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Escritório Online :: Artigos » Direito Médico


O remédio legal para os agentes da saúde

10/11/2000
 
Valdecir Fernandes Pascoal



Não. Não há contradição no título acima. Os usuários ou “pacientes” do PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde) e do PSF (Programa de Saúde da Família), na maioria dos Municípios, estão sendo beneficiados com a eficiência de ambos os programas. Trata-se, sem dúvida, de um avanço em matéria de saúde pública e a prova disso é que muitos Municípios estão ganhando prêmios de organismos nacionais e internacionais. Com efeito, a implantação desses programas, através de convênios entre as três esferas estatais (União, Estados e Municípios), é um direito da sociedade e um dever do Estado (CF, artigos 6º, 196 a 200) .

Mas se os “pacientes”, em regra, estão sendo bem tratados pelo Estado, o mesmo não se pode afirmar em relação aos responsáveis diretos pelo tratamento (leia-se, médicos, enfermeiros, odontólogos, agentes de saúde, etc.), que estão à mercê de “patologias” próprias daqueles que não possuem a mínima segurança quanto ao presente e ao futuro. Tudo isso é resultado da forma de recrutamento desses profissionais. Em muitos Municípios esse recrutamento vem sendo efetuado da maneira mais informal possível. Não há qualquer instrumento formal disciplinando a relação de trabalho desses profissionais com a Administração (não são celetistas, nem estatutários e não estão vinculados a qualquer regime de previdência). Outros Municípios lançaram mão das chamadas “cooperativas de trabalho”, instrumento que, além de inadequado, revela-se claramente inconstitucional. Sendo forma de terceirização, a parceria com cooperativas só pode ser implementada em relação às atividades-meio da Administração (sobre o assunto, Cf.: Decisão do TCE-PE Nº 01333/95, TRT- 6ª Região RO Nº 1.804//97; Enunciado Nº 331 do TST; opinião da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro em: Parcerias na Administração Pública, 3ª ed., São Paulo : Atlas, 1999, pp. 162/175 e do Subprocurador Geral da República, Wagner Gonçalves: Parecer sobre Terceirização e Parcerias na Saúde Pública, extraído do site: www.datasus.gov.br/cns).

Resultado: trabalhadores sem qualquer proteção em matéria de direitos sociais e trabalhistas, tendo como contrapartida tão somente a remuneração mensal. Qualquer tentativa de perceberem direitos na Justiça, sobretudo a do trabalho, são consideradas improcedentes em virtude da ilegalidade do vínculo. Ademais, também em razão dessa ilegalidade, os responsáveis pelas admissões, especialmente os Prefeitos, estão sendo constantemente punidos pelo Tribunal de Contas e enfrentando ações penais impetradas pelo Ministério Público.

Com efeito, quando se está diante de uma prestação de serviço vinculada a uma atividade tipicamente estatal, como é o caso da saúde pública, o recrutamento de profissionais deverá estar consentâneo com as exigências constitucionais. Poder-se-ia alegar que em se tratando de um programa de saúde que, a rigor, não possui a presunção de definitividade, não haveria no ordenamento jurídico um instrumento eficaz e adequado a contemplar essa situação. Haveria um vazio legislativo. Por esse entendimento estar-se-ia, então, diante daquilo que o jurista francês Gaston Morand, referindo-se à falibilidade do código napoleônico de 1804 (editado no auge do prestígio da escola da exegese, que pressupunha ter regulado todas as situações socialmente possíveis), denominou de “a revolta dos fatos contra os códigos”. Em outras palavras: a dinâmica social criava situações não reguladas pelo legislador. Mas o fato é que, não obstante a novidade, a singularidade e as especificidades do PACS e do PSF, é forçoso dizer que o ordenamento jurídico nacional já estabelece os mecanismos legais para recrutamento dos profissionais que atuam nesses programas. E a grande ironia de tudo isso é que não há qualquer novidade. A Administração não precisa recorrer a terapêuticas excêntricas; senão vejamos.

Como não há garantias da continuidade dos referidos programas de saúde e tendo-se em conta que a grande parte dos recursos alocados são oriundos do Governo Federal, a alternativa legal para o recrutamento dependerá da capacidade econômico-financeira de cada Município. Para os Municípios que possuam uma capacidade financeira consistente, o instrumento legal deverá ser o “velho” concurso público (CF, artigo 37, II). Em tempos de tanta “modernidade” ainda não se conseguiu inventar instrumento mais ético, moral, impessoal, objetivo e eficaz do que o concurso público. Para atender a um dos pressupostos dos programas de saúde (participação direta da comunidade), o certame deverá ser regionalizado, de sorte que apenas profissionais que vivenciem a realidade de cada municipalidade poderá participar do processo seletivo.

Mas, qual o motivo de o concurso não ser uma alternativa adequada para os pequenos e médios Municípios, que não possuam uma capacidade financeira tão sólida? É que os grandes Municípios, mesmo diante do término dos convênios, poderiam, a partir de uma decisão de governo, dar continuidade aos programas de saúde com recursos orçamentários próprios, de sorte que os profissionais, admitidos mediante concurso e detentores de estabilidade no serviço público (CF, artigo 41), continuariam sendo necessários para a administração. O mesmo não ocorreria nos pequenos e médios Municípios que houvessem realizado concurso. Nesse caso, diante da limitação orçamentário-financeira, esses Municípios não poderiam dar continuidade aos programas de saúde. Mesmo assim, graças à estabilidade adquirida pelos servidores admitidos por concurso, esses Municípios continuariam com a obrigação de remunerá-los, ainda que em disponibilidade. Tais Municípios, por uma questão de racionalidade e planejamento, não devem assumir esse risco.

Diante de todas essas nuances (especialmente a presunção de transitoriedade dos programas e a possível estabilidade adquirida pelo servidor concursado), o remédio jurídico mais consentâneo para os pequenos e médios Municípios será a contratação por prazo determinado, prevista no artigo 37, IX da Constituição Federal, que existe, justamente, para “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”. Tais contratos devem ser regulados por lei municipal específica, que deverá, dentre outras coisas, estabelecer: (1) a necessidade de realização de seleção pública regionalizada para o recrutamento dos profissionais; (2) o prazo de duração dos contratos como sendo o prazo de duração dos convênios; (3) o regime jurídico dos contratados: celetista, estatutário ou um regime administrativo próprio que relacione, no mínimo, os direitos sociais estatuídos no artigo 39, §3º da Lei Maior e (4) vinculação desses profissionais, nos termos do artigo 40, §13º da CF (com a redação da EC Nº 20), ao regime geral da previdência social.

Poder-se-ia alegar a impossibilidade jurídica de se estabelecer um prazo contratual igual ao prazo de duração dos convênios. A Constituição do Estado de Pernambuco, por exemplo, até o advento da ECE Nº 16, continha um artigo que fixava em, no máximo, um ano a duração do contrato por prazo determinado, sendo vedada a recontratação. A revogação desse dispositivo foi um avanço. Ressalvando algumas situações, a exemplo da contratação para suprir férias, licenças ou aposentadorias de servidores efetivos, a duração dos contratos deve ficar condicionada ao termo do fato que enseja a situação excepcional e transitória. Contratações que se destinem a combater um surto de determinada doença, por exemplo, devem durar até a restauração da normalidade. O fim dos contratos ou a obrigatoriedade de contratar outros profissionais, nesses casos em que a anormalidade permanece, revela-se uma exigência desarrazoada e contrária ao interesse público. Ressalte-se, contudo, que para evitar a utilização indevida desse instituto, as leis de cada ente estatal que disciplinarem os contratos devem exigir a realização de processo seletivo público (ressalvando apenas situações excepcionalíssimas de calamidade pública), bem como uma sólida justificação por parte da autoridade administrativa. Aos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, cumpre ficar atentos a fim de inibir e, se for o caso, punir condutas que extrapolem essa prerrogativa constitucional.

Na verdade, em matéria de eficácia, objetividade, impessoalidade e moralidade, a utilização da contratação por prazo determinado, nesses termos e nessas circunstâncias, em nada difere da utilização do concurso público. Apenas, vale repetir, revela-se o instrumento constitucional mais adequado para aqueles Municípios que não tenham condições de suportar, com recursos próprios, o ônus financeiro desses programas de saúde caso deixe de haver a contrapartida dos outros entes estatais.

Valendo-se dessas duas formas de recrutamento, a administração estará aliando ao sucesso e à eficiência dos programas de saúde, um padrão mínimo de dignidade e de valorização do trabalho humano desses servidores que atuam nessa atividade essencial. Não se trata de estabelecer o “paraíso”, mas não se pode negar que a utilização de concursos públicos ou de contratos por prazo determinados, nos moldes aqui delineados, além de evitar todas as conseqüências advindas de um julgamento negativo por parte dos Tribunais de Contas, retirarão esses profissionais do verdadeiro “limbo” em que se encontram em matéria de direitos sociais decorrentes da relação com a administração pública.

Fonte: Escritório Online


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