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Escritório Online :: Artigos » Direito Financeiro


Sobre o artigo 1º, caput, da Lei de Responsabilidade Fiscal

20/10/2000
 
Flávio Roberto Collaço



Diz o dispositivo objeto destes comentários:

Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.





Lei complementar

A lei cujo artigo vestibular ora comento, que já em sua fase de elaboração foi rotulada de Lei de Responsabilidade Fiscal –LRF, se apresenta como sendo lei complementar.



Lei complementar é aquela para cuja formação (aspecto formal) a Constituição de 1988 exige do Congresso Nacional a manifestação favorável da maioria absoluta (número inteiro superior à metade) dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (CF, art. 69), observados os demais termos de elaboração das leis ordinárias (CF, arts. 64 e 65), e se destina a regular certas matérias identificadas (aspecto material) pela própria Constituição.



Estabelece normas



A rigor, lei alguma (Constituição, emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, resolução do Senado Federal ou decreto legislativo) estabelece normas. A lei escrita é veículo de enunciados a partir dos quais o intérprete, mediante o emprego dos métodos peculiares à hermenêutica jurídica, extrai as normas, não raro precisando conjugar o disposto em mais de um dispositivo (artigo, parágrafo, inciso, alínea ou número) de uma ou mais leis.



Finanças públicas e direito financeiro



Na terminologia e na sistemática da Constituição, finanças públicas é a matéria. Dos enunciados das leis sobre finanças públicas – orçamentos, receita, despesa, crédito público, gestão e prestação de contas financeiras – extraem-se normas de direito financeiro.



Daí o cediço ensinamento de Geraldo Ataliba (1)



"O conteúdo específico do Direito Financeiro consiste nas normas que regem a realização ou levantamento de dinheiro nos cofres públicos, em caráter definitivo ou transitório; o levantamento de empréstimos, baseado no crédito das pessoas públicas, as despesas e o emprego final desse dinheiro, na aquisição de bens e serviços pelo poder público. Toda essa atividade, de natureza administrativa, é realizada pela administração pública, e sujeita, portanto, a tríplice controle: político, técnico-contábil e jurisdicional."





Observo que a Constituição trata o direito financeiro como um ramo específico do direito, enquanto categoria jurídico-positiva, à semelhança do direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho (CF, art. 22, I) e do direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico (CF, art. 24, I).

Não se trata, portanto, nem de autonomia didática, nem de autonomia científica de um campo do conhecimento jurídico. A distinção é de direito constitucional positivo e por isso importante para a compreensão da Constituição e das leis dela decorrentes.



As normas de direito financeiro ou sobre finanças públicas podem constar de leis complementares, como é o caso da ora comentada, ou de leis ordinárias (leis do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias ou do orçamento anual), ou de resoluções do Senado Federal (fixação de limites e condições para operações de crédito, concessão de garantia, dívida consolidada ou mobiliária).



Assim, é importante ter sempre presente que a LRF não esgota a matéria pertinente ao direito financeiro, no quadro que a Constituição reservou para ser preenchido por leis formalmente complementares. Outras leis existem ou existirão e com elas precisam ser conjugadas, para que se possa fazer o direito prestante, construindo ou reconstruindo o ordenamento jurídico nacional brasileiro. Dessas outras leis, algumas serão da mesma hierarquia e outras não.



Amparo constitucional



Amparo é a palavra empregada pelo legislador da LRF em substituição à expressão fundamento constitucional de validade, peculiar aos meios jurídico-científicos. No Brasil, de regra, as leis não anunciam o fundamento constitucional de sua validade, cometendo a tarefa ao intérprete.



As matérias da ordem financeira para as quais a Constituição, no Capítulo II do Título VI, exige lei complementar federal são as seguintes:



finanças públicas (CF, art. 163, I);

dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público (CF, art. 163,I I);

concessão de garantias pelas entidades públicas (CF, art. 163, III);

emissão e resgate de títulos da dívida pública CF, art. 163, IV);

fiscalização das instituições financeiras (CF, art. 163, V);

operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (CF, art. 163, VI);

compatibilização das funções das instituições de crédito da União, resguardadas as características e as condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional (CF, art. 163, VII);

o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual (CF, art. 165, § 9º, I);

gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta (CF, art. 165, § 9º, II, 1ª parte);

condições para a instituição e funcionamento de fundos (CF, art. 165, § 9º, 2ª parte); .

limites de despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (CF, art. 169).

Nem todas essas matérias são reguladas pela LRF. Assim, por exemplo: ela não cuida da fiscalização de todas as instituições financeiras, nem dispõe sobre as condições para a instituição e o funcionamento de fundos, nem esgota os assuntos pertinentes ao tópico planejamento-execução-controle do comportamento dos entes públicos na condução de assuntos financeiros. Ela é só mais uma lei, embora relevante, sobre aspectos do direito financeiro nacional.

De outra parte, a dicção constante do art. 1° de que a lei tem amparo, isto é, fundamento de validade constitucional (amparo material) nos dispositivos constantes do Capítulo II do Título VI da Constituição não é verdadeira, podendo induzir o leitor desatento a conclusões equivocadas.



Com efeito, a LRF também se fundamenta em outras disposições constitucionais, às quais faz remissão em seu extenso articulado, e em outras ainda, que omite, como é o caso das referências feitas ao Banco Central do Brasil, cujo funcionamento e atribuições também devem ser objeto de lei complementar, conforme previsto no Capítulo IV do Título VI da Constituição (CF, art. 192, IV).



Finalmente, cabe assinalar que a LRF não se refere a todo o direito financeiro, na medida em que este também está presente nas repartições de tributos entre as pessoas políticas internas (CF, arts 157 a 159), matéria regulada por outras leis complementares.



Cuidados na interpretação



Para compreender os enunciados da LRF é preciso, além de confrontá-los com o que está posto na Constituição, seus princípios e regras, verificar a jurisprudência dos tribunais e a doutrina autorizada, que no Brasil são escassas quando se trata do direito financeiro.



É indispensável, ainda, atentar para o disposto na Lei Federal n° 4.320, de 1964, que "estatui normas gerais de direito financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal", naquilo em que foi recepcionada pela Constituição de 1988 e não foi derrogada por outras leis ou pela própria LRF, não se esquecendo do estabelecido em leis extravagantes de direito financeiro ou administrativo.



De outra parte, em inúmeras de suas passagens a LRF emprega palavras ou expressões com as quais não estamos acostumados, isto é, que ainda não foram incorporadas pela literatura jurídica brasileira contemporânea. Foi o legislador buscá-las nos domínios da economia e respectivos meios acadêmicos, jurisdicizando expressões como resultado primário, resultado nominal, passivos contingentes etc.



Tudo isso demanda cuidados especiais na formulação das proposições normativas extraíveis do articulado da LRF, distinguindo os significados das palavras e das expressões nos campos político, econômico e jurídico.



A advertência de Carlos Maximiliano (2) permanece atual:



"Deve o direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela, sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo."





Uma boa fonte de informação para a compreensão das finalidades e da linguagem da LRF é o "Manual de Transparência Fiscal" do Fundo Monetário Internacional (3), que o organismo põe à disposição do público em sua página na Internet, em espanhol, francês e inglês. Também merece ser consultado "El Sistema Presupuestario Público en Argentina" (4), um belo manual feito pelo governo argentino para a informação e a crítica dos cidadãos daquele País, especialmente de alunos, docentes e profissionais que tenham interesse em se aprofundar no estudo das finanças públicas e no acompanhamento da gestão financeira governamental.

Notas bibliográficas



1. ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de ciências das finanças, direito financeiro e tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais 1969, p.33.



2. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 7ª ed. Rio/São Paulo: FreitasBastos 1961, p.210.

3. www.imf.org



4. www.mecon.gov.ar/hacienda/manuales



Florianópolis, 14 de outubro de 2000

Fonte: Escritório Online


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