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Escritório Online :: Artigos » Ensaios, Crônicas e Opiniões


Breves considerações sobre a greve dos magistrados

23/07/2003
 
Enéas Castilho Chiarini Júnior



“sou contra suas palavras, mas lutarei até a morte pelo teu direito de dize-las”

O objetivo deste breve estudo é analisar a iminente greve dos magistrados, marcada para acontecer no início do próximo mês (agosto de 2003).

Cumpre dividir o estudo em dois aspectos: 1) quanto à constitucionalidade, ou não, da greve; 2) quanto ao objetivo desta greve.


I - Quanto à constitucionalidade da greve


Tal greve é, sem qualquer dúvida, plenamente Constitucional.

Primeiro porque a Constituição assegura aos trabalhadores em geral - e, portanto, também aos servidores públicos, ai incluídos os membros da magistratura - o direito à greve, no seu artigo 9º, e não a proíbe, nos artigos que tratam dos servidores públicos (39 a 41), nem nos artigos referentes ao Poder Judiciário (92 a 126), o direito dos magistrados à greve.

A única limitação constitucional ao Direito de greve é apresentado pelo § 1º do artigo 9º o qual especifica que somente a lei poderá definir quais as atividades essenciais e que necessitam de atendimento inadiável, não tendo, eu, conhecimento de qualquer lei que inclua os serviços da magistratura dentro dos especificados na ressalva do § 1º.

Em segundo lugar, por se tratar de matéria restritiva de direitos - vedação, ou limitação do direito à greve -, não cabe qualquer interpretação extensiva capaz de impossibilitar tal greve. Os autores em geral que tratam da hermenêutica jurídica são uníssonos a respeito.

Por outro lado, hão de pugnar pela inconstitucionalidade da greve, provavelmente através do argumento de que a Constituição deve ser interpretada como um todo, segundo uma visão sistemática, e que, assim, os magistrados fazem parte de um dos Poderes da República Federativa do Brasil, e que, por isso mesmo, não seria possível que o Poder Judiciário entrasse em greve.

Outro argumento que certamente seria levantado pelos que condenam tal greve seria o fato de que o dever dos magistrados é o de “dizer o direito”, assim, seria inconstitucional a greve, uma vez que impossibilitaria o acesso à justiça, ou, na “menos pior” das hipóteses, contrariaria o entendimento de que “justiça tardia não é justiça”.

Porém, nenhum dos argumentos é capaz de contrariar o Princípio de que não se deve interpretar extensivamente uma lei restritiva de direitos, corolário da lex stricta que é uma das funções de garantia do princípio da liberdade (CF., art. 5º, XXXIX) insculpido de forma indelével no espírito do estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput); além do que, se tal greve fosse inconstitucional por implicar em lentidão no julgamento dos processos, então, inconstitucional seria o próprio Poder Judiciário, uma vez que é de conhecimento geral que quinze dias de greve não afetará em nada o andamento dos processos, que já são extremamente lentos (mais por falta de pessoal que propriamente por falta de interesse dos magistrados).


II - Quanto ao objetivo da greve


Analisando o objetivo da greve, manter o direito adquirido, fazer cumprir a garantia da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 95, III), e lutar pela aposentadoria integral dos magistrados, chega-se a conclusão de que tal greve é ilegítima.

Primeiro, quanto a luta pela aposentadoria integral, deve-se ater para o fato de que a Constituição Federal proíbe qualquer diferenciação entre os cidadãos, afirmando que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput). Ou seja, não existindo a possibilidade de que os cidadãos “comuns” se aposentem com vencimentos integrais, seria injusto e inconstitucional conceder-se tal direito aos magistrados.

Defenderão a aposentadoria integral afirmando que a lei é igual para todos, e que todos podem prestar concurso público para magistratura, e assim, ter direito à aposentadoria integral, que seria conseqüência da garantia de irredutibilidade de vencimentos.

Porém, esquecerão que, uma vez aposentados, os magistrados deixam de fazer parte do corpo de juízes, não existindo mais qualquer motivo para garantir-lhes a irredutibilidade de vencimentos, cuja única função é garantir a independência dos juízes nos julgamentos. E, que, uma vez aposentados, os juízes deixam de pertencer à classe dos magistrados, voltando a serem cidadãos comuns, inexistindo qualquer fundamento para diferenciação entre os cidadãos aposentados comuns, e os juízes aposentados.

Quanto à questão do direito adquirido, se, por um lado, a garantia do direito adquirido é pressuposto indispensável ao Estado Democrático de Direito, por outro lado, não se pode esquecer da crise que assola o país, e, principalmente da atual situação dos cofres públicos quanto ao pagamento de aposentadorias, principalmente no setor dos servidores públicos.

Deve-se invocar, contra o direito adquirido, a cláusula rebus sic standibus, ou seja, “é garantido o direito adquirido, enquanto for possível ao Estado garantir o direito adquirido”, sendo, absurdo que se exija do Estado que este se sacrifique a ponto de sucumbir, simplesmente para garantir o direito adquirido.

Invocando-se a doutrina “Rousseauniana” do Contrato Social, seria impossível exigir-se que um dos contratantes deixe de existir, apenas para que pacta sunt servanda; mesmo porque, a existência de qualquer ente - quer seja físico, quer seja jurídico - é um direito inalienável.

Quanto à defesa da irredutibilidade de vencimentos da categoria, apesar de ser plenamente justificável - e desejável - para a garantia da independência das decisões, deve-se, mais uma vez, atentar-se para a realidade brasileira.

O que se quer dizer com isso é que, enquanto metade (número absolutamente aleatório, sem base científica segura) dos brasileiros (sobre)vive com um salário mínimo mensal de R$ 240,00, os magistrados defendem a irredutibilidade dos vencimentos de uma classe que ganha, em início de carreira, não menos que 50 vezes este valor, chegando a receber, como no caso de desembargadores do Estado de Minas Gerais em final de carreira, R$ 36.000,00 (conforme noticiado pelo Jornal Nacional do canal de televisão Rede Globo, no dia 22 de julho de 2003).

É uma questão de puro bom senso. Como permitir que uma classe continue a receber 150 vezes o que recebe metade da população do país?

Isso não parece nem um pouco condizente com o artigo 3º da Constituição Federal, segundo o qual, são “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade [...] solidária; [...] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais...”

É claro que não se desconhece a atual necessidade pela qual passam os magistrados. A maioria deles precisa pagar duas vezes o valor do seu carro apenas para blindá-lo e proteger a si e a sua família. Também não se desconhece a necessidade de se pagar mais de 20 salários mínimos na compra de um simples terno à prova de balas, também para se proteger. Além de pagar muito dinheiro para proteger sua casa com vigilância eletrônica 24 horas por dia, e, em alguns casos até vigilantes particulares...

Porém, esquecem-se esses mesmos magistrados que, na grande maioria, os crimes ocorrem em virtude, justamente, da desigualdade social, e que, talvez, diminuindo-se o seu salário, e convertendo-se essa diminuição salarial em proveito de toda a sociedade, essa diferença entre ricos e pobres possa, também diminuir, contribuindo para a diminuição da criminalidade, possibilitando menos gastos com a segurança pessoal e patrimonial, não só dos magistrados, mas de todos os membros das classes sociais mais abastadas...

Por mais de 500 anos o Brasil luta para alcançar uma posição mundial que seja condizente com sua grandeza territorial, mineral, ambiental e populacional; e esse objetivo jamais será alcançado se não se deixar de lado os interesses pessoais dos envolvidos.

Assim como na mediação o objetivo é encontrar uma solução que seja capaz de (des)agradar ambas as partes por igual, para que, ao final, ambas saiam “vitoriosas”, é preciso que todos os membros das classes mais afortunadas “percam” - num estágio inicial -, para que ao final toda a sociedade saia em “lucro” - inclusive aqueles que, inicialmente, saíram em desvantagem.

Fonte: Escritório Online


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