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Escritório Online :: Artigos » Direito do Trabalho


Anúncios de empregos: discriminação e responsabilidades

05/10/2003
 
Jorge Luiz Souto Maior



Discriminar é distinguir coisas, pessoas, idéias, em conformidade com suas características próprias e critérios bem definidos. Discriminar é distinguir. O termo discriminação, portanto, não possui, etimologicamente falando, por si só, um sentido pejorativo.

Entretanto, a expressão tem sido usada, comumente, para designar a situação em que se faz uma distinção entre pessoas quando esta distinção não se justifica.

Para sermos bem honestos, antes de começar qualquer abordagem sobre este tema, devemos reconhecer: todos nós discriminamos. Os juízes discriminam, os procuradores discriminam, os médicos discriminam, os advogados discriminam, os jornalistas discriminam... Nem mesmo ao poeta escapou esta realidade!

Não importa a profissão, pois não somos o que fazemos. Somos, antes de tudo, pessoas, e as pessoas discriminam.

Temos uma tendência indisfarçável de olhar de modo estranho aqueles que são diferentes de nós. E até por isto mesmo nos associamos aos que se assemelham a nós. Aliás, para se socializar o homem se standartiza (se é que esta palavra existe, mas de todo modo, sei que vocês entenderam).

O maior exemplo disso talvez seja a existência da moda, que varia de acordo com o tempo, o lugar e mesmo a faixa etária. Durante algum tempo meu sonho era usar calça boca fina e camisa Hang Teen, para poder fazer parte da “tchurma”; depois, calça boca larga com camisa havaiana. Hoje em dia, que a moda é um pouco mais livre, insistem em me dizer que não é compatível com a minha função usar certos tipos de roupas.

Mesmo para parecer um intelectual, o que às vezes é interessante para evitar uma discriminação, há posturas de que não se pode fugir. Naquele joguinho idiota, que alguns adoram, do bate-bola, para não causar espanto e obter uma certa aceitação, você deve responder: cantor: Caetano Veloso; filme: Cidadão Kane; livro: O pequeno príncipe; sonho: a paz no mundo (que vale tanto para entrevista no Jô quanto para concurso de Miss).

Até a linguagem é utilizada para separar os grupos sociais, com o objetivo de institucionalizar a reserva de mercado. Os juristas têm um modo peculiar e enigmático de falar. Que dirá ao leigo a expressão?: “data venia”, não merece acolhida a argüição do réu. Dirimida, assim, a questão, rejeita-se a preliminar de litispendência, visto que as causas de pedir, no seu dado remoto, são diversas.”

E quando os economistas emplacam?: “Por trás da queda gradativa dos juros não estão insegurança, timidez, excesso de conservadorismo ou cautela. Trata-se apenas do reflexo de uma assimetria natural entre a velocidade de um choque e o ritmo de reversão da política monetária à posição de equilíbrio” (Henrique Meirelles, Presidente do Banco Central, no jornal Folha de São Paulo, 29/07/03, p. B-10)

Mesmo os jornalistas, pressionados pela falta de espaço nos jornais, acabam apresentando os seus enigmas: “Mantega vê acordo de carros este ano” (Folha de São Paulo, 29/07/03, p. B-2).

Para os policiais, o cidadão já se transformou em “elemento” há muito tempo.

Queria mencionar alguma coisa também sobre os médios, mas como não entendo a letra deles...

O fato é que, mesmo reconhecendo que a conduta discriminatória existe e habita o cotidiano dos arranjos sociais, não se pode concebê-la como normal, pelo menos sob a ótica do direito.

A humanidade, na era dos direitos humanos, reconheceu a anormalidade das discriminações. Tanto isto é verdade que os instrumentos jurídicos de âmbito internacional, criados após a 2a. Guerra Mundial, trazem, todos eles, preceitos jurídicos contra a discriminação.

Há normas neste sentido:

a)na Declaração da Filadélfia, de 1944, que trata dos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho:

“todos os seres humanos, qualquer que seja sua raça, sua crença, ou seu sexo, tem o direito de perseguir seu progresso material e seu desenvolvimento espiritual em liberdade e dignidade, em segurança econômica e com chances iguais”;

b)na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e deve agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” (art. 1o.)

“Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.” (art. 2o.)

“Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.” (art. 23, 1)

c)na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948:

Art. 2o.

“Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta Declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra.”

Art. 14.

“Toda pessoa tem direito ao trabalho em condições dignas e o direito de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido pelas oportunidades de emprego existentes.”

d) na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução n. 2.106-A 000 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965 e ratificada pelo Brasil, em 27 de março de 1968, que enuncia em seu preâmbulo:

“Convencidos de que todas as doutrinas de superioridade fundamentadas em diferenças raciais são cientificamente falsas, moralmente condenáveis, socialmente injustas e perigosas, e que não existe justificativa, onde quer que seja, para a discriminação racial, nem na teoria e tampouco na prática”;

e)na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969:

“Art. 1o. Obrigação de respeitar os direitos:

1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”

f) no Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), de 17 de novembro de 1998.

“Art. 3o

Obrigação de não-discriminação.

Os Estados Partes neste Protocolo comprometem-se a garantir o exercício dos direitos nele enunciados, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”

g) e, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, adotada pela Resolução n. 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 18 de dezembro de 1979 e ratificada pelo Brasil em 1º de fevereiro de 1984, lembrando que:

“os Estados-partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos”.

A discriminação, atingido a dignidade da pessoa agredida, trata-se, portanto, de tema pertinente aos direitos humanos. Para se ter uma idéia do que isto representa, vale esclarecer que a proteção dos direitos humanos transcende até mesmo o poder do Estado. O Estado brasileiro, como signatário da Declaração Interamericana de Direitos Humanos, deve responder à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelos seus atos e omissões que digam respeito à eliminação das discriminações, podendo ser compelido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a inibir a violação dos direitos humanos e até a reparar as conseqüências da violação desses direitos mediante o pagamento de indenização justa à parte lesada (art. 63, Pacto São José da Costa Rica)[1] .

Isto significa que se levada a juízo uma questão que diga respeito à violação de um direito humano, e a discriminação é fundamentalmente um ato que viola a dignidade humana, sequer o Judiciário brasileiro tem a última palavra, se sua decisão não foi eficiente para reparar o dano sofrido pela vítima. Ou em outros termos, em se tratando de direitos humanos, os juízes não podem manter uma postura indiferente e complacente com o agressor.

Exemplar neste sentido é o caso n. 12.201, encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que reflete a situação de uma pessoa que teria sido discriminada por anúncio de emprego, publicado no Jornal Folha de São Paulo, de 02 de março de 1997, pelo qual se previa que a candidata ao emprego ofertado fosse “preferencialmente branca”. A vítima apresentou queixa na Delegacia de Investigações sobre Crimes Raciais, mas o Ministério Público pediu arquivamento do processo, aduzindo que o ato não se constituiu crime de racismo, o que foi seguido pelo juiz, que determinou, enfim, o seu arquivamento.

A questão, no entanto, foi conduzida à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 07 de outubro de 1997, tendo sido o caso aceito, com notificação do Estado brasileiro para apresentar sua defesa. Trata-se, portanto, da primeira situação em que o Estado brasileiro, nesta matéria, pode receber relatório final da Comissão, responsabilizando-o pela violação de dispositivos da Convenção Americana que cuidam de discriminação racial.

No próprio ordenamento interno, vários são os instrumentos jurídicos criados para coibir a discriminação.

Sobressaem, neste sentido:

a) o artigo 3o. inciso IV, da CF:

“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(....)

IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

b) o artigo 5o., e seu inciso I, da CF:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”

I- homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”

c) e a Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, com as alterações dadas pela Lei n. 9459/97, que define como crime o preconceito ou a discriminação em função de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional:

“Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.”

“Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.”

“Art. 17. (Vetado).”

“Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.”

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97).

“Pena: reclusão de um a três anos e multa.”

Os atos discriminatórios poderão, ainda, conferir à vítima o direito a uma reparação. Fundamentam, juridicamente, esta pretensão, vários outros dispositivos:

a) na Constituição Federal:

Art. 5o., incisos V e X, da CF:

“V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;”

“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

b) no Novo Código Civil:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (grifou-se)

O artigo 187 acrescenta que será considerado ilícito o ato, independentemente de culpa, quando o titular de um direito, “ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

A eficácia destes dispositivos (arts. 186 e 187) é determinada pelos artigos 927 e seguintes, que cuidam da responsabilidade civil, ou até melhor, da obrigação de indenizar que tomba sobre aqueles que cometem o ato ilícito.

A responsabilidade civil em questão, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo 927, é objetiva, isto é, não depende de culpa nos casos especificados em lei ou “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

O valor da indenização mede-se pela extensão do dano (art. 944), mas isto não inibe o caráter punitivo da indenização, como forma de desestimular a continuação da prática do ato ilícito, especialmente quando o fundamento da indenização for a extrapolação dos limites econômicos e sociais do ato praticado, pois sob o ponto de vista social o que importa não é reparar o dano individualmente sofrido, mas impedir que outras pessoas, vítimas em potencial do agente, possam vir a sofrer dano análogo.

A reparação do dano, nestes casos, tem natureza social e não meramente individual. Não é, portanto, meramente, do interesse de ressarcir o dano individual que se cuida. É neste sentido, aliás, que o artigo 944, estabelece que a indenização mede-se pela extensão do dano, pressupondo, assim, o exame de ser o dano meramente individual ou possuir importante repercussão social.

Retornando ao tema específico de nossa discussão, os anúncios de emprego publicados em jornais e revistas, não se pode deixar de reconhecer (basta ler os jornais...) que o desemprego é o maior problema social de nosso país, do qual advêm vários outros problemas como desajuste familiar, violência, tráfico de drogas etc. A conquista de um emprego, portanto, é fator essencial da manutenção da própria condição humana, sobretudo neste mundo capitalista e discriminatório.

No contexto das normas internacionais negar o acesso ao emprego, à política de pleno emprego, é, inegavelmente uma agressão aos direitos humanos e isto serve, igualmente para o Brasil que, vale acrescentar, ratificou a convenção n. 168, da OIT, a respeito da promoção do emprego.

Especificamente sobre a questão trabalhista, destaquem-se as seguintes normas:

a) a Convenção n. 111, da OIT, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 2.682, de 22/07/98, que proíbe ao empregador, quando do processo de seleção de trabalhadores, estabelecer uma ordem de preferência por critérios ligados a fatores diversos, tais como: 1. cor; 2. sexo, que alguns preferem chamar de gênero humano, para incluir a questão relativa à homossexualidade; religião; opinião política (na qual se pode incluir o conceito de ideologia); raça ou etnia; nacionalidade; estado civil; idade (a não ser que a discriminação se justifique para a proteção da pessoa: proibição do trabalho para menores de 16 anos); e atividade sindical.

b) a Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de Trabalho.

Prevê o artigo 1o., desta lei:

“Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.”

No que se refere à reparação do ato discriminatório, a Lei n. 9.029/95 prevê que o infrator está sujeito ao pagamento de uma multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinqüenta por cento em caso de reincidência. Além de uma proibição de obter empréstimo junto a instituições financeiras oficiais (art. 3o., da Lei n. 9.029/95).

É evidente, no entanto, que esta multa de caráter administrativo não impede que a pessoa vítima da discriminação pleiteie, judicialmente, uma indenização pelos danos morais experimentados, nos termos dos já citados artigos 5o., inciso X, da CF e 186, do Código Civil.

c) e a própria CLT:

“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (Acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999)

I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999); – grifou-se –

II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, à cor situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999)

III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999)

IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999)

V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999)

VI - proceder empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher. (Parágrafo único acrescentado pela Lei nº 9.799, de 26.05.1999).”

E os anúncios podem discriminar?

Vejamos alguns exemplos, extraídos do Caderno “Empregos”, do Jornal Folha de São Paulo, de 27 de julho de 2003:

“AUXILIAR DE SISTEMAS: Masculino de 25 a 35 anos, 2o. grau técnico completo (informática ou PD). Experiência em manutenção de microinformática, hardware e software, instalação e configuração de rede de microcomputador.” (grifou-se)

“OPERADORES DE TELEMARKETING ATIVO: estamos selecionando profissionais de telemarketing ativo para prestar serviços em Call Center. Temos vagas para os bairros Casa Verde, Broocklin, Pinheiros e Itaim Bibi. Requisitos: Experiência mínima de 6 meses – 2o. grau completo – Habilidade em Informática – Boa Dicção, entusiasmo e desenvoltura para atuar com vendas – Disponibilidade de horário – Oferecemos fixo, comissões e assist. médica gratuita.” (grifou-se)

“GERENTE COMERCIAL – África. Sólida Empresa em Capital Africana Contrata: - imprescindível experiência na comercialização de bebidas quentes; - apto a montar e liderar equipes de vendas no campo; - capacidade de trabalhar sob pressão e com metas de vendas; Curso superior, francês e inglês desejados; Disponibilidade de mudar para País Africano. Oferecemos: Atraente remuneração mais benefícios. C.V. detalhado com foto e pretensão salarial. Asseguramos sigilo.” (grifou-se)

“BALCONISTA: Masc., 1 ano de experiência no ramo alimentício. 2o. G. Compl., que reside próx. Mooca. Ligar somente c/ perfil.” (grifou-se)

“DIVULGADORA: interna, ac 18a., boa apres., c/exp vendas,1/2 per, fixo+com+prêmios+VT Env CV.”

“CABELEREIRO: Masculino, boa aparência, não fumante, com exp. em cortes modernos fem/masc e químicas em geral.” (grifou-se)

“GARÇONETE: Moças até 28 anos, boa apresentação, exp. e conhec. em inform. p/ reg. Morumbi.” (grifou-se)

Neste tema, aliás, também não se pode negar: quanto mais baixa a camada social, sob o prisma econômico, mais as pessoas são discriminadas.

No mesmo jornal há 30 anúncios de empregos para médicos e nenhum deles exige boa apresentação, cor específica, sexo definido ou capacidade para trabalhar sob pressão.

Ora, estas limitações de acesso ao mercado de trabalho para determinados tipos de pessoas: mulheres, negros, feios, gordos, maiores de 35 anos, portadores de má dicção, são totalmente injustificáveis, sendo, portanto, ato de discriminação.

Pode-se pensar que algumas delas sejam pertinentes, mas, sinceramente, alguém deixaria de, por exemplo, comprar uma pizza se ligasse para a pizzaria e uma pessoa fanhosa o atendesse? Isto aconteceu comigo outro dia. No princípio, confesso-lhes, fiquei surpreso, mas conversei normalmente com o atendente e pedi a minha pizza.

Tampouco me importa se a vendedora é bonita ou feia, para fins da compra do produto. Aliás, o feio ou o bonito é algo extremamente subjetivo e é, em muita medida, fruto da inconsciência popular formada pelos meios de comunicação em massa.

A discriminação estética[2] , aliás, em princípio pode parecer menos perversa, mas ela, efetivamente, agride a auto-estima e, em certos aspectos, a própria intimidade das pessoas. Quando estava fazendo concurso para juiz diziam-me sempre: você não haja que deve cortar o cabelo, pois do contrário você não passa no concurso? Passei no concurso, mas o cabelo estava cortadinho...

Mas, voltando mais uma vez ao assunto: e as empresas podem ser responsabilizadas por estes anúncios?

A resposta a esta pergunta não é fácil, pois impressionam dois argumentos: 1o.) a matéria é paga e o jornal apenas vendeu o espaço; 2o.) qualquer tipo de negação de publicação por parte do jornal poderia ser visto como violação do direito livre de manifestação, caracterizando-se como uma censura.

Como apoio para a liberdade de expressão se teriam os seguintes dispositivos:

Art. 5o, da Constituição Federal:

“IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(....)

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

E o art. 220, da Constituição:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

Como prega o Instituto Gutenberg:

“Leis de imprensa não devem tratar da imprensa. Devem transcrever os postulados constitucionais que asseguram a liberdade e regulamentar, isso sim, as relações da sociedade com a mídia, por exemplo assegurando o vago e desrespeitado direito de resposta. Numa era em que informação viaja à velocidade da luz, o direito de resposta exigido em ação penal pede tribunais rápidos e rito sumário. Muitos pontos bem intencionados do projeto de Landim, como o art. 3o., que prescreve um figurino democrático para a imprensa, são próprios de códigos de ética. Leis não são os Dez Mandamentos. O Código Penal não diz que os cidadãos devem ser bons, e respeitar a vida, os bens e a honra alheia. Define os crimes e estipula as penas. Da mesma forma, a legislação não deve dar receitas de apuração jornalística ou estatuir que a imprensa precisa ser ‘responsável’, ‘pluralista’, ou ouvir as duas versões, como sugere o projeto de lei.” (Boletim n. 8, mar-abr/96).

Entretanto, entre os dispositivos constitucionais há, obviamente, uma ordem de preferência. No caso de colisão entre normas constitucionais prevalecem, em primeiro plano, aquelas que se apóiam nos princípios fundamentais fixados no Título I, da Constituição, e dentre estes destacam-se: a dignidade da pessoa humana (inciso III, do art. 1o.); a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV, do art. 3o.); e a prevalência dos direitos humanos (inciso II, do art. 4o.).[3]

Além disso, o próprio artigo 220, faz menção expressa ao dever de se preservar a intimidade, a honra e a imagem das pessoas no exercício do direito de expressão.

Mesmo a Lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa), que assegura a liberdade de manifestação do pensamento, acabou por limitar essa liberdade ao coibir os “abusos no exercício da Liberdade de manifestação e pensamento e informação”, estabelecendo que os responsáveis responderão pelos prejuízos que causarem (art. 12).

Os abusos são coibidos sob dois prismas: a fixação do crime de “exploração ou utilização dos meios de informação e divulgação” (art. 13); e a responsabilidade civil por danos morais (inciso I, do art. 49) e danos materiais (inciso II, do art. 49).

Dentre outras práticas, o artigo 14 define como crime “fazer propaganda de guerra, de processos para subversão da ordem política e social ou preconceitos de raça ou de classe”, com pena prevista de um a quatro anos de detenção.

Na mesma linha, prevê o artigo 17, que será, igualmente, crime: “ofender a moral pública e os bons costumes”, com pena fixada de três meses a um ano de detenção e multa de um a vinte salários mínimos.

O artigo 27 enuncia, expressamente, hipóteses que não se constituiriam crime, destacando-se o inciso IX: “a exposição de doutrinas e idéias”. Mas, em nenhum dos incisos se extrai o fato de se tratar de uma matéria paga.

Como sujeitos passivos da ação penal, a lei em questão permite que se atinja o diretor ou o redator-chefe do jornal ou periódico, quando o autor estiver ausente do país ou “não tiver idoneidade para responder pelo crime”, podendo até mesmo atingir o gerente ou o proprietário das oficinas impressoras ou da estação emissora de serviços de radiodifusão quando o diretor ou redator-chefe estiver ausente do país ou “não tiver idoneidade para responder pelo crime”.

No que se refere à responsabilidade civil, por dano moral ou material, a legislação é clara no sentido de que “responde pela reparação a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação” (parágrafo 2o., do art. 49), com direito à ação regressiva com relação ao “autor do escrito, transmissão ou notícia, ou o responsável pela sua divulgação” (art. 50).

A definição do que se entende meio de informação ou divulgação encontra-se no parágrafo único do art. 12: “São meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços oficiosos”.

O artigo 51 fixa os parâmetros da indenização devida pelo jornalista, quando concorra para o dano, por ato culposo, indo de dois a 20 salários mínimos. Quanto à empresa que explora o meio de informação, esta indenização é limitada a 10 vezes aos valores fixados para o jornalista (art. 52).

No que tange à indenização por danos materiais não há pré-fixação, devendo esta ser suficiente para “restituir o prejudicado ao estado anterior” (art. 54).

O projeto de lei sobre a matéria, em trâmite no Congresso Nacional, mantém esta lógica da responsabilidade da empresa, com aumento da indenização para 10% sobre o faturamento da empresa, com elevação de até 50% se a empresa faturar mais de 20 milhões por ano; e, em caso de reincidência, um acréscimo de 50%.

E, por falar no projeto de lei, este é expresso, em seu artigo 3o., a respeito da responsabilidade dos meios de comunicação quanto à discriminação.

O artigo 56 da Lei de Imprensa esclarece que podem ser acumuladas as pretensões para ressarcir os danos morais e materiais, com prazo decadencial fixado em 03 (três) meses, contado da data da publicação ou transmissão que lhe der causa, sendo que a ação civil independe da ação penal (parágrafo único do art. 56).

Vale destacar, no entanto, que em se tratando de discriminação racial o crime é imprescritível, nos termos do inciso XLII, do art. 5o., da Constituição Federal: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” Destaque-se, também, que não há diferença fundamental entre “racismo” e “discriminação racial”, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Habeas Corpus n. 15.155/RS, que se encontra atualmente, em grau de recurso no STF, onde recebeu o número 82.424, cujo julgamento ainda não terminou, mas já se atingiu a maioria de votos para manter a decisão do STJ.

Claro que contra todos esses argumentos se poderá dizer: mas, a escolha do empregado não compete a quem contrata?

Sim, entretanto, esta escolha tem limites e o dever de não-discriminação é apenas um dentre outros.

Com efeito, no setor privado, a Lei n. 8.213/91, que cuida dos benefícios previdenciários, fixou que devem ser reservados aos deficientes, após reabilitação, de 2 a 5% das vagas. a) 2%, para as empresas com 100 a 200 empregado; b) 3%, de 201 a 500; c) 4%, de 501 a 1.000; d) 5%, acima de 1.000.

Nos termos do art. 429, da CLT, “Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional”, conforme redação dada pela Lei n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000.

No setor público, a Constituição exige que um percentual dos cargos públicos seja destinado aos portadores de deficiência. O Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União assegurou o percentual de 20% dos cargos públicos para os portadores de deficiência. No Estado de São Paulo, este percentual é de 5%.

Como se vê, o ordenamento jurídico, analisado como um todo, repudia as discriminações e proíbe que se evitem responsabilidades quanto aos atos que se traduzam, concretamente, como discriminatórios. Esta responsabilidade, aliás, é de todos nós, mas acima de tudo daqueles que, de algum modo, sejam os formadores da opinião pública. O mero pagamento para se ocupar um espaço no jornal não pode isentar o jornal da responsabilidade pelo espaço que conferiu, pois o pagamento não pode tornar legal uma ilegalidade e quem se presta à ilegalidade participa do ilícito.

Imagine-se, grotescamente, a hipótese de um motorista de táxi a quem é oferecido o pagamento da corrida para que se torne possível a prática de um crime (um seqüestro, por exemplo), tendo ele consciência do que se passa. O contrato oneroso feito, por óbvio, não elimina a responsabilidade do taxista como co-autor do crime. “Mutatis mutantis”, é o mesmo quando o jornal vende seu espaço para a prática de atos discriminatórios quanto ao acesso ao mercado de trabalho.

Aliás, neste sentido, destaca-se a Súmula n. 221, do STJ, do seguinte teor:

“São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.”

Não sendo de menor importância neste sentido o art. 373-A, da CLT, com redação que lhe fora dada pela Lei n. 9.799, de 26.05.1999, quando proíbe, expressamente, o ato de “publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir”, atribuindo nítida distinção de duas condutas: a do anunciante e a do que vende ou empresta o espaço para o anúncio.

Claro que o jornal pode crer que determinado anúncio não se configura como discriminação e fazer publicar o anúncio sem a intenção de agredir a moral de ninguém, mas este tipo de ilícito, como visto, independe da vontade do agente. Se será, efetivamente, ou não, ato discriminatório esta é uma outra história, que se decidirá, judicialmente, tendo em vista as razões do ofendido e do suposto ofensor, mas sempre sem excluir de plano a eventual responsabilidade do veículo de informação.

De todo modo, juridicamente falando, importante esclarecer que quando um anúncio de emprego estabelece uma distinção baseada em critérios proibidos pelo direito, quais sejam: raça, cor, sexo, idade, etnia, religião, convicção ideológica etc, cria-se a presunção de que o anúncio é discriminatório, cabendo àquele que o produziu (e por via oblíqua, ao que o reproduziu) a prova, que deve ser real e convincente, de que a distinção se justificou por algum aspecto relevante, sob pena de se responder pelo ato.

A enunciação de todos esses preceitos jurídicos, no entanto, não pode ser vista como mera equação matemática, a fim de se quantificar a indenização devida pela discriminação. Como se trata de tema ligado à dignidade da pessoa humana, o que se deve priorizar é evitar que a discriminação aconteça.

Para tanto, assumem relevante papel a sociedade e, em especial, seus poderes constituídos, no qual se pode incluir, evidentemente, a imprensa.

À imprensa cabe a responsabilidade de evitar a divulgação de anúncios discriminatórios; o que, por si só, não elimina a discriminação no mundo do trabalho, mas já é um começo. Exatamente por isto é que, para complementar uma ação concreta contra a discriminação, cabe ao Ministério Público do Trabalho apurar e levar adiante as denúncias de atos discriminatórios quanto à inserção no mercado de trabalho e, por fim, cabe ao Judiciário deixar de lado posturas complacentes para com os agressores, punindo-os exemplarmente.

A discriminação é algo extremamente perverso, que está em nosso meio e deve ser coibido, pois como dito pelo Assessor Especial da Secretaria Especial dos Direitos Humanos[4] , Ivair Augusto Alves dos Santos: “conviver com a discriminação em um ambiente que a nega, sabendo que ela existe, é terrível”.

É dever dos aplicadores do direito deixarem de lado os seus pré-conceitos discriminatórios para tornar as normas jurídicas que preservam os direitos humanos uma realidade.

O direito, aliás, tem mesmo este papel de corrigir as nossas deficiências, coagindo-nos a atuar de modo diverso, no sentido do ideal, e o ideal neste tema é respeitar a condição humana ou, em outras palavras, não-discriminar.


Notas do texto:


[1] Para maiores esclarecimentos a respeito, vide Flávia Piovesan, “Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a Convenção Americana sobre Direitos Humanos”, in Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: legislação e jurisprudência. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2001, pp. 70-104.

[2] Para maiores esclarecimentos sobre a matéria vide: Paulo Eduardo de Oliveira, O Dano Pessoal no Direito do Trabalho, São Paulo, LTr, 2002; Christiani Marques, O Contrato de Trabalho e a Discriminação Estética, São Paulo, LTr, 2002; e Márcia Novaes Guedes, Terror Psicológico no Trabalho, São Paulo, LTr, 2003.

[3] Para um maior aprofundamento sobre o tema vide: Edílson Pereira de Farias, Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, Sérgio Fabris, Porto Alegre, 2000.

[4] Em sua manifestação na sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 2a. Região, na audiência pública do dia 1o., de agosto de 2003.

Fonte: Escritório Online


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