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Erro médico: uma visão

01/09/2001
 
Neri Tadeu Camara Souza



Apesar de serem semelhantes em muitos países, não são uniformes em todos os países os critérios, em caso de erro médico, que os julgadores utilizam para as decisões. Na França, Itália, Portugal, Alemanha, Colômbia, Uruguai, Suíça, Argentina e Espanha aplica-se o critério de que tem que haver culpa no agir do médico para que seja responsabilizado. Principalmente, perquire-se, no processo judicial nestes países, se a negligência esteve presente no agir do médico. Se tudo ocorreu por conta do infortúnio, não há que se inculpar ao médico. E, o acusador deve provar a culpa do médico. Mas, não em todos os países, pois pode-se citar a Itália, onde, em casos de erro médico, a inversão do ônus da prova já é prevista legalmente. Cabe, na Itália, pois, ao médico provar que agiu sem culpa. No Brasil, apesar de prevista a inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor, esta só é determinada pelo julgador se for, a seu critério, verossímel a acusação ou que ele se convença da real hipossuficiência do autor da ação. Os direitos inglês e norte-americano não têm um princípio geral para a responsabilidade civil do médico em caso de erro médico, ou seja não têm um artigo específico em seus códigos de direito que regule este fato. As decisões judiciais se embasam nos julgamentos que ocorreram anteriormente – o que vier sendo decidido orientará o magistrado para sentenciar em um caso concreto atual. Mas, também, o que predomina nos julgamentos é a averiguação de que houve ou não negligência na conduta do médico. Na Rússia, mesmo que não haja culpa do médico o tribunal pode mandá-lo ressarcir o prejuízo da vítima, se esta tiver uma situação econômica muito inferior à do médico.

Devido à integração na Europa Ocidental, como consenso, a culpa do médico deve ser provada para que este seja responsabilizado. Também lá, é de aceitação unânime que sem uma autorização suficiente, emitida pelo paciente, há que se responsabilizar o médico pelos danos decorrentes do tratamento. Ainda na Europa Ocidental surge, atualmente, a tendência de haverem juizados especiais para o julgamento de casos de erro médico.

Nos Estados Unidos o erro médico é dito ser o "pão com manteiga" dos advogados. Em 1970 um quarto dos médicos norte-americanos já tinha sido processado. Devido a isso modificaram-se leis específicas nos Estados Unidos, em mais da metade dos seus estados, estabelecendo-se, nestes estados, um limite (quinhentos mil dólares) para as indenizações em processos por erro médico. Na Inglaterra e França apesar de freqüente, não chega ao nível dos Estados Unidos. Na Suécia, devido à respeitabilidade que tem a classe médica, são poucos os casos de processos contra médicos. Em Portugal também é muito pequeno o número de ações contra médicos. Na Espanha, pelo que se depreende da literatura mundial, não é muito diferente, mas é maior do que no Brasil. Nos países hispano-americanos, incluindo o Brasil, não é grande o número de processos contra médicos, porém a incidência vem aumentando. É oportuno citar, que das ações impetradas contra médicos no ano passado mais de 80% foram consideradas improcedentes. E, também, oportuno lembrar que a incidência ainda não atinge os níveis dos países mais desenvolvidos, onde a quantidade de processos contra médicos é bem mais acentuada. Ressalte-se que o menor número de processos contra médicos não implica em menor número de erros médicos. É consenso na literatura especializada que refletem-se na quantidade de erros médicos de cada país as suas condições econômicas, sociais e culturais. É aceito que erram mais os médicos do Brasil que os da América do Norte e da Europa, mas, que erram menos se compararmos com regiões do mundo menos desenvolvidas. Recentemente aumentou o número de ações contra médicos no Canadá, África do Sul, Alemanha, Bélgica, Japão e Inglaterra. Também é amplamente aceito que o exercício da medicina, legalmente falando, é o mais arriscado, já que das profissões, no atual contexto mundial, seria a mais regulamentada.

No Brasil é, via de regra, contratual a relação entre o médico e o paciente. Ou seja, é um contrato entre estes. Este é o entendimento que os Tribunais maciçamente tem expressado em suas decisões. Trata-se também de uma relação de consumo, ou seja, em tudo se aplica a ela o que está disposto no Código de Defesa do Consumidor, com exceção do que vem expresso no artigo 14 deste, a objetividade da responsabilidade – a responsabilidade sem necessidade de se provar a culpa. O parágrafo 4º, deste artigo, estatui que para o médico – profissional liberal – a responsabilidade será verificada pela presença de culpa no seu agir – ele tem que ser culpado pelo que aconteceu com o paciente. O paciente é consumidor na relação médico-paciente. Mas, para que o médico seja responsabilizado pelos prejuízos causados em um caso de erro médico tem que ficar provado, como regra geral, que o médico é o culpado pelo que aconteceu. Se o médico houve-se corretamente no atendimento, o dano causado ao paciente, via de regra, fica debitado ao, pode-se dizer, infortúnio. Assim, geralmente, decidem os Tribunais.

A Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu a instituição do habeas data que garante ao cidadão obter as informações existentes sobre sua pessoa em qualquer local, até no prontuário médico, sem dúvida. Isto, juntamente com o Código de Defesa do Consumidor, que ressalta a obrigatoriedade de prestar informações por parte do fornecedor de produtos ou serviços, fez surgir na sociedade a conscientização, por parte do cidadão, de que tem direito à informação. E, em termos de saúde, isto se reflete na necessidade do paciente ser informado sobre os procedimentos aos quais vai ser submetido, no diagnóstico ou no tratamento.

Por vezes, podem ser trazidos ao médico, pelo paciente, artigos científicos em língua estrangeira. No caso do inglês, o exercício profissional da medicina, já implica no conhecimento desta língua, pelo menos na forma escrita, pela necessidade de atualização científica, visto que as verdades científicas mais atuais, na área médica, têm, via de regra, primeiro a sua publicação em inglês.

É aqui que a necessidade do médico se adaptar ao paciente aparece e, isto conseguindo, demonstra este sobejamente sua competência profissional. Tem ele que, na tradução em conjunto com o paciente, procurar, em uma linguagem coloquial, transmitir o conteúdo destes artigos de uma maneira que seja permitido ao paciente decidir qual caminho a tomar em seu tratamento. Esclarecendo ao paciente, inclusive, do valor do artigo – de sua confiabilidade - pela análise da sua procedência. Se a situação, ou a língua, assim exigir, pode até lançar mão de um tradutor juramentado, para que em cima deste texto, assim devidamente traduzido, elaborem, paciente e médico, o melhor caminho para o tratamento a ser instituído.

Muitas vezes pode um paciente "exigir" que seja realizado um tipo de tratamento com o qual o médico que lhe atende não tem experiência, ou, mesmo, não concorda que o tratamento que o paciente propõe seja o indicado para o caso. Nesses casos é que se evidenciará o preparo profissional do médico em todos os seus aspectos, inclusive psicológico, para socorrendo-se de consultorias, juntas médicas e, inclusive, legislação ética, colocar ao paciente a sua real posição, como médico, neste caso e imprimir o seu cunho técnico pessoal ao tratamento ou, até mesmo, afastar-se do caso de acordo com os ditâmes éticos existentes em nossa legislação vigente neste campo.

Com a acentuada visão legal direcionada sobre as condutas médicas poder-se-ia pensar que está havendo uma "transformação da medicina em Direito" mas, é lógico, isto não tem embasamento algum, visto serem realidades científicas bastante diferentes. A Medicina pertence ao mundo do "ser" e o direito ao mundo do "dever ser". Na Medicina as regras básicas são biológicas e ditadas pela natureza – independem da vontade humana – são assim; no Direito as regras são ditadas pelo legislador, em suma, pela sociedade – são regras cogentes – devem ser assim - de convívio social, variáveis de acordo com a moral vigente em um determinado tempo e local. Claro que a jurisdicização dos relacionamentos em sociedade tem aumentado, porém, isto vem se dando nos mais diversos campos da atividade humana e não apenas na Medicina. São, provavelmente, reflexos dos direitos humanos de 3ª geração estarem sendo mais valorizados pelas pessoas, exigindo estas um maior respeito pelo indivíduo como ser humano, ontologicamente uno. As pessoas estão reivindicando mais seus direitos.

Esta maior conscientização, levou também a uma maior reivindicação por uma indenização, em virtude de eventuais insucessos nos tratamentos aos quais o paciente se submeta. Qualquer profissional médico, que hoje presta um serviço, pode ser obrigado a ressarcir os prejuízos advindos da realização da sua atividade. É desejável, pois, tanto para o paciente como para o médico, que exista um seguro de responsabilidade civil cobrindo estes eventuais danos. O seguro visa pelo auxílio mútuo de um grande número de pessoas garantir uma compensação àquele que for lesado, em caso de um evento danoso. No caso do erro médico, seria a socialização do prejuízo advindo do erro médico. Na realidade brasileira existem vantagens e desvantagens quanto à implantação de um seguro médico – voluntário ou obrigatório – e, pode-se citar como desvantagens, sucintamente: elevação dos custos dos serviços médicos e aparecimento de uma indústria de indenizações por erro médico. Como vantagens, podemos citar que há uma maior tranqüilidade no trabalho por parte do médico e, que, fica independente da situação econômica do médico causador do dano a indenização devida ao paciente prejudicado, tornando esta mais certa de se efetivar.

Mas, deve-se levar em consideração no caso de implantação de um seguro médico, quais seriam as fontes de custeio do mesmo. O cliente privado, na situação socio-econômica atual, não tem condições de arcar com estes, já que o médico terá que repassar aos clientes privados o custo, sempre apreciável, destes seguros, elevando, assim os honorários de seu atendimento, quiçá, tornando-o inviável. As empresas de seguro saúde e medicina de grupo, também, teriam que elevar os valores de suas mensalidades, se tivessem que bancar o custo da cobertura de um seguro do risco de erro médico. Ficaria, como conseqüência, de mais difícil acesso aos pacientes este tipo de assistência médica, pela elevação das mensalidades ao serem repassados à estas o custo do seguro de responsabilidade civil por erro médico. O SUS (Sistema Único de Saúde), que remunera de maneira iníqua os profissionais de saúde e hospitais, se condições tivesse, crê-se, melhor os remuneraria, portanto, é evidente, não possuir, no momento, condições de assegurar o pagamento deste tipo de seguro. Se um órgão do governo não apresenta condições, presume-se, até, por outros evidentes sinais de austeridade econômica, que o governo através de uma atuação direta não possa subsidiar este seguro. Nem parece, que a teoria do "estado mínimo" preconizada pela doutrina neoliberal, ainda predominante no cenário mundial e nacional, se adeqüe à qualquer tipo de participação do Estado no custeio deste tipo de seguro. É o que se aceita, por óbvio, na atual conjuntura nacional.

Portanto, o que se torna evidente é não haver na economia um segmento da sociedade que possa bancar os recursos necessários para que se estabeleça um ressarcimento, na forma de seguro, dos prejuízos decorrentes do erro médico. Às seguradoras, sem dúvida, ele seria conveniente, por ser mais um produto que colocariam à disposição no mercado, até porque esta é a finalidade da existência destas empresas.

Tem-se que observar, que, aos médicos, por suas manifestações, depreende-se, não interessa, particularmente, a implantação deste tipo de seguro, especialmente, porque estimularia, segundo eles, os processos contra médicos por possíveis erros no exercício da profissão.

Este quadro descrito desenvolve-se num universo que no ano de 1998 era de cerca de 204.000 médicos no país, havendo um aumento de aproximadamente 10.000 por ano, egressos das mais de 80 faculdades de medicina existentes no Brasil.

Alguns setores comentam que estamos copiando, no tocante à responsabilidade civil do médico a cultura existente nos Estados Unidos à esse respeito. Como nos Estados Unidos a socialização dos riscos tem um nível bastante acentuado, e, como os Estados Unidos são paradigma para os brasileiros, não só nesta área, mas em praticamente toda a nossa conduta em sociedade, parece natural que se procure implantar aqui os mecanismos de regulação por lá existentes. Mas quanto ao erro médico mesmo que a mídia faça uma abordagem que se assemelhe à dos Estados Unidos, nossas leis vigentes, literatura especializada – a doutrina do Direito - e jurisprudência, até pela ausência de um seguro sobre o erro médico institucionalizado em nosso meio, têm abordado de uma forma diversa, da dos Estados Unidos, os casos de erro médico, tanto no que se refere às decisões dos tribunais (an debeatur), como no que se relaciona às quantias das condenações (quantum debeatur).

Fonte: Escritório Online


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