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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


O paradoxo da Justiça penal: preso enquanto inocente; liberdade depois de condenado

19/11/2000
 
Rogério Urbano



Negar a liberdade provisória para preso primário, sem antecedentes criminais que cometeu crime sem violência ou grave ameaça a pessoa, que será beneficiado por leis que suspendem o processo ou possibilitam penas restritivas de direito, é muito mais que injusto, é uma total incoerência com nosso sistema processual, além de engordar as estatísticas de violência em nossa sociedade.
A usual alegação do Ministério Público, órgão encarregado da acusação, para se posicionar contra a concessão da liberdade é que, eventualmente, poderão os acusados em liberdade voltar a delinqüir, mantendo-os assim no cárcere visando proteger a sociedade.

Nosso sistema processual exige uma fundamentação que não seja a simples cópia da lei que, aliás, é proibida. Exige-se do órgão acusador e do próprio juiz para a não concessão da liberdade provisória fundamentação jurídica precisa, detalhando os motivos ensejadores da prisão preventiva, que estando presentes, garantem a mantença dos acusados no cárcere. Não devemos nos olvidar do princípio maior que rege a aplicação da lei nessas situações, onde apenas pode-se considerar uma pessoa realmente culpada de ter cometido um crime após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, (presunção de inocência) ou seja, somente após o processo (due process of law) percorrer todas as instâncias.

Qualquer pessoa que vive em sociedade pode eventualmente delinqüir e terá sim o direito de responder o processo em liberdade quando presa em flagrante delito pela polícia.

Presumir que respondendo o processo em liberdade poderão voltar a delinqüir não pode ser considerada uma fundamentação válida pois isso é regra geral que aplica-se para todos os membros da sociedade. Assim esse argumento não impede que seja concedida a liberdade provisória, prevista em nosso CPP. Negar a liberdade provisória é discordar da legislação processual penal, principalmente quando os magistrados, querendo preservar a sociedade, se utilizam de forma exaustiva o vetusto argumento: "presume-se que voltarão a delinqüir", como se fosse possível, através de uma bola de cristal, prever o futuro.

Ora, a liberdade é algo sério e só quem se vê privado dela sabe a exata dimensão do que aqui se discute. Não estamos lidando com direito patrimonial ou qualquer outro mas estamos lutando pelo mais importante dos direitos elencados e protegidos de forma tão especial por nossa CF no art. 5o, podendo-se eventualmente, de forma excepcional prevista na lei, manter acusados presos durante o processo, mas isto diante de uma justificativa plausível, que convença de forma plena e não apenas com previsões imaginárias.

O que mais chama a atenção é que embora presos enquanto presumivelmente inocentes, se condenados, não permaneceriam presos já que poderiam se utilizar das chamadas penas restritivas de direitos ou mais popularmente chamadas de penas alternativas. Caberia também para condenados a sentenças de até 2 anos a suspensão condicional da pena, o Sursis. Seja pelas condições do sentenciado ou pelo montante de pena não ser possível a concessão pelo juiz dos benefícios mencionados, poderá ele acusado, se receber pena de até 4 anos, cumprir em regime aberto, conforme giza o artigo 33 do CP. Apenas ficaria preso no regime fechado, o mesmo regime da prisão em flagrante, aquele indivíduo condenado a uma pena superior a 8 anos de reclusão. Entre 4 e 8 anos caberia ainda o regime semi-aberto.

Esse é o cerne da discussão, ressaltando o disparate das justificativas do MP e de decisões dos Juizes de direito que negam a liberdade provisória para presos primários de bons antecedentes que cometeram crimes de menor potencial ofensivo, fazendo com que os advogados de defesa percam seu tempo entupindo os tribunais com os famosos Habeas Corpus, privando os desembargadores de um precioso tempo necessário para questões realmente controvertidas.

Causa espécie tais decisões que negam liberdade provisória, já que nossa legislação penal, que abomina as penas privativas de liberdade, abre um leque de penas substitutivas à pena restritiva de liberdade e desde que preenchidos os requisitos de ordem subjetiva pelos acusados, forçosamente esse mesmo juiz que nega a liberdade, ao sentenciar irá optar por uma das penas alternativas, soltando o encarcerado após alguns meses de sofrimento preso.

Pior é a situação da Lei 9.099/95 que prevê a suspensão do processo para crimes apenas dos com ate 1 ano de pena mínima. Mesmo para esses casos, muitos promotores e juizes têm se posicionado contra a concessão da liberdade provisória para o preso em flagrante delito. Difícil é explicar para alguém que fica 3 meses enjaulado como um animal, o motivo que leva o Promotor de Justiça propor calmamente uma suspensão do processo, baseado no artigo 89 dessa Lei. Ou seja, deixou-se preso um inocente durante 3 meses ou mais, restringindo sua liberdade e pior, mantendo-o preso em prisões que mais lembram as masmorras do passado, lotadas, com funcionários corruptos e sem qualquer tipo de fazer útil, para conceder-lhe um super benefício de não processá-lo. Melhor seria prosseguir o processo para que os juizes não mais tivessem que passar óleo de peroba em seus rostos, pois realmente é necessário ser muito cara-de-pau para informar que após alguns meses preso, a pessoa acusada não será nem ao menos processada e que já pode voltar para casa como se nada tivesse acontecido.

Todos esses fatos acabam desprestigiando a justiça e o trabalho dos profissionais do direito, além de revoltar as pessoas envolvidas que, usualmente, após esse longo e desnecessário período encarcerado, misturadas a verdadeiras feras da bandidagem, acabam cometendo outros crimes, por vezes muito mais violentos, aplicando nas ruas o que assimilaram em sua estadia na prisão. Ainda que prevista na Legislação Especial a segregação entre detentos provisórios e condenados, na prática não ocorre, misturando-se presos condenados por crimes bárbaros com presos primários, acusados estes, muita vez de crimes que não cometeram, ficando sujeitos a sevícias e outros abusos, em um verdadeiro desrespeito aos Direitos Humanos e a dignidade do ser humano.

Devemos agilizar o máximo a retirada de presos primários sem antecedentes das prisões pois só assim realmente estaremos protegendo a sociedade de futuros crimes, diminuindo a reincidência. O raciocínio dos promotores de justiça e de alguns juizes, data vênia, não está de encontro com a realidade de nossos ergástulos e muito menos com a realidade de nossas leis que já incorporaram esses conceitos do menor tempo possível preso, especialmente quando, repita-se, acusados primários e sem antecedentes criminais sujeitos a uma pena mais branda que a restrição de sua liberdade se eventualmente condenados após o processo, se este existir.

Finalmente as leis são feitas para serem respeitadas por todos, especialmente por quem as aplica. Diante disso deveriam os Tribunais Superiores sumular o assunto aqui em pauta para uma maior unicidade das decisões e menor desgaste do poder judiciário.

Ululante que não podem os Juizes e Promotores serem culpados pelo aumento da violência ou pela condescendência com criminosos, já que apenas devem aplicar a lei. Não pode o juiz criminal tentar ser mais severo que a lei, sob pena de se posicionar como legislador e usurpar sua função que é de aplicar a lei já pronta, sem muito inventar. Também não são as leis mais severas que irão extinguir com a violência que tanto nos perturba. Um pouco mais de educação, melhor distribuição de renda e outras ações eminentemente políticas seriam bem vindas para alcançarmos em nossa sociedade índices menores de violência.

A sociedade através de seus agentes políticos têm que buscar soluções atacando as causas do problema e não punindo cada vez mais a conseqüência desse mesmo problema, que apenas acaba gerando outros problemas paralelos, como essa injustiça de manter-se preso alguém enquanto inocente e soltá-lo depois de condenado ou nem processá-lo.

Fonte: Escritório Online


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