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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Lei n.º 9.099/95 - Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Conseqüências do descumprimento do termo da transação penal. Descabimento da conversão da pena restritiva de direitos ou multa em privativa da liberdade. Obrigatoriedade do devido processo legal

25/05/2003
 
Wálteno Marques da Silva e Gustavo Henrique Trindade da Silva



Compulsando as páginas do INFORMATIVO STF n.º 180, 28.02 a 10.03.2000, também disponível no site www.stf.gov.br, nos deparamos com a sensata defesa da garantia constitucional do devido processo legal, numa situação em que o Egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos do HABEAS CORPUS N.º. 79.572-GO, concedeu a ordem e afastou peremptoriamente a conversão automática da pena restritiva de direitos ou multa em privativa da liberdade, rechaçando a aplicação subsidiária do art. 45 do Código Penal.

Eis, a íntegra do voto relator da lavra do eminente Ministro MARCO AURÉLIO:

“EMENTA: HABEAS CORPUS - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade.

TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.

Relatório: Valho-me do relato que tive oportunidade de elaborar ao proceder ao exame do pedido de medida acauteladora e deferi-la:

O Procurador-Geral de Justiça Substituto do Estado de Goiás subscreve a inicial deste habeas corpus relatando que Cleber de Souza Batista transacionou nos autos da ação penal contra si intentada considerado o tipo do artigo 233 do Código Penal - ultraje público ao pudor. Aceitou prestar serviços à comunidade, junto ao Lar Vicentino, pelo período de dois meses, em limite mínimo de quatro horas semanais.

O descumprimento do que foi acertado resultou na revogação do acordo, vindo o Juízo, de forma imediata, a converter a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade - detenção a ser cumprida em regime aberto, sendo determinada a expedição do mandado de prisão. O habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás - de n.º 15.186-1/217 - 9800755950, visando a fulminar a ordem de prisão e ter-se a seqüência da ação penal, não frutificou. Interposto recurso ordinário, o Superior Tribunal de Justiça desproveu-o - Recurso em Habeas Corpus n.º 8.198-98/0096138-6, oportunidade em que ficou vencido o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.

O Impetrante evoca as garantias constitucionais dos incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal, consoante as quais ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, nem será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, que não chegara a ocorrer porquanto se empolgara a norma do artigo 92 da Lei n.º 9.099/95, preceito a direcionar à aplicação subsidiária das disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal no que não incompatíveis com a regência do processo tal como nela prevista. É que se mostrara adequada a regra do artigo 45 do Código Penal, reveladora da conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade pelo tempo da primeira, isso na hipótese de inadimplemento injustificado da restrição imposta. Ressalta o subscritor da inicial a importância do tema porque envolvidos preceitos constitucionais viabilizadores do direito de defesa. Em síntese, ter-se-ia na espécie, sem tramitação normal do processo alusivo à ação, a ser instruído, a substituição automática da transação efetuada por ato que, sem o indispensável julgamento, estaria a evidenciar a imposição de pena privativa de liberdade. Requer-se liminar no sentido da suspensão da execução da pena (folhas 107 e 108).

Por se tratar de matéria estritamente de direito e já estando nos autos o acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça que, segundo a inicial, revela o constrangimento, dispensei as informações, determinando a remessa dos autos à Procuradoria Geral da República. O parecer de folha 119 à 125 é no sentido do conhecimento e denegação da ordem, estando assim ementado:

Habeas Corpus. Lei 9.099/95. Transação Penal. O descumprimento de pena de prestação de serviços à comunidade imposta em decorrência de transação penal permite, de logo, a conversão em pena privativa de liberdade, vez que a sentença que homologa a transação tem natureza condenatória. Improcedente alegação de violação dos incisos LIV e LVII, artigo 5º da Constituição Federal (folha 119).

O Ministério Público adota a óptica constante do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, ao aceitar a transação penal, o acusado assume a culpa, ficando o Estado acusador dispensado de prová-la. Ter-se-ia, na espécie, renúncia expressa a certas garantias. A partir de lição de Júlio Mirabetti, consta, no parecer, que o procedimento em audiência preliminar, no juizado especial, já consubstancia o devido processo legal, devendo ser observada a norma do artigo 92 da Lei n.º 9.099/95, aplicando-se, assim, subsidiariamente, as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, ante a falta de incompatibilidade. Por isso, deu-se como incidente, na hipótese, o texto do artigo 45 do Código Penal, no sentido da possibilidade de substituição da pena privativa de direitos pela privativa do exercício da liberdade.

Voto: Registre-se, em primeiro lugar, que este habeas corpus veio a ser formalizado pelo Ministério Público do Estado de Goiás, estando a peça primeira subscrita pelo Procurador-Geral de Justiça Substituto, Dr. Altamir Rodrigues Vieira Júnior. O fato bem revela a seriedade da impetração e, mais do que isso, o cumprimento do múnus público, a atuação eqüidistante do Órgão, no que voltada à busca da prevalência do arcabouço normativo constitucional, da predominância da verdade real, entendida esta última em seu sentido lato. A ação constitucional de habeas corpus não possui balizamento rígido sobre legitimados, abrangendo, a norma primária de regência para ajuizá-la, qualquer do povo, podendo, inclusive, ser concedido de ofício, o que se dirá quando a impetração ocorre mediante ato de quem tem o dever de tornar prevalecente a ordem jurídica. Neste sentido é a jurisprudência desta Corte, pouco importando a atuação de regra, como Estado-acusador, na persecução criminal. Por outro lado, o habeas está dirigido contra ato do Superior Tribunal de Justiça, enquadrando-se, assim, na competência desta Corte. Conheço da impetração.

Ao deferir a medida acauteladora, ressaltei:

A matéria veiculada possui contornos que a demonstram da maior relevância. Conforme consignado no fecho do relatório supra, a imposição da pena privativa de liberdade fez-se de maneira automática, sem a tramitação, em si, do processo consubstanciador da ação penal. A primeira visão que surge direciona no sentido de distinguir-se entre as penas restritivas de direitos, tais como previstas no Código Penal, verificando-se verdadeira substituição, e aquelas fixadas na Lei n.º 9.099/95 em razão de fenômeno que antecede a instrução do processo penal, a conclusão sobre a culpa do acusado. O instituto da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, tal como disciplinado no Código Penal, pressupõe, para ser alvo de implemento, condenação do Juízo e, portanto, o ato derradeiro da ação penal que é a prolação da sentença, enquanto aquele versado na Lei n.º 9.099/95 precede, a teor do disposto no artigo 76, a instrução e a formação de entendimento pelo Estado-juiz sobre o processo existente, a ação penal ajuizada, ou não, pelo Ministério Público. Atente-se para a circunstância de no artigo 76 cogitar-se de representação ou crime de ação penal pública incondicionada, autorizando-se o Ministério Público a propor ’a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas a ser especificada na proposta’ . Há de interpretar-se o novo arcabouço normativo em harmonia com os princípios maiores constantes da Constituição Federal, resistindo-se à tentação de formalizar-se título executivo judicial penal sem o respeito ao devido processo, viabilizada, à exaustão, a defesa (folha 108).

Tal óptica não restou abalada pelo parecer da Procuradoria Geral da República, em que pese a pena proficiente do autor - Subprocurador Marden Costa Pinto. Aliás, permito-me pinçar do que elaborado lição das mais precisas, ou seja, de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes em "Juizados Especiais Criminais", Editora Revista dos Tribunais, 1996, página 134:

A aplicação da sanção penal será feita por sentença, que não se poderá considerar condenatória, uma vez que não houve sequer acusação.

Trata-se de sentença nem condenatória nem absolutória, mas simplesmente de sentença homologatória de transação penal, com eficácia de título executivo.

É exatamente o que ocorre no campo processual civil: a homologação da transação não indica acolhimento nem desacolhimento do pedido do autor, mas sentença que, homologando a vontade das partes, constitui título executivo judicial (art. 584, III, CPC).

Rememore-se a espécie dos autos. Formalizou-se termo de ocorrência, tendo em conta o tipo do artigo 233 do Código Penal - ultraje público ao pudor - e, aí, designou-se, no Juizado Especial Criminal da Comarca de Itumbiara, data para a audiência preliminar. Nesta, o Ministério Público formulou ‘a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, consistente em prestação de serviços à comunidade junto ao LAR VICENTINO, pelo período de 02 meses, laborando durante 04 horas semanais. A vítima não mensurou qualquer dano’. Então, consultados o envolvido e o profissional da advocacia, concordaram com a proposta (folha 16). Vale dizer que não foi sequer formalizada a peça primeira da ação penal, ou seja, a denúncia, em si. Ora, não há como aplicar, à espécie, a menos que sejam colocados em plano secundário princípios constitucionais, o disposto no artigo 45 do Código Penal. Está-se diante de incompatibilidade reveladora de não ser o preceito nele contido fonte subsidiária no processo submetido ao juizado especial. Essa conclusão decorre do fato de a conversão das penas restritivas de direitos em penas restritivas do exercício da liberdade, tal como prevista no artigo 45 do Código Penal, pressupor, sempre, o regular processo, a regular tramitação da ação penal, a persecução criminal nos moldes contemplados pela ordem jurídica em vigor. Dá-se a instrução da ação penal, viabilizado o direito de defesa, e a prolação de sentença condenatória, vindo a ocorrer, aí sim, em passo seguinte, a conversão. Aliás, o princípio da razoabilidade, a razão de ser das coisas, cuja força é insuplantável, direciona no sentido de a conversão pressupor algo já existente, e isso diz respeito à pena privativa do exercício da liberdade. Vale considerar, portanto, que a substituição faz-se tendo em conta decreto condenatório de maior gravame. Isso não se verifica quando em jogo a transação prevista no artigo 76 da Lei n.º 9.099/95. A proposta precede, até mesmo, a formalização de denúncia. Tem a sentença respectiva força de título executivo-judicial. Entrementes, fica este submetido à condição resolutiva estampada no descumprimento do que pactuado. Salta aos olhos a impossibilidade de imprimir-se, à espécie, caráter automático, queimando-se fase que a Carta da República registra como indispensável a que alguém perca a liberdade. Não é demais considerar a natureza imperativa, o caráter, até mesmo, de ordem pública dos preceitos insertos nos incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal, afastando, por presunção de mostrar-se inteiramente viciada, manifestação de vontade que implique o menosprezo ao que previsto:

Ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Disseram bem os Autores supramencionados que o termo de homologação do acordo não ganha contornos de sentença condenatória, muito menos quanto ao exercício da liberdade de ir e vir. Esse é uniforme, mais consentâneo com a nossa ordem jurídico-constitucional. Valorize-se o instituto da ação penal regida pela lei dos juizados especiais, sem, contudo, chegar-se a extravagância contrária ao Estado Democrático de Direito, como é a relativa a ter-se alguém privado do exercício da liberdade sem o devido processo, sem a oportunidade de defender-se, presentes o contraditório e a prova da culpa, sempre a cargo do Estado acusador. Já em 1998, outra não foi a conclusão do 4º Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, realizado no Rio de Janeiro. O Enunciado n.º 21 bem proclamou:

O inadimplemento do avençado na transação penal, pelo autor do fato, importa desconstituição do acordo e, após cientificação do interessado e seu defensor, determina a remessa dos autos ao Ministério Público.

Nem se diga que a visão resulta em desprestígio para o texto da Lei n.º 9.099/95. Possível a execução direta do que acordado, esta há de ocorrer aplicando-se, subsidiariamente, as normas processuais comuns. Tratando-se de obrigação de fazer de cunho pessoal, impossível é substituí-la na forma estampada no acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Por isso, bem andou o Ministério Público do Estado de Goiás, no Processo n.º 627/96, da Comarca de Itumbiara, ao requerer ao Juízo a revogação do termo de transação penal celebrado na audiência preliminar, pleiteando, ainda, a vista dos autos para oferecimento da denúncia ou requerimento de baixa à delegacia de polícia para a instauração de inquérito policial (folhas 28 e 29). Claudicaram Juízo (folha 30 à 34), Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (folha 44 à 57) e Superior Tribunal de Justiça (folha 85 à 97), valendo notar que, neste último, dissentiu da tese sufragada o Ministro-Presidente da Turma julgadora - a Sexta Turma -, ou seja, o Ministro Luís Vicente Cernicchiaro, oportunidade na qual externou o alcance da Lei n.º 9.099/95.

Concedo a ordem para fulminar a conversão verificada, abrindo margem, assim, à remessa do processo ao Ministério Público para que formalize o que de direito.”

A judiciosa reflexão e interpretação desenvolvida pelo Excelso Pretório sobre o tema em comento nos remete aos ensinamentos do Mestre Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Editora Forense, 15ª Ed., pág. 8, que assim se posiciona:

“A adaptação de um preceito ao caso concreto pressupõe:

a) a Crítica, a fim de apurar a autenticidade e, em seguida, a constitucionalidade da lei, regulamento ou ato jurídico;

b) a Interpretação, a fim de descobrir o sentido e o alcance do texto;

c) o suprimento das lacunas, com o auxílio da analogia e dos princípios gerais do Direito;

d) o exame das questões possíveis sobre ab-rogação, ou simples derrogação de preceitos, bem como acerca da autoridade das disposições expressas, relativamente ao espaço e ao tempo.”

Prossegue o citado autor:

“A lei é a expressão da vontade do Estado, e esta persiste autônoma, independente do complexo de pensamentos e tendências que animaram as pessoas cooperantes na sua emanação. Deve o intérprete descobrir e revelar o conteúdo expresso em forma constitucional, e não as volições algures manifestadas, ou deixadas no campo intencional. (...) Desde que o elaborador ultrapassou os limites das próprias atribuições, o juiz nada interpreta; nega eficiência ao texto, porque não se trata de disposições válidas, e, sim, de um excesso de poder, a que não se deve acatamento. ” (grifamos)

Sobreleva trazer a baila o magistério de José Cretella Júnior, in Comentários à Constituição de 1988, Forense Universitária, Vol. I, pág. 530, que “o DEVIDO PROCESSO LEGAL é aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o contraditório e a produção de todo o tipo de prova – desde que obtida por meio lícito, prova que entenda seu advogado dever produzir, em juízo. Sem processo e sem sentença, ou prolatada esta por magistrado incompetente, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens.”“

Trata-se, na verdade, da imprescindibilidade de jurisdicionalização da pena, consubstanciada no brocardo “nulla poena sine judicio”, segundo o qual a sanção penal somente pode ser aplicada pelos órgãos jurisdicionais, e por meio de instrumento adequado - o devido processo penal. Significa dizer, na lição de Vicenzo Manzini, que o Direito Penal não é um direito de coerção direta, e sim, indireta.

Atente-se, ainda, que o princípio do devido processo legal, em sede de Direito Penal, objetiva dupla finalidade: uma, assegurar às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais; outra, legitimar o próprio “ jus puniendi” Estatal em face da conduta do infrator.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete, in Juizados Especiais Criminais, Atlas, 3ª Ed., pág. 84, não tem procedência a alegação de que o instituto da transação viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da presunção da não-culpabilidade. De um lado porque a própria Constituição Federal prevê o instituto, não obrigando a um processo formal, mas a um procedimento oral e sumaríssimo (art. 98, I) para o Juizado Especial Criminal; de outro, porque nos termos da lei estão presentes as garantias constitucionais de assistência de advogado, de ampla defesa, consistente na obrigatoriedade do consenso e na possibilidade de não-aceitação da transação. Trata-se da possibilidade de uma tática de defesa concedida ao apontado como autor do fato, e não se viola o princípio da presunção de não-culpabilidade porque há uma aceitação por parte do interessado, que não implica confissão de culpa.

O entendimento do citado autor encontra ressonância na própria tese defendida pelo STF, e por isso mesmo não merece censura a sua assertiva de que, no respeitante à aplicação imediata de pena não privativa da liberdade – art. 76 da Lei n.º 9.099/95, no denominado instituto da transação, essa permissibilidade não pode ser considerada inconstitucional, como já se tem alegado, ainda que fuja aos padrões clássicos do processo penal pela não-realização prévia da instrução criminal com as garantias constitucionais ( ampla defesa, contraditório, etc.). Porém, ressalvamos que não comungamos do seu pensamento de que no rito da Lei n.º 9.099/95 há na audiência preliminar o “devido processo legal” exigido pela Constituição, até porque, é consabido que o cidadão, na maioria das vezes, embora cônscio da improcedência da acusação que lhe é imputada, prefere curvar-se à proposta da aplicação da pena pecuniária ou restritiva de direitos, do que enfrentar a “via crucie” de processo penal para provar a sua inocência.

Em decorrência dessa realidade fática não se pode perder de vista que o esforço legislativo para a implantação de um processo criminal com mecanismos rápidos, simples e mais econômicos para superar a tão propalada morosidade nos julgamentos criminais, e o próprio desafogamento das Varas Criminais, está a impor ao aplicador da Lei n.º 9.099/95 a compatibilização desse procedimento oral e sumaríssimo com a garantia constitucional do “devido processo legal”, tendo por vetor basilar a tendência doutrinária e da moderna legislação que acena na diretriz da substituição da pena privativa da liberdade pela multa ou a restrição de direitos, sempre que possível.

Parece-nos sensata a compreensão de que ao formular uma proposta de transação nos moldes configurados no art. 76 da Lei n.º 9.099/95 o Ministério Público não faz um juízo de culpabilidade, até porque nessas situações não são produzidas quaisquer provas que possam autorizar tal conclusão. Pratica, sim, um mero juízo de probabilidade de culpa do acusado, com os elementos constantes dos autos, numa antevisão da necessidade da aplicação da pena e da formulação da sua proposta. Daí a razão de o STF admitir que na aplicação da citada lei, a transação é o fenômeno que antecede à instrução do processo penal e, portanto, à conclusão sobre a culpa do acusado, e por isso mesmo deve o novo arcabouço normativo ser interpretado em harmonia com os princípios maiores da Carta Constitucional.

Nesta diretriz, impende ressaltar que dada a relevância do próprio tema o legislador inseriu nas disposições do art. 85 da indigitada Lei que mesmo na hipótese de inadimplência do pagamento da pena de multa, a conversão em pena privativa da liberdade, ou restritiva de direitos, seria feita nos termos da lei.

A esse respeito, eis a lição de Júlio Fabbrini Mirabete, ob. cit., págs. 138 e 139:

“Dispõe o art. 85 que, não efetuado o pagamento da multa, deve ser ela convertida em pena privativa de liberdade, nos termos previstos em lei. O dispositivo, entretanto, nessa parte, foi revogado tacitamente pela Lei n.º 9.268, de 1º-4-95, que deu nova redação ao art. 51, caput, do Código Penal. Previa este a citada conversão quando o condenado solvente deixasse de pagar a multa ou frustrasse a sua execução. Na nova redação, porém, não mais se prevê a citada conversão, tendo sido revogados o art. 182 da Lei de Execução Penal, que confirmava tal previsão, e os §§ 1º e 2º do art. 51 do Código Penal, que estabeleciam o modo de conversão de a sua revogação. Em conseqüência, não se prevendo mais em lei a conversão da pena de multa em privativa de liberdade, não mais vige o art. 85 da Lei n.º 9.099/95 no que concerne à conversão da pena de multa em privativa de liberdade. Não efetuado o pagamento na Secretaria do Juizado no prazo legal, transitada em julgado a sentença condenatória ou a homologação judicial, deve ser providenciada a execução da pena de multa.

Também não se pode converter a pena de multa em restritiva de direitos, apesar do que dispõe o art. 85. Refere-se ele à possibilidade dessa conversão ‘nos termos previstos em lei’. Ocorre, porém, que não há na lei penal geral ou especial dispositivo que preveja a conversão da pena pecuniária em restritiva de direitos. Ora, essa conversão, portanto, é medida inconstitucional diante do princípio da reserva legal, ou seja, do princípio da legalidade da pena previsto no art. 5º, inc. XXXIX, da Constituição Federal, e constante do art. 1º do Código Penal. Não prevendo a lei o quantum da pena restritiva de direitos aplicável no caso de não-pagamento da multa, assim criando uma incerteza para o condenado a respeito do tempo de restrição de direitos, fica prevista pena indeterminada em seu limite máximo. Ora, é pacífico que, diante do referido princípio, está proibida pela Carta Magna a cominação, aplicação e execução de penas indeterminadas em seus limites de duração, o que torna inoperante a disposição estudada. Ademais, seria totalmente inadequado permitir a conversão de multa em pena restritiva de direitos em caso de não-pagamento daquela aplicada em transação penal, por força do art. 85, quando não existe a possibilidade da mesma providência com relação a sanção pecuniária imposta em sentença condenatória não satisfeita pelo condenado. “

Diante das razões até aqui expendidas tem-se por irrefragável o entendimento firmado pelo Excelso Pretório de que a transação efetivada nos termos do art. 76 da Lei n.º 9.099/95 não pode ter o condão de superar o mandamento constitucional do DEVIDO PROCESSO LEGAL quando da ocorrência de inadimplemento por parte do autor do fato, restando descabida a conversão automática da pena restritiva de direitos ou de multa em pena privativa da liberdade, impondo-se, pois, a remessa dos autos ao Ministério Público para que formalize o que for de direito.

A condenação penal deve resultar da convicção do juiz, que, examinando o processo, ouvindo o réu, as testemunhas, o acusador, o advogado de defesa, conclui que houve o fato e que há nexo causal entre o crime e o acusado, que há prova da existência do fato, que o fato constitui infração penal, que a prova é suficiente para a condenação, e que o réu concorreu para a infração penal. No caso de inadimplemento do acordo homologado na audiência preliminar, tais garantias não ocorrem quando entra em cena o instituto da transação previsto no art. 76 da Lei n.º 9.099/95, por lhe faltar os requisitos da persecução criminal nos moldes contemplados na legislação em vigor e, sobretudo, a inafastável garantia do contraditório e da ampla defesa.

Fonte: Escritório Online


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