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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


A incomunicabilidade do preso na investigação criminal: permissividade constitucional

26/05/2000
 
Geilton Costa da Silva



O presente artigo objetiva firmar a permissividade legal da incomunicabilidade do indiciado preso no sistema jurídico brasileiro. Tal análise adquire importância prática, face o interesse da sociedade hodierna em coibir o avanço do crime organizado, que tem tomado proporções alarmantes devido à utilização de modernos recursos (telefones celulares, internet) pelos investigados, entre outros fatores, aliados aos malefícios ocasionados por uma produção legislativa lenta, que não consegue acompanhar a evolução da tecnologia do crime.
A possibilidade da aplicação do art. 21 do CPP, mesmo em situações raras e extremas, pode vir a corroborar na elucidação de crimes e no desbaratamento de organizações criminosas, que atuam sem fronteiras, a mais das vezes sob atividade espelhada na "legalidade", dificultando a persecutio criminis.

O CPP art. 21 dispõe que "a incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir". O parágrafo único do aludido artigo (redação da lei 5010/66, art.69) expressamente determina que "a incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. (lei n. 4215, de 27 de abril de 1963) . A Constituição Federal, no art. 136, § 3º, IV, inserto no capítulo que trata do estado de defesa e estado de sítio, dispõe que é "vedada a incomunicabilidade do preso".

A doutrina nacional encontra-se dividida quanto à possibilidade da incomunicabilidade do preso na fase pré-processual:

Há doutrinadores de escol que entendem ter sido o artigo 21 do CPP revogado pela CF, sob o argumento de que "sendo proibida a incomunicabilidade nas situações excepcionais, em que o Governo deve tomar medidas enérgicas para preservar a ordem pública e a paz social, podendo por isso restringir direitos, com maior razão não se pode permiti-la em situação de normalidade". Neste mesmo sentido, argumentam que o artigo 5º, nos seus incisos LXII e LXIII da CF, teria revogado o art. 21 do CPP, sob a justificativa de que a incomunicabilidade contraria as garantias ali consagradas.

Os mestres que defendem a não-revogação do dispositivo em tela interpretam no sentido de que o artigo 136 da CF aplica-se somente nos estados de defesa e de sítio, sendo a vedação expressa à incomunicabilidade do preso uma exceção, portanto destinada àquela situação de excepcionalidade, onde autorizadamente suspendem-se diversas garantias constitucionais.

Data maxima venia dos que entendem ter sido revogado o artigo 21 do CPP, comungamos com os autores que lecionam pela sua perfeita aplicabilidade em nosso sistema jurídico. Trata-se de instigante questão de interpretação constitucional.

Premissa básica para análise da recepção de uma norma infraconstitucional é a de que esta deve compatibilizar-se integralmente com a Constituição. Devemos atentar que, para a interpretação constitucional, os princípios da supremacia e da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público são fundamentais. Neste contexto, os princípios da efetividade, da razoabilidade e da proporcionalidade também devem ser aplicados. Alerte-se, todavia, que um mesmo texto legal fatalmente poderá ter interpretações díspares, de acordo com os parâmetros adotados pelo intérprete, como também pela sua atividade cognitiva. A formação cultural do intérprete, a sua escala interior de valores, fatalmente influencia a intelecção da norma. Sem embargo destas observações, deverão ser utilizados também os critérios usuais de interpretação em combinação com os já elencados.

Pois vejamos: O legislador constitucional ao destinar no artigo 5º da Carta Maior precisamente 8 (oito) incisos (LXI a LXVII) à questão da prisão, se tivesse querido estabelecer a vedação absoluta à incomunicabilidade do indiciado preso, neste artigo teria estabelecido tal preceito.

Pode-se, entretanto, argumentar no sentido de que o artigo 5º, § 2º da CF permite-nos estender a vedação à incomunicabilidade do preso como regra absoluta.De acordo com esta interpretação, seriam os princípios adotados pela Constituição, bem como os tratados internacionais em que a República do Brasil faz parte, que impediriam a incomunicabilidade do preso.

Não prosperam estes argumentos. Lembremos que os tratados internacionais, que versam sobre direitos fundamentais, ingressam em nosso ordenamento como norma constitucional. Verificaremos portanto, que a incomunicabilidade do indiciado preso em nada fere ou afronta o "CONJUNTO DE PRINCÍPIOS PARA A PROTEÇÃO DE TODAS AS PESSOAS SUJEITAS A QUALQUER FORMA DE PRISÃO" aprovado pela 76ª Reunião Plenária da ONU em 9 de dezembro de 1988.

O princípio nº 15 deste importante documento assim dispõe:

"Sem prejuízo das exceções previstas no nº 4 do Princípio 16 e no nº 3 do Princípio 18, a comunicação da pessoa detida ou presa com o mundo exterior , nomeadamente com a sua família ou com o seu advogado, não pode ser negada por mais do que alguns dias" (grifos nossos)


Há visivelmente uma flexibilização em relação à incomunicabilidade, abordada ainda em outros dois princípios:
- Princípio 16, nº 4: "As comunicações mencionadas no presente princípio devem ser feitas ou autorizadas sem demora. A autoridade competente pode, no entanto, atrasar a comunicação por um período razoável, se assim o exigirem necessidades excepcionais da investigação" (grifos nossos).
-Princípio 18, nº 3: "O direito de a pessoa detida ou presa ser visitada pelo seu advogado, consultar e de comunicar com ele, sem demora nem censura e em regime de absoluta confidencialidade, não pode ser objeto de suspensão ou restrição, salvo em circunstâncias excepcionais, especificadas por lei ou por regulamentos adotados nos termos da lei, que uma autoridade judiciária ou outra autoridade o considerem indispensável para manter a segurança e a boa ordem". (grifos nossos)



A cláusula geral do referido conjunto de princípios determina ainda que nenhuma disposição do mesmo poderá ser interpretada no sentido de restringir ou derrogar algum dos direitos definidos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (Pacto de São José).
Como vimos, não há nenhuma afronta aos princípios adotados pela CF ou aos tratados dos quais a República Federativa do Brasil é signatária.
Ainda quanto aos princípios, alertamos que o princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas torna cediço o entendimento de que há limite para os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Os direitos fundamentais não podem servir de escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, pois configurar-se-iam verdadeiro desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
A decretação do estado de sítio ou do estado de defesa, destinada a situações que colocam em risco a existência ou a soberania do próprio Estado, enquanto produtor do bem comum, indica o abalo das instituições democráticas, garantidoras da efetividade dos próprios direitos individuais. Necessário, pois, breve rompimento de tais garantias em defesa da manutenção delas próprias. São instrumentos de autodefesa. Desse modo, vulnerados que ficam os direitos individuais pelo próprio Estado, justo que ele conceda aos cidadãos o direito de poderem imediatamente comunicar-se e denunciarem restrições à liberdade, possivelmente abusivas, cujo risco é admitido nessas ocasiões extremas, e se utilizarem do habeas corpus em defesa da liberdade.

Devemos ter em conta que as prisões efetuadas durante a exceção não são necessariamente de criminosos, sendo, muitas vezes, de cidadãos comuns que nada têm a ver com ilícitos penais. Mas o Estado, na missão de salvar-se, pode, e até deve, numa espécie de legítima defesa – real ou putativa (sendo esta a que nos interessa), efetuar prisões ainda que em função de tênue dúvida que recaia sobre qualquer um. Há nítida ponderação entre o direito de sobrevivência do Estado e os direitos individuais.

Desse modo, fácil é visualizar que a proibição à incomunicabilidade do preso encontra, nessas situações extremadas, seu fundamento. Desaparecida a situação excepcional, com a volta da normalidade, cumpre ao Estado preocupar-se apenas com a prisão de indigitados criminosos, colocando a salvo o cidadão comum. Nesse desiderato, havendo necessidade que a justifique, deve lançar mão da incomunicabilidade de forma a tornar efetiva a persecutio criminis.

Ora, como vimos, a disposição contida no artigo 136, § 3º, IV da CF aplica-se tão somente ao estado de defesa e estado de sítio, pois nestas situações excepcionais, com o fito de preservar ou restabelecer a ordem pública e a paz social, a própria Constituição autoriza as medidas coercitivas a vigorarem. Todavia, por tratar-se de estado de excepcionalidade, onde poderão também ocorrer abusos atentatórios à dignidade da pessoa humana, e assim ferirem-se direitos fundamentais, apesar do interesse da coletividade, onde se flexibilizaram as condições para a prisão, o legislador vedou expressamente a "incomunicabilidade do preso" e determinou que toda prisão, a exemplo do estado de normalidade, será imediatamente comunicada ao juiz competente.

Mesmo no estado de defesa ou de sítio, o preso permanece com as garantias de ter sua prisão informada ao juiz competente e apreciada quanto à sua legalidade. Some-se a estas a possibilidade do preso requerer exame de corpo de delito, bem como ter na comunicação de sua prisão a declaração obrigatória pela autoridade, de seu estado físico e mental no momento da autuação.

O que a Constituição quis foi exatamente garantir a segurança do preso, pois neste estado excepcional podem vir a ocorrer deliberadamente práticas de tortura, onde a dignidade humana é desrespeitada, aviltada, em nome da "Segurança Nacional".

Interpretar que a "vedação à incomunicabilidade do preso" deve ser regra, é o mesmo que dizer que a prisão por crime contra o Estado terá um procedimento diferente do previsto no artigo 5º, LXI, durante o estado de normalidade. A vedação à incomunicabilidade do preso é exceção. Deve portanto, ser interpretada de modo restrito.

Todavia, lei infraconstitucional pode vedar expressamente a incomunicabilidade, como ocorre no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), que em seu artigo 124, § 1º, dispõe: "em nenhum caso haverá incomunicabilidade". É norma especial, aplicável tão somente aos adolescentes privados de liberdade por ordem emanada de autoridade judiciária.

Concluímos com o entendimento de que o artigo 21 do CPP foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, podendo e devendo ser aplicado sempre que necessário. Oportuna a advertente lição do Mestre Hélio Tornaghi quanto à ordem de incomunicabilidade do indiciado:

"A proibição deve ficar documentada nos autos mediante despacho que, embora a lei não o diga expressamente, tem que ser fundamentado. De outra maneira não se poderá aferir a existência dos requisitos: interêsse da sociedade ou conveniência da investigação. E mais: A fundamentação não deve consistir apenas na alusão de existência de interesse da sociedade ou conveniência da investigação, mas na referência às circunstâncias, dos fatos, que geram aquêle interesse ou esta conveniência".

Fonte: Escritório Online


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