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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Questões importantes sobre legalidade em direito penal

27/09/2000
 
Almir Rodrigues Otero



Esse trabalho foi apresentado no curso de especialização em Direito Penal, promovido pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, cuja nota, ora atribuída, foi (9,5).
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QUESTÃO 1

Analise, à luz do princípio da legalidade e seus corolários, a possibilidade de medidas provisória versar sobre crime e pena. (no máximo 2 laudas)



"Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia cominação legal". O Princípio insculpido no texto da Lei Fundamental - inciso XXXIX , CF de 1988 - exorta o Princípio da Reserva Legal ou Legalidade, o qual, em matéria penal, reserva para o restrito campo da Lei a matéria penal.

Esta reserva da matéria penal para a lei significa que a matéria penal deve ser expressamente disciplinada por uma manifestação de vontade daquele poder estatal a que, por força da própria Constituição - Princípio da legitimidade - compete a faculdade de legislar, isto é, o Poder Legislativo.

Sendo assim, somente a Lei em seu sentido mais estrito compete definir crimes e cominar penalidades.

Nenhuma outra fonte subalterna pode gerar a norma penal, posto que a reserva de lei proposta pela Constituição é absoluta, e não meramente relativa.

Assim, só a lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, através de procedimento adequado, poderá criar tipos e impor penas.

A-propósito, as medidas provisórias, instrumento odioso que se presta a satisfazer as delibações do Poder Executivo, aos moldes dos já extintos decretos-lei, vem assim disciplinada no texto constitucional/1988 - em seu art.62 - "Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes".

Ora, os critérios delineados pelo próprio constituinte eiva de vício insanável o instituto da "Medida Provisória" na pretensão de que essa possa vir a ser um veículo idôneo na elaboração de leis penais, definindo crimes e cominando penas.

O Direito Penal, dado o seu caráter essencialmente fragmentário e subsidiário ocupa posição de extrema importância, inserido que está na Política de Controle Social que deve nortear a busca do bem comum - baluarte maior em qualquer Estado Democrático de Direito.

O Direito Penal é fragmentário, posto que, compete ao direito penal dentro de seu campo de incidência no controle social proteger alguns bens juridicamente protegidos, não cabe ao Direito Penal a tutela de toda e qualquer bem jurídico, isto é, deve ele se preocupar com a lesão grave ao bem jurídico importante, sempre que referidos bens forem atingidos de maneira intolerável.

A idéia da fragmentariedade do direito penal se opõe ao mito de que o Sistema jurídico é auto suficiente capaz de regular de per si todos os fenômenos sociais, regulando o máximo de situações possíveis dentro dos diversos grupos sociais. Não é esse o papel que lhe foi reservado.

Além de fragmentário, o direito penal deve ser subsidiário, posto que, ele é a última rascio do sistema, a última instância do controle social, queremos dizer com isso que outros instrumentos do controle social devem ser priorizados no combate ao ilícito, permanecendo o direito penal como verdadeiro guardião dos bens jurídicos eventualmente violado de modo repugnante.

Em que pese o legislador pátrio insistir em andar na contramão da história, as leis devem continuar derivando das razões humanas é nesse diapasão que o Direito se revela como sendo a reprodução da valoração de uma sociedade.

Não fosse assim, poderíamos estar a deriva em mar tormentoso. Os funtores deônticos de uma sociedade que busca trilhar o caminho de um Estado Democrático de Direito, sobretudo no que diz respeito as leis penais que nortearão a tutela dos mais relevantes bens jurídicos a serem protegidos, urge que sejam primeiros experênciados no seio da própria sociedade, a qual, deliberará pela sua respectiva proteção, passando assim pelo necessário processo legislativo através dos que eleitos foram para desempenhar o mister de representa-la no Congresso Nacional, vez que compete privativamente a União legislar sobre: direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho - conf. art. 22-CF/88.

Por derradeiro, temos que o princípio de legalidade, no tocante as leis penais, se especializa no princípio da irretroatividade, no princípio da tipicidade e do não uso da analogia; destarte, o caráter legiferante-precário das Medidas Provisórias haveria de macular um outro princípio não menos importante que é o princípio da Segurança Jurídicosocial , posto que a mesma, no espaço que antecede a sua apreciação pelo poder Legislativo passaria a viger perdendo, todavia, a eficácia no caso de não ser convalidada pelo Congresso Nacional.

O primado da lei, nos Estados de Direito, também representa sensível evolução em contraposição aos governos de homens. Como lecionava Del Vecchio, a lei é o mais alto e perfeito grau de formação do Direito positivo, já que é a expressão racional do Direito, norma geral e abstrata através da qual se exprime a vontade do órgão legislativo. Há uma fiel unanimidade entre aqueles que se dedicaram a estudar a matéria, senão vejamos:

Lei é o preceito racional dirigido ao bem-comum e promulgado por aquele que tem a seu cargo o cuidado da comunidade.
Lei é o pensamento jurídico deliberado e consciente, expresso por órgãos adequados que representam a vontade preponderante.
Lei é o preceito comum, justo, estável, suficientemente promulgado.
Todavia, a definição que nos traz maior simpatia, pela sua maneira concisa e precisa, é a de Beviláqua:
É a ordem, ou regra geral obrigatória que, emanando de uma autoridade competente e reconhecida, é imposta coativamente à obediência de todos.
Medidas provisórias não é lei, porque não nasce no Legislativo, logo, não pode dispor sobre matéria penal, criando crimes e impondo penas.


QUESTÃO 2 - Considere o enunciado:

"o chamado conflito aparente de normas, assim denominado porque a solução está no próprio sistema jurídico, não se confunde com o conflito real, hipótese em que os critérios hermenêuticos se mostram insuficientes para resolver o impasse. Diga-se que a coerência não é condição de validade, mas sim de justiça e certeza do ordenamento jurídico".

A seguir, responda:

Existe, na afirmativa, ainda que implícita, uma distinção entre o aspecto estrutural e o aspecto funcional da aplicação da norma? Por quê? (no máximo 2 laudas)



O sistema jurídico, como deseja os fervorosos e exacerbados defensores do positivismo, não é um sistema hermético por excelência, e nem poderia sê-lo, razão pela qual a ciência do direito há que ser dinâmica como dinâmico é o processo sociocultural. Assim, quer me parecer que a resposta mais acertada à questão acima colocada, impõe-se uma afirmativa, se não vejamos:

Aliás, o caldeirão das experiências sociais, que é a vida em sociedade, celeiro primário, supedâneo necessário para verificação das primeiras experiências vivenciadas pelo homem , a medida que os fatos vão se sucedendo e valorados pêlos pares que compõem dita sociedade, os mesmos, vão sendo abstraídos do mundo fenomênico e, ato contínuo, impondo ao legislador nacional, respeitado os procedimentos normais de elaboração, estruturarem normas a fim de protegerem, doravante, os bens jurídicos outrora violados de forma intolerável.

Todavia, as cousas não funcionam necessariamente nessa ordem, razão pela qual, os diversos sistemas existentes se imbricam e por vezes se permutam sem observância da ordem natural; e assim, o sistema jurídico vai sedimentando conflitos de conteúdo, conflitos materiais existentes entre normas do mesmo escalão hierárquico, gerais e/ou especiais, mas de mesma cronologia, que precisam ser solucionados a contento, na perspectiva de que o equilíbrio social possa ser alcançado.

Os funtores deônticos, verdadeiros vetores das normas jurídicas, podem ser de quatro grandezas: funtores deônticos obrigatórios, funtores deônticos proibidos, funtores deônticos permitido positivamente e os permitidos negativamente. Na nossa sistemática jurídica havendo um conflito entre uma norma que proíbe e outra que permite determinada conduta, prevalecerá aquela que permite.

No caso do Direito Penal, sempre que surgir um conflito aparente de normas e diga-se desse aparente conflito sempre que houver unidade de fato e pluralidade de normas aparentemente aplicáveis ao mesmo fato portanto, para se falar em conflito de norma há que se ter presentes os pressupostos de mesmo ordenamento jurídico e mesmo campo de validade.

O conflito é chamado de aparente, posto que, na verdade só uma norma será aplicada no caso em testilha, o próprio sistema resolverá a questão, oportunidade em que o magistrado decidirá adotando um dos quatro princípios elencados.

O fato de haver um conflito no sistema, de per si, nos dá prova de que não estamos diante de um sistema dedutivo, de uma teorética, posto que os conflitos que ora se pugna fatalmente serão resolvidos mediante uma razoável argumentação, de pura retórica; se assim não fosse todo o sistema se desmoronaria, posto que não resistiria ao sinal do primeiro questionamento, questionamento esse sem uma resposta convincente.

O intérprete por meios de um dos quatro princípios que instruem a resolução do aparente conflito, em que pese serem esses princípios falíveis em determinadas circunstâncias, ainda assim o interprete buscará apaziguar a pugna ora adotando o princípio da especialidade ora, o princípio da subsidiariedade ou o princípio da consunção ou ainda, o princípio da alternatividade.

O princípio da especialidade - "lex especialis derrogat generali" informa que a norma especial, aquela que possui todos os elementos da geral, e mais alguns, denominados especializantes, fatalmente será a norma aplicada quando comparadas. A lei especial prevalece sobre a geral.

O princípio da subsidiariedade - "lex primaria derrogat subsidiariae" informa que a norma que descreve um grau menor de violação de um mesmo bem jurídico fica absorvida pela norma primária, que descreve o grau mais avançado de ofensa ao bem. Na expressão de Nelson Hungria - a norma primária prevalece sobre a subsidiária, que passa a funcionar como um soldado de reserva. A comparação se faz de parte a todo, de conteúdo para continente, de menos amplo para mais amplo, de menos grave para mais grave, de minus a plus; assim, basta verificar no caso concreto qual a extensão da lesão e aplicar a norma que descreve o grau mais avançado.

Princípio da consunção - "lex consumens derrogat consumptae". Na consunção, o fato principal absorve o fato acessório, sobrando apenas a norma que o regula. A comparação se estabelece entre fatos e não entre normas, de maneira que o mais perfeito, o mais completo, o todo, prevalece sobre a parte. Um fato definido como crime absorve outro que funciona como fase normal de sua preparação ou execução, ou como mero exaurimento. As hipóteses em que se verifica a consunção, podemos percebê-las nos crimes progressivos, crimes complexos e na progressão criminosa.

Quanto ao princípio da alternatividade, a crítica que se faz é que não há propriamente um conflito entre normas, mas conflito interno na própria norma, vez que a norma descreve várias formas de realização da figura típica, onde a realização de uma ou de todas configura um único crime. São os chamados tipos mistos alternativos, que descrevem crimes de ação múltipla ou conteúdo variado.



QUESTÃO 3 - Quais os pontos criticáveis das Teorias Causal e Final da Conduta? ( no máximo 1 lauda)



No que concerne a Teoria Naturalista, também denominada causal, mecanicista ou clássica, a conduta – segundo o postulado de Franz von Liszt – representaria tão só uma produção de resultado mediante o emprego de força física. Melhor explicando, a conduta seria o comportamento humano voluntário que produz um resultado modificativo do mundo exterior.

Veja-se que para os trilhadores desta linha de pensamento a única ligação que torna-se necessária estabelecer é a relação de causa e efeito, renegando-se, neste particular, os elementos de vontade do atuar humano, vale dizer, o volitivo (dolo) e o normativo (culpa). Destarte, o questionamento primordial desta conduta é saber quem foi o causador material do fato típico, exemplificando, se uma pessoa é responsável pela morte de uma outra, mas sem que para este fato concorra com dolo ou culpa, ainda assim pratica o fato típico descrito no artigo 121 do Código Penal (homicídio).

Denota-se, então, que o conceito de crime para a idéia naturalista ou clássica é o fato típico, antijurídico e culpável, estando o dolo e a culpa alojados na culpabilidade, sendo que aquele é normativo, ou seja, requer a potencial consciência da ilicitude.

A Teoria Finalista, cujo maior expoente foi Hanz Welzel, rechaçou a idéia de que a conduta era um mero acontecimento causal e trouxe para a ciência penal algo que era inatingível para os naturalistas, o fato de que a conduta é a ação humana, voluntária e consciente, dirigida a um fim.

Importante dentro desta linha de pensamento é asseverar que não se pode desmembrar a ação da vontade do agente, vale dizer, sempre que o homem pratica um determinado comportamento é porque antes refletiu e seu raciocínio lógico o levou a praticá-lo.

Neste passo, para os finalistas, há o deslocamento do dolo e da culpa que antes integravam a culpabilidade para a conduta que é o primeiro elemento do fato típico. Portanto, para os que se filiam a teoria finalista da ação o crime é um fato típico e antijurídico e o dolo, que antes era normativo, passa a ser natural, i.e., prescinde da potencial consciência da ilicitude.

Todavia, o dolo ao migrar para a conduta deixa seu conteúdo normativo na culpabilidade. Em outras palavras: o dolo que está na conduta não é a vontade + a consciência da ilicitude, mas tão somente a vontade. O que dá finalidade à conduta é apenas a vontade.

Desta forma, para a teoria finalista, a culpabilidade é composta de três elementos: a) imputabilidade;

b) consciência potencial da ilicitude;

c) exigibilidade de conduta diversa.

A consciência atual da ilicitude deixou de ser elemento do dolo, e também da culpabilidade. A consciência da ilicitude que passou a integrar a culpabilidade como seu elemento, é a potencial, e não a atual. Assim, pouco importa para a existência da culpabilidade, se o agente sabia ou não que o fato era ilícito, o que interessa é se ele tinha condições de saber.

Importa analisar neste trecho final se efetivamente a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro foi a finalista como difunde-se largamente na doutrina.

Efetivamente a pura e simples adoção dos postulados finalistas de forma exclusiva não explica o fato de que, por vezes, não é toda conduta que é direcionada para um fim previamente deliberado na mente do agente.

Deveras, fica sem explicação convincente os crimes culposos ou os atos chamados automáticos onde não se consegue apontar qualquer raciocínio prévio do agente.

A contrário sensu a adoção do postulado mecanicista perpetrado pelos clássicos também não encontra respaldo em alguns pontos do direito penal, mormente, se considerarmos os crimes de mera conduta onde não há o resultado natural no mundo exterior como querem os naturalistas.

Por derradeiro, imperioso concluir, então, que no reverso da maioria da doutrina preferirmos entender que não houve filiação exclusiva do legislador penal a teoria finalista. Houve sim, e isto é verdade, uma espécie de adoção mista pelo Código Penal, vale dizer, há pontos em que se vislumbra a filiação a teoria finalista, bem como há pontos em que se nota a clara adoção da teoria naturalista.

Fonte: Escritório Online


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