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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Os direitos dos cidadãos em face da atividade do Estado na persecução criminal (II). A investigação criminal realizada pelo Ministério Público, em procedimentos administrativos internos

04/09/2000
 
Delza Curvello Rocha



A Assembléia Constituinte de 1988 – que norteou seus trabalhos no sentido de resgatar a cidadania do povo brasileiro - teve o cuidado de centralizar, em determinado órgão estatal - a Polícia - a instauração do procedimento investigatório - o inquérito - com exceção dos procedimentos investigatórios que venham a envolver determinadas pessoas em razão da função pública que exercem - autoridades qualificadas constitucionalmente - caso em que as atribuições investigatórias passam ao órgão judiciário competente para o conhecimento do eventual processo-crime (artigos 102, I letras a e b; 105, I letra a; 108, I letra a da Constituição Federal de 1988).
Esse cuidado do Constituinte de 88 tem raízes históricas, e relaciona-se com experiências colhidas em episódios ocorridos nos períodos em que viveu o povo em regime de exceção - quando procedimentos investigatórios sobre a conduta dos cidadãos podiam - e eram - instaurados nos diversos órgãos ligados ao sistema estatal - especialmente pelas conhecidas " Comissões Gerais de Inquérito " e suas congêneres - investigações essas que muitas vezes deram origem a ações truculentas - prisões de cidadãos, que ficavam detidos pelos órgãos de segurança, restando aos seus familiares e amigos a procura incessante, para saber onde e porque se encontrava o "desaparecido" detido. Essa angustiante sensação é revivida, ainda hoje, por todos nós, na leitura, junto à mídia nacional, de fatos pretéritos, ligados a essa fase da história nacional.

Aliás, os mecanismos utilizados por países em regime de exceção para a investigação de cidadãos vêm sendo questionados especialmente pelas entidades internacionais de proteção aos direitos do indivíduo, tendo sido, inclusive levado às telas de forma eloqüente em película clássica do cinema americano - Missing - "Desaparecido" - título no Brasil - que descreve o desespero de um pai e de uma esposa na procura do filho e marido, tragado pelo sistema investigatório estatal, de um país imaginário na América Latina.

Diante desse quadro bastante conhecido pelo Constituinte, Constituinte esse que pretendia editar - como editou - Constituição que assegurasse ao cidadão todas as garantias do regime democrático - foi ajustado o texto constitucional para enfrentar essa realidade, de sorte que o cidadão tivesse a garantia de apenas ser investigado por um determinado órgão estatal, definido constitucionalmente.

Daí a redação do art. 144 da Constituição Federal, estabelecendo essa atribuição à Polícia Federal - no âmbito federal - incisos I e IV do parágrafo 1º , verbis:

" § 1º . A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de sua entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

.......

.........

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. "



Entretanto, vem o Ministério Público – nos âmbitos federal e estadual - a pretexto de disciplinar o exercício da titularidade plena da ação penal pública (consagrada no artigo 129, inciso I, da Constituição Federal) - editando Resoluções ou outros atos administrativos internos, que autorizam a instauração de procedimentos administrativos criminais, investigatórios, pelo membro do Ministério Público, solitariamente, ou em equipe, autorizando-os também e em conseqüência a praticar, entre outros atos, a inquirição pessoal do investigado, inquirição de testemunhas, requisição de documentos e perícias.


Ao Ministério Público entregou o Constituinte de 1988 a atribuição para instauração de inquéritos civis, a teor do disposto no artigo 129 da Constituição Federal de 1988 que lhe confere, em seu inciso III, competência para promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

No inciso VIII desse mesmo dispositivo constitucional - art. 129 - encontra-se a atribuição ao parquet para requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.

Daí porque também, há que se concluir que a investigação criminal iniciada pelo membro do Ministério Público, com a realização, inclusive de inquirição do investigado, de diligências, em procedimento administrativo criminal desenvolvido no âmbito do Parquet, se constitui em prática - procedimento - alheio ao ordenamento jurídico vigente, e que, antes de qualquer outra consideração em torno desse procedimento, há que se consignar ser procedimento administrativo eivado de inconstitucionalidade - visto que é atribuição exclusiva da Polícia Federal o exercício das funções de polícia judiciária da União - art. 144, § 1º, IV, da Constituição Federal de 1988, incumbindo-lhe o texto constitucional a apuração de infrações penais praticadas contra os entes da União.



O fato de ter a Constituição Federal de 1988 entregue, ao Ministério Público, a titularidade exclusiva da ação penal pública não transfere para a instituição nenhuma parcela das atribuições dos órgãos policiais, constitucionalmente fixadas, nem autoriza o parquet a exercer, administrativamente essas atribuições, concorrendo com a atividade policial.

Isso porque a investigação criminal não se constitui em procedimento meramente administrativo, como aliás deixam entrever as Resoluções - mas de um instrumento de auto defesa do Estado, em favor da ordem pública, " que se reveste de forma cautelar " (J.F.Marques - p. 150). Aliás, encontra-se a investigação criminal - nomem juris - inquérito policial - inserido na estrutura de nosso sistema processual penal, e do próprio sistema de garantias individuais, que prevêem limitações à atividade policial, vinculada que se encontra a polícia judiciária, como todo órgão da administração, ao princípio da legalidade.

Esse também o motivo porque a polícia, ao atuar como órgão da persecução penal - coligindo os elementos "para a restauração da ordem jurídica violada pelo crime, em função do interesse punitivo do Estado" - passa a ser conceituada como Órgão Auxiliar do Poder Judiciário - a polícia judiciária ou repressiva - embora o produto dessa atividade seja dirigido ao Ministério Público, titular da ação penal.

Dessa forma, a realização de diligências investigatórias destinadas a instruir futura ação penal fogem à atuação direta do Ministério Público porque devem ficar jungidas a quem detenha constitucionalmente a titularidade para instaurar esse tipo de procedimento, por se encontrar submetido ao controle judicial, na forma da lei processual, sob pena de restarem feridos o inciso LIII do art. 5º - "ninguém será processado (= investigado) nem sentenciado senão pela autoridade competente ", além da afronta ao texto já citado do art. 144, I e IV, todos da Constituição Federal de 1988.

De outro lado, ferem a norma constitucional inscrita no § 2º do art. 127, que impõe que a organização e funcionamento da instituição se realize observado o princípio da legalidade, não se admitindo que meras Resoluções possam criar função institucional ou estrutura administrativa para dar suporte a qualquer função não prevista em lei.

A propósito, convém deixar consignado que a titularidade plena do exercício da ação penal pública há de ser conceituada como a impossibilidade de ser essa ação iniciada ex-officio, ou por iniciativa do ofendido (ação penal privada), nesse segundo caso admitida apenas se o Ministério Público não intentá-la no prazo legal.

Aduza-se, finalmente, o aspecto formal da edição desses atos, que invadem competência exclusiva da União - única legitimada a legislar sobre normas de processo penal (art. 22, I da CF/88).

Fonte: Escritório Online


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