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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


A evolução da culpabilidade no direito penal e a possibilidade de quesitação pelo Júri de causas supralegais de sua exclusão

20/04/2001
 
Douglas Dias Torres



INTRODUÇÃO

O presente estudo busca demonstrar ao leitor os principais temas relacionados à culpabilidade, desde a sua posição no conceito de crime, suas divergências, passando por sua importante evolução histórica, teorias, causas de exclusão, até chegar finalmente aos atuais debates sobre a possibilidade de se aceitar as teses que admitem as causas supralegais de sua exclusão.

1.O CONCEITO DE CRIME

Juridicamente crime pode ser conceituado em três aspectos a saber: o formal, material e analítico.

O conceito formal de crime nada mais é que a definição elaborada pelo legislador, sendo, portanto, variável conforme a lei que o define.

O artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal dispõe, in verbis:

Art. 1. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Para o conceito material, crime é o fato que lesa ou coloca em perigo de lesão bens jurídicos penalmente protegidos.

O conceito analítico do crime põe em relevo os seus valores essenciais, variando as opiniões a respeito da composição dos elementos estruturais de sua definição. BASILEU GARCIA destaca os seguintes elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Já FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO arrola apenas três : fato típico, ilicitude e culpabilidade. Por sua vez, JÚLIO FABBRINI MIRABETE indica apenas dois: fato típico e ilicitude.

Do conceito analítico retiramos os elementos mais importantes do crime, porém, preferimos a posição que coloca em relevo o fato típico, ilícito e culpável e para bem estudar-mos a questão precisamos discorrer sobre cada um dos elementos integrantes do conceito de crime.

Fato típico é o comportamento humano descrito em lei como crime ou contravenção.

No momento em que uma conduta humana se amolda a um tipo legal de crime, que nada mais é que, a descrição abstrata da conduta criminosa elaborada pelo legislador, temos a tipicidade.

Sem a presença da tipicidade, a ação penal não pode ser sequer instaurada, segundo dispõe o art. 43, I, do Código de Processo Penal. A tipicidade é, pois, uma condição da ação penal, ou seja, a possibilidade jurídica do pedido.

A ilicitude, é a contrariedade que existe entre a conduta praticada e o ordenamento jurídico e se divide em: ilicitude formal e material.

Não comungamos da idéia de ilicitude formal, pois essa definição confunde ilicitude com tipicidade. Preferimos dizer que a ilicitude é material, porque é a contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico causando lesão ou colocando em perigo de lesão bens juridicamente protegidos.

Sem a presença da ilicitude, o fato típico torna-se justificado, perdendo o aspecto inicial de crime para adquirir o caráter de conduta lícita.

A culpabilidade é o juízo de reprovação social que incide sobre um fato e seu autor devendo ele ser imputável, ter potencial consciência da ilicitude bem como possibilidade de agir de outro modo.

Assim, destacamos como elementos da culpabilidade do agente: a imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a possibilidade de conduta diversa.

Sem a presença da culpabilidade, o fato típico e ilícito não pode ser atribuído à responsabilidade pessoal de quem lhe deu causa, afastando a possibilidade de aplicação de pena criminal.

Portanto, diante do exposto, chegamos a conclusão que crime é a ação típica, ilícita e culpável.

2. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA PARA A SUBJETIVA

A história da culpabilidade revela uma constante evolução, desde os tempos em que bastava o nexo causal entre a conduta e o resultado até os tempos atuais.

2.1. Período Primitivo do Direito Penal

Esse período remonta ao tempo em que o homem vivia em tribos. As regras de comportamento eram desconexas e não escritas, fundadas na moral, hábitos crenças, costumes, magias etc. Durante esse período acreditava-se que a paz era uma dádiva dos deuses e que os infratores deveriam ser punidos para a satisfação da vingança divina, pouco importando a existência de culpa ou não. Sendo assim, nesse período, desconhecia-se a responsabilidade subjetiva, bastando para punição o nexo causal entre a conduta e o resultado. A responsabilidade era puramente objetiva e confundida com vingança.

2.2. Talião

O talião constituiu um grande avanço em relação ao período primitivo. Nos tempos primitivos a vingança privada era feita sem qualquer limitação e sempre resultava em excessos. Essa vingança ilimitada eliminava a vida dos homens válidos para o trabalho e forte para a guerra, enfraquecendo o grupo social na qual se encontravam. Com o talião, a pena passou a ser pessoal e proporcional à agressão, sendo também previamente fixada. FERNANDO CAPEZ citando GALDINO SIQUEIRA, anota que: "No Levítico, um dos primeiros livros da Bíblia, formando o Pentateuco, cap. XXIV, vers. 19 e 20, define-se essa forma atenuada de punição, dizendo: ‘fractura pro fractura, oculum per oculo, detem pro dente restituat’ (olho por olho, dente por dente)". No Código de Hammurabi, conforme anotam os ilustres autores, eram previstas as seguintes penas: castração, para os crimes contra os costumes; confisco de bens do suicida; amputação da mão do médico, em cirurgias malsucedidas, extirpação da língua nos crimes contra a honra, dentre outras. Com o talião a responsabilidade passou a ser pessoal, porém continuava sendo objetiva.

2.3. Período do Direito Romano

Durante esse período o crime passou a ser considerado um atentado contra a ordem pública, deixando de ser apenas uma violação ao interesse privado. Com a Lei das Doze Tábuas, consagrou-se o princípio da responsabilidade individual, assegurando-se a proteção do grupo do agressor contra a vingança do grupo da vítima. Nesse período, portanto, houve um grande desenvolvimento da teoria da culpabilidade, garantindo a responsabilidade subjetiva, ou seja, exigindo dolo e culpa.

2.4. Período Germânico

Foi um período onde a pena voltou a ser entendida como forma de vingança necessária à disciplina e manutenção da paz social. Durante esse período a responsabilidade foi puramente objetiva, não havendo qualquer importância o elemento subjetivo (dolo e culpa), mas apenas o nexo causal e o dano causado.

2.5. Idade Média

A idade média foi profundamente influenciada pelo cristianismo, porém o livre arbítrio fundamentou os ideais da Justiça. Esse período erigiu o crime como forma de pecado praticado pelo homem. Assim, na idade média, vigorou os princípios da responsabilidade subjetiva, punindo-se aquele que pecou, introduzindo-se a proporcionalidade como forma de aplicação da pena, preconizando que a pena deve ser proporcional ao pecado.

2.6. Período Moderno

Foi um período marcado por novos ideais de Justiça onde MONTESQUIEU, D’ALEMBERT, VOLTAIRE e ROSSEAU defendiam a libertação do indivíduo da onipotência do Estado. Outro marco importante decorrente no período moderno foi a obra, Dei delitti e delle pene publicada pelo jornalista CESARE BONNESANA, conhecido como Marquês de Beccaria, onde o autor propunha uma radical mudança no sistema punitivo. Iniciava-se, assim, o repudio das penas injustas e da responsabilização sem culpa.

2.7. Escola Clássica

A escola clássica foi fortemente influenciada pelo direito canônico e pelo jusnaturalismo, tendo como seu maior expoente FRANCESCO CARRARA, preconizando a vontade humana como base do Direito Penal. Para a escola clássica não bastava o nexo causal entre a ação e o dano, pois a pena é aplicável somente às condutas subjetivamente proibidas.

2.8. Escola Positiva Italiana

Foi o período onde LOMBROSO, FERRI e GAROFALO, defendiam que a criminalidade derivava de fatores biológicos, pelo qual é inútil ao homem lutar. A escola positiva italiana era contrária a teoria do livre arbítrio e não relacionou pena com a idéia de castigo, mas como um remédio social aplicável a um ser doente.

2.9. Período Atual

Para o período atual a culpabilidade é vista como a possibilidade de reprovar o autor de um fato punível porque, de acordo com os fatos concretos, podia e devia agir de modo diferente. Sem culpabilidade não pode haver pena (nulla poena sine culpa) e sem dolo ou culpa não pode existir crime (nullum crimen sine culpa). Pelo exposto, a responsabilidade objetiva (fundada na relação natural de causa e efeito) é insustentável no sistema penal vigente, Dessa forma, portanto, o período atual encampou as idéias da responsabilidade penal subjetiva.

3. TEORIAS DA CULPABILIDADE

3.1. Teoria Psicológica da Culpabilidade

Para essa teoria a culpabilidade é um liame psicológico que se estabelece entre a conduta e o resultado, por meio do dolo ou da culpa. Para a teoria psicológica, os únicos pressupostos exigidos para responsabilização do agente é a imputabilidade aliada ao dolo ou a culpa.

3.2. Teoria Psicológico-Normativa ou Normativa da Culpabilidade

Essa teoria exige, como requisitos, algo mais do que dolo ou culpa, mais a imputabilidade. A teoria psicológico-normativa alinhou, portanto, além da imputabilidade, dolo ou culpa, como requisitos da culpabilidade, também, a exigibilidade de conduta diversa. Cumpre ressaltar que para a teoria normativa-pura o dolo era normativo, contendo a consciência atual da ilicitude.

3.3. Teoria Normativa Pura da Culpabilidade

A teoria pura da culpabilidade nasceu com a teoria finalista da ação na década de 30. Comprovado que o dolo e a culpa integram a conduta, a culpabilidade passou a ser puramente valorativa, isto é, puro juízo de valor, de reprovação, incidente sobre o autor do injusto penal, excluindo-se assim qualquer dado psicológico. A teoria normativa pura exige como elementos da culpabilidade apenas a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa, deslocando o dolo e a culpa para o interior da conduta. O dolo que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o normativo, mas sim, o natural, composto apenas de consciência e vontade. A consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir elemento autônomo integrante da culpabilidade. Sendo assim, a teoria normativa pura e o finalismo trazem como elementos da culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

3.4. Teoria Estrita ou Extremada da Culpabilidade e Teoria Limitada da Culpabilidade

Ambas teoria são derivações da teoria normativa pura da culpabilidade e divergem apenas quanto ao tratamento das descriminantes putativas.

3.4.1. Teoria Estrita ou Extremada da Culpabilidade

Toda espécie de descriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma (por erro de proibição), seja incidente sobre uma situação fática pressuposto de uma causa de justificação (por erro de tipo), são sempre tratados como erro de proibição.

3.4.2. Teoria Limitada da Culpabilidade

O erro que recai sobre uma situação de fato (descriminante putativa fática) é erro de tipo, enquanto que o erro que recai sobre a existência ou limites (erro de proibição) de uma causa de justificação é erro de proibição.

4. A Exclusão da Culpabilidade

A culpabilidade, porém, conforme certas circunstâncias pode ser excluída, configurando, assim hipóteses em que o fato é típico e ilícito, mas não é culpável.

Essas hipóteses de exclusão da culpabilidade estão elencadas na lei e são as causas legais de exclusão da culpabilidade. Para uma parte da doutrina incluindo FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, existem ainda causas supralegais de exclusão da culpabilidade, ou seja, causas que excluem a culpabilidade, porém, não estão arroladas na lei, mas nem por isso deixariam de ser admitidas.

4.1. Causas Legais de Exclusão da Culpabilidade

O Código Penal arrola como causas que excluem a culpabilidade do agente:

01) retardamento e enfermidade mental (art. 26);

02) embriaguez completa por vício em álcool, substância entorpecente ou que provoque dependência (art.26);

03) menoridade (art.27);

04) coação moral irresistível (art.22);

05) obediência hierárquica (art.22);

06) erro de proibição inevitável (art.21);

07) embriaguez completa por caso fortuito ou força maior (art. 28, §1º do CP e art.19 da Lei nº 6368/76).

4.2. Causas Supralegais de Exclusão da Culpabilidade

FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO no seu livro Princípios Básicos de Direito Penal apresenta ainda como causas supralegais de exclusão da culpabilidade:

01) inexigibilidade de conduta diversa;

02) estado de necessidade exculpante;

03) descriminantes putativas, quando caracterizarem erro de proibição inevitável;

04) excesso exculpante de legítima defesa;

05) caso fortuito.

5. O TRIBUNAL DO JÚRI E A QUESITAÇÃO DE CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE

Tem o Tribunal do Júri competência em razão da matéria (crimes dolosos contra a vida, consumados e tentados) e qualificados pela Constituição.

O julgamento pelo Tribunal do Júri é um direito e uma garantia fundamental do cidadão de ser julgado pelos seu pares, tanto que, está expresso no Título II, Capítulo I, art. 5º, XXXVIII da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veridictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

O julgamento pelo Tribunal do Júri se realiza com a votação pelos jurados do Conselho de Sentença que vão respondendo as perguntas relativas ao caso constantes no questionário.

Questionário é o conjunto de perguntas (quesitos) dirigidas aos jurados que integram o Conselho de Sentença, destinadas à coleta da decisão de pronúncia e articulados pelo libelo, e sobre as teses postuladas pela defesa técnica. Durante a parte inicial e pública da sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri, o questionário, formulado pelo Juiz Presidente com a atenção às regras do art. 484, é por ele lido, "explicando a significação" (art. 479) de cada quesito, explicação que pode ser repetida, a seguir e na sala secreta (art.481), ao início da votação.

5.1. O artigo 484, inciso III e a Possibilidade ou Não de Quesitação de Causa Supralegal de Exclusão da Culpabilidade

O art. 484 do Código de Processo Penal fornece, portanto, a forma pelo qual os quesitos serão formulados, dispondo, in verbis:

Art.484. Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras:

III - se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou circunstância que por lei isenta de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes imediatamente depois dos relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude.

O inciso III, do artigo 484 do Código de Processo Penal foi alterado pela Lei nº 9.113, de 16 de outubro de 1995.

Diante do exposto seria possível a quesitação de causa supralegal de exclusão da culpabilidade? Não é possível inserir-se quesito sob matéria que, embora eventualmente aceita pela doutrina como excludente da antijuridicidade ou culpabilidade, não é previsto em lei. Essa é a posição de JÚLIO FABBRINI MIRABETE e de parte da jurisprudência. Porém, é uma posição estritamente legalista, que se apega a expressão que por "lei" isente de pena ou exclua o crime, que consta do art. 484, III, do Código de Processo Penal.

A questão realmente ganha relevância no tema da inexigibilidade de conduta diversa. Ora, pela própria natureza humana podem existir situações onde no caso concreto não seja exigível de determinada pessoa, que esta, venha a agir de tal ou qual forma. Há situações que, por suas circunstâncias, evidentemente não poderemos desprezar a tese da inexigibilidade de conduta diversa, pois o sujeito não tinha condições de agir conforme o direito e nem isso era possível dele se exigir.

Vamos examinar o seguinte exemplo: Em um determinado bairro violento as mulheres desse mesmo bairro vem sendo aterrorizadas por um estuprador que cada vez faz mais vítimas. Uma moça voltando da escola à noite se vê supreendida pelo dito estuprador. Em seu ataque o maníaco deixa cair a arma que tinha em punho no chão e assustada mais rapidamente a moça pega a arma e dispara contra o estuprador e com grande medo e pavor efetua vários disparos contra o estuprador matando-o.

Esse exemplo configura um quadro claro de excesso de legítima defesa exculpante, que decorre do medo, perturbação ou susto da vítima. Pergunta-se: Diante do exemplo apresentado era razoável que a vítima agisse de outra forma? Claro que não. Nesses casos, por medida de justiça, deve prevalecer a tese da inexigibilidade da conduta diversa.

Não se pode por mero temor de impunidade, como preconizam aqueles que repudiam a tese das excludentes supralegais de exclusão da culpabilidade, fazer com que alguém pague por algo que não poderia em situações concretas evitar.

Portanto, não seria correto negar na quesitação a tese da inexigibilidade de conduta diversa, que deve sim ser votado pelo Conselho de Sentença no Tribunal do Júri.

JOSÉ HENRIQUE PIERANGELLI, nobre jurista, considera possível e admissível que se quesite a inexigibilidade de conduta diversa como também apresenta um modelo de quesitação que FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO admite como valido, in verbis :

"Não basta a formulação de um único quesito, como o que tem sido repetido: "Ao réu fulano de tal, nas circunstâncias do 1º quesito (materialidade e autoria), poderia ser exigida outra conduta?". Ao contrário, tal como ocorre com a formulação de quesitos relativos à legítima defesa, referentes à inimputabilidade etc, os jurados devem ser indagados acerca de fatos ou de circunstâncias fáticas, tal como deixa evidente o art. 484, III, do CPP. Destarte, também quanto à inexigibilidade de conduta diversa, deve o Júri ser indagado da causa de exclusão da culpabilidade, numa série de quesitos claros e simples, que permita ao juiz extrair das respostas a opção pela absolvição ou pela rejeição da tese sustentada.

Quando, como promotor de justiça, atuávamos no 1º Tribunal do Júri de São Paulo, tivemos um caso de tentativa de homicídio praticado pela esposa, submetida constantemente a maus-tratos, contra o marido, que, embriagado, estava recolhido ao leito, atirando-lhe álcool e ateando-lhe, em seguida fogo. Um filho do casal impediu o resultado letal.

Sem discutir o mérito e a possibilidade jurídica da tese da inexigibilidade, os quesitos poderiam ser assim formulados pelo Juiz-Presidente do Júri:

1º Quesito: A ré (fulana de tal), no dia tal, agrediu fisicamente a vítima beltrano, produzindo-lhe os ferimentos descritos no laudo de fls.?

2º Quesito: Assim agindo, a ré deu início à execução de um crime de homicídio, que não se consumou por circunstância alheia a sua vontade, consistente no imediato socorro prestado à vítima?

Segue-se a tese defensória:

3º Quesito: É certo que a ré era, frequentemente, submetida a maus-tratos pela vítima, que, inclusive, a espancava e a ameaçava de morte?

4º Quesito: Esses maus-tratos e ameaças criaram uma situação anormal e insuportável para a ré?

5º Quesito: Em face dessa situação anormal e insuportável, foi a ré compelida, por justo temor de ser morta, e sem dispor de outra opção, a agir como agiu?

Segue-se com os demais quesitos de praxe; entre eles a qualificadora relativa ao emprego de fogo (art.121, §2º, III, do CP)."

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o estudado e com o exemplo demonstrado, entendemos que o melhor posicionamento sobre ser possível questionar-se alguma causa supralegal de exclusão da culpabilidade diante da redação do art.484, III, do CPP, onde dispõe que "qualquer fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime", seria no sentido de admitir a quesitação da inexigibilidade nos termos e cautelas expostos por JOSÉ HENRIQUE PIERANGELLI.

Não podemos nos apegar ao rigor excessivo da lei e cometer injustiças diante do caso concreto. A própria redação do art. 484, III, do CPP, menciona "fato ou circunstância", e esses termos devem ser analizados independentemente da lei prever a situação ou não.

Ora, diante do caso exposto por JOSÉ HENRIQUE PIERANGELLI, é possível existir uma lei que disponha ser exclusão da culpabilidade o ato daquele que submetido constantemente a maus-tratos e ameaçado de morte se defenda em decorrência de seu estado de medo e possível perturbação? É exigir demais da lei. Devemos no caso não só nos preocupar com a lei mas também com os fatos ou circunstâncias do caso concreto que isentem de pena ou excluam o crime.

É importante, finalmente, lembrar que o STJ enfrentou a questão com o voto do então Ministro FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO no REsp 2.492-RS, onde de forma precisa melhor escreveu sobre o tema e assim esclareceu sobre a possibilidade de questionar-se alguma causa supralegal de exclusão da culpabilidade diante da expressão "lei" constante do inciso III, art.484 do Código de Processo Penal, in verbis:

A expressão "lei", situada no Código de Processo Penal de 1941, não pode significar restrição à posterior Reforma Penal de 1984, que, como se viu, adotou o princípio da culpabilidade, sem restrições. Antes, deve a ela ajustar-se, tanto mais que saber se existe crime ou não, se está excluída ou não a culpabilidade, é questão exclusiva de direito penal material, e não de direito processual.

Leio, pois, presentemente, o inciso III do art.484 assim: "qualquer fato ou circunstância que, em nosso ordenamento jurídico-penal, exclua a culpabilidade ou a ilicitude".

Nessa linha de entendimento, identifico negativa de vigência a esse preceito, por parte do ácordão, quando nega a possibilidade de formulação de quesitos em uma hipótese de isenção de pena ou de exclusão da culpabilidade, produzindo, como resultado uma responsabilidade penal objetiva, abolida de nosso sistema penal pela Reforma de 1984.

Devemos, assim, pensar como FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO e permitir que a causa supralegal de exclusão da culpabilidade seja quesitada e respondida pelo Conselho de Sentença observado o belo exemplo dado por JOSÉ HENRIQUE PIERANGELLI, evitando-se, por consequência que eventuais injustiças sejam cometidas e que alguém perca sua liberdade diante de uma situação pelo qual não lhe era possível exigir que agisse de outro modo.
















































































BIBLIOGRAFIA
ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios Básicos de Direito Penal. 5º ed., São Paulo: Saraiva, 1994.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. 6º ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

________. Culpabilidade e Causas de sua Exclusão.

MARQUES PORTO, Hermínio Alberto. Júri - Procedimentos e aspectos do julgamento - Questionários. 8º ed., São Paulo: Malheiros. 1996.

MIRABETTE, Julio Fabrini. Código de Processo Penal Interpretado. 5º ed., São Paulo: Atlas, 1997.

MONTEIRO DE BARROS, Flávio Augusto. Direito Penal Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1999.

PIERANGELLI, José Henrique. Culpabilidade. Inexigibilidade e Quesitação do Júri, Livro de Estudos Jurídicos, IEG, nº 2.

Revista do Superior Tribunal de Justiça, nº 15.

Fonte: Escritório Online


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