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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


A prisão temporária e o Estado Democrático de Direito

08/04/2001
 
Lígia Mabel Duarte dos Santos Fernandes Barbosa



INTRODUÇÃO

A prisão é o cerceamento da liberdade individual de ir e vir. Esse conceito de prisão pode abranger a duas espécies: a primeira é a prisão como pena ou prisão-sanção, ou seja, decorrente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória e a segunda a prisão sem pena, ou seja, aquele tipo de prisão cautelar ou mesmo chamada de prisão preprocessual. Nesta última, o Estado impõe ao indivíduo o sofrimento de ser privado de sua liberdade sem ter havido uma condenação definitiva, é uma medida de execução cautelar de natureza pessoal.

O presente trabalho visa a tecer comentários a respeito de uma das modalidades de prisão sem pena, que é a prisão temporária, levando-se em consideração o Estado Democrático de Direito. Visa-se então a verificar se há ou não a legalidade em seu estabelecimento.


PRISÃO TEMPORÁRIA


1.1 CONCEITO


Seu preceito legal encontra-se estabelecido pela Lei n.º 7.960 de 21 de dezembro de 1989, que dispõe sobre a prisão temporária :


Art. 1.º Caberá prisão temporária:

I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:


homicídio doloso (art. 121, caput, e seus § 2.º);

seqüestro ou cárcere privado ( art. 148, caput, e seus §§1.º e 2.º );

roubo ( art. 157, caput, e seus §§ 1.º, 2.º e 3.º);

extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1.º e 2.º );

extorsão mediante seqüestro ( art. 159, caput, e seus §§ 1.º, 2.º e 3.º);

estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

atentado violento ao pudor ( art. 214, caput e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1.º );

envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com o art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do código Penal;

genocídio ( arts. 1º, 2º e 3.º da Lei n.º 2.889, de 1º de outubro de 1956), em qualquer de suas formas típicas;

tráfico de drogas ( art. 12 da Lei n.º 6.368, de 21 de outubro de 1976);

crimes contra o sistema financeiro ( Lei n.º 7.492, de 16 de junho de 1986).


HISTÓRICO


A prisão temporária, como já foi anteriormente mencionada, é uma espécie de prisão cautelar, na medida em que não houve ainda o trânsito em julgado da condenação. Nada mais é do que a antiga prisão para averiguações que antigamente existia à época de ditadura vivida pelo nosso país.

No Governo Costa e Silva e no Governo do General Geisel havia a chamada prisão para averiguações. Contudo tal medida não logrou êxito, e passando o período da chamada ditadura, este tipo de prisão foi " banida " , sendo criada a chamada " Prisão Temporária " .

Ao Congresso Nacional foi encaminhada uma Medida Provisória dispondo da matéria dessa espécie de prisão cautelar. Dispunha aquele diploma que seria permitido inclusive a decretação da incomunicabilidade. Posteriormente tal dispositivo foi afastado, mesmo porque se no próprio Estado de Defesa que é estabelecido no art. 136, § 3.º, IV, da Constituição Federal, não se permite tal medida, não haveria porque a mesma ser estabelecida numa simples investigação.

Mesmo apesar de não mais se ter a permissão da incomunicabilidade, a prisão temporária é considerada como medida arbitrária, pois não se pode considerar alguém culpado sem que haja o trânsito de uma sentença penal condenatória; norma esta estabelecida pela Constituição Federal, malgrado seja decretada por um juiz competente, vendo nesse aspecto o seu caráter constitucional.



PRISÃO TEMPORÁRIA

1.3.1 Quem tem o poder de decretá-la

É sabido em quais condições se decreta uma prisão temporária, e quem tem o poder para decretá-la é tão-somente o magistrado, mas este somente poderá tomar tal medida quando da representação de Autoridade Policial ou a requerimento do Ministério Público, jamais o juiz poderá atuar de ofício.

1.3.2 Prazo máximo para a prisão temporária

Seu prazo máximo de duração é de 05 (cinco ) dias, prorrogáveis por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade; em se tratando de crimes hediondos o seu prazo passa para 30 (trinta) dias, sendo também prorrogável por mais 30 (trinta) .

1.3.3 Justificativas aos motivos da prisão temporária

É sabido que para que se aplique toda e qualquer medida cautelar, há que se ter presente dois requisitos; " periculum in mora e fumus boni iuris ‘", e na prisão temporária o mesmo procedimento deve ser adotado, já que se trata de uma prisão cautelar, preprocessual tão-somente, pois objetiva atos de inquérito.

A fumaça do bom direito fica claramente evidenciada na presença de elementos de convicção que demonstram a verossimilhança de imputação iminente, e que tornam plausível admitir a participação delitiva do indiciado no fato, objeto da averiguação.

Já o perigo na demora, consubstancializa justamente no receio de que o indiciado solto possa vir a se furtar ao cumprimento de uma futura medida legal, que possa causar danos à ordem pública e à instrução do processo.

Aparentemente, a prisão temporária a princípio condiciona-se aos mesmos requisitos da prisão preventiva, havendo apenas diferenciação com relação aos prazos. Todavia deve-se levar em consideração os motivos que levam a sua decretação. Não basta tão simplesmente informar que é imprescindível para as investigações do inquérito ou que o indiciado não tenha residência fixa ou não forneça elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade, pois não se consideram tais hipóteses isoladamente, devem-se conjugar cada uma delas com o inciso terceiro da Lei n.º 7.960/89, já que não se aplica tal prisão a qualquer tipo de crime, mas tão-somente àqueles elencados no referido inciso, cumulando é lógico com o inciso primeiro ou com o segundo. Deve-se também justificar de forma precisa e clara os motivos dessas duas hipóteses que fazem verificar a presente necessidade da prisão do indiciado, uma vez que tal medida nem sempre é indispensável ao sucesso de uma investigação policial.

1.3.4 Justificativas contrárias aos motivos da prisão temporária

A prisão temporária pode ter o seu tempo máximo de duração de até 60 (sessenta) dias em se tratando de crimes hediondos. O questionamento que se faz é:

Esse prazo é realmente necessário?

A princípio muitos diriam que sim, já que se trata de um crime cuja hediondez é tamanha que se justificaria maiores detalhamentos para concluir a apreciação do inquérito. Contudo, isso não é verdade, uma vez que pelo simples fato de ser assim legalmente qualificado não pressupõe uma grande complexidade para exigir prazo tão dilatado para sua apuração. Não se deve confundir a complexidade com a qualificação do crime

Não se pode conceber que o êxito das investigações policiais dependam da mantença, no cárcere, do indiciado por tão longo período, uma vez que um interrogatório, um reconhecimento formal ou mesmo uma reconstituição de crime não duraria todos esses dias.

Deve-se da mesma forma, usar o mesmo raciocínio para o inciso II do art. 1º da Lei n.º 7.960/89, pois se o réu não tem residência fixa, somente cabe-lhe a prisão se houver risco de que por não se conhecer o local onde se abriga a instrução criminal ou eventual aplicação da lei penal possa vir a sofrer danos, o que nesses casos a medida cabível seria a prisão preventiva e não a temporária.

Com relação a circunstância de não haver o investigado revelado sua identidade somente autorizará a sua prisão cautelar se fracassarem as diligências policias, porém a prisão não poderá ser por tempo maior do que o necessário para a identificação criminal do autor do fato investigado.

Claro e evidente está que a priore o ponto central para o uso e manutenção de qualquer prisão cautelar é a necessidade, devendo esta justificar uma medida tão excepcional. Mas além da necessidade há que se ter em mente a idoneidade da medida e a proporcionalidade a ser adotada, já que o que está ocorrendo é a intervenção estatal na liberdade de um indivíduo. Desta forma a idoneidade deve ser considerada em relação de meio ao fim que se visa a atingir, e a proporcionalidade tem haver com a própria razoabilidade do sacrifício do interesse individual em nome do coletivo.

Ainda que em havendo todos esses elementos acima indicados, ou seja, a necessidade da prisão temporária, a idoneidade e que seja justificável em nome do interesse coletivo; ainda assim a sua manutenção se condicionará a presença de dois requisitos já mencionados, sejam eles o " periculum in mora e fumus boni iuris ‘",

Assim sendo, se o indiciado foi preso para que fosse interrogado, identificado ou reconhecido, não mais se faz necessário a sua custódia se esses atos já foram devidamente cumpridos, comprovando-se desta maneira a excessividade do prazo de 05, (cinco) dias. Ainda que haja a eventual necessidade deste, que o mesmo seja proporcional aos objetivos que visa a atingir, claro e evidente está que irrazoável e desmedido é a prorrogação de mais 30 (trinta) dias de prisão temporária nos casos elencados na lei n.º 8.072/90.

Diante dos fatos acima elencados percebe-se evidentemente que tal medida é descabida e mesmo inconstitucional, uma vez que o art. 5º em seus incisos LIV e LXV diz:

LIV- " Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" ;

LXV – " A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária."

Idêntica conclusão se faz quando se indaga os seguintes posicionamentos:

a) Para concluir o inquérito policial, com indiciado solto, dispõe a autoridade policial de 30 (trinta) dias, prazo este que somente pode ser dilatado por autorização judicial, ouvindo o Ministério Público. Como justificar então que este mesmo prazo seja utilizado estando o réu preso?

b) Para concluir inquérito policial, relativo a indiciado preso, pela prática de crime não incursos nas Lei n.º 7.960/89 e 8.072/90 dispõe a autoridade policial de apenas 10 (dez) dias, prazo este que não pode ser prorrogado de nenhum modo, a menos que o indiciado seja libertado.

c) Doutrinariamente o tempo máximo de persecução criminal é de 81 (oitenta e um ) dias. Sendo este assim, como admitir que somente em investigações preprocessuais perdurem por 60 (sessenta) dias?

Vê-se claramente que tal medida é improcedente levando-se em consideração o prazo que esta dispõe para manter um indiciado preso.


2 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

É sabido por todos que após o direito a vida, a liberdade é o bem maior que o ser humano possui, consequentemente tem por obrigação de ser preservado, garantido pela Constituição. Esta deve delimitar o que aos órgãos é permitido ou não fazer , para que em momento algum se cometam injustiças, para que não haja de forma nenhuma o cerceamento dos direitos fundamentais do homem. Mas, por outro lado, também é sabido que não haveria razão de ser o existir do Poder Público se os homens observassem precisamente as normas legais, se a elas se submetessem ² .

Percebe-se desta forma que o Poder Público existe tão-somente para resguardar a ordem e assegurar os direitos de todos, e que para que as mesmas sejam cumpridas, deve-se punir com a sanção de privação de liberdade, desde é claro que se faça dentro dos limites toleráveis. Limites estes que devem ser ao máximo comedidos, dentro do indispensável, do necessário, tendo como base as reais garantias estabelecidas na Constituição Federal, pois a liberdade de alguém não está vinculada ao direito que esse alguém tem de fazer ou não fazer o que bem entende, mas sim de fazer o que a lei não proíbe. Como diz FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO " Sem os freios da lei, a liberdade desenfreada conduziria ao tumulto, à anarquia, ao caos, enfim".

Vê-se claramente na Constituição em seu art. 5º, LXI, " que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei", e como já foi mencionado neste trabalho deve-se ter não apenas alguns indícios, mas fundamentadas razões que levem o magistrado a decreta a prisão. Outro preceito constitucional é o que diz o art. 5º, LIV " ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", este último deixa claro que a garantia da liberdade está vinculada a amplitude de defesa.

Conclui-se então que não se permite que ocorra qualquer prisão ou detenção, cuja ordem não provenha de Autoridade Judiciária competente, havendo apenas ressalvas

com relação aos crimes militares e ao estado de flagrância. Fora esses casos mencionados, a prisão é extremamente ilegal, devendo pois ser relaxada imediatamente.

Malgrado admita a Constituição a privação de liberdade individual, a mesma por outro lado, procurou assegurar o direito de todo cidadão contra a extrapolação do Poder Público quando preceituou em seu art. 5º, III, XLIX, LIV, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI o seguinte:

" Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".

" É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral".

" Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" .

" A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada".

" O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado" .

" O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial" .

" A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária" .

" Ninguém será levado à prisão ou nela ,mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança" .

Para que possa haver um rigoroso controle quanto à legalidade de uma prisão, a comunicação ao Juiz competente de toda e qualquer prisão, mesmo que por ele seja ordenada deve ser feita à Autoridade Judiciária, para que em havendo ilegalidade se possa se ou relaxar a prisão, determinando a soltura do preso ou encaminhar ao órgão do Ministério Público as peças comprobatórias da ilegalidade, a fim de que se apure a responsabilidade do funcionário desidioso. Caso o Juiz receba a comunicação e mesmo assim não relaxe a prisão, deverá também responder criminalmente.

Com base nesses elementos nota-se claramente que toda e qualquer prisão deve ser decretada em conformidade com à lei. Evita-se assim que possam ocorrer a mera arbitrariedade por parte de qualquer autoridade que se julgue competente, mas que não tenha fundamentação legal para decretar a prisão.


2.2 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE


Com todo o acima exposto, atinge-se o ponto culminante com o princípio da razoabilidade, o qual deve invocar o subsídio de uma das mais significativas conquistas de processualística penal, ou seja, o princípio do devido processo legal, que envolve outros princípios como o do contraditório, da ampla defesa, da imparcialidade do juiz, da publicidade e da motivação das decisões, além de outros.

O princípio da razoabilidade decorre naturalmente do Estado de Direito e da essência dos direitos fundamentais.

Outrossim, os direitos expressos na Constituição Federal não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, o que nesse caso implica admitir que o princípio da razoabilidade está abrigado em nosso regime constitucional.


3. CONCLUSÕES


Diante de todo o acima exposto aflora-se a percepção de que a prisão temporária, ainda que na modalidade menos gravosa, ou seja, 05 (cinco) dias, serve e tem servido a outros propósitos que não o de acautelar as investigações e, indiretamente, o processo penal a ser instaurado.

Conclui-se assim que o que objetivou o legislador foi tão-somente o de punir antecipadamente aquele sobre quem paira a acusação da prática do crime. Não há porque se decretar a prisão temporária para logo em seguida decretar a preventiva, pois é isso que acontece na maioria dos casos. Tenta-se assegurar a prisão de um indivíduo sem fundadas razões, alegando-se para tal o embasamento dos incisos I, II do art. 1º da Lei n.º 7.960/89, quando na verdade o que se deveria alegar é a fundamentação da prisão preventiva. Arts 311 a 316 do Código Penal.



4. BIBLIOGRAFIA


TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 20 ed. v. 3. Revista, modificada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1998.

REVISTA DOS TRIBUNAIS. RT-718. Agosto, 1995. p. 352-358.

Fonte: Escritório Online


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