:: Seu mega portal jurídico :: inicial | sobre o site | anuncie neste site | privacidade | fale conosco
        

  Canais
  Artigos
  Petições
  Notícias
Boletins informativos
Indique o
Escritório Online
 

Escritório Online :: Artigos » Ensaios, Crônicas e Opiniões


A função do advogado na construção de um direito libertador

27/04/2003
 
Enéas Castilho Chiarini Júnior



1.0 - Introdução

A profissão de advogado, é sem dúvida uma das mais procuradas pelos estudantes de segundo grau, sendo comum ouvir-se de recém-aprovados em provas vestibulares para cursos outros, frases do tipo “eu queria fazer Direito, mas como não fui aprovado no vestibular, optei por fazer este curso que seria minha segunda opção”.

Certamente, tal demanda por vagas nas faculdades de Direito deve-se à grande variedade de opções profissionais de que dispõem os bacharéis em direito, onde a imagem da advocacia contribui imensamente para tal demanda pois é comum ouvir-se dos profissionais que “advogado recebe o quanto quer”, afirmando-se que o único limite aos rendimentos do advogado é a sua capacidade e disposição para o trabalho.

Contudo, esquecem-se muitas vezes que esta digníssima profissão, possui um papel social muito importante.

Segundo lição de Glaston Mamede, “o art. 2º, § 2º, do EAOAB [Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil] completa-se por constituir os atos de advocacia em um múnus público”, e explica citando Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, para quem múnus público é “o que procede de autoridade pública ou da lei, e obriga o indivíduo a certos encargos em benefício da coletividade ou da ordem social”.

O advogado está, portanto, obrigado a realizar determinados encargos em prol da sociedade, sendo possível apontar os principais, que são: lutar pelo direito da parte, e pela conservação do Direito em si; lutar para garantir, sobretudo aos mais carentes, o efetivo acesso, não só ao Judiciário, mas principalmente à Justiça; lutar contra a opacidade do Direito; e, principalmente lutar pela transformação do Direito e da realidade social, inclusive pela melhoria do ensino do Direito ministrado pelas Universidades e Faculdades de Direito; e, finalmente, agir, em todas estas lutas, com ética e moral condignas com a grandeza de sua profissão, obedecendo, além do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, o Código de Ética e Disciplina, de maneira a contribuir pelo engrandecimento da profissão perante a sociedade.


2.0 - A luta pelo Direito

Segundo Ihering, “a luta pela existência é a lei suprema de toda a criação animada; manifesta-se em toda a criatura sob a forma de instinto da conservação. Entretanto para o homem não se trata somente da vida física, mas conjuntamente da existência moral, uma das condições da qual é a defesa do direito. No seu direito o homem possui e defende a condição de sua existência moral”, e, por isso mesmo “...é um dever de todo o homem para consigo combater por todos os meios de que disponha a desconsideração para com a sua pessoa no desprezo do seu direito”, pois, “a essência do direito é a realização prática. Uma regra do direito que jamais foi realizada ou que deixou de o ser, não merece mais este nome, transformou-se numa rodagem inerte que não faz mais trabalho algum no mecanismo do direito e que se pode retirar sem que disso resulte a menor transformação”, concluindo que “quem defende o seu direito, defende também na esfera estreita deste direito, todo o direito. O interesse e as conseqüências do seu ato dilatam-se portanto muito para lá da sua pessoa.”[sic]

Pode-se, portanto, dizer que, segundo esta ótica, o advogado é essencial neste processo de luta pelo Direito.

O primeiro aspecto a ser colocado sob esta ótica, é a luta pelo direito de seu cliente, uma vez que, é através de seu mister que esta luta torna-se possível, pois é o advogado quem, em nome da parte, luta por seu direito; é ele quem a defende; é ele quem traz ao processo as provas necessárias para garantir o reconhecimento dos seus direitos. Tamanha é sua importância que a Lei Maior, em seu artigo 133, chega a afirmar que este profissional é essencial na administração da Justiça.

Porém, mais importante que a luta pelo direito de seu cliente, é a luta que trava para manter o direito vivo, uma vez que, conforme Ihering, direito não exercido não é direito.

O advogado, ao defender seu cliente, luta, não apenas pelos direitos da parte que defende, mas, muito além disso, luta pela conservação do próprio Direito, de maneira que é lícito concluir-se que sem advogado não há Direito.

O advogado deve, sob esta segunda ótica de luta pelo Direito, buscar garantir a existência do Direito, porém não uma existência estática e desconforme a realidade social.

Deve o advogado buscar a atualização do Direito, deve lutar para que o Direito evolua conforme as transformações que ocorrem no seio da sociedade. Deve, para isso, estar sempre atualizado sobre as leis em vigor, e principalmente, estar atento para as transformações que ocorrem de maneira cada vez mais rápida no mundo contemporâneo, pois é seu dever, conforme dita o inciso V do parágrafo único do artigo 2º do Código de Ética e Disciplina, estar apto a contribuir para o aprimoramento das instituições do Direito e das leis.

Conforme Álvaro de Melo Filho apud Gladston Mamede, “ao advogado cabe não apenas compreender e interpretar o sistema legal vigente, mas também contribuir para a evolução do pensamento jurídico. Dele se reclama, ao lado de uma postura crítica construtiva, o seu contributo para a realização prática do Direito, inclusive na elaboração das normas e nas transformações que se mostrarem imprescindíveis ao aperfeiçoamento da ordem jurídica”.

Deve, portanto, o advogado buscar novas orientações jurisprudenciais, através de argumentos sólidos e consistentes, que sejam capazes de conquistar os juizes mais conservadores; sem, contudo, adentrar nas chamadas lides temerárias, que, segundo lição de De Plácido e Silva apud Gladston Mamede “é a que se intenta sem razão e com abuso de direito, ou por espírito de emulação ou mero capricho. Revela-se na ilegitimidade do direito em que se procura fundar o objeto da ação. Desse modo, a imprudência da ação, a maldade de sua interposição, a desonestidade ou má-fé, revelada na intenção do autor, caracterizam a improbidade da lide, mostram o abuso de direito ou o nenhum direito de propor a ação...”[sic].

Ou, por outras palavras, o advogado deve lutar pela transformação do Direito através da jurisprudência que auxilia a criar, porém de maneira consciente e com argumentos fortes e consistentes, apoiados, sobretudo, na realidade social, e não apenas demandar em juízo por uma causa que sabe que não irá prosperar por falta de argumentos, sob pena de ser responsabilizado solidariamente com o cliente em relação à eventuais prejuízos causados à parte contrária, sempre que ficar demonstrado que com aquele estava coligado com o intuito de lesar a parte adversa (artigo 32 do EAOAB).


3.0 - Do acesso à justiça

Para Capelletti, “...o direito ao acesso efetivo [à Justiça] tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.”

Sob esta outra ótica, também é possível analisar a importância do advogado sob dois aspectos. Primeiro é inegável a importância do advogado para que se possa, efetivamente, garantir o acesso - sobre tudo dos mais carentes - à Justiça, uma vez que a crescente complexidade dos atos processuais impossibilita aos leigos um acesso ao Poder Judiciário que seja capaz de garantir todos os seus direitos, se estes não estiverem auxiliados por um profissional acostumado à complexidade da processualistica nacional vigente.

Assim, é de suma importância que o advogado esteja sempre bem informado sobre as mais recentes mudanças legislativas. Deve ele estar sempre atualizado, quer quanto ao direito material, quer quanto ao direito processual, uma vez que o desconhecimento de um único artigo de lei é capaz de fazer a diferença entre a procedência e a improcedência de seu pedido.

O outro aspecto a ser analisado sobre a mesma ótica do acesso à Justiça, é o dever do advogado cumprir seu papel de auxiliar aos mais carentes a terem seus direitos respeitados através da assistência jurídica gratuita.

Mesmo nas comarcas onde existam defensores públicos tal tarefa deve ser cumprida pelos advogados sempre que solicitada, quer pelo poder público, quer pela própria parte, uma vez que aqueles profissionais pagos pelo Estado para exclusivamente realizar tal tarefa, são em número insuficiente, o que gera um acúmulo de trabalho que culmina, em alguns casos, em um serviço prestado de segunda categoria, o que contraria a nossa Constituição Federal a qual pretende que todos sejam iguais (não só formal, como também materialmente), uma vez que o advogado que recebe honorários pelos seus serviços, na maioria das vezes, pode se dedicar mais aos seus clientes do que aquele que é remunerado pelos cofres públicos, gerando uma desigualdade entre as partes que são assistidas por defensores públicos e as que são assistidas por advogados particulares.

Longe de estar-se criticando o grande serviço prestado pelos digníssimos defensores públicos, está-se, isto sim, criticando a política de governo, sobretudo do Poder Executivo, que não se sensibiliza com a insuficiência de defensores públicos, que é a principal causa da deficiência de seus trabalhos, o que, mais uma vez, contraria a Constituição Federal que estabelece, como dever do Estado, prestar uma assistência Judiciária aos mais carentes (artigo 5º, LXXIV), devendo, ainda, garantir uma Defensoria Pública organizada de maneira que seja apta à defesa dos direitos e interesses dos que comprovem insuficiência de recursos (artigo 134 da Constituição Federal).

Por isso, torna-se ainda mais importante o papel do advogado nesta batalha pelo acesso à Justiça. Seu dever é auxiliar, sempre que possível, aos mais carentes, porém com o mesmo zelo profissional que reserva aos clientes que lhe conferem seus honorários, não sendo aceitável que haja diferença de tratamento entre seus clientes, quer sejam, ou não, auferidos honorários, sob pena de ser punido, nos termos do artigo 34, inciso IX do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (que afirma ser infração punível com censura, causar, por culpa grave, prejuízo ao interesse de seu cliente).

Cumpre ressaltar, ainda, que, caso saia vitorioso na demanda que promove de maneira gratuita, o causídico será credor dos honorários sucumbenciais, além de que, nos casos de nomeação como advogado dativo, terá direito à honorários a serem pagos pelo Estado, de forma que, diferentemente do que pode parecer, este auxílio aos mais carentes não é realizado de forma gratuita, pelo contrário, o profissional será recompensado pelos seus serviços, embora, provavelmente, de maneira não-satisfatória. Por outro lado, mesmo que não haja qualquer tipo de remuneração por seus serviços, este profissional será recompensado pela sociedade que é capaz de distinguir entre os profissionais do Direito, aqueles que realmente se preocupam em realizar seus trabalhos de maneira ética e honesta.


4.0 - Da opacidade do Direito

Conforme Carlos Maria Cárcova, “...os homens, sujeitos de direito, súditos que devem adequar suas condutas à lei, desconhecem a lei ou não a compreendem. Isto é, desconhecem o estatuto jurídico dos atos que realizam ou não o percebem com exatidão ou não assumem os efeitos gerados por esses atos ou se confundem em relação a uns ou outros. São formas distintas desse fenômeno que chamamos de ‘não-compreensão’ ou de ‘efeito de desconhecimento’ ou ‘opacidade’ do direito...”, acrescentando, mais à frente que “...as leis, mesmo se redigidas na língua nativa do povo, o povo não pode aprendê-las nem lê-las, e sequer se inteirar de sua existência, muito menos dominá-las, concordar com elas e retê-las na memória. Acrescente-se que, mesmo quando tivesse conhecimento de sua existência, tempo e prazer de lê-las, não as entenderia, porque seu léxico é seis ou oito vezes mais rico que o do sermo plebeius, formando só por isso - mesmo se omitidas outras circunstâncias como as do tecnicismo - uma fala diferente...”[sic]

Este aspecto está intimamente ligado ao problema do acesso à Justiça, de modo que o cidadão leigo, que desconhece a lei - e não pode alegar tal desconhecimento por força do artigo 3º da Lei 4.657/42, Lei de Introdução ao Código Civil -, somente pode ter seus direitos garantidos mediante orientações oriundas de consultas à advogados, pois, sem uma adequada assistência, a parte pode ser profundamente prejudicada, vindo a ser facilmente lesionada por quem conhece a lei, e a usa em seu favor.

Cabe, portanto, ao causídico a função de ajudar a fazer com que a população conheça seus direitos. Deve ele, não só pleitear em juízo pelos direitos de seu cliente, mas também fazer esclarecimentos a este a cerca de quais os seus direitos que estão sendo buscados em juízo, explicando detalhadamente o que é seu por direito, e o que não é.

Não deve o advogado deixar de fazer estes esclarecimentos temendo a perda de clientes, pois o advogado é indispensável à administração da justiça (artigo 133 da Constituição Federal), não sendo permitido à parte (exceto nos casos da Justiça Trabalhista e dos Juizados Especiais, ou ainda, exceto que a parte seja advogado inscrito na ordem) que pleiteie pessoalmente em juízo, de modo que, invariavelmente, mesmo que a parte conheça seus direitos, será necessário fazer-se representar em juízo por advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

E mais, um cliente que conhece seus direitos esclarece aos seus conhecidos acerca de seus direitos, de modo que somente fará com que aumente a procura por advogados.

Como exemplo da propaganda gerada pelo conhecimento de seus direitos, é possível citar-se o ramo do Direito Trabalhista, no qual é nítida a confirmação destes argumentos, pois um trabalhador que conhece seus direitos faz esclarecimentos aos seus companheiros de trabalho, aumentando, significativamente, a demanda por trabalhos advocatícios.

É certo que tal demanda poderia ser maior, não fosse o jus postulandi da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais (Deve-se esclarecer que tal direito do leigo de postular em juízo em nome próprio é uma negação do seu acesso Justiça - embora seja um grandioso avanço no acesso ao Judiciário, o que não é a mesma coisa -, uma vez que a grande complexidade dos atos processuais não são de seu conhecimento, o que, certamente pode destruir importantes direitos daquele que postula em juízo sem o acompanhamento de um profissional acostumado com a complexidade dos atos processuais que deve realizar. Como exemplo pode-se citar a perda de um prazo processual qualquer. Além disso, o jus postulandi da Justiça do Trabalho também pode ser encarado como negação de Justiça à parte se esta desconhecer o direito material. Neste caso, temos o exemplo de um trabalhador, que não teve sua carteira de trabalho anotada pelo seu empregador, para quem trabalhou por vários anos, e que pleiteie, em nome próprio, determinadas verbas trabalhistas. Mesmo que haja um acordo, que, para o leigo, à primeira vista pareça vantajoso, pode, quando de sua aposentadoria se revelar desastroso, caso o acordo não inclua a anotação de sua CTPS), porém, mais uma vez, os bons esclarecimentos dos advogados poderão reverter estes quadros, uma vez que este profissional deverá demonstrar aos trabalhadores que a processualistica, mesmo na esfera laboral, é demasiadamente complexa, de forma que o bom advogado deverá convencer seus clientes acerca da necessidade de ser auxiliado por um profissional qualificado, o que, certamente, fará crescer a demanda pelos trabalhos dos advogados.


5.0 - Da realidade social

Para Gladston Mamede, “em se tratando de profissionais e estudantes do Direito, o desconhecimento da realidade social, quer por ingenuidade, quer, simplesmente, por não se querer comprometer (leia-se ‘lavar as mãos’, ato que, já em Pilatos, revela uma omissão cruel) com a realidade alheia, engendra profissionais que, quer saibam, quer não tenham se dado conta disto, trabalham pela perpetração e elevação das diferenças sociais, das injustiças como a miséria. São profissionais que não percebem, como lembra Bastos, que ‘leis são rasgadas, num momento político de imposição da força pela força; ou são contornadas, elegantemente contornadas na conduta administrativa ou nas sentenças e acórdãos’.”

Opinião que se harmoniza com a de João Baptista Herkenhoff, para quem “temos todo um sistema legal que sacramenta a injustiça e as disparidades sociais. Os juristas e juizes que se submetem docilmente a esse sistema, sem mesmo descobrir algumas de suas brechas, que possam servir às maiorias oprimidas, colocam-se decididamente do lado das minorias aquinhoadas.”, onde “o positivismo reduz o Direito a um papel mantenedor da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço da defesa da lei e dos valores e interesses que ela guarda e legitima, numa fortaleza inexpugnável”, pois “para a lei, todos são iguais [artigo 5º da Constituição Federal]. Ingênuo engano. Os homens são desiguais. Uma estrutura de opressão cria e alimenta as desigualdades. Dessa constatação há de partir toda tentativa de um Direito justo: apreciação desigual, ante a desigualdade social e a desigualdade humana.” E conclui que “mesmo num país que consagra um rígido sistema de classes, como no caso brasileiro (com enormes privilégios em favor das classes dominantes), as leis não constituem um bloco monolítico que só atua em face dos poderosos. Há, sem dúvida, no sistema legal, brechas que podem servir à luta das classes populares.”

Este é outro papel social que deverá ser exercido pelos advogados, e o mais importante deles, que é o de procurar na lei as brechas que esta apresenta, na tentativa de diminuir as desigualdades sociais, para que possa ajudar a construir uma nova sociedade, mais humana e fraterna, com efetiva igualdade de condições entre todos os cidadãos, seguindo o objetivo constitucional constante no artigo 3º da Carta Magna nacional, segundo o qual deve-se buscar “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, garantindo “o desenvolvimento nacional”, erradicando “a pobreza e a marginalização” reduzindo, assim, “as desigualdades sociais e regionais”, para que se possa “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Nesta tarefa, o principal aliado do advogado é, sem dúvida, o artigo 5º da Lei 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil), que ordena ao intérprete da lei que, na sua aplicação, atenda “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. O grande João Baptista Herkenhoff, comentando este artigo afirma que “...não obstante esteja colocado na Lei de Introdução ao Código Civil, não se cinge apenas à interpretação e aplicação do Código Civil. É um artigo que preside à interpretação de todas as leis; é um princípio hermenêutico fundamental dentro de todo o ordenamento jurídico”, sendo que “deve o juiz atender as exigências últimas e gerais do bem comum, afastando a incidência da lei ao caso concreto, quando dessa incidência resulte obstrução àquele propósito”

Em seguida, conclui aquele jurista que “temos assim um artigo de lei que muito pode e deve ser usado pelos advogados engajados nos movimentos populares e na defesa dos direitos dos empobrecidos. A nova Constituição coloca contradições que constituem um desafio à criatividade dos juristas. Da mesma forma que os intelectuais orgânicos das classes dominantes vão procurar interpretar a Constituição a serviço dos interesses a que servem, os juristas populares deverão descobrir, na nova Carta, as aberturas que possam servir às classes marginalizadas. E todo esforço urge desenvolver para que tenha efetiva vigência e aplicação tudo aquilo que, na Constituição, possa eventualmente prestar-se ao reconhecimento dos direitos das maiorias.”

Sob esta ótica, deve o advogado, mais que nunca, lembrar do 4º mandamento do advogado, de Eduardo Jorge Couture, segundo o qual o dever do advogado é lutar pelo Direito, porém, caso em sua vida profissional encontre o Direito conflitando com a Justiça, deve deixar aquele de lado e optar por esta.

E aqui esta o campo principal para a aplicação de tal desiderato, uma vez que a maior injustiça existente hoje em dia no seio de nossa sociedade é, justamente, a desigualdade social, onde grande parte da população já nasce sem qualquer esperança de conseguir alcançar condições necessárias à atender suas necessidades básicas, como moradia, saúde, educação, e, em alguns casos, até mesmo a alimentação.

“Segundo o ensaio clássico, a Justiça explicita-se de três maneiras fundamentais: a) como Justiça comutativa; b) como Justiça distributiva; c) como Justiça geral, social ou legal. A Justiça comutativa exige que cada pessoa dê a outra o que lhe é devido. A Justiça distributiva manda que a sociedade dê a cada particular o bem que lhe é devido. A Justiça geral, social ou legal determina que as partes da sociedade dêem, à comunidade o bem que lhe é devido” (João Baptista Herkenhoff), sendo que “Justiça Social entre nós é vencer a fome, as brutais desigualdades, é impedir que a infância seja destruída antes mesmo que a vida alvoreça, é reconhecer às multidões oprimidas o direito de partilhar os dons e as grandezas da Criação. Justiça social entre nós é exigir Justiça nas relações internacionais, é denunciar como iníquos os mecanismos que nos mantêm eternamente em dívida para com os ricos do mundo. Não há Justiça Social onde a sociedade, como um todo, não proporciona a satisfação dos direitos das pessoas em particular e sobretudo das pessoas mais credoras de proteção como a criança, o velho, o doente [...] Também não há Justiça Social se os particulares, as empresas, as microssociedades não contribuem, cada um na medida de suas possibilidades, para o bem da sociedade global. Não há Justiça Social onde vigoram as leis do egoísmo, da sonegação fiscal, do peculato, e o Estado, longe de cumprir o desiderato distributivista, constitui, ao contrário, instrumento de acumulação em favor das minorias privilegiadas.” (João Baptista Herkenhoff)

Para João Baptista Herkenhoff, “esquematicamente, podemos distinguir três níveis em que se manifesta o fenômeno da violência: a) a violência institucionalizada, decorrente da estrutura socioeconômica vigente; b) a violência privada, de indivíduos ou grupos, que se manifesta através de comportamentos definidos como criminosos, pelo sistema legal; c) a violência oficial, representada pela repressão policial e por aquela exercida pelo aparelho judiciário e prisional.” E, pouco mais adiante, explica o que é a violência institucionalizada, afirmando que “qualquer pessoa identifica o comportamento de violência num homicídio ou num roubo (subtração de coisa alheia móvel, mediante, justamente, grave ameaça ou violência). Entretanto, nem sempre se percebe o conteúdo de violência na cena de uma criança raquítica que morre de sarampo. A violência institucionalizada é mais sutil. É aceita como natural. Às vezes é até interpretada como se fosse a vontade de Deus. Por falta de espírito crítico, as pessoas, com freqüência, não sabem identificar as causas dessa espécie de violência, nem podem imaginar alternativas de organização sócio-político-econômica que suprimiam as situações de violência estrutural. A violência institucionalizada é o conjunto das condições sociais que esmagam parcela ponderável da população, impossibilitando que os integrantes dessa parcela tenham uma vida humana. Não se pode escamotear que estão sendo violentados todos aqueles seres humanos privados das condições mínimas de existência: os adultos que passam fome; as crianças que passam fome e cujo cérebro é, irreversivelmente, deteriorado pela desnutrição; os que não têm direito ao abrigo, à privacidade de uma habitação; os que não têm direito à saúde; os que não têm direito a qualquer descanso ou lazer porque a uma longa jornada de trabalho vem se somar uma longa jornada perdida no transporte urbano; os que não têm direito a qualquer espécie de participação nas decisões públicas; os que não têm direito à solidariedade, condenados ao isolamento por força de uma organização social que pulveriza os contatos no nível de pessoa e de grupo...”

Assim, deve o advogado lutar contra as desigualdades sociais, que, conforme já dito, se constitui na maior injustiça verificada na sociedade moderna, pois, se para Rousseau “...todo homem nascido na escravidão nasce para ser escravo, ninguém o duvida, pois os escravos, arrastando seus grilhões, perdem até o desejo de os quebrar, e amam o cativeiro, como os companheiros de Ulisses, a brutalidade. Se há pois escravos por natureza, é porque os há contra a natureza: a força formou os primeiros, e a covardia os perpetuou”, é possível dizer-se que, da mesma forma, os mais carentes acabam por perder a vontade de lutar contra as desigualdades sociais, tornando-se escravos do sistema e amando sua condição de miseráveis, pois, em alguns raríssimos casos, é mais fácil viver da caridade que do trabalho. Porém, ao se permitir que alguém nasça sem qualquer condição de gradar seus degraus na pirâmide social, é negar-lhe a condição de Homem, é condenar um inocente à cumprir uma pena injusta e ilegítima, motivada por um delito que este mesmo indivíduo nunca chegou, e provavelmente jamais chegará, a cometer. É, mais uma vez contrariar nossa Carta Magna que afirma serem todos inocentes até que sua culpa seja comprovada de maneira irrecorrível (artigo 5º, inciso LVII).

É necessário lembrar, como o fez Gladston Mamede, que “...para além das teorias e das normas, está a vida de cada ser humano que constitui a sociedade. De pouco adianta propagar que cada um é agente de seus destinos político, social, econômico, jurídico (o mito da cidadania), se não há condições jurídicas e mesmo pessoais para que isto ocorra [...] No caso brasileiro, deixando de dar formação educacional (crítica e política) a parte da população, mantém-se a prática espoliatória que beneficia uma elite (narcísica, incompetente, inconseqüente) em desproveito de milhões de pessoas (miseráveis, e trabalhadores das classes baixas). Permite-se uma certa ordem de privilégios para uma classe intermediária (classe média), que, na estrutura social, funciona como suporte para as classes dominantes: fornece-lhe profissionais que administram seus interesses (nestes incluídos tanto os negócios particulares, quanto os ‘negócios de Estado’, ou seja, a administração do aparelho de Estado, sempre no estrito respeito à conservação de seus benefícios), assim como assimila (motivada pelo desejo de conservar sua própria parcela - ainda que limitada - de benefícios) a fobia - e a luta - contra um possível ‘levante’ das massas exploradas...”

Como lembra Herkenhoff, “em oposição à utopia que se pode tornar realidade, muitos acenam ao povo com fórmulas para vencer na vida. Todo um esquema de pensamento tenta convencer as pessoas de que as regras estão colocadas, como devido, de que tudo está certo e de que basta trabalhar para dominar a terra. Ao jurista, inclusive, não restaria outro papel que não o de se inserir no sistema vigente para, quando muito, corrigir algumas de suas arestas. A ideologia dominante é hoje transmitida ao povo, com renovada eficácia, em face dos meios de comunicação de massa.”

Gladston Mamede concorda ao afirmar que “...nossa sociedade é induzida a crer-se democrática e os indivíduos a crerem-se cidadãos; segundo este discurso (falso, nos termos vistos), haveria entre nós respeito ao Direito (não só às normas estabelecidas, como aos ‘elevados princípios de justiça’) e oportunidades de participação. Mas examinando-se os indivíduos isoladamente, encontrar-se-á apenas uma pequena minoria que possui condições pessoais e sociais de, efetivamente, conhecer e utilizar-se das possibilidades (limitadas, como se viu) de participação consciente nos desígnios de Estado. A consolidação do (verdadeiro) Estado Democrático de direito, em contraste, exige muito mais...”

Porém, Herkenhoff afirma confiante: “...creio na utopia como realidade, como metodologia crítica, como instrumento de ação. O presente pertence aos pragmáticos. O futuro é dos utopistas [...] É fugaz a vida que põe sua esperança no termo da própria existência e baliza seu projeto humano nos muros de sua casa. É eterna a vida de quem é capaz de se inserir na história humana, na caminhada do povo, na luta pela sua libertação.”

Este é o papel que deverá ser exercido pelos advogados, lutar contra as desigualdades sociais, contra a violência institucionalizada, contra o preconceito, a discriminação e a marginalidade dos miseráveis cujo único pecado foi nascer da barriga errada, pois, conforme o artigo 2º, parágrafo único, inciso V, e artigo 3º do Código de Ética e Disciplina, deve o advogado pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difuso, no âmbito da comunidade, tendo sempre em mente que, acima de qualquer coisa, o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos.

“Não obstante o projeto conservador e excludente, abriram-se, por pressão dos movimentos populares, algumas brechas no texto constitucional. Criaram-se alguns instrumentos legais através dos quais é viável aumentar o teor de participação popular, na estrutura política do país, e obter efetivas melhorias na vida do povo. É claro que a Constituição, por si só, de nada vale. Sua alavanca é o povo, são as grandes maiorias que devem crescer na consciência de seus direitos e de sua dignidade para descobrir as brechas abertas, alargar essas brechas, prosseguir na sua luta, obter novos direitos e, finalmente, derrubar a sociedade dos privilégios e construir a sociedade igualitária do amanhã.” (João Baptista Herkenhoff )

É necessário que o advogado tenha em mente que ninguém deveria ser submetido a tortura ou tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III da Constituição Federal), aí incluídos os miseráveis, abandonados nas ruas como se fossem cães sem donos, pois é necessário lembrar que a honra dos indivíduos é inviolável (artigo 5º, inciso X da Constituição Federal), quer tenham, ou não, nascidos em uma família rica. Mais do que isto, é necessário lembrar que o direito de propriedade, assim como o direito de herança, são garantidos pela Constituição Federal (artigo 5º, incisos XXII e XXX), de forma que todos têm o direito de ter propriedades, ou seja, todos devem ter condições de vir a se tornarem proprietários de bens móveis e imóveis para que possam ser deixados de herança aos seus herdeiros, não apenas os ricos, mas também, e principalmente, os mais carentes.


6.0 - A Universidade e o ensino jurídico

Dentro desta perspectiva, está reservado um papel fundamental à ser exercido pela Universidade, um papel que “...não será outorgado pela sociedade à Universidade. Esse papel será alcançado pela Universidade através do esforço e do mérito.” (João Baptista Herkenhoff)
Sendo a Universidade o ponto de partida da carreira jurídica dos advogados e demais juristas, esta, sem dúvida, deverá atender às necessidades impostas pela vida prática destes profissionais, e, sendo a destinação última da própria Universidade é, justamente, o bem comum, então esta deverá proporcionar um “...ensino de excelente qualidade; exercendo um papel civilizatório, progressista, de debate crítico, dentro da comunidade; comprometendo-se com o conjunto da população, através das atividades de extensão; ajudando no avanço de todo o leque de saberes humanos, através da pesquisa.” (João Baptista Herkenhoff). E mais, “a Universidade deve cumprir seu papel de instituição a serviço do povo: adequando seus cursos às necessidades populares; produzindo pesquisa socialmente válida; procurando atuar como instituição transformadora da realidade injusta, essa realidade que reproduz perpetuamente as marginalizações e exclusões presentes na estrutura social.” (João Baptista Herkenhoff).

Conforme bem lembrou João Baptista Herkenhoff, “melhorar a Universidade é dever de todos nós. Comprometê-la com as lutas do povo, com seu engajamento na solução dos desafios de nosso Estado e de nosso país é juramento que não podemos postergar. Corrigir suas falhas e debater seus eventuais erros e equívocos é ponto indispensável na pauta das grandes preocupações nacionais [...] Não se pode admitir que a Universidade forme profissionais sem lhes apontar a estrada ética que permita o desempenho das diversas funções sociais, com pleno conhecimento das responsabilidades e deveres inerentes aos diversos ofícios humanos. Não se pode pretender expedir supostos diplomas de formação universitária a estudantes que não tenham sido despertados para o sentido universal e interligado dos conhecimentos (daí o nome “universidade”) e para a destinação ética que deve ter todo o esforço dos seres humanos e da sociedade, quer no termo de nossas vidas como pessoas, quer na caminhada histórica dos povos e do gênero humano.”

Deve-se compreender “...a universidade como formadora de profissionais, de líderes, de técnicos, de intelectuais com mente aberta para o universal. Nenhum país vence seus desafios se não contar com pessoas altamente capacitadas, que a Universidade tem o dever de formar. A Universidade não forma profissionais, líderes para si mesmos. Forma sim uma elite, mas não uma elite no sentido oligárquico e egoísta, ou seja, uma elite que cuida de seus privilégios e vantagens. Vemos como papel da Universidade um papel não apenas de formação técnica, mas sobretudo de formação ética. Aquele que passa por uma universidade deve compreender que contrai um grande débito social. Tudo que se aprende numa universidade deve estar a serviço da coletividade. O egoísmo não leva a nada, ou melhor, leva a isto que estamos vendo por aí. Leva à Lei de Gérson, leva a um país de fome, miséria e exclusão. É preciso que a Universidade ensine que todas as profissões devem estar a serviço da construção de um mundo mais digno, mais justo, de melhor distribuição dos bens, de maior igualdade. Projetar esse mundo é papel sim da Universidade, não da Universidade ilhada dentro de si mesma, mas da Universidade aberta para o povo, em sintonia com o povo, em comunhão com o grito de Justiça dos que estão à margem de todos os bens deste mundo.” (João Baptista Herkenhoff).

Para João Baptista Herkenhoff, pode-se destacar os seguintes problemas enfrentados pelas Universidades de um modo geral: “a) não existe qualquer orientação vocacional nas universidades. Os jovens escolhem o curso a fazer por sua própria conta, num momento da vida em que seria essencial: de um lado, ouvir as dúvidas e angústias dos jovens; de outro lado, fornecer-lhes pistas para uma decisão; b) a unificação dos exames Vestibulares obriga que todos os candidatos estudem as mesmas disciplinas, algumas sem qualquer pertinência com o curso a ser seguido, em prejuízo de uma preparação prévia que seria da maior utilidade, se já dirigida ao futuro acadêmico do postulante; c) o Ciclo Básico não cumpre convenientemente seu papel de elo entre a escola de segundo grau e a formação universitária específica; d) o ético não ilumina o conjunto do processo educativo. O jovem encontra-se, freqüentemente, perdido entre valores e desvalores, sem orientação para ajudá-lo a escolher caminhos, a estabelecer hierarquias e coerências que lhe permitam encontrar seu lugar e seu papel no mundo [...] Relativamente ao Curso de Direito em particular: a) uma linha de tradição positivista, fortemente enraizada no pensamento brasileiro, desencoraja o espírito crítico e forma, com deficiência, uma mentalidade de jurista que vê o Direito como simples instrumento técnico a serviço da conservação das estruturas sociais; b) o “sistema de créditos” funciona sem sincronia, isto é, não existe uma coordenação horizontal, nem coordenação vertical nos currículos. A formação intelectual não obedece ao processo lógico: do mais simples ao mais complexo, do geral para o particular, do conhecido para o desconhecido; c) não há uma abertura do Direito às outras Ciências Humanas e o pensa o Direito não é enriquecido por uma perspectiva multidisciplinar.”

Deve-se entender, definitivamente, que “o Direito não pode ser devidamente entendido, explicado e praticdo senão dentro da perspectiva global das Ciências Sociais. Freqüentemente, não há uma abertura do Direito às outras Ciências Humanas. O pensar o Direito não costuma ser enriquecido por uma perspectiva multidisciplinar. Uma forte corrente de pensamento pretende reduzir a Ciência do Direito à Dogmática Jurídica. Dentro dessa concepção, o Direito não se abre à multiplicidade dos saberes, nem se coloca a serviço de opções políticas de transformação social.” (João Baptista Herkenhoff).

“Nesta missão, um grande papel está reservado às Universidades. Não me parece que as Faculdades de direito ou os departamentos de Direito devam realizar sozinhos este trabalho de pesquisa científica. Nesta matéria impõe-se, a meu ver, o mais amplo intercâmbio entre pessoas e instituições. É preciso que haja um conjunto de espíritos comungando com esta causa, trocando experiências, somando contribuições. Esta empreitada exige uma revolução dentro das Universidades e, muito especialmente, dentro das Faculdades de direito. Exige também núcleos de estudo fora das Universidades, onde será mais fácil aglutinar combatentes de um mesmo combate.” (João Baptista Herkenhoff).

É importante, ainda, que se entenda que “...a juventude é um tempo de buscas e de dúvidas. Se, em princípio, essa plêiade de jovens que entram na universidade são portadores de um código básico de honra, há particularizações a compreender, há enigmas a decifrar, há hierarquias de valores a organizar, há decisões a tomar, há problemas a solver, há respostas a buscar. O professor é o destinatário de muitas perguntas, o professor é muitas vezes o substituto do pai ou o complemento do pai. Deve estar o professor disponível para cumprir sua tarefa de educador - alguém que ajuda o jovem no seu esforço para descobrir seu papel na vida, seu papel no mundo” (João Baptista Herkenhoff), e ainda, “deve ser recusada, como acanhada, a concepção que vê o educando como arquivista de dados fornecidos pelo educador. Rejeite-se, por imprestável, a passividade do educando, na dinâmica do processo educacional. Diga-se ‘não’ à educação paternalista. ‘Não’ ao programa imposto e ao ritmo preestabelecido. ‘Não’ à auto-suficiência do educador.” (João Baptista Herkenhoff).


7.0 - A obediência aos ditames ético-profissionais

Para que o advogado seja capaz de concretizar sua tarefa social, é imprescindível que obedeça certos limites profissionais insculpidos no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB) e no Código de Ética e Disciplina (CED), para que possa, assim, ser merecedor de seu múnus público e contribuir com o engrandecimento da classe dos advogados, que deve ser digna de sua função.

É por isso - para que a classe seja digna da indispensável confiança que deve possuir perante toda a sociedade - que estabeleceu-se o EAOAB e o CED, pois, sem dúvida alguma, é a ética que deve nortear a conduta do advogado perante a sociedade. E, segundo João Baptista Herkenhoff, devemos entender ética como sendo “...todo o esforço do espírito humano para formular juízos tendentes a iluminar a conduta das pessoas, sob a luz de um critério de Bem e Justiça”, e, mais adiante, continua: “sem pretender uma enumeração exaustiva, creio que podemos arrolar como valores éticos fundamentais, que nunca podemos perder de vista: a) a dignidade de todos os seres humanos, sem exceção; b) o sentido de igualdade de todas as pessoas e a recusa aos privilégios; c) a exigência de condições sociais concretas que efetivem a igualdade, de modo que não seja uma promessa vã; d) a proscrição de todos os preconceitos e exclusões; e) a proscrição de todas as marginalizações sociais; f) a proscrição da tortura, em qualquer situação e sob qualquer pretexto; g) a repulsa a toda as formas de escravidão ou servidão; h) o sentido de Justiça, na sua maior amplitude; i) o direito de todos à proteção da lei; j) o direito à privacidade e à inviolabilidade pessoal; k) os valores da vida e da vida em plenitude; m) a liberdade de consciência, crença, expressão do pensamento, difusão de idéias sem sujeição a censura; n) o direito dos povos a relações de Justiça, no campo internacional, com eliminação de todas as formas de opressão; o) os direitos das mais diversas minorias, no seio das sociedades globais; p) a educação e a cultura como alicerces da organização social e como direito de todos; q) a primazia do trabalho como fator criador da riqueza; r) a paz e a solidariedade internacional; s) a fraternidade e a tolerância.”

Assim, são, dentre outros, deveres do advogado, perante a sociedade e, sobretudo, perante a própria classe que representa:

1) estar devidamente inscrito na OAB, e em dia com suas contribuições, pois, somente com a sua devida inscrição nos quadros da Ordem torna-se possível a sua fiscalização por este órgão, para que cumpra os deveres éticos necessários ao engrandecimento da classe;

2) proceder de forma que o torne merecedor do respeito condigno com a grandeza do trabalho que realiza (EAOAB artigo 31), “...essa atuação exprime-se não apenas no respeito às normas deontológicas ou na abstenção de comportamentos rotulados como infracionais, mas, de mesma importância, num particular cuidado com sua atividade, com a qualidade de seu trabalho, com o seu comportamento” (Gladston Mamede);

3) conduzir-se de forma compatível com a honra, nobreza e dignidade da profissão que exerce, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia, atuando com honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé, abstendo-se de vincular seu nome a empreendimentos manifestamente duvidosos (CED, artigo 2º, parágrafo único, incisos I, III e VIII alínea c);

4) “empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional” (CED, artigo 2º, parágrafo único, inciso IV);

5) abster-se de expor em juízo fatos deliberadamente falseados, que faltem com a verdade ou que sejam fundados em má-fé (artigo 6º do CED);

6) não deixar os feitos que lhe foram confiados ao abandono ou ao desamparo, sem motivo justo e comprovada cientificação de seu constituinte (artigo 12 do CED);

7) tratar os colegas e demais profissionais da área jurídica com respeito e urbanidade, e, especificamente com relação aos causídicos que representem a parte contrária “...deve enfrentá-los no âmbito da técnica jurídica, com uma atuação competente, com argumentos pertinentes, nunca em caráter pessoal, o que seria desconsiderar o próprio múnus que ele e o colega que representa o polo contrário desempenham” (Gladston Mamede);

8) aconselhar seus clientes a não ingressar em aventuras judiciais (artigo 2º, parágrafo único, inciso VII do CED), informando o seu cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda (artigo 8º do CED);

9) estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios (artigo 2º, parágrafo único, inciso VI do CED), porém, abstendo-se de se entender diretamente com a parte contrária (artigo 34, inciso VIII do EAOAB);

10 ) guardar sigilo profissional - mesmo em juízo - acerca de informações de seu cliente que lhe foram conferidas em razão de sua atuação profissional (artigo 7º, inciso XIX do EAOAB, artigo 207 do CPP e artigo 133 da CF/88), sob pena de censura (artigo 34, inciso VII do EAOAB);

11) observar a discrição quanto ao conteúdo, forma, e dimensões de anúncio sob a forma de placas, na sede ou residência do advogado (artigo 30 do CED);

12) abster-se de oferecer serviços mediante intermediários, volantes cartazes de rua ou de qualquer outra forma abusiva que impliquem captação de clientela, assim como a utilização de meios promocionais típicos de atividade mercantil (artigo 3º, incisos VI e VII do provimento 75/92, neste sentido artigos 31, §§ 1º e 2º e 35 do CED), sendo que correspondências, comunicados e publicações que versem sobre composição e/ou qualificação dos componentes do escritório, quer contenham boletins informativos e comentários sobre legislação ou sobre decisões judiciárias, somente podem ser fornecidos aos clientes, colegas, ou pessoas que os solicitem, ou os tenham autorizado previamente (artigo 29, § 3º do CED);

13) abster-se de responder, com habitualidade, a consulta sobre matéria jurídica nos meios de comunicação social (artigo 33, inciso I do CED), e de se insinuar para reportagens ou declarações públicas (artigo 33, inciso V do CED), e, caso venha a manifestar-se publicamente, deverá evitar a promoção pessoal, o debate sensacionalista (artigo 32, parágrafo único do CED, e artigo 2º do Provimento 75/92), e fomentar ou autorizar notícias referentes a causas judiciais ou outras questões profissionais sob seu patrocínio, ou de outro colega, que caracterizem prestígio para si ou desprestígio para aquele (artigo 3º, incisos I e III do Provimento 75/92, assim como artigo 33, inciso II do CED), e caso seja entrevistado, de maneira inevitável, sobre questões sob seu patrocínio, deverá limitar-se a divulgar aspectos que não quebrem o segredo profissional (artigo 34 do CED), devendo, ainda, “visar a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional” (artigo 32 do CED);


8.0 - Conclusões

Este é, portanto, o principal papel que deve ser exercido pelo advogado dentro da sociedade, a luta pelo direito, pelo direito de seu cliente, e principalmente pelo Direito em si; lutar pelo acesso das maiorias ao Judiciário, e, principalmente, à Justiça; lutar pelo bem comum - não o bem comum da minoria poderosa e rica, mas o bem verdadeiramente comum, ou seja um bem comum à toda a sociedade -; lutar contra a opacidade do direito, que, em última análise, ajuda a levar o Direito ao esquecimento, negando Justiça aos necessitados, impedindo o bem comum; e, ainda, lutar pela melhoria do ensino jurídico, de forma que este reflita as necessidades da sociedade, ensinando ao jovem os valores principais que deverá portar em sua vida prática.

Porém, nesta vida de lutas, deve o causídico agir sem jamais se esquecer da grandeza de sua profissão, atuando, sempre, de maneira ética, para que possa ser merecedor de respeito e confiança por parte da sociedade e dos colegas.

Em resumo, o dever do advogado, perante a sociedade é lutar pela Justiça, e pela construção do Direito da libertação; existindo um desafio para os advogados e “...juristas em geral que se queiram colocar ao lado das maiorias oprimidas, como colaboradores do projeto histórico das classes populares. Como fruto desta aliança, delineia-se um novo papel no qual se verá:

advogados e juristas aceitando a provocação de uma nova leitura da lei, de uma desmistificação de seu pretenso papel de harmonia social numa sociedade desarmônica e visceralmente opressora;

advogados e juristas recusando a suposta neutralidade da lei e de seus agentes, neutralidade que cimenta e agrava as injustiças estabelecidas;

advogados e juristas comprometidos com o futuro, não com o passado, com a busca apaixonada da justiça, não com as cômodas abdicações, com a construção de um mundo novo, não com a defesa de estruturas que devem ser sepultadas;

advogados e juristas atentos aos gemidos dos pobres, insones ante o sofrimento das multidões marginalizadas;

advogados e juristas que morram de dores que não são suas, profetas da Esperança, bem-aventurados por terem fome e sede de Justiça;

advogados e juristas que nunca lavem as mãos, em tributo à omissão, mas que desçam ao povo, que sejam povo;

advogados e juristas, operários do canto, crentes da utopia que a força do povo constrói;

advogados e juristas que se recusem a colocar amarras, impedir vôos, compactuar com maquinações opressivas;

advogados e juristas que abram as janelas ao Amanhã e construam, sem se deter ante martírios que lhes impuserem, o Direito da libertação.” (João Baptista Herkenhoff - OBS.: o texto original traz a expressão “juizes e juristas” ao invés da expressão “advogados e juristas” a qual foi utilizada para melhor adaptar o texto ao sentido do tema tratado por este trabalho).



Referências Bibliográficas


BEGALLI, Paulo Antônio. Prática forense avançada: direito e sucesso. 1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2001.;

CAPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. 1ª ed., Porto Alegre: Fabris, 1988;

CÁRCOVA, Carlos Maria. A opacidade do direito. Tradução de Edilson Alkimim Cunha. 1ª ed., São Paulo: LTr, 1998;

HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o Direito. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999;

------------------. Crime, tratamento sem prisão. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998;

------------------. Direito e utopia. 1ª ed., São Paulo: Editora Acadêmica, 1993.;

------------------. Ética, educação e cidadania. 1ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996;

------------------. Fundamentos de direito. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000;

------------------. Justiça, direito do povo. 12ª ed., Rio de Janeiro: Thex Editora, 2000;

------------------. Para onde vai o Direito?. 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997;

IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Tradução de João Vasconcelos. 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998.;

MAMEDE, Gladston. A advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. 1ª ed., Porto Alegre: Síntese, 1999.;

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual da monografia jurídica. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999;

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Pietro Nassetti. 1ª ed., São Paulo: Editora Martin Claret, 2000.


Monografia apresentada no II Concurso Nacional de Monografias sobre Ética na Advocacia, realizado pela OAB Federal, com a qual obteve da comissão julgadora a nota 8,5.

Fonte: Escritório Online


Enviar este artigo para um amigo                            Imprimir


Para solicitar o e-mail do autor deste artigo, escreva: editor@escritorioonline.com



© 1999-2012 Escritório Online. Direitos Reservados. Leis 9.609 e 9.610/98.


Publicidade