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Escritório Online :: Artigos » Direito da Informática e Tecnologia


A inconstitucionalidade da Lei gaúcha sobre software livre

27/09/2003
 
Jafte Carneiro Fagundes da Silva



Introdução

O Poder Legislativo do Estado do Rio Grande do Sul aprovou e o Governador sancionou, no final de 2002, uma lei que trata sobre a aquisição de programas de computador pelos órgão da administração direta e indireta, fundacional, autárquica, empresas e demais instituições sob o controle do Estado.

A norma in comento é a Lei Estadual nº 11.871, de 19 de dezembro de 2002 que dispõe sobre a utilização de programas de computador no Estado do Rio Grande do Sul, em que os órgãos estatais utilizarão preferencialmente “em seus sistemas e equipamentos de informática programas abertos, livres de restrições proprietárias quanto a sua cessão, alteração e distribuição”, ex vi de seu art. 1º.

A preferência referida pela Lei é a aquisição do que chamamos de software livre, ou seja, sistemas e aplicativos de computador cujos códigos-fonte são de livre distribuição, podendo ser alterados e/ou aperfeiçoados por outras empresas ou pessoas e daí criarem suas próprias versões do sistema ou aplicativo.

O presente artigo não pretende explicar exaustivamente do que se trata o software livre, mas pelo menos pinçar a matéria acerca da inconstitucionalidade da norma gaúcha.

Da Competência para legislar sobre informática

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece as competências para legislar sobre determinadas matérias e as divide entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Nesta divisão de competências, o constituinte reservou para União a competência privativa para legislar sobre informática (art. 22, IV), por ser um tema de relevância nacional e sobretudo estratégico, dado pela preocupação que a nossa Carta Magna tem em disciplinar o incentivo ao desenvolvimento científico e a capacitação tecnológica do país.

A norma riograndense sobre software livre, sem dúvida alguma, entra no mérito da matéria cuja competência para legislar só pode ser exercida pela União, pelo menos até o advento de uma lei complementar que venha delegar aos Estados a competência para legislar sobre questões específicas do assunto, ex vi do § único do art. 22.

O professor Ives Gandra da Silva Martins [1] , em comentários à Constituição Federal, ressalta que a “permissão de delegação contida no § único do art. 22 não se confunde com o exercício da competência supletiva dos Estados e do Distrito Federal de que trata o § 3º do art. 24 da Constituição”. Observa igualmente que “a delegação assume caráter permanente, permitindo-se aos Estados o exercício da competência delegada até sua revogação pela União”.

Segundo a jurista Carmem Lúcia Antunes Rocha [2] , as questões específicas passíveis de delegação “não representam a essência da matéria reservada à competência privativa da União”.

Portanto, é possível afirmar que a Lei Estadual nº 11.871/2002 é materialmente inconstitucional, já que aos Estados ainda não é permitido editar leis que versem sobre informática e automação, como no caso em tela. In casu demonstra-se essencialmente ligada a matéria do art. 22, IV da CF/88.

Outros aspectos inconstitucionais da norma gaúcha sobre software livre

Além disso, a citada Lei versa sobre um direito de preferência que também não se adequa aos ditames da nossa Carta Magna. Esta preferência implica em estabelecer restrições ao mercado de informática, ao passo que privilegia somente as empresas que atuam com a plataforma de software livre e segrega as empresas que atuam com plataformas proprietárias.

Tal preferência, portanto, ofende os objetivos fundamentais da República e sobretudo os princípios gerais da atividade econômica, dentre eles o da livre concorrência. Configura-se nisso mais uma inconstitucionalidade da citada norma, onde vemos claramente um favorecimento incompatível com nosso ordenamento jurídico.

Cabe nesse momento lembrar, que a Emenda Constitucional nº 6 de 15 de agosto de 1995 removeu da nossa Constituição um tratamento preferencial para as empresas brasileiras, em detrimento das estrangeiras, quando na vigência do art. 171, porque se via incompatibilizado com os objetivos fundamentais da República e os princípios gerais da atividade econômica. Com a revogação do artigo 171, imaculou-se o tratamento isonômico das empresas sendo que a partir daí a preferência passaria a ser, apenas, por produtos ou serviços desenvolvidos nos país.

Desta maneira, não pode uma norma infraconstitucional impor preferência como a que se percebe na Lei Estadual nº 11.871/2002, porque isso estaria configurando uma represtinação inconcebível, qual seja, a de Lei Ordinária Estadual restaurando o que uma Emenda Constitucional removeu da Constituição.

Outro aspecto não menos importante, acerca da insconstitucionalidade da Lei gaúcha sobre software livre, é que ela invade o âmbito de disciplinar a contratação para aquisição desses sistemas e programas de computador. Se invade a matéria de contratação pelo Poder Público, por sua vez está materialmente conflitante com a Constituição, já que ao Estado também não é permitido legislar sobre licitação e contratação de bens e serviços, posto que isso está no âmbito da competência privativa da União (art. 22, XXVII).

Dos projetos de lei em trâmite no Congresso

É importante destacar que já se encontram tramitando, na Câmara dos Deputados e no Senado, diversos projetos de lei [3] sobre a matéria de que trata a Lei gaúcha. E atualmente existe um forte lobby dos parlamentares em fomentar a utilização do software livre.

Não se sabe ao certo se a justificativas desses projetos estão corroborados pelas preocupações com os gastos e com grandes investimentos em licenças de uso de sistemas proprietários, motivados desde a implementação do projeto e-Gov (Governo Eletrônico).

O que se sabe na verdade, é que o processo de informatização dos órgãos públicos tornou-se uma condição sine qua non para dar a devida eficiência aos serviços, para o atendimento ao cidadão e também para uma gestão transparente, aliando a tecnologia com o princípio da publicidade dos atos administrativos.

É louvável que os representante do povo editem leis nesse sentido, desde que norma represente introduzir economia para os cofres públicos, que atendam ao interesse público e sobretudo o que preceitua a nossa Constituição, pois a contrario sensu, a norma será facilmente rejeitada pelo veto presidencial ou pela procedência do pedido de uma ADIn perante o STF.


Notas do texto:


[1] Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra da Silva Martins, Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1992, pp. 366-372.

[2] Carmem Lúcia Antunes Rocha, República e Federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira, Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 242

[3] PL-2269/1999, PL 3051/2000, PL 4275/2001 e PL 7120/2002

* Artigo elaborado em julho de 2003.

Fonte: Escritório Online


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