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Escritório Online :: Artigos » Ensaios, Crônicas e Opiniões


Mandados judiciais - A linha tênue entre as figuras da autoridade e do autoritarismo

19/01/2003
 
Glauber Moreno Talavera



Não ensejamos palmilhar as desveladas veredas do Papa Gregório VIII, que embora estudioso da Vulgata, não conseguiu depreender o espectro do ensinamento consubstanciado no Cap. 7, vers. 17 de Eclesiastes: "Não sejas demasiadamente justo", e que, por deslembrar-se desta assertiva, após ter proclamado a terceira Cruzada, da qual participou o Imperador do Sacro Santo Império, Felipe I e, também, Ricardo I, afamado como Ricardo Coração de Leão, declarou: "Amei a justiça e odiei a iniqüidade; por isso morro em exílio".

Com fundamento nestas lições é que aferimos que a medida da Justiça está na ponderação das atitudes e no comedimento das deliberações, tal como se depreende da emblemática imagem da deusa mitológica Themis que, lamentavelmente, não tem a sua doutrina sedimentada no pensar de todos os cultores do Direito.

Exemplo de devaneios travestidos de Justiça são algumas decisões e procedimentos levados à efeito por alguns setores do Judiciário, que desdenhando dos institutos sedimentados na legislação e referendados pela doutrina, seguem incensando a própria imagem e promovendo o esvaziamento do exercício democrático dos direitos consubstanciados na Constituição Federal.

A expressão destes desvarios tem sido instrumentalizada na modernidade por meio de inúmeros mandados de bloqueio e liberação de valores, mandados de bloqueio e depósito, mandados de arresto e outros, expedidos a varejo nos autos de processos contra grandes empresas, tendo por peculiaridade que estas empresas mantêm suas contas-correntes, invariavelmente, em Agências bancárias situadas em grandes cidades e, que os citados mandados são para cumprimento no próprio lugar onde situa-se o Juízo que o expediu, em qualquer das Agências do Banco mantenedor da conta naquela localidade, às vezes lá nas quintas de Quiprocó do Centro-Sul.

As alegações, para tentar legitimar um suporte fático razoável para este disparate, são diversas. Nenhuma convincente. Pior, nenhuma sustentável sob a égide da legislação em vigor.

O mandado, do latim mandatum, de mandare, que quer dizer ordenar, significa o ato escrito emanado de autoridade pública, em virtude do qual deve ser cumprida determinada diligência ou medida ordenada ou determinada, nestes casos ordenada por Juiz de Direito. A peculiaridade que destoa da razoabilidade nos casos referidos é que as ordens devem ser dadas a quem tenha legitimidade e, sobretudo, possibilidade de cumpri-las, sob pena de, arbitrariamente, promover-se uma pseudo-tipificação do crime de desobediência, levado à efeito por alguém que não tinha condições objetivas de cumprir o quanto ordenado.

Inobstante, alguns magistrados, mesmo diante da demonstração cabal de que as agências bancárias não têm acesso a quaisquer dados concernentes a contas que não são mantidas nestas, apregoam que estes fundamentos são devidos a uma suposta tentativa de promover um efeito obstativo ao cumprimento dos mandados judiciais, desfilando seu desapreço por este "descumprimento afrontoso", na expressão de um meirinho policialesco que, de forma pouco articulada tecnicamente, tentava me explicar a "impostura" cometida por um gerente de Banco, por meio de um pretenso toque de Midas verborrágico, que visava muito mais esconder a chaga da vaidade que ainda permeia alguns setores do Judiciário neste país, do que, em verdade, dar seguimento a seu malfadado desiderato.

Curioso é conseguirmos precisar e imaginar, diante deste lastimoso quadro, qual é a utilização própria da carta precatória, que tem natureza jurídica de mandado extraído em um Juízo, requisitando ato que deva ser cumprido em Juízo diferente daquele que o expediu, ou seja, em outras palavras, exatamente o instrumento que deve ser levado à efeito para cumprimento destes mandados judiciais e, sobretudo para que não seja esquartejada a concepção chiovendiana de jurisdição.

Triste é o fato de este causídico, subscritor desta, estar na fila de atendimento da Agência bancária e ter tido a funesta possibilidade empírica de constatar o quanto Michel Foucault estava certo em sua "Microfísica do Poder", mormente quando apregoa que quanto maior é o poder, maior também é a ocultação da força.

Diante do calvário da tentativa de explicação do suarento gerente da Agência, que acometido pela gravidade de uma possível tipificação do delito de desobediência enfatizava a impossibilidade operacional de cumprimento do mandado de bloqueio e liberação de valores, o senhor Oficial de Justiça o entreolhava com olhos semicerrados e, tão logo terminada a elucidação, para desespero do funcionário do estabelecimento bancário, fitando incisivamente a mim e a mais um causídico que havia esboçado a medida do absurdo da exigência de cumprimento de um mandado naqueles termos, o meirinho sentenciou: "Se não tem pão, vai pau mesmo. Vou chamar a polícia."

Porém, diante da lastimosa dificuldade de caracterização da inoperacionalizável reprimenda contida no delito de abuso de autoridade, estes pasquineiros valentões seguem enfunando o peito, requisitando os bons préstimos de nossa truculenta "gestapo" tupiniquim e, ainda, inferindo credibilidade às suas credenciais supostamente progressistas. E como nesta terra de ninguém o ditado popular é "manda quem pode, obedece quem tem juízo", seguimos todos referendando a vetusta assertiva de Virgílio, em Eneida: "O medo acrescentou-lhe asas aos pés", sendo todos cúmplices e, ao mesmo tempo, vítimas de um processo de sabotagem dos institutos jurídicos, tão depauperado moralmente quanto o surrupio institucionalizado em todos os segmentos deste país, pois enquanto uns subtraem valores materiais, outros subtraem os espirituais e frustram a existência do ser humano holisticamente considerado.

Estes funcionários do judiciário são tão tão "justiceiros" como o outrora temido "mão Branca", pois roubam, fantasiados de sacerdotes inquisitoriais apoiados em uma falsa moral e em desconformidade com a lei, a coluna mestra do Estado Democrático de Direito, armados de um arremedo barato do gládio da Justiça. Um verdadeiro cenário dantesco de práticas draconianas. Um lamentável show de horrores. Mas, diante da nossa cumplicidade hipócrita já esboçada, sempre ancorada num medo inexplicável diante das autoridades constituídas, que não raro agem ao arrepio da lei, seguimos com Chico Buarque: "Mesmo com tanta lama... A gente vai levando..."

Fonte: Escritório Online


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