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Escritório Online :: Artigos » Hermenêutica Jurídica


Hermenêutica Constitucional

08/12/2002
 
Eduardo R. Galvão Filho



A NECESSIDADE DE INTERPRETAR

Por mais eficiente que possa ser um sistema legislativo, sempre estará um passo atrás do contexto social. A legislação é um reflexo da realidade e das necessidades de uma sociedade. Seria impossível que pudesse compreender todas as situações possíveis e, com o decorrer do tempo, surgem mudanças que devem ser abraçadas pela legislação. Todavia, com a velocidade com que as transformações sociais, culturais, científicas e tecnológicas se sucedem, torna-se impraticável para um sistema de Constituição Rígida acompanhar tais mudanças.
Para suprir tais lacunas é que o Poder Judiciário, valendo-se do uso da hermenêutica constitucional, acabou, de forma heterônoma e ilegítima1 , por criar modelos jurídicos capazes de suprir a necessidade legislativa daquele momento. Tal criação judicial acabou por ganhar força e aceitação, dada a satisfação que seus resultados geraram.
A interpretação, como um dos resultados possíveis frente a um contexto, pode ser alterada conforme se alterarem as coordenadas hermenêuticas, os fatores reais, motivos fáticos que levaram à criação hermenêutica de determinados modelos jurídicos. A interpretação, enquanto adequação da norma ao fato concreto, pode mudar consoante ocorrerem as mudanças sociais do contexto fático, criando nova compreensão, nova interpretação e nova aplicação dos modelos jurídicos.
A Constituição é o Diploma Supremo do Estado, onde estão elencados seus mais valiosos princípios, sua organização e gestão, enfim, é a estrutura funcional e a essência de um Estado, reflexo de seus fatores reais de poder2 . Natural que deva então, modificar-se se modificarem-se os referidos fatores. Daí decorre grande problemática: como pretender uma segurança jurídica com uma Constituição em contínuas mudanças?
Os quinhentos anos de história da sociedade brasileira, com sua formação heterogênea de descendentes de tantos povos e culturas diferentes, não foram suficientes para que se firmasse certa estabilidade social. Constituir uma Carta Política que viesse a ser constantemente modificada acarretaria insegurança por parte da sociedade. Para reger as estruturas, situações, comportamentos e condutas da convivência social, as Constituições devem perdurar3, devem ser rígidas, ou seja, exigir um processo mais elaborado e solene de modificação de seu texto3 .
Sem que se opere algum tipo de ruptura na ordem constituída, como movimentos revolucionários ou convocação do poder constituinte originário, duas são as possibilidades legítimas de mutação ou transição constitucional: (a) a reforma do texto, através do poder constituinte derivado, ou (b) através do recurso aos métodos interpretativos4 .
Conciliar a rigidez constitucional com a necessidade de adaptação à realidade fática e temporal torna mister a interpretação da norma constitucional. Destarte, cumpre a adaptabilidade necessária, sem prejuízo ao texto constitucional e seu prestígio.
Nada obstante, impõe-se à interpretação constitucional certos limites para que não firam os preceitos da democracia e culmine por encontrar sua contradição. Em matéria constitucional, não são recomendáveis as interpretações livres ou contra a lei, pois possibilitam traição à vontade constituinte e ao povo, que está por trás dessa vontade5 6.
A construção hermenêutica constitui processo contínuo e incessante no decorrer da evolução social. A interpretação não deve ser concebida como "pura e simplesmente um pensar de novo aquilo que já foi pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até o fim aquilo que já começou a ser pensado por um outro"6 . Tal é a essência do trabalho hermenêutico que ao longo dos anos têm recebido os monumentos legislativos7 como o Código de Napoleão, Lei das XII Tábuas, a Magna Carta, a Constituição dos Estados Unidos, o Corpus Juris Civilis, os quais têm merecido, ao longo dos séculos, novas interpretações que se somam umas às outras, assim como se aperfeiçoam com tamanha qualidade que acabam por serem consideradas como "elementos constitutivos da normatividade daqueles textos.


DIMENSÕES E LIMITES DA INTERPRETAÇÃO

A interpretação, cumpre ressaltar, é atividade inerente à própria atividade legiferante. O trabalho da hermenêutica constitucional é que determinará a adequação da norma ao fato concreto, resumindo a distância teórica entre sein (ser) e sollen (dever ser).
Esse trabalho hermenêutico constitucional constitui verdadeiramente um mecanismo de controle. Uma vez que a análise, a interpretação da lei deve observar a Constituição não como um compêndio, mas como um sistema integrado de normas8 horizontalmente dispostas (à exceção dos numerus clausus), devendo a norma ser interpretada de acordo com esse sistema, ocorre um inevitável controle de sua constitucionalidade. Nada obstante excluírem-se as possibilidades de interpretações consideradas inconstitucionais.
Vislumbra-se nas decisões do Supremo Tribunal Federal duas dimensões abrangidas pelas possibilidades de interpretação, quais sejam as do concreto e do abstrato. A interpretação conforme a Constituição, pode ser justamente utilizada tanto no controle abstrato quanto no difuso, por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade e Ações Declaratórias de Constitucionalidade. Controlar a constitucionalidade das leis é fundamentalmente interpretá-las.
Em que pese a interpretação em sede de controle de constitucionalidade fundar-se na devida adequação da norma com os preceitos do sistema constitucional, limita-se o órgão judiciário a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado conforme a Constituição.
A interpretação conforme a Constituição comporta ainda várias outras dimensões, que se traduzem em princípios, tais como: o Princípio da Prevalência da Constituição determina que a única possibilidade de escolha viável, seria aquela que não contrariasse o texto constitucional; o Princípio da Conservação das Normas considera que uma norma suscetível de interpretação não deve ser declarada inconstitucional; e o Princípio da Exclusão da Interpretação impõe que o aplicador da norma, não pode, em sua atividade hermenêutica, contrariar a letra e o sentido dessa norma9 .
A interpretação de normas, como já fora dito, não deve afastar-se do texto e do sentido constitucional ou a finalidade legislativa. Ater-se aos limites da interpretação constitui tarefa que, ao longo do tempo, torna-se delicada. Além de serem os limites extremamente difíceis de se precisar com nitidez, as inúmeras interpretações feitas da mesma lei, uma após e baseada na outra, a fim de se obter uma maior adequação temporal, social, pode acabar por ultrapassar o sentido da norma, transpor o mens legis e culminar numa interpretação ex logus, o que já seria eivar de inconstitucionalidade a hermenêutica adotada. A interpretação constitucional revela-se uma alternativa de utilização da lei, nada obstante vedar-se sua aplicação inconstitucional.
O uso da interpretação como alternativa legiferante de adequação ao fato, enquanto instituto de matéria constitucional, é de interesse social lato sensu, não apenas por seu caráter usual, mas também por constituir uma forma direta de participação política e não deve restringir-se a uma minoria, como queria a velha hermenêutica.
O uso da interpretação por uma sociedade aberta de intérpretes10 , em que participam todas as forças da comunidade política, representaria um dos maiores indicadores da verdadeira democracia.


Notas
1 COELHO, Inocêncio Mártires, Interpretação Constitucional, 1997, p.96.
2 HESSE, Konrad, A Força Normativa da Constituição, 1991, p.9.
3 BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 2000, p.66.
4 BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma Dogmática Constitucional Transformadora, 1998,p. 137
5 POLETTI, Ronaldo, Introdução ao Direito, 1996, p. 277.
6 RADBRUCH, Gustavo, Filosofia do Direito, 1961, p. 274.
7 COELHO, Inocêncio Mártires, Interpretação Constitucional,1997, p.33
8 BOBBIO, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico,1999, p. 71
9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional,1992, p.218.
10 HÄBERLE, Peter, Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição.

Texto elaborado em maio de 2002.

Fonte: Escritório Online


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