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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


A suspensão do processo e as formas procedimentais na reforma do Código de Processo Penal

20/05/2002
 
Rômulo de Andrade Moreira



O Projeto de Lei n. 4.201/01 visa a alterar o Código de Processo Penal nos dispositivos relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.

A grande novidade trazida para nós é a possibilidade de na própria sentença condenatória penal o juiz fixar “valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.” Assim, além da pena, o Juiz criminal deverá também estabelecer a sanção civil correspondente ao dano causado pelo delito. Como no México, na lição de Bustamante, se “establece que la reparación del daño forma parte integrante de la pena y que debe reclamarse de oficio por el órgano encargado de promover la acción (o sea, que es parte integrante de la acción penal), aun cuando no la demande el ofendido.”[1] Disposição (apenas) semelhante já temos em nosso ordenamento jurídico-penal, mais especificamente no art. 630 do atual Código de Processo Penal, quando se estabelece que na Revisão Criminal o “Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, caso em que o acórdão constituir-se-á título judicial executório a ser liquidado na ação civil respectiva, oportunidade em que se definirá o quantum debeatur. Ademais, na Lei nº. 9.605/98 (a chamada Lei dos Crimes Ambientais), o art. 20 já estabelece que a “sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.”

Aqui, observa-se, mais uma vez, após a edição da Lei nº. 9.099/95, a preocupação em se resguardar os interesses da vítima no processo penal que, a bem da verdade, sempre esteve submetida a um papel secundário no Direito Processual Penal.[2]

Agora, por força do novo dispositivo, acrescentou-se um parágrafo único ao art. 63, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do art. 387, VII, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.”

Além de estabelecer a reparação civil pelo dano causado, deverá o Juiz criminal decidir “fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar (art. 319), sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”, afastando-se a odiosa prisão decorrente da sentença condenatória recorrível, que fere de morte o princípio da presunção de inocência. Desta maneira, na sentença condenatória, seja o réu primário ou não, tenha ou não tenha bons antecedentes, poderá ele apelar e só o fará preso se for tal medida (ou uma outra) necessária.[3]

Vejamos, então, o que se modifica em relação ao Ministério Público. Com efeito, diz o novo art. 257 que à Instituição cabe:

1) “Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código”, em consonância com o já estabelecido pelo art. 129, I, da CF/88 e,

2) “Fiscalizar a execução da lei”, tarefa que já lhe é deferida atualmente e que lhe dá, no processo penal, uma feição toda especial, pois ao lado de ser parte, também age como custos legis, devendo, neste mister, zelar pelo fiel cumprimento da lei e garantir que o devido processo legal seja obedecido nos seus estritos termos.

O novo art. 366 estabelece que “o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação pessoal, ou com hora certa, do acusado.” Na verdade, como ensina Frederico Marques, “com a citação válida, estabelece-se a angularidade da relação processual, surgindo assim a instância.”[4] A regra continua a ser a citação real, pessoal ou in faciem, e, apenas na hipótese de não ser encontrado “o acusado, será procedida a citação por edital”, salvo se o réu “furtar-se, de qualquer modo, a receber a citação; caso em que, certificada a ocorrência pelo oficial de justiça encarregado da diligência, ela será efetuada com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 do Código de Processo Civil.” Observa-se aqui inovação importante, pois não se admite na atual sistemática processual penal a citação com hora certa, desde há muito usada no processo civil. No caso da citação com hora certa, não comparecendo o acusado, “ser-lhe-á nomeado defensor, passando a correr o prazo para oferecimento de defesa, na forma da lei”, ou seja, será ele julgado à sua revelia, sem mais necessidade de intimação ou notificação, tendo tão-somente a assistência obrigatória e indeclinável do defensor (defesa técnica[5] ).

Uma segunda hipótese de citação por edital se dará quando “inacessível, em virtude de epidemia, de guerra ou por outro motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu.”

Sendo o caso, porém, de citação editalícia se ele não comparecer nem constituir advogado[6] :

1) “Ficará suspenso o curso do prazo prescricional pelo correspondente ao da prescrição (art. 109 do Código Penal); decorrido esse prazo, recomeçará a fluir o da prescrição”, findando-se, assim, a polêmica em torno do atual art. 366 quanto à duração da suspensão do prazo prescricional. O legislador, coerentemente, optou pelos prazos já estabelecidos pelo art. 109 do Código Penal, o que merece aplausos. Finda a suspensão do prazo prescricional, o processo, no entanto, continuará suspenso até o comparecimento do acusado ou a extinção da punibilidade pela prescrição, que deverá ser decretada de ofício pelo Juiz (art. 61, CPP).

2) “O juiz, a requerimento do Ministério Público ou do querelante, ou de ofício, determinará a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”, considerando-se como tais as perícias e a prova testemunhal, à vista do que dispõe o art. 92, in fine do atual CPP (“inquirição de testemunhas e de outras provas de natureza urgente”). Evidentemente que tais provas “serão produzidas com a prévia intimação do Ministério Público, do querelante e do defensor nomeado pelo juiz.”

3) “O juiz poderá decretar a prisão preventiva do acusado, nos termos do disposto nos arts. 312 e 313”, observando-se que não se trata de prisão preventiva obrigatória, mas nos estritos termos dos novos arts. 312 e 313. Repita-se: a prisão preventiva não pode ser conseqüência imediata da citação editalícia quando não haja o comparecimento do acusado ou do seu defensor constituído, como hoje, infelizmente, vem se tornando praxe.[7]

Dispõe o § 6º. do art. 366 que “comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo” seguirá o procedimento comum ou especial, na forma dos arts. 394 e seguintes.

Vejamos, então, como está disposta agora a questão da emendatio libelli:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.” Nesta hipótese, como se sabe, a peça acusatória narrou perfeitamente o fato criminoso, tendo o Juiz “liberdade de atribuir ao delito conceituação jurídica diversa da que lhe foi dada pelo acusador, mesmo para impor pena mais grave, contanto que não substitua o fato por outro”, como já explicava Basileu Garcia.[8]

Ao contrário, porém, da atual sistematização, ainda que seja apenas o caso de emendatio libelli, determina o novo art. 383 que “as partes, todavia, deverão ser intimadas da nova definição jurídica do fato antes de prolatada a sentença.” Ademais, e, então, temos mais uma inovação importante e salutar, a emendatio libelli poderá ser antecipada para o instante do “recebimento da denúncia ou queixa”, evitando-se que uma peça acusatória equivocada mantenha-se assim durante todo o processo criminal. Se com a emendatio libelli (seja no início do processo, seja ao final), “houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei”, ou seja, dará vista ao Ministério Público para a proposta da suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº. 9.099/95, sem a qual não poderá haver julgamento. Caso o Promotor de Justiça não ofereça a proposta, deve o Juiz remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça para ele próprio fazê-lo ou designar outro membro da Instituição para a tarefa. O que não se admite, tal como já decidiu o STF[9] , é a concessão ex officio da suspensão pelo Juiz. Também não entendemos possível o cabimento da suspensão nas ações penais de iniciativa privada por já ter o querelante institutos como o perdão e a perempção, obstaculizadores do andamento do feito criminal.

Por outro lado, se com a definição jurídica diversa surgir infração penal de menor potencial ofensivo determina a lei que os autos deverão ser encaminhados aos Juizados Especiais Criminais, mesmo porque tal competência está estabelecida no art. 98, I da Constituição.

Vejamos, então, como está disciplinada a mutatio libelli, lembrando, com Basileu Garcia, que “veda-se ao juiz, no decidir a causa, a mutatio libelli.”[10]

Assim está escrito o novo art. 384:

“Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público poderá aditar a denúncia ou queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.”

Preferiu o novo legislador substituir a expressão “circunstância elementar” por elemento ou circunstância da infração penal, o que muda pouco, pois estão enquadradas em ambas as definições aqueles “requisitos que tenham sido exigidos pelo direito objetivo para a existência do crime, senão também as causas de aumento e de diminuição de pena (distintas das circunstâncias agravantes e atenuantes), porque transplantam a entidade delituosa de um para outro preceito penal, instituindo, pois, comparativamente ao tipo originário ou fundamental da infração, especial modalidade.”[11] No que se refere às agravantes continua em vigor o disposto no atual art. 385.

Agora, pouco importa se aumentará ou não a pena: de todas as maneiras o Ministério Público poderá aditar, inclusive verbalmente, a peça acusatória (denúncia ou queixa subsidiária). Tal providência, como se nota, só é cabível nas ações penais públicas ou na ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública (art. 29, CPP).

Neste caso, “ouvido o defensor do acusado e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.”

Da mesma forma que se dá na emendatio libelli, se “houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei”, ou seja, dará vista ao Ministério Público para a proposta da suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº. 9.099/95, sem a qual não poderá haver julgamento. Caso o Promotor de Justiça não ofereça a proposta, deve o Juiz remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça para ele próprio fazê-lo ou designar outro membro da Instituição para a tarefa. O que não se admite, repita-se, tal como já decidiu o STF, é a concessão ex officio da suspensão pelo Juiz. Outrossim, se com a nova definição jurídica do fato surgir infração penal de menor potencial ofensivo, determina a lei que os autos deverão ser encaminhados aos Juizados Especiais Criminais.

No caso de aditamento, “cada parte poderá arrolar até três testemunhas, no prazo de três dias”; caso não seja recebido o “aditamento, a audiência prosseguirá.” O prazo de aditamento não está estabelecido na lei, donde concluir-se, com Tourinho Filho, ser possível a aplicação analógica do art. 46, § 2º., ou seja, em três dias.[12]

Observa-se que o novo legislador restringiu o art. 384 à ação penal pública ou à de iniciativa privada subsidiária da pública. De toda forma, estamos com Tourinho Filho que, nada obstante a restrição legal, “possa também o querelante proceder ao aditamento. Há duas situações: a) se, ao tempo da queixa, já havia prova sobre determinada circunstância elementar capaz de alterar a qualificação jurídico-penal do fato, objeto do processo, e o querelante não se deu conta, o aditamento seria até impossível por manifesta decadência; b) se a prova se deu posteriormente, o aditamento pode ser feito por aplicação analógica (...), não havendo violação ao princípio da disponibilidade que rege a ação privada, mesmo porque ninguém está fazendo o aditamento pelo querelante e tampouco obrigando-o a fazê-lo.”[13]

O Livro II do novo CPP, acertadamente, terá como epígrafe “DO PROCEDIMENTO”, diferenciando-se processo de um de seus aspectos, que é o procedimento[14] .

Subseqüentemente temos o Título I, “DAS FORMAS PROCEDIMENTAIS” e, em seguida, o Capítulo I, sob a seguinte epígrafe: “DISPOSIÇÕES APLICÁVEIS ÀS FORMAS PROCEDIMENTAIS.

Adiante, o novo art. 394 consagra os dois novos procedimentos: o comum e o especial. Por sua vez, o comum poderá ser ordinário, sumário ou sumaríssimo.

O procedimento comum ordinário será obedecido “quando tiver por objeto crime cuja pena máxima cominada seja igual ou superior a quatro anos de prisão”. O sumário “quando tiver por objeto crime cuja pena máxima cominada seja inferior a quatro anos de prisão” e o “sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei.”[15] Observa-se que a nova redação já não trata de distinguir pena de reclusão ou de detenção referindo-se apenas à “pena de prisão”, em consonância com o projeto de reforma da Parte Geral do Código Penal que elimina esta dicotomia hoje existente entre as penas privativas de liberdade[16] .

Como está a indicar, o procedimento comum é a regra, “salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial”, devendo também se aplicar subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário.

Para os crimes dolosos contra a vida, por exemplo, aplicar-se-ão as novas regras estabelecidas nos arts. 406 a 497 do novo Código.

Vejamos, agora, os procedimentos ordinário e sumário, in verbis:

“Art. 395. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias, contados da data da juntada do mandado aos autos ou, no caso de citação por edital, do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.” Adota-se aqui o que já ocorria nas hipóteses do art. 514 do CPP, do art. 4º. da Lei nº. 8.038/90, no art. 43, § 1º. da Lei de Imprensa, na Lei n. 9.099/95 (art. 81) e na nova lei de tóxicos (Lei nº. 10.409/02, art. 38), ou seja, a ouvida do denunciado ou querelado antes do recebimento da denúncia, providência extremamente salutar, pois, somente desta forma podemos dizer que há, no processo penal, efetivamente, uma defesa prévia.

Nesta sua “defesa prévia”, o denunciado ou querelado “poderá argüir preliminares e alegar tudo que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e, dependendo o comparecimento de intimação, requerê-la desde logo.” As exceções processuais acaso opostas serão processadas em conformidade com os atuais arts. 95 a 112 do CPP.

Se nos dez dias estabelecidos pela lei não houver resposta ou não se constituir advogado, “o juiz nomeará dativo para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por dez dias”, pois a defesa técnica é indispensável, ainda que a autodefesa não tenha sido exercida.

“Apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em cinco dias”, prazo que deveria ser de dez dias, em respeito ao princípio da igualdade. Poderá o Juiz, se assim entender como imprescindível, determinar “a realização de diligências, no prazo máximo de dez dias, podendo ouvir testemunhas e interrogar o acusado.” Aqui, para nós, um erro terminológico: interrogar a quem ainda não teve contra si aceita a imputação? Melhor seria dizer-se: “ouvir o denunciado ou o querelado”.

Após tais providências iniciais, agora sim, o Juiz “fundamentadamente, decidirá sobre a admissibilidade da acusação, recebendo ou rejeitando a denúncia ou queixa.” Rejeitará a peça acusatória quando:

1) “For manifestamente inepta;

2) “Faltar pressuposto processual (de existência ou de validade) ou condição para o exercício da ação penal (genérica ou específica);

3) “Faltar justa causa para o exercício da ação”, ou seja, lastro probatório mínimo para o oferecimento da denúncia ou da queixa (Afrânio Silva Jardim).

Contra esta decisão caberá apelação. Já da decisão que rejeitar parcialmente a acusação caberá agravo, como também a que receber a peça acusatória[17] .
Se, nada obstante tenha sido recebida a peça acusatória, o Juiz considerar “plenamente comprovada a improcedência da acusação ou a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato ou da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade, absolverá sumariamente o acusado, facultada às partes a prévia produção de provas.” Previu-se aqui, nada mais nada menos do que o julgamento antecipado da lide, e julgamento de mérito, sujeito a produzir coisa julgada material, o que não se conhece no sistema atual, evitando-se que o processado tenha que se submeter a todas aquelas “cerimônias degradantes” de que falava Garfinkel, para, apenas na sentença final, após um longo tempo de “calvário”, ser absolvido. Como dizia Carnelutti, “o processo penal não é, infelizmente, mais que uma escola de incivilidade.”[18] Contra esta sentença de absolvição sumária também caberá recurso de apelação. Uma observação urge: na verdade se a acusação era manifestamente improcedente ou militava em favor do acusado uma causa excludente de criminalidade ou culpabilidade, a denúncia ou queixa não deveria ter sido recebida desde logo, por faltar uma das condições genéricas da ação: o interesse de agir.[19]

Tais disposições (arts. 395 a 398) aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados no Código.

No caso de recebimento da acusação, como o acusado já foi citado, “o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.” Note-se que mais uma vez o nosso legislador não fez a diferença técnica entre notificação e intimação[20] .

Mantém-se a citação através de requisição para o acusado preso, “devendo o Estado providenciar sua apresentação” sob pena de nulidade absoluta.

Adota-se, agora, o princípio da identidade física do Juiz, segundo o qual o Magistrado “que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.” Como se sabe, tal princípio não conferido no atual sistema processual penal, tal como o é no processo civil (art. 132 do CPC). Por ele, o Juiz que colher a prova deve julgar o processo, podendo, desta forma, “apreciar melhor a credibilidade dos depoimentos; e a decisão deve ser dada enquanto essas impressões ainda estão vivas no espírito do julgador.”[21]

É extremamente salutar a adoção deste princípio, pois “a ausência, no processo penal, do aludido e generoso princípio permite que o julgador condene, com lamentável freqüência, seres humanos que desconhece”.[22]

Já no Capítulo II está regulado o procedimento ordinário, determinando-se, no art. 400, que na “audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de trinta dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.” Observa-se que o interrogatório do acusado passa a ser o último ato processual após a instrução criminal, o que vem a fortalecer a idéia daqueles que o vêm como autêntico meio de defesa e não mais como um meio probatório[23] .

Assim, “na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o momento mais importante da auto-defesa; é a ocasião em que o acusado pode fornecer ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela faculdade de permanecer em silêncio (art. 5º., LVIII, CF).”[24]

Tal como nos Juizados Especiais Criminais também são adotados os princípios da imediatidade e da concentração dos atos processuais, pois as “provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.” Aqui vale uma advertência: o indeferimento injustificado de provas requeridas pela defesa poderá acarretar a nulidade absoluta do ato processual pela afronta ao princípio da ampla defesa, de forma que somente quando induvidosas as (más) intenções da parte acusada é que legítimo será o indeferimento, sob pena de se utilizar, com sucesso, o habeas corpus. Caso o meio probatório requerido vise a produzir prova contra o acusado, o indeferimento poderá ensejar a correição parcial ou mesmo o mandado de segurança.

“Na instrução poderão ser inquiridas até oito testemunhas arroladas pela acusação e oito pela defesa”, não se compreendendo neste número “as que não prestem compromisso e as referidas”, podendo a “parte, com anuência da outra, desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas”, ressalvadas, ainda, aquelas inquiridas por força de determinação judicial (art. 209, CPP).

Sem estabelecer um prazo, “produzidas as provas, ao final da audiência o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução”, o que significa que tais requerimentos devem ser feitos de imediato e não mais nas 24 horas hoje previstas (o que não impede que, considerando-se a complexidade do processo, seja deferido às partes um prazo maior para tais requerimentos, atentando-se apenas para que não se protele injustificada e demasiadamente o andamento processual). Não os havendo, ou tendo sido indeferidos, “serão oferecidas alegações finais orais, por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença”, prazo que será individual para a defesa se houver mais de um acusado. Se houver assistente, a ele serão concedidos, após a manifestação do Ministério Público, dez minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.

“O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de cinco dias, sucessivamente, para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de dez dias para proferir a sentença.” Esperamos, apenas, que este expediente aberto pela lei não se torne praxe, dilatando-se desnecessariamente o processo.

Caso as partes ou qualquer uma delas tenha requerido ao Juiz a feitura de diligência e tenha sido a solicitação deferida, “a audiência será concluída sem as alegações finais.” Após a realização destas diligências, “as partes apresentarão, no prazo sucessivo de cinco dias, suas alegações finais, por memorial e, no prazo de dez dias, o juiz proferirá a sentença.”

E, por fim:

“Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.

“Parágrafo único. Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. Na forma por último indicada, será encaminhado ao Ministério Público o registro original, sem necessidade de transcrição.” Disposição semelhante já encontramos na Lei nº. 9.099/95, arts. 13, § 2º. e 65, § 3º., impelindo “a Justiça para que continue no seu processo de modernização.”[25]

No Capítulo V temos a previsão do procedimento sumário.

Neste modo de proceder, a audiência de instrução e julgamento deve ser realizada no prazo máximo de quinze dias e nela deverá inicialmente ser ouvido o ofendido, se possível, depois as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, após o que deverão ser colhidos os esclarecimentos dos peritos, ser feitas as acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se o acusado e se procedendo, finalmente, aos debates orais.

Estas “alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, proferindo, o juiz, a seguir, sentença.” “Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual” e ao “assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos dez minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.”

Neste procedimento, o número de testemunhas evidentemente é menor: até cinco testemunhas para a acusação e cinco para a defesa.

Tal como no procedimento ordinário, neste também as “provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.” Vale aqui as observações feitas anteriormente quanto ao injustificado indeferimento de prova.

“Art. 535. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.” Mais uma vez, repete-se regra estabelecida na Lei dos Juizados Especiais Criminais (art. 80).

“Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência”, atentando-se que as testemunhas arroladas pela acusação devem necessariamente ser ouvidas antes daquelas indicadas pela defesa, obedecendo-se ao contraditório.

Prevê a lei um prazo máximo para a conclusão deste procedimento que será de noventa dias, ao cabo dos quais estando o acusado preso configurado estará, a princípio, o constrangimento ilegal a ser remediado via habeas corpus.

Naquelas hipóteses em que se permite a remessa dos autos referentes às infrações penais de menor potencial ofensivo ao juízo comum (arts. 66, parágrafo único e 77, §§ 2º. e 3º. da Lei nº. 9.099/95), o rito a ser adotado será o sumário previsto neste Capítulo.

Por fim, o projeto de lei revoga expressamente os arts. 43 (que trata da rejeição da denúncia ou da queixa), 362 (citação por edital do réu que se oculta, que agora será citado com hora certa) e 498 a 502.

No que diz respeito ao direito intertemporal, acaso sancionado este projeto de lei, as suas disposições aplicam-se aos processos em que ainda não houve o recebimento da denúncia ou queixa, ainda que os procedimentos não sejam regulados pelo Código de Processo Penal.[26]



Notas do texto:

[1] Apud Tourinho Filho, Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., 1998, p. 9.

[2] A propósito, leia-se o que escrevemos no artigo sobre a ação civil ex delicto.

[3] Veja o que escrevemos a respeito da correta interpretação a ser conferida ao art. 594 do Código de Processo Penal.

[4] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. II, Campinas: Bookseller, 1998, p. 183.

[5] Sobre o assunto remetemos o leitor ao artigo a respeito do interrogatório.

[6] Para nós caso o defensor tenha sido constituído na fase inquisitorial, aplicar-se-á o dispositivo, ou seja, ele não poderá ser julgado à revelia, até porque a constituição de um advogado para acompanhar um inquérito policial não indica necessariamente a instauração da respectiva ação penal.

[7] Observa-se que a nova lei de tóxicos (Lei nº. 10.409/02), no art. 38, § 6º., dispõe aplicar-se o atual art. 366 ao acusado citado por edital ou mesmo pessoalmente.

[8] Comentários ao Código de Processo Penal, Vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 1945, p. 495.

[9] Habeas Corpus n. 75.343-4 – MG, relator Ministro Sepúlveda Pertence.

[10] Idem.

[11] Garcia, Basileu, ob. cit., p. 504.

[12] Código de Processo Penal comentado, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 574.

[13] Código de Processo Penal comentado, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 573. Nesta mesma oportunidade o autor esclarece que em caso de recusa ao aditamento pelo Ministério Público, os autos devem ser encaminhados ao Procurador-Geral de Justiça, posição com a qual concordamos inteiramente.

[14] Já escrevemos sobre esta matéria no artigo “Processo e Procedimento - Resenha a respeito dos comentários ao art. 270, CPC do Professor J. J. Calmon de Passos”.

[15] Neste ponto, observar que a Lei nº. 10.259/01 (Juizados Especiais Criminais Federais) ampliou o conceito de infração de menor potencial ofensivo, modificando o art. 61 da Lei nº. 9.099/95. Neste sentido, já se pronunciaram juristas dos mais importantes, como Adauto Suannes, Alberto Silva Franco, Cezar Roberto Bitencourt, Damásio de Jesus, Cláudio dell’Orto, Luiz Flávio Gomes, dentre outros (conferir tais opiniões no www.direitocriminal.com.br).

[16] Assim está redigido o art. 32 do projeto de reforma da Parte Geral do Código Penal: “Art. 32. As penas são: I – prisão; II – restrição de direito; III – multa; IV – perda de bens.”

[17] Veja o que escrevemos a respeito dos recursos na reforma do Código de Processo Penal.

[18] Carnelutti, Francesco, As Misérias do Processo Penal, São Paulo: CONAN, 1995, p. 12.

[19] Sobre o assunto, confira-se a obra “Ação Penal”, de José Antonio Paganella Boschi, Rio de Janeiro: AIDE, 1993, p. 62.

[20] A respeito desta diferenciação doutrinária já escrevemos no artigo “Intimação”.

[21] Barbi, Celso Agrícola, Comentários ao CPC, Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 327.

[22] René Ariel Dotti, “O interrogatório à distância”, Brasília: Revista Consulex, nº. 29, p. 23.

[23] Leia-se o que escrevemos a respeito no artigo sobre o interrogatório.

[24] Grinover, Ada Pellegrini Grinover e outros, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: RT, 3ª. ed., 1999, p. 176.

[25] Grinover, Ada Pellegrini Grinover e outros, Juizados Especiais Criminais, São Paulo: RT, 3ª. ed., 1999, p. 85. Na página seguinte, advertem os autores: “Não basta. Mister se faz que as audiências possam ser simplesmente gravadas. Além da maior autenticidade no registro de tudo o que sucede, proporciona-se ainda grande dinamismo ao andamento da causa.”

[26] Leia-se o que escrevemos sobre sucessão das leis penais.

Fonte: Escritório Online


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