; em segundo lugar, não havia termo circunstanciado da apreensão, havia um mero registro, impreciso dessa apreensão; terceiro lugar, o que se conteria na memória do computador estava sob a proteção absoluta do sigilo dos dados, conforme estabelece o inciso XII, artigo 5º, da Constituição. A primeira vez que a matéria foi ao Supremo e o único pronunciamento do Supremo sobre a matéria. Vejam os senhores o que é que diz a Constituição, inciso XII: "é inviolável do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fim de investigação criminal ou instrução processual penal". Diz a Constituição, repito, que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados...", quer dizer, é inviolável o sigilo de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, comunicações telefônicas, na

forma que a lei estabelecer e mediante autorização judicial.

Quer dizer, a exceção estabelecida pela Constituição, salvo, no último caso, por dem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, essa é a exceção última, obviamente, que não alcança a comunicação de dados, que está sob sigilo absoluto. A tese que defendi perante o Supremo pleno foi a de que o que se conteria na memória do computador seria absolutamente indevassável, não há hipótese em que a lei pudesse vir a disciplinar quando esse tipo de sigilo pudesse vir a ser quebrado e muito menos hipótese em que o juiz viesse a autorizar tal quebra de sigilo. Defendi o caráter absoluto do sigilo da comunicação de dados. O Supremo Tribunal Federal acolheu a preliminar para afastar do processo tudo que se degrava, ou que supostamente se degravara da memória do computador, sob dois fundamentos. Em primeiro lugar, porque a prova fora obtida por meio ilícito, porque a prova fora obtida sem autorização, sem mandado judicial. Aí disse o Supremo: já aí a prova seria inadmissível no processo, e mais adiante afirma: mas não é só, também em razão do sigilo absoluto da comunicação de dados, não seria possível, ainda que se de legal apreensão se cuidasse, ainda que a apreensão se desse por ordem judicial, os dados contidos na memória do computador seriam absolutamente indevassáveis. Vejam que decisão importante: os dados contidos na memória do seu computador são absolutamente indevassáveis, ainda que a apreensão se dê legalmente. Sabe porque o Supremo afirmou isso? Porque levantei uma questão de ordem. O Supremo dizia: "é ilícita a prova porque foi obtida sem mandado judicial".

Fui à tribuna e indaguei: e, se de mandado judicial se cuidasse, Excelsa Corte, poderia a autoridade se apropriar dos dados contidos na memória do computador? E ainda exemplifiquei: digamos, Excelsa Corte, que a Receita Federal tivesse apreendido legalmente o equipamento, ou a Polícia Federal, numa diligência policial autorizada judicialmente. Decretou o perdimento depois de um procedimento administrativo fiscal, decretou o perdimento porque não se comprovou a licitude na aquisição do equipamento. Poderia, depois da decretação do perdimento, ao fundamento de que a União Federal seria agora proprietária do bem, poderia ela se apropriar dos dados contidos na memória do computador, em face do caráter absoluto do sigilo de dados contido no inciso XII, artigo 5º, da Constituição? O Supremo disse: é verdade, nem que a apreensão fosse legal, poderia a Polícia Federal ou a Receita Federal se apropriar dos dados contidos na memória do computador. Aí disse o Supremo, incidentemente isso não apareceu no voto do revisor, e o ministro Moreira Alves disse assim: temos inclusive que pensar mais tarde se a União Federal, mesmo sendo proprietária, pode alienar em leilão um equipamento que pode eventualmente ter a sua memória devassada por terceiros, no caso de uma apreensão legítima. Não é interessante esse dado? Por exemplo, digamos que você adquiriu ilegalmente um produto de descaminho, um computador, mas você tem todos os seus arquivos no computador, a Polícia Federal apreendeu, está bem, digamos que foi apreendido legalmente, que haja apreensão legal, aí depois você não tem as notas, declara-se o perdimento do equipamento, e por fim a Receita vai e faz um leilão dos equipamentos, alguém adquire, está com todo o seu arquivo. E aí? Não é interessante esse dado? Mas o mais relevante é que o Supremo Tribunal Federal afirmou, e isso está bem expressivo no voto do próprio revisor, no que foi acompanhado pelos outros votos, e ele afirma claramente, o ministro Moreira Alves afirma e com toda ênfase, "Com efeito, também com relação aos dados em geral e, conseqüentemente, os constantes de computador, que pode armazenar as mais sigilosas informações de seu proprietário, estão eles cobertos pela garantia do disposto no inciso XII do artigo 5º, da atual Constituição, cujo teor convém novamente transcrever", e aí transcreve novamente o artigo, "pelos termos que está redigido esse dispositivo, que só abre exceção para as comunicações telefônicas, é possível sustentar-se que as demais inviolabilidades só admitem sejam afastadas por texto constitucional expresso, mas, ainda quando se admite que possam ser postos de lado nas hipóteses e na forma da lei, o que é certo e o que há é que não há lei que disponha a respeito do concerne_tão, ele deu um caráter absoluto ao sigilo da comunicação de dados. Neste momento, isso não veio para o voto e não aparece no acórdão, ele disse, e é também relevante observar, em razão da intervenção oral que fiz, que se a União pode, sem que haja um regulamentação de como proceder nesses casos, no sentido de garantir o sigilo, é importante observar se a União pode alienar sem reservas o computador, expondo o seu proprietário à devassa por via oblíqua do que se conteria na memória do seu computador. Mais ou menos nessa linha que ele se manifestou. Então, vejam bem, que em dois casos concretos (....) o caráter absoluto da inadmissibilidade no que respeita ao acusado, no que respeita ao réu, ou no que respeita ao cidadão investigado criminalmente. Nessa oportunidade, também se manifestou por conduto de eminentes ministros, como o ministro Celso de Melo, sobre a prova ilícita por derivação. Vejam dois textos bem expressivos do ministro Celso de Melo, na LTJ 150, 400. São dois trechos da doutrina hoje vigentes no Supremo sobre a inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito. Diz ele: a absoluta invalidade da prova ilícita, infirma de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva necessariamente para garantia constitucional, que tutela situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui de modo peremptório a possibilidade de uso em sede processual da prova, de qualquer prova, cuja ilicitude tinha sido reconhecida pelo Poder Judiciário". Prova ilícita, acrescenta ele, é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste por essa explícita razão de qualquer aptidão jurídico-material.

Prova ilícita, sendo providência instrutória, eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácias jurídica. A prova ilícita, em conseqüência, não se revela idônea ainda que, a partir dos elementos de informação que eventualmente ministre aos órgãos de persecução penal, como lhes disse, possa produzir dados novos que atestem a materialidade ou a autoria do fato delituoso. É o que se denomina de prova ilícita por derivação entre nós, ou exclusionary roll para os americanos.

A ilicitude original da prova transmite-se por repercussão a outros dados probatórios que nele se apoiem, dela derivem ou nela encontrem o seu fundamento causal. A exclusionary roll, considerada essencial pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pela polícia e pelo Ministério Público, destina-se, na abrangência do seu conteúdo, a proteger, pelo banimento processual de evidências ilicitamente coligidas, os réus contra a ilegítima produção ou ilegal colheita da prova incriminadora. Então, vejam bem, que a doutrina do Supremo sobre a matéria é expressiva. Ela é abrangente da ilicitude originária da prova e da ilicitude derivada da prova.

Já lhes disse que, por escassa maioria, essa decisão última foi tomada e, por unanimidade, a primeira foi tomada. A decisão do Supremo no sentido da inadmissibilidade da prova por meio ilícito é unânime. A relativa e prova ilícita por derivação é que foi tomada por escassa maioria de votos, mas quanto ao caráter absoluto da garantia no que pertine à ilicitude originária, não há dúvidas: o Supremo tem decidido unissonamente o que se trata de inadmissibilidade de prova. Portanto, se trata de prova nula por inconstitucionalidade e, portanto, sem nenhuma eficácia jurídica. A última questão que foi posta ao Supremo Tribunal Federal diz respeito à existência de uma sanção processual à ilicitude, traduzida pela impossibilidade da juntada ou, se juntada a prova indevidamente, pela impossibilidade da admissão dessa prova. Isso eu fiz num outro momento. Declarada a ilicitude dessa prova no inquérito 705 - Collor/PC - e, ao depois, com maior abrangência na ação penal 307-3, onde os mesmos acusados foram julgados pelos crimes residuais, aqueles que não foram afastados preliminarmente, nós tivemos, após esses dois momentos, a oportunidade, num outro processo relativo a um dos acusados, de enfrentar uma outra questão relevante e, por isso mesmo, de propiciar ao Supremo que se manifestasse sobre um dado ainda ausente do nosso cenário jurisprudencial. Há ou não há verdadeiramente uma sanção processual dizendo que, além de se reconhecer a ilicitude e a inadmissibilidade para condenação, se propiciasse a retirada efetiva, o desentranhamento dos elementos ilegitimamente coligidos dos autos de qualquer processo, administrativo ou judicial e, se judicial, civil ou penal. Tive a oportunidade de, no caso Zélia, aonde a ex-ministra Zélia está sendo acusada de cometimento de certo delito com Paulo César e outros. Paulo César teve preliminar extinta em razão da sua morte, mas há outros acusados.

Eu tive a oportunidade de levantar essas questões. Pelo seguinte: o procurador da República ofereceu denúncia contra a ex-ministra, Paulo César e outros, com base nos mesmos elementos probatórios, surpreendentemente. A prova que já se declarara ilícita na ação penal 307-3, reaparece como base probatória para denúncia contra a ex-ministra, contra o acusado que faleceu e outros. Na sustentação perante o Supremo Tribunal Federal Pleno, na sessão em que o Supremo deveria apreciar se recebia ou não a denúncia, eu levantei a seguinte questão, eu argüí não a ilicitude da prova, porque ela já tinha sido declarada ilícita pelo Supremo na ação penal 307-3. Eu argüí a inadmissibilidade pura e simples da prova já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Então, a Procuradoria se insurge contra dizendo "não, cada processo é um processo, que lá foi declarada naquele processo, mas que aqui é outro". Só ao final o Supremo poderia declarar e eventual ilicitude da prova que, ao ver da defesa, já tinha sido declarada ilícita e inadmissível. Naquela ação penal 307-3 não houve necessidade de se retirar a prova dos autos porque morreu a ação com a declaração de ilicitude da prova. Era uma ação penal que tramitava no Supremo, o Supremo declarou a ilicitude na decisão final e liquidou a matéria e arquivou o processo. Então, não precisava retirar aquela prova dos autos porque o processo foi arquivado, o destino do processo era o arquivamento.

Mas no caso Zélia, não. A ação penal estava se iniciando, eu dizia que o Supremo não poderia receber a denúncia com base naquele dado probatório e, por isso, se o Supremo recebesse a denúncia, tinha que extirpar dos autos o dado probatório porque, nele sendo mantido, esse dado poderia exercer influência sobre o julgador. Evidentemente, que a Constituição estabelecia uma sanção processual, traduzida pela inadmissibilidade. Pois bem, o Supremo realmente reafirmou a inadmissibilidade, recebeu a denúncia em parte por isso mesmo, afastou da denúncia tudo que fundava na prova ilícita, mas não declarou o desentranhamento dos autos, que prosseguia apurando outras infrações e prosseguia com dados altamente incriminadores que poderiam influenciar os julgadores. Então, eu deduzi um pedido, em embargos declaratórios sobre o acórdão que recebeu parcialmente a denúncia, de que resultou o seguinte acórdão, que foi o primeiro do Supremo sobre a matéria: Ementa - Embargos declaratórios de Paulo César Farias na época, no inquérito nº 731. Está publicado no DJ de 7.6.96. O Supremo decidiu e aqui está a ementa: Ação penal. Denúncia. Denúncia recebida.

Prova ilícita. Embargos de declaração pleiteando seu desentranhamento. Constituição, art. 5º, inciso LVI. Reconhecida a ilicitude da prova constante dos autos, conseqüência imediata é o direito da parte, a qual possa essa prova prejudicar havê-la desentranhada, hipótese em que a prova questionada foi tida como ilícita no julgamento da ação penal 307, fato já considerado no acórdão de recebimento da denúncia. Pedido de desentranhamento formulado na resposta oferecida pelo embargante e reiterado em outro instante processual. Embargos de declaração recebidos para determinar o desentranhamento dos autos das peças concernentes a prova julgada ilícita, nos termos discriminados no voto condutor do julgamento.

Nos embargos declaratórios, eu fiz um profundo exame dos precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos, em que o Supremo se baseou para lavrar ou para formular sua doutrina da ilicitude aqui entre nós no Brasil. Precedentes em que se fundou o legislador constituinte brasileiro para editar o inciso LVI, do art. 5º, da própria Constituição Federal. Então, esses precedentes estão citados. É primoroso esse acórdão do Supremo. Vocês vão ver os precedentes que eu cito da Suprema Corte dos Estados Unidos, onde eles dizem, por exemplo, e isso foi decisivo para ele mandar desentranhar, porque o Supremo estava declarando a ilicitude mas mantendo nos autos a prova. Tudo bem. Eu não reclamei na ação penal 307, porque o destino dos autos era o arquivo. Mas se o processo devesse continuar, como eu iria permitir que, tendo sido considerado ilícito, você deixasse uma prova nos autos a irradiar influência sobre o espírito do julgador? Isso é péssimo. Já pensou você dizer que a prova é ilícita, mas você abre os autos e tem lá,você diz "puxa, essa coisa aqui é dura". Isso termina exercendo uma influência espúria sobre o espírito julgador. O destino da prova ilícita é o lixo.

Na Suprema Corta, vejam como ela define a prova ilícita e suas conseqüências. Tem um trechinho primoroso do caso Mertu X Ohio: "Regra de exclusão. Esta regra estabelece que onde a prova houver sido obtida com violação dos privilégios garantidos pela Constituição dos Estados Unidos, a prova tem que ser excluída do julgamento. A evidência (a prova) que tiver sido obtida por uma busca e apreensão irrazoável (não está falando nem ilegal), deve ser excluída segundo preceito contido na quarta emenda da Constituição dos Estados Unidos". E diz em seguida: Moção de Supressão. É a provocação da parte usada para eliminar do julgamento (para nós, dos autos do processo, porque lá o julgamento é oral) de um caso criminal, a prova que tiver sido obtida, segurada ilegalmente, geralmente em violação à quarta emenda. Dois trechos da Suprema Corte dos Estados Unidos. Nós mostramos à Suprema Corte Brasileira que a matriz constitucional da Suprema Corte dos Estados Unidos diz que a prova ilícita tem que ser afastada dos autos, tem que ser desentranhada dos autos. E o Supremo, numa questão aparentemente simples, num acórdão extenso, o Supremo enfrenta todas as questões e diz: "É verdade, a prova ilícita não pode remanescer nos autos, a irradiar influência indevida sobre o julgador, por isso mesmo é conseqüência necessária da declaração da ilicitude o seu desentranhamento dos autos. Então, é também um precedente muito expressivo, lançado pela Suprema Corte que, com isso, fecha a sua doutrina constitucional sobre a inadmissibilidade, que pode ser traduzida da seguinte forma, em síntese: em primeiro lugar, a garantia da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito em relação ao acusado é absoluta, só não será se se tratar do exercício constitucional do direito de de_r a absolvição do acusado, se tal prova puder ministrar tal conseqüência; em segundo lugar, o Supremo define as provas obtidas por meio ilícitos como sendo aquelas obtidas com violação dos direitos e garantias processuais e aquelas outras obtidas com violação dos direitos e garantias materiais.

Outra conseqüência jurídica, a de que em razão da sanção processual expressamente estabelecida na Constituição, a conseqüência da declaração de ilicitude é a nulidade ex radice absoluta da prova com o conseqüente desentranhamento do que nela se contiver, para que não possa exercer nenhuma influência sobre o espírito do julgador. Esta é, em síntese, a doutrina constitucional do Supremo acerca da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito.

Com relação às esferas administrativa e processual civil, eu posso dizer que o princípio da inadmissibilidade também continua a existir com todas essas conseqüências. Vale dizer, não se pode utilizar a prova ilícita em processo administrativo ou em processo judicial em razão da sua absoluta nulidade ou ineficácia. O único dado que pode receber um tratamento diverso é o relativo ao princípio da proporcionalidade em favor do investigado na esfera administrativa ou civil. Investigado lato sensu. É que, em se tratando de matéria cível, pode ser que não se queira aplicar o princípio da proporcionalidade em favor de uma das partes, já que aí não há réu propriamente dito. A rigor, só se poderia talvez estender o princípio da proporcionalidade, com aquele caráter absoluto, ao acusado em processo administrativo, mas na esfera civil dificilmente se aplicará o princípio da proporcionalidade. E último dado a ser referido é o da ilicitude da prova por derivação. Ao afirmar que a prova ilícita por derivação é também inconstitucional, procurou o Supremo Tribunal Federal, como corte constitucional, garantir a inteireza da Constituição. E, ao meu ver, com isso ela cumpriu a sua missão constitucional, inserida no inciso 102, caput, qual seja, a de guardar a inteireza da Constituição. Esta é a primeira manifestação, me colocando a seguir à disposição dos senhores para indagações que julgarem necessárias. Muito obrigado.

Fonte: Escritório Online


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