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Breve comentário sobre o tratamento jurídico da eutanásia no Direito

18/11/2002
 
Dyanndra Lisita Célico



"Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém... Vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la."
Jorge Sena
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Com os avanços das ciências médicas, aliados à concepção da vida humana como um bem intangível, ou seja, intocável e absoluto, a eutanásia ganhou novos espaços frente a euforia do Homem diante as grandes descobertas, ocorridas no século XX.

Entretanto, provêm os primeiros estudos envolvendo a ética, dos filósofos gregos, cerca de 500 e 300 a.C. período em que surgiram muitas idéias, definições e teorias que nos acompanham até os dias de hoje, tratada por ilustres filósofos como Hipócrates - por seu juramento, principal pilar de sustentação da dignidade da profissão médica até hoje; Thomas More e Francis Bacon, que advogavam a prática da eutanásia passiva, onde a morte surge, pela não-iniciação ou da interrupção de processos terapêuticos; Kant que visava a universalização da ética, cujos princípios desejava-se que valessem para todos, sob a ótica da eutanásia, tal dogma, por exemplo teria sua aplicação ou não, válida à todos; Binding e Hoche, que após a 2º Guerra mundial tornaram-se profetas da eugenia, a eliminação da vida por razões médicas ligadas à purificação da raça humana; Aristóteles, que era discípulo de Platão, entretanto apoiava-se mais na teoria que na prática, e advogavam a "morte serena", dentro outros, entretanto há de se atentar tão logo, que a eutanásia não é prática recente, nem tampouco aparece com a Idade Moderna, e em alguns países atualmente encontramos previsões legais quanto a viabilidade da eutanásia.

Destarte, oportuniza-se que a eutanásia encontra-se em constante e atual discussão nas esferas da sociedade. Questionando-se princípios éticos, morais e religiosos, sempre atualizados e reclassificados a cada novo cenário mundial.
O presente trabalho visa tão logo, elencar noções gerais sobre a eutanásia, procedendo-se à sua classificação e noticiando sua evolução histórica, trazendo a lume conceitos e posicionamentos essenciais para uma adequada análise do tratamento jurídico no ordenamento pátrio.


1. CONCEITO - no vernáculo correto - e também na pronúncia - o termo correto é euthanasía, mas o costume e a prática têm ditado o contrário, ou seja, eutanásia, usaremos o costumeiro, portanto eutanásia.

O termo deriva do grego, euthanasía, empregado pela primeira vez por Francis Bacon, em 1623, em sua obra "História da Vida e da Morte", designando a ciência que visa tornar a morte suave e sem dor. É neste teor que em uma definição etimológica temos seu sentido como uma boa ou bela morte (prefixo eu = beleza + sufixo thanatos = morte), assim sendo em seu sentido mais amplo, eutanásia significaria "ajuda para morrer". O termo em questão não deve ser entendido como simplesmente morrer bem, ou da melhor maneira possível, mas morrer com dignidade, nobreza, ou por alguma causa pela qual esteja lutando, combatendo ou apoiando. Desta forma, o sacrifício da vida, o suicídio, como bem expressa o ato eutanásico, vai em desacordo com o agir ético, agir de acordo com o bem, pois lutar, não significa desistir.

2. QTO. AO MODO DE EXECUÇÃO - A eutanásia pode ser ATIVA, podendo ser direta, qdo. visa primariamente causar a morte do enfermo, e por conseqüência aliviar suas dores, ou indireta, em que o objetivo de suprimir o padecimento se sobrepõe ao fim de matar; e poderá ser PASSIVA, conforme dito anteriormente, consistente no deixar morrer, através da não iniciação ou da interrupção de tratamento terapêutico.

De outro lado, a DISTANÁSIA (dis = afastamento + thanatos = morte) compreendendo a obstinação, na persistência terapêutica ou por aparelhos, com vistas a prolongar a vida a qualquer preço, através de avançadas tecnologias médicas diante de casos irreversíveis. Opõem-se a esta a ORTOTANASIA (orthos = correto + thanatos = morte), que significa a morte em seu tempo, sem uso de recursos extraordinários de manutenção de vida. Não se identifica com eutanásia passiva, porquanto não estão sendo retirados do paciente meios ordinários, comuns à sustentação de sua vitalidade. Medidas ordinárias são, geralmente, aquelas de baixo custo, pouco invasivas, convencionais e tecnologicamente simples. As extraordinárias costumam ser caras, invasivas, heróicas e de tecnologia complexa. Mas estas definições certamente simplificam uma questão muito complexa.

3. RELIGIÃO E CULTURA - A prática da eutanásia contraria a teoria moral, natural, ou melhor: da morte. Deveria ser o dever de cada ser humano preservar a vida, é por esta e outras razões que a maior combatente da eutanásia em todos os tempos foi a igreja, por ser o ato, prática que repugna a Deus.

O aspecto cultural também é importante e estreitamente ligado ao religioso, já que a uma primeira pergunta qualquer do povo poderia até ser a favor da eutanásia, mas, com certeza, se perguntado da prática da mesma em algum familiar em estado terminal e com muito sofrimento diría-nos que "preferiria esperar que chegasse o momento certo de morrer. Que só Deus sabe o momento".

Tais aspectos, associados à circunstância de não haver norma legal a respeito, levam as pessoas a dizerem que preferem deixar para analisar o assunto diante da circunstância concreta, depois de ter certeza de que não há meios médicos de cura. Aliás, ainda contestam essa não possibilidade de cura.

4. MORTE - Não se pode aplaudir a idéia de que o corpo só pode estar em dois estados - de vida ou de morte - pois é sabido que a morte se produz em várias etapas sucessivas, em determinado espaço de tempo, e por, isso não é ela simplesmente um momento ou um instante, como defendem alguns, mais um verdadeiro processo.

Convém então, esboçar dentre as citações, Peter Singer , um filósofo que muito se destaca no tratamento dos assuntos relacionados com a morte, ele enumera cinco mandamentos daquela que chama "ética tradicional", a qual todo ser humano deveria fundar-se:
1o. antigo mandamento: Considerar que toda vida humana tem o mesmo valor;
2o. antigo mandamento: Nunca pôr fim intencionalmente a uma vida humana inocente;
3o. antigo mandamento: Nunca tires tua própria vida e tenta evitar que outros tirem as suas;
4o. antigo mandamento: Crescei e multiplicai-vos;
5o. antigo mandamento: Considera qualquer vida humana sempre mais valiosa que qualquer vida não humana.

5. BIOÉTICA E DIREITO - as relações de Bioética e Direito são dinâmicas e interpenetradas, uma em face do outro. Esta temática é bem antiga, cabendo ao Biodireito, se embasar nos valores e princípios aceitos pela sociedade e na consciência ética da humanidade, buscando soluções adequadas para o avanço da Biotecnologia.
De fato, o Direito não pode absolutamente se isolar das transformações sociais e científicas que permanentemente ocorrem ao seu redor.
Sob a ótica de Jimenez de Ásua, são 04 as hipóteses de tratamento que a eutanásia poderia receber:
a) permitir ao juiz a concessão de perdão - deixa de aplicar a pena, reconhecendo circunstâncias que o justifiquem. Em nosso direito, é causa de extinção de punibilidade;
b) pode-se elencar o móvel compassivo dentre as causas de exclusão de antijuridicidade - nesse caso, a conduta é típica, mas abrangida por norma geral permissiva, que a torna lícita;
c) considerada como delito ordinário ou privilegiado;
d) como forma de "ação socialmente adequada".

Nossa lei penal vigente preferiu cuidar do tema como delito privilegiado.

No Brasil, o legislador não se referiu diretamente à eutanásia, não criou tipo autônomo, mas uma hipótese atenuada do tipo básico de homicídio. Está no artigo 121, parágrafo 1º, do CP, que faculta a redução de pena ( de um sexto a um terço) imposta a quem matou impelido por motivo de relevante valor social ou moral.

A diferença com relação à atenuante genérica do artigo 65, III, a, está no fato de que aquela especial redução de pena não encontra obstáculo sequer no mínimo cominado pelo artigo 121.

A partir do sentimento que cerca o direito moderno, a eutanásia tomou caráter criminoso, como proteção ao mais valioso dos bens: a vida, não passando de autêntico homicídio, que nada tem de piedoso ou misericordioso, apesar das insistentes tentativas atuais da humanidade em consagrá-lo no ordenamento jurídico. Apressar o fim seria privar o Homem duma parcela da sua vida que constitui o seu bem supremo, frustá-lo do que possui de mais valioso, não deve encurtar-se sejam quais forem as suas razões e justificações a sua vida.

Sem desmerecer os argumentos de grandes filósofos e doutrinadores, discordo da prática do homicídio eutanásico. Premiar tal conduta com a licitude seria, a meu ver, uma temeridade. Isto porque, em virtude da crescente criminalidade, a eutanásia viria a se transformar em mais um pretexto para a prática de crime; a "morte boa" funcionaria como máscara, encobrindo talvez crimes hediondos, como ocorreu com a propalada legítima defesa da honra, disfarce sob o qual se valeram muitos criminosos, na década passada e ainda nesta.

Por outro lado, acho que a questão do consentimento assenta-se em bases não muito sólidas, pois entendo que a pessoa que sofre dores atrozes não possui plenamente capacidade de entender e de querer, sendo a morte um desejo momentâneo.

Quanto à questão da incurabilidade, não deveríamos crer que exista males incuráveis e possivelmente muitos também não, uma vez que se acreditassem a ciência e tecnologia (principalmente no campo da Medicina) não estariam nos degraus que hoje se encontram.
No que concerne à lei, sendo a atenuação da pena uma faculdade do juiz, permite a este só se valer dela quando assim achar necessário. Logo, o juiz pode, diante do caso concreto, distinguir a verdadeira compaixão (móvel do homicídio eutanásico) do egoísmo, interesse ou outro qualquer motivo torpe.

Permitir a supressão da vida de um ser humano, mesmo doente "irremediável" e a pedido do próprio, é um ato de risco altíssimo num país como o nosso.

É certo que essa discussão não vai se encerrar por aqui e, com muita satisfação, espero ter contribuído para o engrandecimento do conhecimento acerca do tema.

Nota do texto:

I - Peter Singer, publicou em 1994 um livro que, traduzido aos espanhol há cinco anos, intitulou-se "Repensar la vida y la muerte. El derrumbe de nuestra ética tradicional" (Paidós, Barcelona, Buenos Aires, México).

Fonte: Escritório Online


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