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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Os direitos dos cidadãos em face da atividade do Estado na persecução criminal

04/09/2000
 
Delza Curvello Rocha



Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o PROJETO DE LEI N.º 4.254 DE 1998 - proposta de modificação do atual sistema processual penal - visando a subtrair o procedimento investigatório do crivo do Poder Judiciário, impondo movimente-se o inquérito policial unicamente entre o Ministério Público e a Polícia, com seu encaminhamento ao Judiciário apenas na oportunidade do oferecimento da denúncia. Alegam, os seguidores dessa corrente, ser o trânsito do inquérito pelo Judiciário, no decorrer das investigações, mero elo burocrático, prejudicial à celeridade do procedimento investigatório. Alega-se ainda que, com a Constituição de 1988, passou o Ministério Público a exercer o controle externo da atividade policial, e em conseqüência, o relacionamento entre a autoridade policial e o titular da ação penal deve se estabelecer sem intermediações burocráticas.
Na estrutura do sistema processual penal, entre nós, a instrução criminal tem natureza preservadora (da inocência e da justiça) e preparatória (dos meios de prova). Assim, os atos praticados no inquérito policial possuem dupla função - a primeira, a de formar o corpo do delito - isto é, coligir os elementos corpóreos que digam respeito ao delito - e a segunda - através de dados sensíveis captados do corpo de delito, apontar a responsabilidade criminal pelo evento, por uma operação intelectual aferidora da intenção do agente ao infringir o preceito legal. (Canuto Mendes de Almeida).

Por esse motivo, correta a assertiva de que "iniciada uma investigação, com a instauração de inquérito, estabelece-se entre o Estado e o indiciado (ou suspeito) uma situação de litigiosidade" (J. Frederico Marques), passando, o indivíduo, a ser considerado objeto de investigação, e detendo a autoridade policial liberdade discricionária de investigação, sob pena de se mutilar a função da polícia. A liberdade investigatória só encontra limites quando a atividade policial possa representar injusta lesão a direitos individuais. Em decorrência, como objeto de investigação, o indivíduo sofre, necessariamente, um abalo em sua cidadania, podendo ser submetido a constrangimentos lícitos, pois autorizados por lei, quais sejam: prestação de depoimentos, acompanhamento de perícias e reconstituições; a quebra do sigilo de suas contas bancárias; a identificação criminal (se já não o foi civilmente); enfim, ver sua vida privada exposta aos agentes da instrução criminal.

Em países de excelente nível de democracia, a figura do juízo de instrução encontra-se presente já na fase das investigações preliminares, a fim de assegurar ao indivíduo que as atividades investigatórias permaneçam subordinadas à ordem jurídica.

Esse também o motivo porque entre nós, a Polícia, ao atuar como órgão da persecução penal - coligindo os elementos "para a restauração da ordem jurídica violada pelo crime, em função do interesse punitivo do Estado" - passa a ser conceituada como Órgão Auxiliar do Poder Judiciário - a polícia judiciária - embora o produto dessa atividade seja dirigido ao Ministério Público, titular da ação penal.

No Brasil, o Código de Processo Penal, editado em 1941, manteve o sistema anterior - implantado pelo Decreto n.º 4.823 de 22/11/1871 - conferindo a formação da culpa à autoridade policial (Art. 4º, in fine), condicionando, entretanto, a autuação investigatória ao conhecimento do juízo competente, dentro de determinado prazo - de 30 dias quando o indiciado se encontrar solto, e 10 dias, se ele estiver preso - Art. 10.

O juízo de instrução, em nossa legislação, restou, assim, presente, e se estratifica exatamente no momento em que os autos de inquérito são distribuídos ao juízo competente, depois de esgotado o prazo legal de 10 ou 30 dias, cabendo a esse juízo coibir de ofício, os eventuais excessos ou desvios dos agentes policiais, e as ações ou omissões emanadas de qualquer outro personagem estatal.

Essa afirmativa encontra fundamento no próprio texto legal - o vigente Código de Processo Penal de 1941 - pois o legislador pátrio, à época, ao inscrever: (a) prazo para o término do inquérito; (b) a remessa do inquérito ao juízo competente e (c) a proibição do arquivamento de inquéritos na esfera administrativa - deixou claro não ter em mente o estabelecimento de hierarquia entre as instituições envolvidas nessa tramitação, ou o intuito de enlaçar o juízo em atividades menores, administrativas. Assim agiu em homenagem aos direitos e garantias do indivíduo - a fim de assegurar ao cidadão a certeza de que as investigações que contra ele forem iniciadas serão necessariamente submetidas ao Judiciário, e que essas investigações não restarão eternamente pendentes nas gavetas da administração, como verdadeiras espadas de Dâmocles sobre suas cabeças; fê-lo também para que o juiz competente tivesse pronto conhecimento de qualquer ato ilegal ou arbitrário praticado pelo Estado - por seus agentes - e principalmente para preservar, o inocente, de acusações levianas. Também porque a formação da culpa é parte preliminar do processo criminal e porque por ela "... o Juiz competente conhece a existência, natureza e circunstâncias do delito, e quem seja o delinqüente" (Joaquim Ignácio Ramalho - Elementos do Processo Criminal - 1826 - Tipografia 2 de Dezembro - apud Princípios Fundamentais do Processo Penal - J. Canuto Mendes de Almeida, p. 38).

Ressalte-se ainda o fato de ter a Constituição Federal de 1988 entregue ao Ministério Público o controle externo da atividade policial sem fazer, entretanto, da Polícia, uma instituição subordinada ao parquet. O texto constitucional demonstra, na realidade, achar-se a ação policial submetida a duplo controle externo: pelo Ministério Público, a quem compete fiscalizar a correta busca da prova, e a efetiva observância, pelas autoridades policiais, dos direitos e garantias dos cidadãos envolvidos naquele procedimento - quer na posição de investigado, quer na posição de vítima - e pelo Judiciário, controle que ocorre a priori (ex.: decretação de prisão preventiva) ou a posteriori (ex.: concessão de ordem de habeas corpus (inclusive de ofício) e prestação de fiança).

Daí porque, o encaminhamento do Inquérito Policial - da Polícia para o Ministério Público - mediante passagem dos autos pelo Judiciário - não traduz mera extensão de um procedimento administrativo, travestindo, como querem muitos, o juízo, em autoridade meramente administrativa, "intermediadora" da atividade dos demais órgãos participantes daquele procedimento.

A ânsia desburocratizante, que tudo quer sintetizar, enxugar, em homenagem à economia, à celeridade, apenas coloca em evidência o quanto o congestionamento da Justiça, patrocinado pelo próprio Estado, aliado ao clima corporativista que se sucedeu à Constituição de 1988, poderão desvirtuar rotinas processuais asseguradoras de direitos e garantias individuais e mantenedoras do próprio Estado Democrático de Direito.

E a Câmara dos Deputados, por onde hoje tramita esse Projeto de Lei, o Ministério Público - instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, que detém a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis - e a Ordem dos Advogados do Brasil - que historicamente sempre esteve na vanguarda da defesa do indivíduo - deverão voltar os olhos, atentamente, para esse Projeto, pois a modificação do sistema processual penal vigente, como proposto, atingirá o âmago das garantias individuais, colocando o cidadão distante da imparcialidade - característica do Poder Judiciário - e assim, enfraquecido, diante dos mecanismos investigatórios.

Fonte: Escritório Online


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