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A polêmica da multa moratória prevista nas convenções condominiais

19/02/2003
 
Luciane Lopes Silveira



Com o advento do Novo Código Civil Brasileiro, em vigor desde 10.01.2003, foram introduzidas inúmeras alterações na vida dos brasileiros, e dentre elas, novas regras a respeito do condomínio edilício.

A grande discussão travou-se acerca do parágrafo primeiro do art. 1336 do Novo Código Civil, que versa a respeito das penalidades a serem suportadas pelo condômino que não pagar a sua cota condominial na data aprazada. Lá está estabelecida a incidência de juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.

A primeira questão que nos aflige é se tal previsão legal incidirá também no caso de convenções já aprovadas de acordo com as orientações da Lei 4591/64, a qual em seu artigo 12º, parágrafo terceiro, autorizava à Convenção estabelecer multa, em tal circunstância, de até 20% sobre o débito.

Inúmeras vozes manifestaram-se no sentido de garantir a plena eficácia do conteúdo de tais convenções, e portanto, a não aplicação da norma do Novo Código, com fundamento no ato jurídico perfeito, que não poderia ser atingido por lei nova. A defesa deste entendimento apega-se ao disposto no art. 6º do Decreto-Lei 4657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil) , bem como no inciso XXXVI do art 5º da CF/88, que, em síntese, protegem o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Ousamos divergir de tal entendimento porque não julgamos possível invocar o ato jurídico perfeito de forma isolada.

O problema é de âmbito do direito intertemporal, o que exige cautela na sua análise. Em primeiro lugar, há que se atentar para a definição de ato jurídico perfeito formulada por Caio Mário da Silva Pereira “...é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou . É o ato plenamente constituído, cujos efeitos se esgotaram na pendência da lei sob cujo império se realizou, e que fica a cavaleiro da lei nova. ”

É verdade que a lei nova não atinge as situações que se cumpriram e esgotaram sob a égide da lei antiga, estas estão definitivamente consolidadas. De outro lado, aquelas situações que nasceram sob o império da lei anterior, mas continuam a produzir efeitos sob o da lei nova, a esta última devem se subordinar.

Verifica-se que no caso, os efeitos da convenção não se esgotaram, posto que se tratando o pagamento de taxas condominiais de obrigação que se prolonga no tempo, a cada vencimento tem-se uma obrigação nova, exigindo que se aplique em relação ao descumprimento da mesma, a norma pertinente à mora vigente ao tempo em que esta ocorreu.

Outro aspecto relevante são as diretrizes do Novo Código, cujo texto abandona o seu caráter nitidamente individualista/patrimonial (com grande valoração da propriedade), perdendo o caráter de tutela exclusiva do indivíduo, para assumir uma nova concepção, que privilegia o princípio da socialidade do Direito, prevalecendo os valores coletivos sobre os individuais.

Esta diretriz da socialidade também é percebida quando o Novo Código contempla expressamente o Princípio da Função Social do Contrato, no art. 421, onde fica, agora, positivado em nosso ordenamento jurídico civil.

O legislador, previdente, certamente temendo discussões desta natureza, parece ter preferido espancar qualquer dúvida quando disciplinou no parágrafo único do art. 2035 que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Os preceitos de ordem pública aqui referidos, tem ampla repercussão na vida social, a ponto de afetar diretamente a relação que se dá entre os particulares. É possível dizer que tais princípios são de direito privado, normatizando a relação entre pessoas singulares, mas atuam na tutela do bem coletivo onde por meio da imperatividade do comando estatal tornam-se inderrogáveis pela vontade das partes e cujos efeitos apresentam-se insuscetíveis de renúncia.

A convenção condominial sofre inafastável interferência de tais princípios de ordem pública, submetendo a autonomia do consenso de vontades, lá posta, à prevalência do interesse público, com força para derrogar as pactuações que contrariem tal interesse.

A convenção condominial não é propriamente um contrato. Sua natureza é de ato-regra (classe do ato jurídico lato sensu), onde os seus efeitos não se restringem aos condôminos que convencionaram as regras nela inseridas, pois irradia efeitos de forma que sua força cogente alcança terceiros. Isto lhe desnatura como simples pactuação entre as partes, mas não a escuda da submissão aos preceitos de ordem pública, seguindo a mesma esteira dos contratos legitimamente considerados .

No trato da multa moratória devemos ter em mente que para extrairmos o sentido da interpretação dos dispositivos legais já referidos é preciso que se insira a parte no todo, visto que, a norma não pode ser interpretada somente diante do que, isoladamente, nela está escrito, mas acima de tudo observado o contexto jurídico-legal onde está inserta. E é justamente estribados no sentido social do Novo Código e na sua natureza de ordem pública que os novos dispositivos devem ser interpretados e aplicados.

É forçoso concluir que a multa a ser aplicada nas taxas condominiais vencidas após 10.01.2003, é a de 2% (dois por cento), e não mais aquela prevista na convenção condominial já aprovada.

A conclusão a que chegamos não é a que mais nos agrada, posto que a redução da multa diante do inadimplemento de taxas condominais vem em prejuízo dos Condomínios, mas, salvo melhor juízo, é a que melhor se coaduna com o espírito deste novo diploma legal, bem como com a análise de todas as questões postas acima. Mas, se tal previsão legal é justa, já é uma outra história...

Fonte: Escritório Online


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