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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Valor probatório do inquérito policial: considerações e posicionamento

30/12/2001
 
Fabrício Gonçalves Dias Moreno



Segundo a doutrina, o inquérito policial é peça de valor informativo, na qual se apura todas as circunstâncias que ensejaram a infração penal, bem como sua respectiva autoria. Trata-se de procedimento administrativo e de caráter inquisitivo, no qual as atividades persecutórias concentram-se numa única autoridade, sem que haja, nesta fase, possibilidade de ampla defesa e contraditório.

Nesse passo, o inquérito policial tem por finalidade colher todas as informações possíveis e legais a respeito do fato criminoso, para que o titular da ação penal - o Ministério Público - possa instaurar a competente ação penal e exercer o jus persequendi. Saliente-se, pois, que eventuais vícios ou irregularidades no inquérito policial, destinados à formação da opinio delicti do titular da ação penal, não têm o condão de infirmar nulidades processuais à validade jurídica do subseqüente processo penal condenatório. Estas nulidades só podem ser inculcadas aos atos praticados ao longo da ação penal condenatória.

Entretanto, questiona-se a validade do inquérito policial como prova no curso da ação penal, bem como o fato deste ser ou não imprescindível para a concretização da ação penal.

No tocante à circunstância do inquérito policial ser ou não indispensável para a propositura da ação penal, DAMÁSIO E. DE JESUS em seu Código de Processo Penal Anotado (CD-ROM, 5. ed. - Ano 2000), afirma em nota ao art. 5º, que "o inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento de denúncia ou queixa, desde que a peça acusatória tenha fundamento em dados de informação suficientes à caracterização da materialidade e autoria da infração penal (STF, RTJ 76/741)". Portanto, de conseguinte, e, inclusive com amparo nos arts. 12; 27; 39, §5°; 46, §1° do Código de Processo Penal, se o Ministério Público estiver de posse informação confiável, advinda de qualquer do povo, obedecidas as formalidades legais, poderá então desencadear a competente ação penal, dispensando a instauração do inquérito policial.

Por outro lado, e nesse ponto é que reside a celeuma doutrinária e jurisprudencial, o inquérito policial é tido por grande parte da doutrina e jurisprudência como praticamente desprovido de validade, relativamente às provas nele produzidas. Nesse diapasão, o valor probatório do inquérito policial é considerado muito reduzido ou até de nenhum valor, por conta da possibilidade de ocorrência de vícios e falhas por parte de agentes despreparados, ou, por conta de agentes mal intencionados, os quais, tendo a incumbência de colher as provas que integrarão o bojo do inquérito, podem aproveitar-se da natureza inquisitiva do inquérito policial, procedendo às investigações criminais de maneira atentatória aos desígnios de imparcialidade e justiça, contrariando, por conseguinte, os ditames constitucionais conferidos ao indiciado, além de violar o dever ético assumido no ingresso para o exercício do múnus público.

Trata-se, em princípio, de argumentos válidos que, no entanto, para não se cometer injustiças, beiram a leviandade, pois generalizam a classe policial apenas em razão de alguns. Não obstante, certo é que isso gera uma insegurança e o inquérito policial passa a ser visto como uma faca de dois gumes. De um lado estão profissionais sérios, competentes e imparciais e, de outro lado, encontram-se aqueles considerados mercenários, iníquos, parciais, acusadores e arbitrários. Se o Ministério Público assumisse definitivamente sua função de exercer o controle externo sobre a polícia judiciária, provavelmente seria possível diminuir ou anular a ação dos maus policiais. Entretanto, não é essa a prática hodierna.

Alicerçada nesse temor, a jurisprudência dos Tribunais tem entendido que o inquérito policial tem valor probatório relativo. Isso significa que, de acordo com o caso concreto e com o grau de confiabilidade das informações extraídas do inquérito - haja vista que estas não são colhidas sob a égide da ampla defesa e do contraditório - é possível afirmar que o inquérito policial tem valor probatório, ainda que diminuto em razão de sua natureza inquisitiva. Algumas provas, tais como perícias e exames de corpo de delito, as quais necessitam ser realizadas em tempo, sob pena de perecimento das circunstâncias elementares à caracterização do fato típico, têm merecido validade em certas ocasiões, devido ao seu valor probante de caráter técnico e não de indiciamento. Vejamos decisão do STF corroborando esse fato:


"5001575 - HABEAS CORPUS - ACÓRDÃO QUE MANTENDO A SENTENÇA EMPRESTOU VALIDADE AO LAUDO PERICIAL - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA SOBRE A PERÍCIA TÉCNICA - INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - 1. A perícia não é um simples indício e sim prova técnica e, por isso, pode ser considerada pelo julgador na sentença, sem que caracterize cerceamento de defesa, pois o acusado, ciente da sua juntada ao inquérito policial que instruiu a ação penal, poderia pugnar por elidi-la. 2. Laudo pericial. Validade. Prova hábil a ser considerada judicialmente para demonstrar a imprudência do paciente que, ao conduzir o seu veículo em velocidade incompatível com o local e as condições do tempo, causou duplo atropelamento do qual resultou a morte de uma das vítimas. (STF - HC 73.647 - SP - 2ª T. - Rel. Min. Maurício Corrêa - DJU 06.09.1996)" (grifamos)


Porém, nos demais casos, diferentes daqueles em que há o perecimento da prova, o valor probatório do inquérito policial, além de relativo é limitado. Limitado, segundo MIRABETE, pela comprovação de prova judicial ou de elemento subsidiário para reforçar o que for apurado em juízo e, por corolário, firmar o livre convencimento do juiz. Disso, é possível inferir, com fulcro no princípio constitucional do contraditório, inadmissível seria fundamentar decisão condenatória amparada exclusivamente em inquérito policial. Nesse sentido, acena a jurisprudência do STJ:


"16034597 - RECURSO ESPECIAL - FURTO QUALIFICADO - RÉUS ABSOLVIDOS - PROVA POLICIAL NÃO CONFIRMADA EM JUÍZO - ACUSAÇÃO QUE TEM COMO SUFICIENTE, AS OBTIDAS EM INQUÉRITO POLICIAL, DESDE QUE NÃO CONTRARIADAS NA FASE JUDICIAL - DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA EM SENTIDO INVERSO - 1. Para que seja respeitado, integralmente, o princípio do contraditório, a prova obtida na fase policial terá, para ser aceita, de ser confirmada em juízo, sob pena de sua desconsideração. Tal significa que, acaso não ratificada na fase judicial, a solução será absolver-se o acusado. Precedentes. 2. Apelo raro que não se conhece. (STJ - REsp 93464 - GO - 6ª T. - Rel. Min. Anselmo Santiago - DJU 29.06.1998 - p. 333)" (grifamos).


TOURINHO FILHO, atenta ainda para o fato de que se no inquérito não há acusação - trata-se de procedimento meramente informativo - logo, não pode haver defesa. Sustenta haver manifesto equívoco daqueles que se fundam no dispositivo constitucional do art. 5º, LV, garantidor do contraditório e da ampla defesa aos acusados dentro do inquérito policial. Para ele, tal argumento falece diante da simples constatação de que no inquérito não há "acusados", mas apenas, "indiciados". Acusado é o indivíduo, detentor de direitos fundamentais, presente em denúncia ou queixa oferecida pelo titular da ação penal (Ministério Público); indiciado é o objeto da investigação policial.

Por outro lado, e até caminhando em direção ao cerne da questão, em brilhante decisão, o Ministro Relator CELSO DE MELLO do Supremo Tribunal Federal afirma o seguinte: "A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial" (STF - HC 73271 - SP - 1ª T. - Re. Min. Celso de Mello - DJU 04.10.1996 - p. 37100) (grifamos).

Ademais, e, no sentido de encontrar soluções para a celeuma acerca do valor relativo das provas contidas no inquérito policial, há aqueles que militam acenando para a possibilidade de modificar a natureza inquisitória do inquérito, consoante a nova ordem constitucional, viabilizando assim, sua credibilidade no contexto probatório da ação penal.

Para tanto, os militantes que buscam um Direito mais satisfatório e justo, clamam em favor da eqüidade, ou seja, de que haja um equilíbrio entre a natureza inquisitória do inquérito e os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ainda que na fase policial. A análise do inquérito sob essa ótica, mesmo se tratando de procedimento informativo, com efeito, traria benefícios para todos. O valor probatório do inquérito passaria a ter credibilidade; o advogado, nesta fase, seria tratado com mais tato, podendo exercer sua função constitucional de agente indispensável à administração da justiça, inclusive com os subsídios legais necessários, quer fiscalizando o inquérito, quer complementando-o; e o indiciado seria tratado como sujeito de direitos, respeitadas as suas garantias legais e constitucionais.

Por derradeiro, resta-nos complementar que nessa visão mais equânime, a ingerência do advogado do indiciado no inquérito, teria o caráter exclusivamente de fazer valer seus direitos sem, no entanto, obstar a investigação policial. Nesse passo, a ingerência ficaria atinente apenas aos atos distintos daqueles relativos à investigação policial e dos que, porventura, necessitem ser realizados com sigilo, sob pena de impossibilidade de sua produção.


CONCLUSÃO

Tendo em vista o entendimento jurisprudencial dominante, é possível dizer que o inquérito policial não possui valor probatório algum, salvo algumas exceções, tais como aquelas relativas a exames periciais e exames de corpo de delito. Isso porque, a maior parte das provas presentes do bojo do inquérito, depende, para a sua validade no curso da ação penal, de serem ratificadas em juízo. Ora, em sendo o entendimento de que a convalidação das provas está vinculada à sua corroboração em juízo, logo, pode-se dizer, que a sua realização na fase policial é pura perda de tempo, ou seja, é nula, ressalvadas as provas que podem perecer devido ao tempo exíguo para a sua concepção.

Embora esse entendimento possa ressoar como extremista, na verdade, se busca, não o argumento de que o inquérito policial é prescindível - pois faleceria diante da realidade - mas, ao revés, o argumento de que o inquérito policial é indispensável à investigação da autoria e da materialidade do fato típico.

Se o inquérito policial é praticamente desprezado, logo, percebe-se que há algo de errado em seus mecanismos de investigação, ainda que alguns poucos contestem sua necessidade existencial.

É exatamente nesse ponto que queremos chegar. Para nós, o cerne da questão do valor probatório do inquérito policial, no curso da ação penal, consiste na sua falta de credibilidade, no que tocante à confiabilidade policial, o que gera insegurança processual nas provas colhidas em seu bojo.

Não obstante, o inquérito policial queira ou não, é fundamental e decisivo e, em muitos casos, é capaz de absolver ou condenar o réu, ainda que a doutrina e a jurisprudência afirmem o contrário.

A respeito de toda essa celeuma e, na esteira do ordenamento constitucional, posicionamo-nos e comungamos do ideal daqueles que militam em favor do equilíbrio entre a natureza inquisitorial do inquérito e os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ainda que na fase policial. Ora, o inquérito policial não pode sobrepujar a Carta Política de 1988. O indiciado não pode mais ser tratado como objeto, mas deve sim, ser tratado como sujeito de direitos, dispondo das garantias legais e constitucionais.

Enganam-se aqueles que afirmam que a ampliação do contraditório e da ampla defesa na fase policial acarreta morosidade ao inquérito. Na verdade, o que deveras ocorre é o proveito do tempo e a satisfação das garantias do indiciado.

Alinhamo-nos, portanto, aos eminentes lutadores que se propõem a travar a dura batalha da edificação e do aprimoramento de um Direito mais equânime, buscando semear no ventre do inquérito policial, os direitos e garantias fundamentais preconizados na Constituição Federal, visando, por corolário, valorar seu conteúdo probatório, no anseio de que o direito sagrado à liberdade possa, finalmente, ser examinado com um sentimento mais honesto, mais justo e mais humano.



BIBLIOGRAFIA


Folio Views para Windows. Juris Síntese Millennium 4.2. Porto Alegre: Jan-Fev/2001. CD-ROM.

FURTADO, R. O. O advogado e o inquérito policial. Disponível em Acessado em 21.nov.2001.

JESUS, D. E. Código de processo penal anotado. 5. ed. São Paulo: Saraiva Data, 2000. CD-ROM. (Direito Informatizado Saraiva).

MIRABETE, J. F. Processo penal. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 1997.

NOGUEIRA, P. L. Curso completo de processo penal. 10. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 1996.

NORONHA, E. M. Curso de direito processual penal. 25. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997.

TOURINHO FILHO, F. C. Processo penal. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1.

Fonte: Escritório Online


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