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Globalização e abertura econômica X regulamentação de mercado - bases e fundamentos para a racionalização da defesa da concorrência

02/10/2002
 
Diego Goulart de Oliveira Viana




Trata-se de monografia publicada na Revista do IBRAC (Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de Consumo) volume 08, n.º 2, 2001


I - INTRODUÇÃO

"Afirma-se por vezes que a globalização diminui a importância de órgãos reguladores como o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE), uma vez que a competição internacional substituiria a legislação antitruste. Uma análise cuidadosa revela, contudo, algo diametralmente oposto: a globalização torna imprescindível a existência de sistemas legais de defesa da concorrência[1] ."

Não há dúvida que a primeira parte do corolário acima transcrito não traduz a realidade analisada através de uma perspectiva global e coerente. Fatores internos e externos influem no sistema de livre mercado, tanto no âmbito nacional como nos grandes blocos comerciais, gerados principalmente pela disparidade existente entre os negociadores.
Em primeiro lugar, ao analisarmos as utopias denominadas de "blocos regionais de livre comércio" identificamos a necessidade de harmonização das legislações, no sentido de viabilizar o ordenamento das relações comerciais, bem como oferecer oportunidades iguais. Sem essa unicidade torna-se impossível que uma empresa de um país A (menos desenvolvido técnica e economicamente) possa competir em igualdade de condições com aquela empresa do país B (desenvolvido economicamente e dotado de tecnologia de ponta). Dessa forma, incentivos e facilidades

devem ser conferidos àqueles que os necessitam, viabilizando sua sustentação e desenvolvimento.
Posteriormente, identifica-se que em países onde foi promovida a desestatização foi necessária a criação de agências reguladoras, visando a qualidade dos serviços e o nivelamento de preços, por se tratarem de segmentos estratégicos da economia, como por exemplo, telecomunicações, energia e transporte. Nesse sentido, o que ocorre não é uma re-estatização e sim um fiscalização para a prestação de serviços de boa qualidade à preços acessíveis a seus destinatários, quais sejam, toda a população.
Por fim, salienta-se que ao estabelecer suas estratégias mercadológicas, as chamadas "empresas globais" visam instalar-se em países com regras claras e objetivas de defesa da concorrência, pois, como vislumbram grandes lucros à longos prazos, sabem que o que hoje aparentemente caracteriza-se por ser facilidade, amanhã transforma-se em expediente de práticas anticompetitivas por empresas rivais. Dessa forma, os países que desejam integrar a chamada primeira categoria da economia global, necessitam não só de leis antitrustes e contra práticas anticompetitivas, como, também, de modernos e eficientes sistemas de defesa da concorrência.
Por tais motivos torna-se infundada a tese de que o processo de abertura substituiria um sistema legal de defesa concorrencial. Logo, a globalização da economia brasileira não substitui um sistema eficaz de defesa da concorrência, e sim, o pressupõe.


II - ATUALIDADES
"Intervenção, para alguns, disciplinamento, para outros, o fato é que a ação antitruste constituiu-se em um elemento fundamental no redesenho do novo modus operandi da economia brasileira.[2] "

Até meados dos anos 90 a indústria brasileira, dentre outras características, apresentava rígido controle de importações, predominância de indústrias nacionais na produção de insumos básicos e liderança de empresas multinacionais nos seus setores mais dinâmicos e de maior valor agregado. Tais mecanismos visavam a viabilização da substituição das importações pela produção nacional, utilizando-se de manipulação das taxas de câmbio e do mascaramento do endividamento externo para, através de um amplo conjunto de agências e regulamentações, definir a estruturação do mercado, forjando as lideranças de cada setor.
Tal estratégia, além de sofrer o repúdio da comunidade internacional, aumentava as desigualdades sócio-econômicas em nosso país. Ora, o sistema de controle de preços e mercados possibilitava a total cartelização industrial, facilitada por reajustes idênticos para todas as empresas de um mesmo mercado, pela criação de interlocutores privilegiados junto ao governo e muitas outras práticas obscuras.
Com a abertura da economia às importações, a desregulamentação dos mercados e a privatização das empresas nacionais, instalou-se um novo modelo radicalmente distinto do anterior, necessitando, para prosperar, de uma nova organização institucional. Dessa forma, passou-se de um sistema de controle, para um sistema de defesa da concorrência.

"Após anos de intervenção do Estado na área econômica, a economia brasileira encontra-se numa fase de transição em termos de modelo de desenvolvimento. Superada a etapa de substituição das importações e interferência direta do Estado na conformação das estruturas industriais do País, o Brasil caminha para a adoção de uma economia de mercado.[3] "

Mais uma vez, torna-se mister esclarecer que a crescente competitividade das empresas em âmbito global, incrementada pela realização de fusões e aquisições, não é meio hábil de impedir a cartelização nacional, dotada de todas as práticas desleais de concorrência.
Em primeiro lugar porque há setores da economia, onde os produtos são chamados de non-tradables, cujos elevados custos com armazenamento e transporte os tornam imunes à competição internacional. Destarte, mesmo com a abertura das importações, o Brasil mantém inúmeros produtos tradables protegidos por barreiras tarifárias. Por outro lado, as fusões aquisições e joint-ventures, possibilitam a concentração de mercados internacionais, como por exemplo a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), exercendo práticas prejudiciais à ordem econômica, como, mantendo em tela o petróleo, o indiscriminado total controle de preços.
As ações destes verdadeiros oligopólios também se exprimem de formas dissociadas à variável preço, podendo, entretanto, lesar os interesses da sociedade, como, por exemplo, a venda casada e os acordos de exclusividade.
Não há duvida que tornava-se necessária a fiscalização estatal das práticas comerciais e concorrenciais, sendo emergencial a criação de um órgão com poder de polícia para viabilizar esse novo cenário nacional.
Com o advento da Lei 8.884/94, preteriu-se a criação de tal órgão, para determinar a transformação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, em autarquia, devendo esta, zelar pelo bem estar social e econômico dos consumidores, conforme observa-se no art. 1º do mencionado diploma legal, verbis:

"Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, liberdade de concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

§ único - A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei."

Assim, a consolidação do órgão de defesa da concorrência no Brasil representa, portanto, a passagem do Estado interventor para o Estado regulador.

III - CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA

"As economias que eram anteriormente protegidas da concorrência externa por meio de taxas de juros elevadas ficaram expostas não somente à concorrência comercial legítima, mas também às suas manifestações ilegais: práticas predatórias de comércio e práticas abusivas relacionadas ao poder econômico, que contrariam a livre concorrência. As práticas predatórias são assunto tradicional do regulamento multilateral na lei de comércio internacional, enquanto as práticas abusivas têm sido intensamente discutidas no âmbito internacional.[4] "

Nossa Carta Magna de 1988 restringiu a possibilidade de interferência do Estado na ordem econômica, não mais falando de intervenção e sim de atuação, litteris:

"Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei;

§ 4º - A Lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros."

As formas usuais de dominação dos mercados são os trustes e os cartéis. Os primeiros caracterizam-se por ser a imposição de grandes empresas sobre os concorrentes menores, visando seu afastamento do mercado ou sua concordância com a política de preços do maior vendedor. Já os cartéis, representam a composição voluntária dos rivais sobre certos aspectos do negócio em comum, sendo a mais usual a combinação de preços mínimos de venda/prestação de serviços.

"Mas essas duas formas básicas de abuso do poder econômico, através da união de empresas, podem assumir outras nuanças de grupismos, tais como as entendes de igualização ou de preço (formas de cartéis), o comptoir (cartel de venda), a união de interesses (garantia de dividendos ou repartição de lucros), o kozerne (base de racionalização técnica), o consórcio (união financeira simples), o stines (falso truste) e até mesmo a holding (controle de sociedades menores por uma super sociedade) e a multinacional, que exerce a holding em caráter nacional.[5] "

Para reprimir os abusos da economia privada, ou mais propriamente das poderosas empresas, a Lei 8.884/94 transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE em autarquia, estabelecendo o processo administrativo de apuração dessas infrações, bem como, o processo judicial de execução de suas decisões, podendo determinar, inclusive, a intervenção nas empresas infratoras.
Essa mesma lei, rege também a defesa da ordem econômica brasileira, como status jurídico a ser protegido no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), na lei de ação civil pública (Lei 7.347/85) e no Código de Processo Penal, para permitir a decretação da prisão preventiva de empresários como garantia de ordem econômica (art. 86).
Dessa forma, o CADE, vinculado ao Ministério da Justiça, constitui-se em órgão judicante com jurisdição em todo território nacional. Sua composição é determinada por nomeação do Presidente da República, integrado por um Presidente e seis Conselheiros, devendo todos serem possuidores de notável saber jurídico ou econômico e reputação ilibada. Tal nomeação, sujeita à aprovação do Senado Federal, determina o exercício de um mandato de 2 (dois) anos, sendo possível uma recondução.
Atuando junto ao CADE, criou-se uma Procuradoria, incumbida de prestar assessoria jurídica à autarquia e defendê-la em juízo. O Ministério Público Federal possui, ainda, ligado ao CADE, um representante que, nessa qualidade, deve ser oficiado nos processos sujeitos à apreciação do Conselho.
A apuração e propositura de medidas no sentido de corrigir as anomalias do mercado cabem à Secretaria de Direito Econômico - SDE, órgão do Ministério da Justiça, à qual compete, basicamente, acompanhar as atividades e práticas comerciais de todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que detenham posição dominante no mercado, de forma a prevenir e reprimir as infrações de ordem econômica.
Embora o CADE seja uma entidade que possua caráter judicante, com funções parajudiciais, ou quase-judiciais, tal circunstância não impede a revisão judicial de seus julgamentos, que não deixam de ser administrativos em sua essência.

IV - A DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Nos últimos anos, com o aumento da disputa comercial em razão da maior facilidade de aquisição de produtos importados, bem como devido a vultosos incentivos fiscais ao estabelecimento de indústrias estrangeiras em nosso país, foi necessária uma intensa atuação do CADE, visando a preservação do mercado e dos consumidores.
Por outro lado, as empresas nacionais, ávidas pela conquista de mercado, inclusive em âmbito internacional, proporcionaram àquela autarquia grande projeção na mídia.
Não há dúvida que os casos envolvendo a aquisição da Kolynos do Brasil Ltda. pela empresa Colgate-Palmolive Company e a fusão da Cia. Cervejaria Brahma com a Cia. Antártica Paulista, formando a Companhia de Bebidas das Américas - AMBEV, foram os expoentes da atuação do CADE, desde a criação da Lei 8.884/94.

" Caso KOLYNOS

A Colgate-Palmolive Company é uma empresa americana que mantém operações em mais de 75 países, tendo, nos últimos anos exportado seus produtos para mais de cem países. Atua no seguimento de higiene e limpeza, destacadamente higiene bucal, pessoal, produtos para limpeza doméstica, cuidados com tecidos, bem como em seguimentos da indústria de nutrição animal.
No Brasil, possui como subsidiárias as empresas C-P Têxtil Indústria Comércio Ltda. e Colgate-Palmolive Ltda. Por sua vez, Colgate-Palmolive Ltda. possui outras empresas que a suprem de matérias e subsídios industriais.
A empresa American Home Products , sediada nos EUA e detentora da Kolynos do Brasil Ltda., atuava no mesmo ramo da Colgate-Palomlive tendo, entretanto, modificado sua estratégia de mercado, em função da aquisição de empresas atuantes em outros ramos de atividade.
Dentre as empresas de grande porte que operam no mercado brasileiro de saúde bucal, a Kolynos é a única que se dedica exclusivamente à produção de linhas de produtos de higiene bucal - cremes, escovas e fios dentais e enxagüante bucal, possuindo a liderança de vendas no segmento de creme dental e sendo vice-líder, em valor de vendas no segmento de escova dental. A venda da Kolynos era inevitável para tornar possível as mudanças planejadas por sua controladora americana.
Ora, a união desses verdadeiros gigantes no âmbito da higiene bucal poderia com certeza, se não fosse regrada, proporcionar a dominação do mercado pela eliminação da concorrência. Entretanto, a Lei 8.884/94, possui o poder de evitar tal ocorrência, litteris:

"Art.54 - Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE."

Com 90 % de seu faturamento gerado pela comercialização de creme dental, Kolynos, tendo em vista dedicar-se exclusivamente ao ramo de higiene bucal, possui um grau de verticalização elevado em sua cadeia produtiva[6] , devido ao fato de produzir, através de uma subsidiária os tubos de alumínio utilizados na embalagem do creme dental.
Para Palmolive, da mesma forma que para Kolynos, o creme dental é responsável por 90% de seu faturamento nesse seguimento, representando 32% de seu faturamento total. Entretanto, sua cadeia produtiva possui verticalização baixa, tendo em vista sua dependência na aquisição de dos tubos laminados para seu acondicionamento, representando seus maiores custos para essa linha de produto.
Analisando-se as bases produtivas das duas empresas, bem como seus faturamentos, percebe-se que a aquisição da Kolynos pela Palmolive proporcionaria a efetivação da erradicação das "deficiências" mercadológicas de Palmolive, não representando apenas um incremento na verticalização de sua cadeia produtiva, mas, sobretudo, a ampliação do seu grau de concentração.
Entretanto, nos termos apresentados, a operação não cumpre integralmente os requisitos necessários à sua aprovação, sob à ótica da Lei 8.884/94, conforme o voto da Conselheira-Relatora do CADE, Dra. Lúcia Helena Salgado e Silva, verbis:

"Aprovo a operação no que concerne aos mercados relevantes de escova dental, fio dental e enxagüante bucal, posto não apresentar dano ou ameaça de dano à concorrência. Aprovo a operação de aquisição da atual KOLYNOS pela COLGATE COMPANY no que concerne ao mercado relevante de creme dental, desde que aceito um dos três conjuntos de condições detalhados abaixo[7] (...)"

Cumpre esclarecer que as três hipóteses cotejadas pela Ilma. Relatora, diziam respeito à não utilização da marca KOLYNOS pelas empresas. Fosse através de licenciamento exclusivo para terceiros, alienação da marca ou suspensão temporária de seu uso, visava a Relatora, permitir o fortalecimento da posição das marcas de menor expressão já instaladas no mercado.
No caso concreto, tendo sido escolhida a opção referente à suspensão temporária, o mercado brasileiro ficaria quatro anos sem a comercialização ou propaganda de qualquer produto identificado pela marca KOLYNOS, em sua forma nominativa, figurativa, mista ou suas tão conhecidas características pictóricas, com a combinação das cores amarela e verde.

" Caso AMBEV

O mercado nacional de cervejas experimentou nas décadas de 70 e 80 uma modificação estratégica. Caracterizava-se pela incorporação de empresas regionais pelas duas maiores companhias do mercado - Brahma e Antártica - evoluindo de uma situação de desconcentração e regionalização para a consolidação de uma estrutura concentrada em escala nacional.
Nesse sentido, a Antártica possui um portifólio de trinta e três diferentes marcas de cerveja, incluindo-se nesse rol a BOHEMIA, BAVÁRIA, POLAR, KRONENBIER, e logicamente a ANTÁRTICA, entre outras; enquanto a Brahma detém apenas onze, podendo citar-se a CARACU, SKOL, MILLER e BRAHMA.
Entretanto, a superioridade numérica de marcas não garante à Antártica uma maior venda de seu produto, conforme comprova a tabela abaixo:

EMPRESASANTÁRTICABRAHMAKAISERSCHINCARIOLOUTROS
PERCENTUAL DE VENDAS NO TERRITÓRIO BRASILEIRO 25,4 48,1 15,9 7,5 3,1

(Fonte: Nielsen, Sindicerv, SEAE, SDE, requerentes e Kaiser)

Não obstante tais dados, as empresas Brahma e Antártica figuram, respectivamente, na 4ª e 15ª posições na produção mundial de cerveja, estando ambas em ascensão por crescimento na produção e aumento de vendas.

"As empresas do setor de cerveja operam com produtos (marcas) diferenciados, que exigem elevados investimentos em publicidade, dependendo de uma eficiente e capilarizada rede de distribuição para garantir a eficácia do marketing realizado para manter a reputação conquistada[8] ."

No tocante a sua comercialização em território nacional, e ultrapassada, momentaneamente, a questão do marketing do produto, a metodologia de distribuição da cerveja determina a existência de três grupos de mercados: o bar (consumo local e imediato, ex.: bar, restaurante, lanchonetes e casas noturnas), o tradicional (consumo em local diverso, mas de simples organização comercial, ex.: padarias mercearias e armazéns) e o auto-serviço (consumo em local diverso, mas com complexa organização comercial, ex.: supermercados e hipermercados).
Para a cerveja chegar ao mercado, é necessária a efetivação da distribuição da produção que, conforme seu destinatário, apresenta características bem definidas. Enquanto para o mercado auto-serviço a distribuição é própria, ou seja, efetuada pela empresa produtora, para os mercados tradicional e bar a mesma se dará através de distribuidoras terceirizadas.
A maior parte da produção, aproximadamente 72%, é vendida nos mercados tradicional e bar, sendo assim distribuídas por terceiros. O atendimento a estes dois mercados exige a montagem de uma extensa e eficiente rede de distribuição para o atendimento dos pontos de venda que são, de maneira geral, constituídos de pequenos negócios dispersos em áreas geográficas diferenciadas.
Para tal, os fabricantes celebram contratos de distribuição, buscando otimizar a atuação/penetração de suas marcas e produtos nas regiões referentes aos contratos. Tais contratos apresentam cláusulas de exclusividade na venda do conjunto das marcas do fabricante em determinadas áreas geográficas, possibilitando, assim, uma maior eficiência à indústria da cerveja ao incrementar a cooperação entre produtor e distribuidor, visando sempre o alcance do consumidor final, conforme corroboram as conclusões do Ilmo. Procurador-Geral do CADE Amauri Serralvo, litteris:

"A presença de uma rede de distribuição exclusiva com capacidade de atingir milhares de pontos de vendas localizados nas diversas regiões do país parece ser um traço distintivo da indústria de cerveja no Brasil, sendo sua constituição condição essencial para o ingresso e operação competitiva nesta indústria[9] ."

Ora, a rede de distribuição é o principal elemento gerador de barreiras no mercado brasileiro de cervejas. É notório que os distribuidores das cervejarias atuam em áreas determinadas e exclusivas e que as empresas Brahma e Antártica dispõem cada uma, de mais de oitocentos revendedores que atendem cerca de um milhão de pontos de venda distribuídos por todo o país.

Com a fusão das duas empresas, se realizada nos moldes planejados, determinaria um violento crescimento em seu poder de mercado, por tratar-se do aproveitamento de 73,5% do consumo total no território nacional. Tal crescimento ocasionaria o aumento da subordinação do distribuidor terceirizado, que tendo seu poder contestatório reduzido pela ausência de fornecedor concorrente, sujeitar-se-ia aos comandos da cervejaria agora identificada como Companhia de Bebidas das Américas - AMBEV.
Dessa forma, com a efetivação da fusão, a AMBEV seria detentora de amplo mecanismo de "escoamento" de sua gigantesca produção, atingindo a um só tempo os concorrentes, distribuidores, comerciantes e consumidores finais, retirando-lhes o livre arbítrio e a possibilidade de escolha do produto a comercializar/consumir.
Impossível, também, vislumbrar a solução do caso mediante a redução ou até eliminação de alíquotas de importação, pois as barreiras naturais e culturais ao comércio desse produto são suficientes para neutralizar, ou ao menos retardar por extenso período, a entrada de novo concorrente capaz de contestar a posição dominante da AMBEV. Nesse distante futuro, fábricas estariam fechadas e as outras cervejarias nacionais destruídas.
Constata-se, assim, que a criação da AMBEV concentra o mercado de cerveja, existindo barreiras à entrada de novos concorrentes, determina seu domínio (maior do que 70%), e passando a ser, dessa forma, danosa ao regular andamento do mercado.
Devido a tais razões, o CADE aprovou o ato de concentração da AMBEV, desde que implementadas algumas medidas visando a defesa da concorrência no mercado de cerveja.
As alienações da marca BAVÁRIA, de uma unidade fabril (em perfeito estado de conservação e apta a disputar mercado regional), como exemplo de medidas obrigatórias determinadas pelo CADE, poderiam ser inócuas se não houvesse a determinação da obrigatoriedade do compartilhamento com seu comprador, de sua rede de distribuição em todo território nacional. Assegura-se, assim, a distribuição e penetração por parte do comprador em todo território nacional onde a AMBEV estiver presente, estabelecendo-se igualdade de condições com aqueles produtos. Ressalta-se que em locais onde houver a distribuição direta, deverá a AMBEV distribuir pela sua rede própria, os produtos do comprador referentes ao mercado de cervejas, dispensando-se o comprador do pagamento da comissão de distribuição à AMBEV, nos primeiros 4 (quatro) anos.
Outras medidas foram determinadas e negociações ocorrem todos os dias, cabendo argumentações da AMBEV referente à criação de empresa nacional forte e com possibilidade de enfrentar as gigantescas multinacionais, mas também de seus concorrentes e do CADE, esclarecendo que a dominação do mercado, nos moldes apresentados no caso, ferem a liberdade de comércio, mas principalmente a liberdade de escolha de seu consumidor final.

V - CONCLUSÕES

Após anos de intervenção do Estado na área econômica, a economia brasileira encontra-se em uma fase de transição em termos de modelo e desenvolvimento.
Verifica-se que o desenvolvimento econômico leva, muitas vezes, grupos econômicos a concentrarem-se, visando maiores ganhos, aumento de sua produção e redução de seus custos. Entretanto, tais práticas podem afetar (e afetam) a livre (e justa) concorrência, justificando-se, assim, a intervenção estatal sobre tais operações:

"A concentração, em qualquer das suas modalidades, afeta o Direito Antitruste na medida em que pode gerar a substituição de órgãos decisórios independentes por um sistema unificado sobre antigos concorrentes. Se ele(o Estado) não exerce esse controle hoje, nada impede que o venha exercer amanhã. Esta unificação (ou sua possibilidade), portanto, é a antítese da concorrência. Afinal, ao consumidor interessa dividir (os concorrentes) para reinar. Quando estes se unem, o consumidor perde a liberdade de escolha[10] ."

Deve-se entender que o que leva à concentração do poder econômico é simplesmente um ato jurídico realizado entre as empresas, não sendo relevante sua nomenclatura. É despiciendo sua classificação em "fusão", "incorporação", etc... Cabe analisar se tal ato jurídico proporciona um ato de integração de forças econômicas, impossibilitando ou inviabilizando a superveniência de qualquer concorrente, ou criando um centro econômico unívoquo, impedindo decisões e comportamentos diversos do estabelecido por esse ente controlador.
A concorrência deve ser livre, mas justa. Nunca a justiça foi viável se dissociada do poder soberano do Estado. Por tais motivos a intervenção é necessária, como necessária é a autonomia empresarial. Entretanto, os defensores dessa última nunca podem esquecer-se que a liberdade e os direitos dos cidadãos não podem ser retiradas do manto protetor do Estado de Direito.


Notas do texto:

[1] OLIVEIRA, Gesner. Globalização, abertura e concorrência. Revista de Direito Econômico. Brasília, abr./jun. 1996.

[2] PEREIRA, Edgard Antonio. Pontos para uma agenda econômica para a ação antitruste. Revista de Direito Econômico. Brasília, abr./jun. 1996.

[3] FAGUNDES, Jorge. Estado e defesa da concorrência. Revista de Direito Econômico. Brasília, jan./mar. 1996.

[4] NORONHA GOYOS JR., Durval. Ensaios sobre direito internacional. Ed. Observador Legal. São Paulo, 1999, p. 206.

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Ed. Malheiros, 25ª ed. São Paulo, 2000, p. 591.

[6] Esclarece-se que a cadeia produtiva do creme dental divide-se em três etapas básicas: manufatura de tubos laminados, fabricação do creme e enchimento do tubo com creme.

[7] SILVA, Lúcia Helena Salgado e. Ato de Concentração n.º 24/94 - Requerente: Kolynos do Brasil Ltda. Ministério da Justiça - Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, 1996.

[8] SERRALVO, Amauri. Parecer Caso AMBEV. Ministério da Justiça - Procurador-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, 2000.

[9] Op. Cit.

[10] CARVALHO, Nuno T. P. As concentrações de empresas no direito antitruste. Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1995, p.95.


Bibliografia:


> CARVALHO, Nuno T. P. As concentrações de empresas no direito antitruste. Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1995, p.95;

> FAGUNDES, Jorge. Estado e defesa da concorrência. Revista de Direito Econômico. Brasília, jan./mar. 1996;

> Lei 8.884/94;

> MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Ed. Malheiros, 25ª ed. São Paulo, 2000, p. 591;

> NORONHA GOYOS JR., Durval. Ensaios sobre direito internacional. Ed. Observador Legal. São Paulo, 1999, p. 206;

> OLIVEIRA, Gesner, Globalização, abertura e concorrência. Revista de Direito Econômico. Brasília, abr./jun. 1996;

> PEREIRA, Edgard Antonio. Pontos para uma agenda econômica para a ação antitruste. Revista de Direito Econômico. Brasília, abr./jun. 1996;

> SERRALVO, Amauri. Parecer Caso AMBEV. Ministério da Justiça - Procurador-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, 2000;

> SILVA, Lúcia Helena Salgado e. Ato de Concentração n.º 24/94 - Requerente: Kolynos do Brasil Ltda. Ministério da Justiça - Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, 1996.

Fonte: Escritório Online


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