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"Direito a explodir bomba atômica contra todo o povo norte-americano!"

25/02/2003
 
Dênerson Dias Rosa



Recebi, por e-mail, a transcrição de uma decisão judicial no mínimo inusitada e, apesar de ter acreditado tratar-se de mais uma das diversas “brincadeiras” que circulam pela internet, fiquei de tal forma curioso que resolvi verificá-la, junto ao Site da Justiça Federal do Estado de Pernambuco, e me surpreendi ao constatar a real ocorrência do fato narrado. Transcrevo agora o teor da inusitada sentença.

SENTENÇA Vistos etc. Chamo o feito a ordem para indeferir a inicial, vez que: 1) não há causa de pedir, 2) os fatos narrados não conduzem logicamente ao pedido e 3) há pedidos juridicamente impossíveis (art. 295, parágrafo único, do CPC). Com efeito, a autora limita-se a acusar os Estados unidos da América de perseguição, de boicote ao seu doutorado, de boicote ao concurso para diplomata, de restrição a liberdade de reunião e de opinião, de uso de tecnologias que lhe provocaram hirsutismo, de “jogarem armas químicas militares contra à autora”, entre outras condutas, nenhuma das quais especificamente narrada, com um mínimo de objetividade. Nos pedidos, pro sua vez, requer “o direito legal legítimo de ser inimiga contra os Estados Unidos da América do Norte” (sic), o “direito de ser amiga e a respeitar os povos europeus” (sic), o “direito a explodir bomba atômica contra todo o povo norte americano nacionalidade de origem, povo do continente américa, do país Estados Unidos da América do Norte, Capital Washington DC., não deixando nenhum sobrevivente” (sic), além de reparação de danos “no valor de moedas Brasil 20 quatrilhões de reais” (sic). Trata-se de vícios que tornam despiciendo o próprio saneamento da inicial, pelo que extingo o processo sem julgamento do mérito (art. 267, I, do CPC).

À primeira vista me pareceu uma situação risível, mesmo porque não é necessária a declaração judicial do “direito legal legítimo de ser inimiga contra os Estados Unidos da América do Norte” ou mesmo de qualquer povo ou pessoa, bem como o “direito de ser amiga e a respeitar os povos europeus” ou qualquer outro povo ou pessoa.

Todavia, merece uma melhor análise a segunda parte do pedido da autora da ação, o de que seja declarado o seu “direito a explodir bomba atômica contra todo o povo norte americano nacionalidade de origem, povo do continente américa, do país Estados Unidos da América do Norte, Capital Washington DC., não deixando nenhum sobrevivente”.

Por muito tempo, em alguns países até a idade moderna, não se encontrava entre os papéis do Estado o de punir condutas eventualmente nocivas à sociedade, exceto quanto aos delitos que ofendessem aos interesses estatais, tal atitude cabia ao ofendido ou à sua família. Era a institucionalização da figura da vingança. Em vários dos Estados Medievos, o monarca, mediante pagamento, disponibilizava sua "justiça", mas somente àqueles que se dispunham a pagar por estes favores reais, aos demais, restava apenas a "justiça pelas próprias mãos".

Segundo Vicente Greco Filho, “Antes da Petição de 1215, ao Rei era guardada a prerrogativa de conceder a coação estatal para a execução de devedores, por exemplo, somente mediante pagamento. Não se trata, como alguns querem interpretar, da existência de custas judiciais como hoje são entendidas. Era um verdadeiro pagamento para que o interessado pudesse ter os favores da coação oficial e que, no caso de recusa, determinava a não-intervenção da autoridade real.”

Na idade média, segundo Sacha Calmon Navarro Coelho, “quem fosse ferido no seu direito, dependendo do caso, fazia justiça com as próprias mãos, às vezes com a ajuda da família, ou levava a questão ao “Conselho” do lugar, ou recorria ao arbitramento, ou finalmente requeria a justiça do rei, que nessa atividade tinha uma fonte de receita.”

Foi exatamente em repúdio contra esta situação que a aristocracia fez inserir no texto, que queriam que fosse jurado por João Sem Terra e que resultou na Carta Magna, os seguintes dispositivos: “A ninguém venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o direito a obter justiça”, bem como “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”.

Neste momento, iniciava-se a transição do sistema no qual a punição era na verdade vingança, por parte do ofendido ou de sua família, para o atual sistema no qual o papel punitivo compete ao Estado. Todavia, a cultura de justiça pelas próprias mãos persistiu até bem recentemente. Ainda era praticada, no século XVIII, em diversas sociedades ocidentais.

Atualmente, como estamos em um Estado Democrático de Direito, vige a premissa de que a vontade da sociedade se encontra retratada em leis, e, por conseguinte, somente pode-se falar em direitos e deveres quando amparados legalmente, além do que, em caso de desrespeito de normas legais, somente ao Estado é dado o poder de punir ou coagir ao seu cumprimento obrigatório.

Em relação a este aspecto, apresenta-se louvável o meio utilizado pela autora, por mais que seu intuito seja questionável. Em todo ser humano ocorrem, às vezes, pensamentos e vontades nada elogiáveis, mas seria um sintoma de estarmos em uma sociedade bem mais madura o fato de, antes de nos dispormos a por em prática estes pensamentos e vontades, os submetermos à apreciação do Poder Judiciário.

Se Osama Bin Laden tivesse tido a mesma iniciativa da autora da ação mencionada, talvez tivesse descoberto a impossibilidade legal de “explodir bomba atômica contra todo o povo norte americano nacionalidade de origem, povo do continente américa, do país Estados Unidos da América do Norte, Capital Washington DC., não deixando nenhum sobrevivente” e talvez as torres do World Trade Center ainda estivessem em pé.


BIBLIOGRAFIA:

FILHO, Vicente Greco, Direito Processual Civil Brasileiro, editora Saraiva, vol. I, pág. 40.

COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, editora Forente, 3ª edição, pág. 423.

Fonte: Escritório Online


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