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Escritório Online :: Artigos » Direito do Trabalho


Terceirização - O futuro do retrovisor. Legitimando a mercantilização do trabalho humano

10/10/2003
 
Luís Carlos Moro



Está instalado o Fórum Nacional do Trabalho, com o propósito de sugerir e pautar, legitimando através de uma suposta negociação, a chamada “Reforma Trabalhista”, inicialmente por meio da adoção de um modelo de organização sindical baseado, segundo os dizeres do Governo, na “liberdade e autonomia” . Aqui expresso, porém, um receio, quanto ao conteúdo semiótico das expressões “liberdade” e “autonomia” adotadas como base para o Fórum e a reforma trabalhista.

Isso porque, no embate ideológico que está subjacente a cada nova notícia; a cada fato veiculado na imprensa; a cada ocupação de terras ou imóveis urbanos vazios de finalidade social; a cada fila de desempregados candidatando-se a um único posto de trabalho; a cada reunião do Conselho de Política Monetária para definição da taxa de juros; a cada aspecto que se pretenda instaurar alguma modificação institucional ou legislativa do país, pequenina que seja, os interesses, todos, revelam-se, sob as mais distintas formas.

E, entre eles, sempre há aqueles escusos, ilegítimos, que se exprimem por meios os mais especiosos, valendo-se, inclusive, dos “serviços prestados” pelos próprios opositores radicais...

Nesse sentido, o Fórum Nacional do Trabalho não será um palco diferente. Quando se pretende unir interesses diversos, podemos esperar tudo.

Temo porque os termos “liberdade” e “autonomia” são simbólicos, imprecisos, pouco significam quando se cuida de descer às minudências do produto final da chamada Reforma Sindical. E são excessivamente sedutores...

Por trás da sedução, porém, há paroxismos, paradoxos, oposições, divergências, próprias desse ambiente dialético.

Por tudo o que se pôde ver do governo atual, o que ressalta é a expressiva disparidade de tendências, pesos e contra-pesos, marchas e demarchas, numa oscilação pendente da esquerda para a direita e vice-versa, como num pêndulo a marcar os passos e o tempo da história que estamos construindo.

Um governo que não se pode rotular. Seria instituidor de um “socialismo de mercado”? Ou estaria a promover a “mercadoria do social”?

O fato é que, em nome do interesse público, da democracia, do novo estilo de governar, sustenta-se, sempre, a necessidade de negociação.

Negociar é a orientação. Estabelecer grandes conselhos, órgãos de legitimação dos resultados negociais que se produzem apenas com os atores sociais inclusos nas negociações políticas.

Sucede, porém, que é necessário que se perceba que há aspectos de Estado que não são negociáveis. As chamadas cláusulas pétreas. Soberania, por exemplo, não se negocia. Democracia, direitos e valores fundamentais do homem e do cidadão não podem ser mercantilizados, quer como moeda política, quer como moeda econômica.

O receio anunciado logo no início deste texto é que estejamos a pretender, no Fórum Nacional do Trabalho, negociar o inegociável. Privatizar a natureza pública. Dar liberdade e autonomia para que se disponham sobre direitos acerca dos quais não se pode ter licença e legitimação para os mercantilizar.

Recentemente, nós, brasileiros, vencemos uma grande batalha com o derrubar do Projeto de Lei de prevalência do negociado sobre o legislado, em matéria trabalhista. Refiro-me ao Projeto de Lei 5.483/2001, que passou pela Câmara dos Deputados, mas sucumbiu no Senado, tendo sido retirado pelo governo atual.

Foi rejeitado pelas urnas. Nas Ruas. Pelo povo. E, neste episódio, a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas não tem pejo de revelar seu profundo orgulho pela sua pequenina parcela de colaboração para esse resultado bem sucedido.

Agora, aquelas mesmas idéias ressurgem, travestidas com roupagens mais sedutoras, sob os símbolos de autonomia e liberdade, mas cujo resultado é exatamente a negação de tais valores, em mais um movimento brusco do dial da política atual.

Que a estrutura sindical brasileira necessita de modificação, isso é um fato. Mas que essa modificação seja feita a partir de uma visão prospectiva de país e não de um sentimento saudosista de poder patronal.

Não é através do laissez faire, laissez passer do liberalismo que estaremos a avançar. Transformá-lo em laissez faire, laissez négocier não é ir rumo à modernidade, mas exumar o sepulto Vincent de Gournay.

Gournay não teve grande obra. Nada escreveu que permanecesse. Nada realizou de significativo. Apenas cunhou essa expressão que virou máxima do liberalismo, hoje apelidado de modernidade. Mas isso não é moderno. É olhar o futuro sob a perspectiva de um espelho retrovisor de longo alcance, que vai buscar imagens do século XVIII na tentativa de reproduzi-las em pleno século XXI.

Modernizar as relações do trabalho não é reconhecer suposta “autonomia e liberdade” absolutas de negociação, nem individual, nem coletiva, até porque não há sindicalismo autônomo e nem tampouco negócios livres num país em que metade da população economicamente ativa está alijada do processo produtivo formal.

Nesse contexto, não é possível negociar. Suprimir as forças da parte adversa na ante-sala da negociação para se servir da fraqueza artificialmente produzida não é negociação. É patranha!

O novo Direito Civil vem prenhe de normas de direito público, inegociáveis, insuscetíveis de vontades autônomas que lhes contrariem na imperatividade de seu comando.

O Direito de Empresa sujeita-se a imposições sociais cada vez mais nítidas.

O Direito do Consumo, então, nem se diga. É o exemplo do privado “publicizado”.

Nossa prenhez trabalhista, porém, encaminha-se em sentido contrário. A privatização do público. Estamos gestando uma criança que pretende nascer pelos pés, na direção de um mundo que já julgávamos extinto, vencido pelos critérios igualmente simbólicos de decência, honradez, dignidade humana, igualdade entre iguais.

Mas esse mundo pretende ressurgir, através do estiolamento absoluto das normas de sustentação dos direitos sociais, que, a despeito de sociais, passam a ser tratados como privados, disponíveis, negociáveis, mercantis.

O resultado já vem sendo expiado por nós. Cinqüenta milhões de informais. Déficit previdenciário artificializado e crescente. Informalidade. Sonegação. Descapitalização do Estado. Prejuízo da saúde e educação públicas. Trabalho infantil. Exploração de mão de obra desqualificada. Fraudes aos borbotões. Incontroláveis. De impossível fiscalização regular. Inadministráveis.

Negociam-se reduções salariais em nome de uma garantia de emprego. Ao final, o acordo é comemorado como exemplo de modernidade. Entretanto, nada como a verificação dos fatos que se encadeiam: Ainda antes de atingido o termo final da garantia de emprego, verifica-se que a promessa era vã. A montadora de veículos não cumpre a palavra empenhada, negociada e firmada em acordo coletivo. Dispensa coletivamente aqueles cujos empregos estavam supostamente garantidos.

Afinal, tudo é negociável e negociado. Acordos também são feitos para serem descumpridos. E, uma vez havido o descumprimento, haverá sempre quem sustente a liberdade e a autonomia para que se renegocie o já negociado, em novas e mais precárias bases.

O ápice desse sistema está patente na enorme massa de trabalhadores escravizados, libertos ou não, mas que são a expressão máxima da prevalência do negociado sobre o legislado, em um país em que a mera sobrevivência pode ser um grande valor a negociar. Um excelente negócio!

Vivemos a apatia dos vencidos. A resignação dos impotentes. Mas por certo há quem se disponha a denunciar esses riscos ainda maiores, a fim de que o resultado do sindicalismo não seja o sindicalismo de resultado, cujos fins (nem sempre em prol dos coletivos que haveria de representar) superem em valores (materiais e imateriais) todos os meios.

Resta-nos saber se permitiremos tais “ajustes”, como expressão da autonomia e liberdade das vontades - quer individuais, quer coletivas –, ou se imporemos, como seria de esperar de um Estado que se pretende decente, uma visão moderna de Direito, em que o Estado é o agente regulador dos comportamentos sociais.

O que se quer é um Estado dirigente, poder reflexo de sua nação. E não um Estado dirigido, súcubo, reflexo dos poderes subtraídos da nação, através da vontade “livre” e “autônoma” do capital que tudo pode.

Fonte: Escritório Online


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