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Limitação constitucional dos juros reais na visão do Presidente do Supremo Tribunal Federal

09/10/2001
 
Celso Marcelo de Oliveira



Recentemente o Presidente do Supremo Tribunal Federal decidiu em Recurso Extraordinário nº 230.548-8-RS na Segunda Turma a respeito da auto aplicabilidade do parágrafo terceiro do Artigo 192 da Constituição Federal a respeito da Limitação Constitucional dos Juros Reais onde transcrevemos o seu voto abaixo:


Senhor Presidente, trata-se do embate entre a usura e o Brasil. Não consegui mais resistir à força da minha consciência e passei, também nesta matéria, a votar de acordo com o convencimento pessoal. Em época de deflação, contamos com juros realmente excessivos.
Eis as razões do meu entendimento: "Repetem-se os processos versando sobre o limite de juros previsto no
§ 3º do art. 192 da CF, em decorrência, única e exclusiva, de um só procedimento: em especial, as instituições financeiras vêm praticando juros muito acima da taxa-limite imposta pelo texto constitucional. Em época de inflação a girar em menos de 1% a. m., cobraram-se juros que chegam a 75% a. a. no desconto de duplicatas, 60% a. a., relativamente a empréstimos para capital de giro, e 187% a. a., em se tratando de crédito ao consumidor, conforme editorial publicado na "Folha de São Paulo", de 25-05-98, sob o título "Juros ainda Insuportáveis".
"Esta prática implica a estagnação do desenvolvimento do País e, com isso, a ausência de empregos não só para aqueles que já se encontram no mercado, como também para a força jovem que, ano a ano, nele é projetada, isto sem falar da derrocada das contas públicas, a inviabilizar investimentos nas áreas vitais da saúde, da educação e da segurança pública. A quadra, ora vivida, é de molde a imaginar-se que haverá de ocorrer um desfecho em tal situação, e tudo deve ser feito para que não haja o afastamento da almejada paz social.
"O Supremo Tribunal Federal tem compromisso com a supremacia do texto constitucional. É certo que, no já longínquo ano de 1991, em sessão de 07 de março, veio a enfrentar a matéria, fazendo-o na ADIn nº 4-7-DF. Na oportunidade, apreciou argüição de conflito, com o texto constitucional, da Circular nº 1.365, de 06-10-88, do Banco Central, a quem cabe atuação reguladora do mercado de capitais, inclusive, quanto aos juros. A Corte teve a referida circular como ato normativo autônomo e adentrou ao exame de fundo da ação direta de inconstitucionalidade. A maioria formou-se de modo escasso. Puxei a divergência, como o mais novo do Colegiado, logo depois do voto do Ministro-Relator Sydney Sanches, assentando a auto-
-aplicabilidade do § 3º em comento. Tive a honra de ser acompanhado pelos Mins. Carlos Velloso, Paulo Brossard e Néri da Silveira, este último, à época, na Presidência do Tribunal. O Min. Sepúlveda Pertence não participou do julgamento, por encontrar-se impedido.
"Então, a esta altura, indaga-se: Qual o móvel da volta à matéria, se houve a emissão de entendimento a respeito pelo Colegiado Maior? A resposta é única e diz respeito à força do convencimento, à força da consciência do próprio julgador, em conflito, considerado o precedente. Quando cobrado, no âmbito da coerência, da necessidade de preservar-se a hegemonia do Direito e a uniformidade do arcabouço normativo constitucional, costumo dizer que a disciplina na atividade judicante não conduz, por si só, a um efeito vinculante automático, colocando em plano secundário, até mesmo, o dever do magistrado de buscar a máxima eficácia do preceito constitucional, procedendo com submissão, tão-somente, à idéia que forme sobre o alcance da norma em tela. Oito anos passaram-se após o julgamento da ADIn nº 4-7.
"Diante do que assentado por esta Corte, inúmeros mandados de injunção foram, então, ajuizados, acreditando-se que tudo estaria a correr à conta da inércia do Legislativo. Para quê? Para nada, porquanto, também, em óptica a meu ver discrepante da Carta da República, a ilustrada maioria acabou por esvaziar o preceito constitucional assegurador do mandado de injunção. Embora o inc. LXXI do art. 5º disponha que: 'conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania', proclamou-se que a citada ação constitucional tem o mesmo objetivo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, apenas desta discrepando quanto ao rol dos legitimados. E aí, tornando prevalecente quadro merecedor de críticas constantes em relação a Constituições anteriores, sob cujas égides muito se reclamou no tocante a preceitos de eficácia contida, em face da inexistência de mecanismo para suprir a omissão do legislador, transformou-se, como que em passe de mágica, a ação mandamental em, simplesmente, declaratória, visando a atestar a inércia do legislador.
"Assim, a conseqüência foi única: de um lado, o § 3º do art. 192, no que limita os juros anuais a 12% a. a., não tem aplicação imediata; de outro, em que pese à previsão sobre o mandado de injunção, aquele tomador de empréstimo - com juros extorsivos a conduzirem, fatalmente, à morte civil - não conta com meio hábil a tornar prevalecente o direito assegurado constitucionalmente. O resultado desta visão, distanciada dos interesses maiores do povo brasileiro, está aí mesmo, com o desemprego grassando, a economia paralisada, e o País partindo para situação inconcebível. Por isso, resolvi reexaminar a matéria e, mesmo correndo o risco de ser malcompreendido, tornar claro e preciso o meu entendimento sobre o que se contém na Carta da República. Dir-se-
-á que haverá, apenas, mais um voto vencido. A mim, isso não importa, porquanto devo cumprir o dever assumido de tornar eficaz a Carta Política da República, honrando a toga que tenho sobre os ombros, até que me falte entusiasmo para tanto e a deixe em definitivo. Vozes que calam são vozes coniventes, contribuindo para o que Barbar Tuchman aponta como 'a marcha da insensatez'. Destarte, até mesmo com algum lamento, porquanto silenciei, ressalvando o entendimento pessoal, nesses últimos oito anos, mas isto serve de alerta quanto a outras situações semelhantes, volto à posição primeira, e o faço com a tranqüilidade de estar combatendo o bom combate.
"Tomo de empréstimo o que tive oportunidade de exteriorizar no julgamento da ADIn nº 4-7-DF: 'Da admissibilidade da demanda. Na hipótese, não se tem a demanda dirigida contra simples ato de aprovação, pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, de parecer da Consultoria-Geral da República. É que, no caso, a força obrigatória se irradiou a ponto de extravasar o âmbito da Administração Pública. Aprovado o parecer, o Banco Central - autarquia a quem cabe atuação reguladora do mercado de capitais, inclusive, quanto aos juros - editou circular - a de nº 1.365, em 06-10-88 -, obrigando a iniciativa privada que atua no mundo financeiro e econômico. Por via de conseqüência, o parecer passou a ser considerado como ato normativo, viabilizando, assim, a presente demanda, pois as instituições financeiras, diante da circular do Banco Central, ao que tudo indica, editada à luz da Lei nº 4.595/64 e do art. 164, § 2º, da Lei Básica, passaram, compulsoriamente, a observá-lo.
" 'No mérito. Aqueles que sustentam a necessidade de disciplina legal para eficácia plena do limite de que cogita o § 3º do art. 192 afirmam, em primeiro lugar, a dependência de alíneas, incisos e parágrafos ao artigo. Em tese, a premissa mostra-se verdadeira. Observada rigorosamente a boa técnica legislativa, a acessoriedade exsurge, não tendo a disposição complementar, pela própria natureza, vida própria. Está jungida à do principal, revelada pelo caput do artigo.
" 'Todavia, a dinâmica dos trabalhos legislativos tem revelado a pouca importância atribuída à organicidade. Não raro, é dado encontrar preceitos autônomos em parágrafos, fato que ocorreu quando dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, mais precisamente, na fase de relato final. Daí, doutrinador de nomeada, em análise do tema objeto desta demanda, haver chegado mesmo a apontar, de forma desassombrada, como deve ocorrer, em se tratando de análise científica, que a fuga a número muito alto de artigos desaguou na mudança formal de artigos em parágrafos, e uns e outros, não raro, em incisos. Nem por isso é possível cogitar, em tais casos, do surgimento de dependência inafastável, porquanto a constatação de norma autônoma não fica ao sabor de aspecto formal, sendo antes decorrência natural do próprio teor. Considerados estes aspectos, José Afonso da Silva acabou por asseverar que isso no caso em exame não prejudica a eficácia do texto'.
"De acordo com o renomado doutrinador: Está previsto no § 3º do art. 192 que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações, direta ou indiretamente referidas à concessão do crédito, não poderão ser superiores a 12% a. a.; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
"Este dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto à sua aplicabilidade. Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não-subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, por exemplo, o § 1º do mesmo art. 192. Ele disciplina assunto que consta dos incs. I e XI do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente, ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo.
"Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal-autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. O dispositivo, aliás, tem autonomia de artigo, mas a preocupação, muitas e muitas vezes revelada ao longo da elaboração constitucional, no sentido de que a Carta Magna de 1988 não aparecesse com demasiado número de artigos, levou a relatoria do texto a reduzir artigos a parágrafos, e uns e outros, não raro, a incisos. Isso, no caso em exame, não prejudica a eficácia do texto.
"Juros reais, os economistas e financistas sabem que são aqueles que constituem valores efetivos, e se constituem sobre toda desvalorização da moeda. Revelam o ganho efetivo, e não simples modo de corrigir desvalorização monetária. As cláusulas contratuais que estipularem juros superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei dispuser. Neste particular, parece-nos que a velha Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) ainda está em vigor. ("Curso de Direito Constitucional Positivo", Malheiros Editores, p. 793)
"E aqui faço uma pausa para reafirmar que, assim, realmente, o é. A lei complementar prevista na cabeça do art. 192 diz respeito à estruturação do próprio sistema financeiro nacional, cuja ausência, até aqui, não tem evitado a atividade que lhe é própria. Quanto à lei prevista na parte final do § 3º, diz ela respeito ao fato típico que pode ser a usura, e aí, em face do princípio da legalidade, remete-se no campo penal, ao que a lei dispuser. Volto à transcrição do voto que proferi ante-riormente: 'Portanto, sobrepondo o conteúdo à forma, há que se concluir que o simples fato de o preceito em comento estar revelado em parágrafo não firma a presunção definitiva de dependência ao artigo no qual está inserido. Cabe, assim, o exame do teor de cada qual.
" 'O cotejo dos dispositivos constitucionais - do caput e do parágrafo - revela que o teor deste último exsurge sem interligação com o primeiro, a não ser pela harmonia com a máxima, segundo a qual o sistema financeiro nacional repousa em estrutura direcionada a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, verificando-se idêntico fenômeno com todos aqueles artigos, que, de alguma forma, potencializam o trabalho e os consectários que lhe são próprios - o bem-estar e a justiça social -, colocando, em um segundo patamar de gradação, o capital, o que se dirá no que voltado ao abuso do poder econômico, à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Portanto, a ligação passível de ser vislumbrada o é com os princípios gerais da atividade econômica como um todo, com a ordem social, e não com o art. 192, no que remete à lei complementar.
" 'Aliás, a referência a esta última faz-se com indicação pedagógica de matérias, alfim mencionadas, não em parágrafos, mas em incisos. Por outro lado, os temas relegados à disciplina futura não informam a possibilidade de esta vir, de alguma forma, a contemplar compensação pela perda da desenfreada liberdade na cobrança de juros, pois isto acabaria por implicar a dação com uma das mãos e a retirada com a outra, esvaziando-se, assim, o preceito limitador.
" 'Destarte, sob este ângulo, entendo que não procede a resistência daqueles que tanto escreveram sobre o assunto à observância da norma do § 3º do art. 192 da Lei Básica. Ela possui vida própria e poderia muito bem estar encerrada em um artigo, caso tivesse sido observada a boa técnica nos trabalhos de elaboração. Quanto ao âmago do tema, saber se o preceito em si é de eficácia imediata, ou não, abstraído o fato de encontrar-se em parágrafo, estimo que o raciocínio a ser desenvolvido tenha presente, acima de tudo, as linhas básicas da própria Carta, mormente as já referidas e que, privilegiando o trabalho, buscam preservar a dignidade do homem como fundamento do verdadeiro estado democrático de direito de que cogita o primeiro artigo da Lei Básica.
" 'Os juros excessivos sempre mereceram a crítica geral e providências no campo legislativo, objetivando inibir a prática, porque voltada a interesses isolados e momentâneos, em detrimento dos gerais e, portanto, da sociedade. A usura decorrente de desequilíbrio marcante do próprio mercado mostrou-se, desde cedo, como algo condenável, procurando-se colar ineficácia aos pactos que a revelassem. As Ordenações já a excomungavam, vindo à balha, em abril de 1933, o Decreto nº 22.626, com considerandos dos mais expressivos'.
"Eis o intróito do citado Decreto: O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil: considerando que todas as legislações modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura; considerando que é de interesse superior da economia do País não tenha o capital remuneração exagerada, impedindo o desenvolvimento das classes produtoras; Decreta: (...)
"À época, dispôs-se sobre o limite representado pelo dobro da taxa legal, cogitando-se, em face dos interessados envolvidos - da própria sociedade - da aplicação imediata, a ponto de apanhar os contratos existentes. Assim, ante a taxa de 6%, prevista no Código Civil, art. 1.062 - chegou-se aos 12%, sendo certo que nos contratos garantidos com hipotecas urbanas fixaram-se como teto os 10% e, para os relativos a hipotecas rurais ou de penhores agrícolas, 8%, ficando em 6% os pertinentes às obrigações contraídas para financiamento de trabalhos agrícolas ou para compra de maquinismos e de utensílios destinados à agricultura, qualquer que fosse a modalidade da dívida, desde que existente garantia real, aludindo-se, ainda, ao limite de 6% a. a. - e hoje resiste-se aos 12% - para a hipótese de silêncio do instrumento público ou particular, admitindo-se elevação em 1%, no caso de mora dos juros contratados - arts. 1º e 5º.
"Objetivando fechar a porta à fraude, dispôs-se, ainda, ser vedado, 'a pretexto de comissão, receber taxas maiores do que as permitidas por esta lei, cogitando-se, também, do percentual máximo de 10% em relação à cláusula penal' - arts. 2º e 10. A nova ordem jurídica foi observada, não tendo sido levantadas dúvidas ao menos sérias, quanto ao balizamento objetivo do percentual, e, portanto, à forma de cálculo cabível. Não obstante, passadas três décadas, deu-se autorização aos bancos comerciais - lato sensu - para operarem a taxas de mercado, frustrando-se, assim, o objetivo maior do regime anterior e, o que é pior, de forma setorizada. Certamente, os abusos notados conduziram à inserção da disciplina do tema, normalmente ordinária, na Constituição Federal, não mais limitada à tímida condenação da usura, notada nas Constituições de 1934 (art. 117) e de 1946 (art. 154), mas com delimitação definidora do percentual a ser observado, e que outro não é senão aquele que decorreu do Decreto antes referido e que data de 1930, mais precisamente do caput do art. 1º.
"Contudo, a esta altura, sustenta-se necessidade de lei que diga de forma exaustiva sobre a espécie, proclamando-se que, até a edição do diploma, opera a liberdade de mercado. Lança-
-se mão do fato de a Constituição cogitar de juros reais e, com isto, pretende-
-se projetado no tempo o termo inicial da eficácia do § 3º do art. 192, que os limita. Diz-se que a referência a 'juros reais' é de molde a condicionar a aplicação do texto a uma lei que os defina. Com isto, data venia, é olvidado o alcance do vocábulo que se segue à referência a juros, como se de adjetivo não se tratasse, e, portanto, elemento gramatical que caracteriza o substantivo, indicando-lhe, no dizer sempre oportuno de Aurélio, 'uma qualidade, caráter, modo de ser ou estado'.
"A consideração que os constituintes tiveram pelo vernáculo é tomada em sentido diametralmente oposto ao visado. De forma pouco ortodoxa, assenta-se que a adjetivação, ao invés de qualificar juros, permitindo definição precisa, torna-os carentes de melhor explicitação. Em plano inferior, fica a ordem natural das coisas, o sentido inteligente das expressões, remetendo-se à legislação algo que não carece de disciplina, mesmo porque não se poderá fugir, sem ou com subterfúgios, à norma proibitiva que já se contém na própria Carta. Talvez, quem sabe, inexistisse a explicitação nesta última, com o emprego do adjetivo 'real', não estivéssemos aqui e agora a discutir a aplicação imediata do preceito.
"Contivesse este referência simplesmente a juros, expungida a alusão qualificadora - real - antônimo de aparente, fictício, ilusório, certamente não estaríamos aqui a julgar o tema. As definições até hoje acatadas surtiriam efeitos, apontando-se a parcela como rendimento do capital, preço do seu uso, preço locativo ou aluguel de dinheiro, prêmio pelo risco corrido, decorrente do empréstimo, e, finalmente, fruto civil, considerado o juro como coisa acessória em relação ao principal, como o que o art. 60 do CC, e bem o define o Mestre Arnold Wald, ou seja, como contraprestração relativa ao empréstimo e, portanto, quantitativo intangível, tendo em vista a perda do poder aquisitivo - a inflação.
"Senhor Presidente, o enfoque sobre a necessidade de lei que discipline o que são juros reais contraria a ordem natural das coisas. Implica relegar à lei a definição do que, pela própria natureza, pelo sentido do vernáculo pátrio, já está suficientemente definido. Mas, para os que assim não entendem, é dado encontrar na própria Carta a elucidação. No campo de uma quase premonição, intuíram os constituintes que ainda se poderia colocar em dúvida o alcance do instituto e, aí, além da utilização do adjetivo real - autodefinível - fizeram constar, em relação às taxas de juros: '(...) nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito (...)'
"A explicitação, no que revela a impropriedade de cogitar-se de juros líquidos, sem despesas, é quase inigualável, não fosse a circunstância de não se constituir em novidade. Já o Decreto nº 22.626, de 1933, contemplou-a, ao vedar, como consta acima, o recebimento de taxas maiores do que as nele permitidas, a pretexto de comissões. Jamais colocou-se em dúvida o alcance da limitação legal, tal como definida no citado Decreto, e nota-se que no preceito mais favorável àqueles que emprestam dinheiro se cogitou de dobra da taxa legal sem referência explícita a percentual, sendo certo que esta Corte, ao editar o verbete que passou a integrar a Súmula da jurisprudência predominante com nº 596, admitiu, implicitamente, o valor da limitação versada no citado Decreto, pois declarou a inaplicabilidade apenas às taxas de juros cobradas nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional, fazendo-o, inclusive, com sugestiva alusão a 'taxas de juros e aos outros encargos...'.
"Como, então, agora, entender que preceito constitucional não é auto-aplicável. Como reconhecer que a disposição do citado Decreto se mostrou operante e a contida na Carta, repetindo-a mediante forma até mesmo mais clara, não o é de imediato? Senhor Presidente, a única diferença que noto é que o preceito hoje em vigor, além da estatura constitucional que possui, é mais explícito ainda que o do Decreto de 1933, com um dado que talvez elucide a razão de toda esta celeuma - a abrangência consagradora do princípio isonômico. Talvez, quem sabe, haja a esperança vã, impossível de frutificar, em face à impropriedade do campo ordinário, de retornar ao statu quo ante, excluindo-se, mais uma vez, da norma proibitiva, aqueles que têm como mercadoria o dinheiro, ou seja, as entidades financeiras.
"Nem se diga que a recente Lei nº 8.177/91 informa ambigüidade objetiva dos citados juros reais, isto ao dispor sobre a Taxa Referencial. É que não se tem na citada taxa juros propriamente dita, mas fator de reajustamento, conforme exsurge das inúmeras referências contidas na lei - arts. 5º, 6º, 9º, 25 e 26. Tanto é assim que a disciplina pertinente aos rendimentos - lato sensu - da poupança contempla duas parcelas diversas: a TR, com o fito de manter o poder aquisitivo da moeda, e o adicional de 0,5% a. m. relativo aos juros. Mostra-se incongruente cogitar-
-se, no caso, de taxa de juros. A denominação é diversa - trata-se de taxa referencial - e o é para alguma coisa, ou seja, para indicar o desgaste decorrente da inflação, sendo que o percentual que vem alcançando - de 7 a 9% a. m. - acabará por provocar quantitativo total muito superior aos 12% previstos, constitucionalmente, para os juros. Frise-se, por oportuno, que o teto imposto constitucionalmente representa o dobro da média dos juros praticados na maioria dos países, pois estes situam-se em torno de 6%.
"Por tudo, fosse esta demanda um mandado de injunção, o desfecho seria a carência respectiva, por falta de interesse de agir. Declararia a Corte que o dispositivo constitucional, no que proíbe juros reais acima de 12% a. a., consideradas 'comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito', não depende de regulamentação, estando ausentes os predicados utilidade e necessidade do meio utilizado. Com todo o respeito que me merecem os que assim não pensam, tenho como de eficácia imediata o disposto no § 3º do art. 192 da CF, quanto ao tabelamento dos juros, porque - repito - é letra expressa que 'as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito' - vejam a abrangência e como que a explicitação do que se entende como juros reais -, 'não poderão ser superiores a 12% a. a.', e aqui ressalto que a parcela não serve à possível compensação de prejuízo decorrente do descompasso entre o desgaste da moeda - a inflação - e os índices pertinentes. Assim, acolho o pedido formulado e declaro a inconstitucionalidade do parecer normativo que serviu de base à edição da Circular do Banco Central nº 1.365/88.
"Não obstante, Senhor Presidente, Senhores Ministros, ouso lançar, no caso, um temperamento. Considerando que na aplicação da lei o julgador deve ter presente o bem social, repousando este, principalmente, na estabilidade das relações jurídicas; considerando que a decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade tem, a par do conteúdo declaratório, como ocorre com as decisões em geral, efeito constitutivo, sendo sedimentada a jurisprudência desta Corte, quanto à desnecessidade de comunicação do que decidido no Senado Federal, para que suspenda a eficácia do ato normativo, ao contrário do que ocorre no controle incidental; considerando que até aqui as taxas cobradas tiveram rótulo discrepante do conteúdo, sendo utilizadas, também, para compensar alegada falta de sintonia entre a inflação e os fatores da correção monetária; considerando a data do ajuizamento da demanda e o fato de se haver requerido a concessão de liminar, negada pela Corte, concluo no sentido do estabelecimento de efeitos ex nunc, potencializando, assim, cunho constitutivo negativo da decisão'.
"Relativamente à parte final, quando, então, objetivando evitar o impacto maior, preconizei empréstimo de eficácia ex nunc ao provimento judicial, declarando a inconstitucionalidade da Circular nº 1.365, de 06-10-88, do Banco Central, tempo já se passou. Aqui, neste julgamento, procedido em dissídio individual, e não em ação direta de inconstitucionalidade, impõe-se o empréstimo de conseqüência plausível, de conseqüência que revela utilidade para a parte-devedora. Em síntese, Senhor Presidente, não conheço o recurso extraordinário".
Peço vênia ao nobre Ministro-Relator para assentar, ver concluído bem a Corte de origem ao entender auto-aplicável a limitação dos juros reais, prevista no § 3º do art. 192 da Carta. É o meu voto.

Fonte: Escritório Online


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