O cancelamento da Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal deve ser comentada sob um tríplice aspecto, ou seja, o cancelamento em si (revogação), os fundamentos e as conseqüências. Os quais analisaremos.
Trata o tema da competência especial pela prerrogativa de função previstas nos artigos 84 à 87 CPP, denominada competência funcional ou competência hierárquica.
Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns ou de responsabilidade.
Art. 85. Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais de Apelação, àquele ou estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade.
Art. 86. Ao Supremo Tribunal Federal competirá, privativamente, processar e julgar:
I – os seus ministros, nos crimes comuns;
II – os ministros de Estado, salvo nos crimes conexos com o Presidente da República;
III – o procurador-geral da República, os desembargadores dos Tribunais de Apelação, os ministros do Tribunal de Contas e os embaixadores e ministros diplomáticos, nos crimes comuns e de responsabilidade.
Art. 87. Competirá, originariamente, aos Tribunais de Apelação o julgamento dos governadores ou interventores nos Estados ou Territórios, e prefeitos do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia, juizes de instância inferior e órgãos do Ministério Público.
Não é propriamente uma competência que se define "ratione personae", mas "ratione muneris" ou seja, ditada pela especial relevância do cargo exercido. Não é privilégio da pessoa, mas prerrogativa do cargo, instituído por motivo de hierarquia.
Na competência por prerrogativa de função presume-se maior independência do órgão hierarquicamente superior. Consiste em uma garantia bilateral. Assegura a independência e a imparcialidade do órgão julgador bem como segurança para o julgado.
Exemplos: Deputados/Senadores/Ministros – STF art. 102, I, b, da CF/88
Prefeito – TJ art. 29, X, da CF/88
Juiz/Promotor – art. 96, III, da CF/88
A competência é instituída em razão do cargo e não da pessoa.
"RATIONE MUNERIS" – Em razão do cargo.
A regra é instituída por motivo de hierarquia. Trata-se de competência originária. Sedo assim, o processo contra um promotor de justiça começa no Tribunal de Justiça.
Fundamento - Presume-se isenção do órgão superior hierarquicamente.
Exemplo: "A" comete um crime antes de ser prefeito. Está sendo processado normalmente. "A" elege-se prefeito. O processo deve ser encaminhado ao Tribunal de Justiça. Nesse caso, a denúncia terá de ser ratificada pelo Procurador Geral de Justiça.
Nos casos de Deputado e Senador o STF precisa de licença da casa para serem processados. Se a casa respectiva não se manifesta, suspende-se a prescrição a partir do despacho do relator pedindo a licença.
No caso de Ministro de Estado que comete crime e está sendo processado perante o STF. Deixa de ser Ministro de Estado. A Súmula 394, STF determina que o Processo continue no Supremo Tribunal Federal, o fundamento é o princípio da "perpetuatio jurisdicionis".
FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA SEGUNDO A SÚMULA 394 DO STF
Atualidade do exercício do cargo ou do mandato, sendo irrelevante o momento do ilícito.
Concomitância do fato/exercício do cargo ou mandato (relação de contemporaneidade - "perpetuatio jurisdicionis".
Súmula 394 STF – Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício.
Súmula 451 STF – A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional.
Exemplo: Prefeito: * crime | mandato de 4 anos |____
Nesse caso, o crime foi praticado antes do exercício do mandato. Encerrado o mandato sem que tenha encerrado o processo, caberia à Justiça Comum o processo e julgamento do prefeito (segundo a súmula 394 do STF).
Outro exemplo ________| * crime mandato |_________
Na Atualidade fato/mandato: – O crime ocorreu durante o mandato de prefeito. Cessado o exercício funcional, o processo e julgamento continua no Tribunal de Justiça "Perpetuatio jurisdicionis".
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal cancelou (revogou) a Súmula 394.
No Supremo Tribunal Federal, não há mais a "perpetuatio jurisdicionis".
Exemplo: Prefeito * crime | Mandato |_____
ATUALIDADE DO EXERCÍCIO DO CARGO OU MANDATO. NÃO HOUVE MUDANÇA.
O Prefeito praticou o crime (antes) enquanto não exercia seu mandato eletivo. O processo tramitava na Justiça Comum. Quando Prefeito, o processo vai para o Tribunal de Justiça. Isso não mudou. Mas, encerrado o mandato, o processo retorna à Justiça Comum de 1ª Instância.
Outro Exemplo: Prefeito _____| * crime Mandato |_____
O Prefeito praticou o crime durante o mandato (constância fato/mandato). Encerrado o mandato, o processo vai para a justiça comum de primeira (1ª) instância.
ATUALMENTE, PORTANTO, SÓ EXISTE A PRERROGATIVA DE FUNÇÃO HIERARQUICA NA ATUALIDADE DO EXERCÍCIO DO CARGO OU MANDATO.
FUNDAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Voto do Ministro Sidney Sanches: A Constituição Federal não atribui competência expressa para processar e julgar "ex-deputado". "ex-senador", etc. A regra de competência por prerrogativa de foro (exceção) não pode ser interpretada extensivamente ou ampliativamente, pois esta não foi a intenção do legislador. O Supremo Tribunal Federal (STF) não consegue dar conta de sua competência expressa, não deve ser ampliada ou estendida, portanto, a sua competência. A Câmara dos Deputados cassou o deputado, portanto, não trata-se mais de um deputado e sim de um ex-deputado.
Voto do Ministro Celso de Mello: Princípio republicano – Todos devem submeter-se ao mesmo juiz (Juiz Natural).
Voto do Ministro Marco Aurélio de Mello – Art. 87 CPC
Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações de estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.
Voto do Ministro Sepúlveda Pertence - Proposta de Nova Súmula.
A Constituição Federal não atribui competência expressa para processar e julgar ex-deputado. Ora, a competência por prerrogativa de função é exceção. Hoje, não se pode interpretá-la extensivamente.
O voto do Ministro Sidney Sanches externa a existência de 3 (três) fundamentos: 1 (um) fundamente jurídico e 2 (dois) fundamentos pragmáticos (práticos).
Os fundamentos práticos, consistem no seguinte: 1) O Supremo Tribunal Federal não dá conta da competência expressa. Porque iria acumular mais competência?; 2) Se a Câmara dos Deputados cassou o deputado, a pergunta que se faz é a seguinte: Sem nem ela o quis, por que o STF irá querer?
O fundamento jurídico é o seguinte: A competência está expressa na Constituição Federal não podendo ser ampliada ou estendida, uma vez que, não foi essa a intenção do legislador, este tratou a competência por prerrogativa de função domo exceção e não o contrário.
O argumento do Ministro Celso de Mello reforça a idéia de que não se pode interpretar ampliativamente ou extensivamente a regra de competência por prerrogativa de função. (Princípio Republicano – Todos devem submeter-se ao mesmo juiz (princípio do juiz natural).
O argumento do Ministro Marco Aurélio de Mello – Ex-deputado, subsume-se a exceção prevista no art. 87 do CPC.
O argumento do Ministro Sepúlveda Pertence – Propôs a elaboração de nova súmula. Perdeu na votação por 7X4 votos.
Quanto a "perpetuatio jurisdicionis" deveria ser a maneira abaixo exposta, no entanto, não é assim. Essa era a melhor solução, segundo o prof. e ilustre Procurador de Justiça Cássio Juvenal Faria (exposição 1 e 2).
1) Crime funcional – "perpetuatio jurisdicionis"
2 ) Crime não funcional – homicídio culposo de trânsito – Cessado o mandato, cessa a "perpetuatio jurisdicionis".
Essa era a melhor solução. No entanto, não vingou.
Em suma: Pouco importa se o crime é ou não funcional. Cessando o mandato ou deixando a pessoa de ocupar cargo ou função, cessa a prerrogativa.
Conseqüências:
Todos os processos tornam a origem, cessado o mandato, cargo ou função.
Os atos e julgamentos anteriores com base na súmula 394 STF, são válidos, o que vale dizer, o cancelamento produz efeitos "ex nunc".
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Fonte: Escritório Online
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