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Escritório Online :: Artigos » Direito Ambiental


Proteção de cultivares

20/05/2002
 
Selemara Berckembrock Ferreira Garcia



RESUMO

A aprovação de normas que assegurem os direitos intelectuais dos obtentores de novas variedades vegetais, por diversos países, ocorreu para assegurar o direito internacional dos obtentores, decorrentes do avanço tecnológico e dos altos custos da pesquisa e do desenvolvimento. Com isso o Brasil optou em adotar um sistema sui generis de proteção para as descobertas de novas cultivares. Neste contexto, este artigo tem como escopo retratar aspectos importantes do sistema legal de proteção que envolve as cultivares. Concluiu-se que a modalidade de proteção da biotecnologia vegetal, adotada pela legislação brasileira, está colocando o patrimônio brasileiro nas mãos das transnacionais, principalmente pelo fato do verdadeiro obtentor não ter garantias expressas na norma legal.

Palavras-Chaves: CULTIVARES – LEI DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES – PLANTAS – MELHORISTA – PROPRIEDADE INTELECTUAL.

ABSTRACT

The approval of norms that assure the intellectual rights of the obtainer of new vegetable varieties by several countries, happened in order to assure the international right of the obtainer, due to the technological progress and the high costs of research and development. Brazil chose in adopting a sui generis system of protection for the new cultivations discoveries. In this context, this article aims to portray important aspects of the legal system of protection that involves cultivations. It concluded that the modality of protection of vegetable biotechnology adopted by Brazilian legislation, is placing the Brazilian patrimony in the hands of transnational companies, mainly because the real obtainer have not expressed warranties in the legal norm.

Key-words: CULTIVATION - LAW OF PROTECTION OF CULTIVATION - PLANTS - MELHORISTA - INTELLECTUAL PROPERTY.


Introdução

O processo de globalização e o crescimento substancial nos custos de pesquisa e desenvolvimento, em particular da biotecnologia vegetal, e os problemas de apropriação dos resultados das atividades inovativas são elencados entre as razões que explicam a atitude relativamente recente dos países na direção do fortalecimento dos direitos de propriedade intelectual em todo o mundo. Neste contexto, também no Brasil, essa modalidade de proteção adquire importância crescente para as pessoas e as organizações que a utilizam para desenvolver novas invenções e comercializa-las.

Desde a ratificação do Acordo sobre os aspectos da Propriedade Intelectual Relativos ao Comércio - TRIPs, decorrência de acordo entre a OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) e a OMC (Organização Mundial de Comércio), e que entrou em vigor em janeiro de 1995, o Brasil vem se esmerando em preparar e aprovar legislações que concernem a propriedade intelectual, seja de invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas, direito autoral e demais formas de criação do intelecto humano.

O novo Código de Propriedade Industrial, sob a lei nº 9.279, foi sancionado em maio de 1996, e entrou em vigor doze meses mais tarde. De aplicação para a agricultura, a lei trouxe à discussão a possibilidade de se patentear genes modificados através de processo inventivo e microrganismos transgênicos, que por definição para efeitos da lei passaram a ser aqueles que expressam características normalmente não-alcançáveis na natureza, mas somente pela intervenção humana direta em sua composição genética. Porém a lei veta o patenteamento de plantas e animais.

Tendo assim decidido não patentear plantas, o Brasil ainda precisava cumprir o disposto no art. 27, 3, (b) da TRIPs, que demanda que os países protejam cultivares ou variedades de plantas através de legislação sui generis, patentes ou a combinação de ambas.

Avançando nessa linha, a Lei de Proteção de Cultivares[1] nº 9.456[2] foi sancionada em abril de 1997, tendo sido seu Decreto regulamentador nº 2.366, publicado em novembro de 1997. O arcabouço geral da lei segue o modelo aprovado pela Convenção Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV), na sua versão 78[3] .

Com a adesão a UPOV/78, o Brasil terá a garantia de que os direitos dos obtentores brasileiros, de novas cultivares, serão respeitados pelos países que tenham aderido a UPOV, da mesma forma como são protegidos os direitos dos nacionais desses países, ou seja, as cultivares desenvolvidas no Brasil não poderão ser exploradas comercialmente no exterior, nos países filiados a UPOV, sem o pagamento de direitos aos melhoristas. Caso o Brasil não aderisse a UPOV, acordos de reciprocidade deveriam, necessariamente, ser negociados com cada país para o reconhecimento da proteção dos cultivares brasileiras nos mesmos.

Na América do Sul, todos os demais países já são membros da UPOV. A razão mais simples para esse fato é que, no mundo globalizado de hoje, a existência de uma instituição como a UPOV, que promove a proteção dos direitos dos obtentores de novas variedades e a harmonização das regras internacionais para que os países participantes possam proteger suas variedades além de suas fronteiras, com a reciprocidade de regras bem detalhadas e conhecidas, traz uma vantagem muito grande aos países participantes.

Assim sendo, o objetivo do presente trabalho consiste em examinar o sistema de proteção sui generes adotado pelo Brasil, concernente a Propriedade Intelectual dos Cultivares, o que permite observar o gradual desenvolvimento do processo de concessão da proteção e dos direitos dos melhoristas em decorrência de um contrato de trabalho.


1. Conceito


Cultivares são espécies de plantas que foram melhoradas devido à alteração ou introdução pelo homem de uma característica que antes não possuíam.

A Lei de Proteção de Cultivares[4], a conceitua como:

"a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos".


2. Evolução histórica da proteção dos cultivares


Muito embora o encaminhamento da regulamentação da propriedade intelectual dos cultivares tenha sido feita recentemente no Brasil (1995), a discussão sobre sua regulamentação vem desde 1945, quando da edição do Código de Propriedade Industrial – que previa concessão de privilégios a variedades novas de plantes, mas, este dispositivo, dependia de regulamentação especial, entretanto a matéria nunca foi regulamenta.

A partir daí várias tentativas foram realizadas para instituir uma forma de regulamentação da propriedade intelectual para as cultivares no Brasil.

O primeiro projeto, que tentou regulamentar essa proteção, foi o apresentado ao Congresso Nacional em 1947, sob o nº 952, de autoria do Deputado Federal Gracho Cardoso, que tinha como objetivo tornar extensivas as garantias da lei de propriedade industrial às invenções, criações ou introduções novas, obtidas ou realizadas no domínio agrícola e hortícola[5] .

Simultaneamente ao envio desse projeto, foi criado, no Ministério da Agricultura, o Registro Nacional da Propriedade Agrícola e Hortícola. Curiosamente o referido projeto foi arquivado e encerrado em menos de vinte e quatro horas de seu envio.

No início de 1970 a ABRASEN (Associação Brasileira dos Produtores de Sementes) criou uma comissão para levantar dados junto às entidades produtoras de sementes, Secretarias de Agricultura, melhoristas independentes entre outros órgãos ligados ao assunto, com o objetivo de fornecer dados ao Ministério da Agricultura, para aprimorar o Projeto da Lei de Proteção de Cultivares.

Novamente em 1976 houve outra tentativa de regulamentar o Código de Propriedade Industrial de 1945, através do Projeto de Lei 3.072/76, o qual visava ampliar a proteção “das empresas industriais que se dedicam à produção de sementes agrícolas e florestais”.

E, em 1977, outro Projeto Lei, sob o nº 3.674/77, também tentou regular tal código com uma proposta de um dispositivo para garantir que “os processos destinados à obtenção ou modificação de sementes não constituirão invenção privilegiada”.

Com esses Projetos de Lei apresentados tentava-se, proteger a Propriedade Intelectual da Cultivar através do sistema de patentes. Mas em 1978, ambos os projetos foram derrubados e, o debate sobre o patenteamento ou à proteção da propriedade intelectual de cultivares ficou fora de cogitação no Congresso.

A partir da discussão do Projeto nº 824/91 que originou o novo Código de Propriedade Industrial, a propriedade intelectual dos cultivares ganhou novamente espaço no Congresso Nacional. Nesse mesmo período a EMBRAPA, paralelamente realizou um estudo específico sobre a proteção de cultivares, que foi usado como referência para a elaboração de um novo anteprojeto, o de nº 199/95, o qual foi apreciado em 1996. Sua numeração foi alterada para 1.457/96, convertida posteriormente em lei, com o nº 9.456/97, que instituiu a Proteção de Cultivares.

A referida lei foi regulamentada no dia 7 de novembro de 1997, através do Decreto do n.º 2.366 do Presidente da República. Nesse mesmo decreto foi criado o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares - SNPC, que é vinculado ao Ministério da Agricultura, e estão definidas suas atribuições e competências. Esse serviço tem como missão à administração do sistema de proteção das inovações em plantas, inovações essas voltadas para um mercado que, no Brasil, gera vendas próximas de US$ 1 bilhão ao ano[6] e produz cerca de 300 mil empregos diretos e indiretos[7] .


3. Objeto do direito


O objeto da proteção é a cultivar. Variedades vegetais que compreendem um grupo de plantas que apresenta as mesmas características que podem ser passadas em propagação a sucessivas gerações e que são usadas na agricultura comercial.

A cultivar deverá ser uma nova cultivar ou uma cultivar essencialmente derivada.

A nova cultivar é a cultivar que não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de doze meses em relação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espécies de árvores e videiras e há mais de quatro anos para as demais espécies.[8]

A cultivar essencialmente derivada é a essencialmente derivada de outra cultivar se, cumulativamente, for:

a) predominantemente derivada da cultivar inicial ou de outra cultivar essencialmente derivada, sem perder a expressão das características essenciais que resultem do genótipo ou da combinação de genótipos da cultivar da qual derivou, exceto no que diz respeito às diferenças resultantes da derivação;

b) claramente distinta da cultivar da qual derivou, por margem mínima de descritores, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão competente;

c) não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de doze meses em relação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espécies de árvores e videiras e há mais de quatro anos para as demais espécies.[9]

Na verdade, o direito exclusivo não é conferido a cultivar, mas à semente, a qual é definida como "toda e qualquer estrutura vegetal utilizada na propagação de uma cultivar"[10] ou ao material propagativo que se conceitua como "toda e qualquer parte da planta ou estrutura vegetal utilizada na sua reprodução e multiplicação"[11] .

O direito de pedir a proteção do cultivar nasce com a sua criação. Sem pedir tal proteção o cultivar vai a domínio público.


4. Sujeito de direito


Temos aqui duas hipóteses de sujeito de direito: o melhorista e o obtentor.

O melhorista, “é a pessoas física que obtiver cultivar e estabelecer descritores que a diferenciem das demais”[12] . Entretanto o melhorista é o autor da cultivar e não, obrigatoriamente o sujeito de direito.

O obtentor “é a pessoa física ou jurídica que obtiver nova cultivar ou cultivar essencialmente derivada no País”[13] , ou seja, é o titular do direito da proteção. Esse obtentor poderá ser o melhorista ou qualquer terceiro que tenha deste conseguido cessão ou outro título jurídico.

Se a nova cultivar ou as cultivares essencialmente desenvolvidas forem obtidas na decorrência do contrato de trabalho, que vise a atividade de pesquisa, pelo empregado ou prestador de serviços, o obtentor do direito será exclusivamente o tomador do serviço ou ao empregador tendo como requisito para isso a obrigação de fazer constar no certificado o nome do melhorista. Nesse caso insere-se também o pesquisador estrangeiro. Pertencendo a cultivar a ambas as partes, cabendo direitos exclusivos de exploração ao contratante e ao melhorista somente o direito que lhe foi estipulado em contrato de trabalho.

Com a ruptura do contrato de trabalho o empregador ou prestador de serviço tem prazo de trinta e seis meses para requerer o certificado de proteção das cultivares que foram desenvolvidas por seus funcionários.

Com essa determinação legal, verifica-se que os melhoristas não estão amparados expressamente quanto aos seus salários. Abrindo a possibilidade para o empregador ou tomador de serviço contratar seus pesquisadores por uma remuneração mensal “x” e, posteriormente, quando acontecer uma grande descoberta, nada repassar aos seus empregados.

Com as obtenções vegetais protegidas, o retorno de parte dos lucros auferidos com sua utilização, por parte de seus usuários, será certo a aqueles que as obtiveram. Com absoluta certeza, desta forma as instituições de pesquisa têm condições de planejar suas atividades, como também recompensar seus cientistas, incentivando-os em suas descobertas e fixando um percentual justo pelo trabalho desenvolvido. Para tanto, faz-se necessário uma garantia expressamente determinada, não simplesmente a transferência a um contrato laboral.


5. Requisitos para obter a proteção


Para obter a proteção de cultivares é necessário fazer um pedido, através de formulários próprios e de documentos específicos exigidos, ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC, mediante a comprovação das características de DHE, ou seja, a distinguibilidade, homogeneidade e estabilidade do material objeto do pedido de proteção, além da novidade.

Essas variedades vegetais devem ser claramente distinguíveis, em função de alguma característica importante, de outra variedade cuja existência seja de conhecimento comum. Elas são, portanto, comparadas a outras variedades existentes. O importante é que o obtentor ofereça à sociedade uma nova variedade. Não é necessário que seja melhor do que outras para obter a proteção, mas precisa apenas ser nitidamente distinta (ex.: resistência ou não a uma determinada doença; produção de grãos em menor período de tempo – precocidade).

Uma variedade vegetal deve também atender o requisito da suficiente homogeneidade. Esse requisito é indispensável para a proteção da nova variedade, uma vez que o sistema de cultivares trata de matéria viva e esta nem sempre é idêntica. Porém, é claro que um direito exclusivo só pode ser conferido a um grupo de plantas que seja suficientemente diferente de outro grupo de plantas (ex.: se uma das características da cultivar for resistência à doença X, todas as plantas originárias de sementes (ou estacas) daquela cultivar devem apresentar o mesmo grau de resistência).

Além disso, a nova variedade deve ser estável, ou seja, levando-se em conta as mesmas características que as diferenciam das demais, é necessário que elas se mantenham ao longo dos ciclos de multiplicação da planta (ex.: se a cultivar é resistente à doença X na safra deste ano, as sementes por ela produzidas e plantadas nas safras seguintes devem também ser resistentes à doença X).

A noção de novidade limita-se ao fato da cultivar não ter sido comercializada em determinado período antes da apresentação do pedido de proteção. A novidade deve ser uma criação e não uma descoberta[14] .

A cultivar essencialmente derivada deve, cumulativamente, ser uma nova variedade modificada a partir de uma cultivar inicial protegida, sem perder a expressão das características essenciais que resultem do genótipo ou da combinação de genótipos da cultivar da qual derivou, exceto no que diz respeito às diferenças resultantes da derivação. Claramente distinta da cultivar da qual derivou, por margem mínima de descritores de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão competente.

O pedido de proteção do cultivar deverá ser realizado pela parte interessada ou por procurador regularmente constituído, com a apresentação de: a espécie botânica; o nome da cultivar; a origem genética; relatório descritivo mediante preenchimento de todos os descritores exigidos; declaração garantindo a existência de amostra viva à disposição do órgão competente e sua localização para eventual exame; o nome e o endereço do requerente e dos melhoristas; prova do pagamento da taxa de pedido de proteção; declaração quanto à existência de comercialização da cultivar no País ou no exterior; declaração quanto à existência, em outro país, de proteção, ou de pedido de proteção, ou de qualquer requerimento de direito de prioridade, referente à cultivar cuja proteção esteja sendo requerida; extrato capaz de identificar o objeto do pedido.

O pedido só poderá ser solicitado a uma única cultivar, refletindo-se o princípio da unicidade do privilégio. Se o pedido for feito a mais de uma cultivar, não será recebido e, se o for, ter-se-á por nulo.

A cultivar deverá possuir denominação que a identifique, destinada a ser sua denominação genérica, devendo ser única e sem erros.

Assim que for apresentado o pedido de proteção, verifica-se a existência ou inexistência de sinonímia. Feita a publicação inicia-se o prazo de 60 dias para impugnações e não ocorrendo será expedido o certificado provisório.

Juntamente com os testes realizados pelo Serviço Nacional de Proteção de Cultivares a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, realiza os testes de biossegurança nessas espécies de plantas melhoradas e apresenta seu parecer técnico conclusivo. A CTNBio é um órgão fiscalizador do governo. Foi criada no Brasil em 1995 e tem como finalidade realizar vários testes de biossegurança nas espécies de plantas geneticamente modificadas, na área da saúde, meio ambiente e agricultura, antes da sua entrada no mercado.

Cumpridos todos os requisitos legais o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC, publicará o resultado no prazo de até sessenta dias. Se for deferido o pedido será expedido o certificado de proteção do cultivar, ficando, o titular do direito, obrigado a manter amostra viva da cultivar e a enviar ao SNPC duas amostras vivas: uma para exame e outro para a coleção de germoplasma. O titular terá como ônus da proteção da cultivar o pagamento de anuidade.

Constará no certificado de proteção da cultivar o número respectivo, nome e nacionalidade do titular ou dos herdeiros, sucessores ou cessionários, prazo de duração da proteção, nome do melhorista e as circunstâncias de que a proteção resultou de contrato de trabalho ou de prestação de serviço ou outra atividade laboral, fatos que devem ser esclarecidos no pedido.

Com relação ao pedidos provenientes do exterior, só será permitida a concessão de direito a cultivar, a quem tenha proteção assegurada por um tratado em vigência no Brasil e aos domiciliados no país que assegure a reciprocidade de direitos aos brasileiros ou a estrangeiros domiciliados no Brasil.


6 - Prazo de proteção


A proteção recairá exclusivamente sobre o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta inteira, nunca sobre o produto final. O prazo mínimo de proteção é de 15 anos, excetuando-se as videiras, as árvores frutíferas, as árvores florestais e as árvores ornamentais, para as quais a duração é de 18 anos. Contados da expedição do certificado. Após esses prazos a cultivar cairá em domínio público.


7 - Limitações ao direito de exclusividade


A Lei de proteção de Cultivares assegurou que não fere o direito de propriedade àquele que:

- reserva e planta sementes para uso próprio, em seu estabelecimento, ou em estabelecimento de terceiros cuja posse detenha;

- usa ou vende como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu plantio, exceto para fins reprodutivos;

- utiliza a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica;

- multiplica material vegetativo de cana-de-açúcar destinado à produção para fins de processamento industrial, em áreas de até quatro módulos fiscais;

- sendo pequeno produtor rural, multiplica sementes, para doação ou exclusivamente para outros pequenos produtores rurais, no âmbito de programas de financiamento e de apoio a pequenos produtores rurais, conduzidos por órgãos públicos ou organizações não-governamentais, autorizadas pelo Poder Público.


8 - Licença compulsória


Licença compulsória é entendida como o ato da autoridade competentes que autoriza a exploração do cultivar independentemente da autorização do obtentor.

Essa licença compulsória e uma alternativa que a lei prevê para assegurar a disponibilidade no mercado de certos produtos, a preços razoáveis, quando houver, injustificadamente, impedimentos ao seu fornecimento regular e abuso do poder econômico por parte dos obtentores do direito de proteção de uma determinada cultivar.

A cultivar protegida será declarada, pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento, de "uso público restrito", e autorizada sua multiplicação por terceiros, para atender às necessidades da política agrícola, nos casos de emergência nacional, abuso de poder econômico, ou outras circunstâncias de extrema urgência e em casos de uso público não comercial.

Com essa possibilidade de concessão de licença compulsória, impede-se, também, que o privilégio concedido ao proprietário do direito sobre determinada cultivar possa vir a ser utilizado para prejudicar a produção agroflorestal brasileira, impedindo ou dificultando, por exemplo, a produção em território nacional de produtos derivados da referida cultivar.

Para solicitar a licença compulsória devem ser apresentados os seguintes requisitos: qualificação do requerente; qualificação do titular do direito sobre a cultivar; descrição suficiente da cultivar; os motivos do requerimento, observado o disposto no art. 28 desta Lei; prova de que o requerente diligenciou, sem sucesso, junto ao titular da cultivar no sentido de obter licença voluntária; prova de que o requerente goza de capacidade financeira e técnica para explorar a cultivar.[15]

Entretanto, devem ser apresentadas três razões para dar ensejo à licença, ou seja, o abuso de poder econômico, a falta de uso e dependência.

Da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE[16] , que conceder licença requerida, não caberá recurso no âmbito da Administração nem medida liminar judicial, salvo, quanto à última, ofensa ao devido processo legal.

A licença compulsória somente poderá ser requerida depois de ter transcorrido três anos da concessão do Certificado Provisório de Proteção, exceto na hipótese de abuso do poder econômico.


9 - Extinção do direito de proteção


Ocorre a extinção desse direito pela expiração do prazo de proteção (15 anos ou 18 anos); pela renúncia do respectivo titular ou de seus sucessores ou pelo cancelamento do Certificado de Proteção.

Com relação à renúncia, só será admitida se não causar prejuízo a direitos de terceiros.


10 - Cancelamento e nulidade do direito


O direito de proteção também pode ser cancelado ex officio ou a requerimento de qualquer pessoa, quando houver perda de homogeneidade e da estabilidade, falta de pagamento de anuidade, falta de procuração de titular estrangeiro, pela não apresentação da amostra viva quando requerida, caso a cultivar apresente impacto desfavorável ao meio ambiente ou a saúde humana.

Nula será a proteção quando faltar para a cultivar: a novidade e distinguibilidade, por ter sido concebida contrariando direitos de terceiros, por não corresponder o título ao seu verdadeiro objeto ou, ainda, por falta do devido processo legal.


11 - Transmissão da cultivar


Segundo a lei de Proteção da cultivar, ela é caracterizada como um bem móvel. Sua titularidade poderá ser transferida por ato inter vivos ou em virtude de sucessão testamentária.

A transmissão inter vivos prevista na lei de proteção refere-se aos casos de licença compulsória, uso público restrito, suspensão transitória ou cancelamento da proteção.

A transmissão em virtude de sucessão legítima ocorre em virtude de lei nos casos de ausência, nulidade, anulabilidade ou caducidade de testamento. A sucessão testamentária é a oriunda de testamento válido ou de dispositivo de última vontade.

Essa transmissão de propriedade deve ser requerida junto ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares - SNPC e, se for deferida, a transmissão do privilégio será averbada ao registro do certificado.


12 - Sanções


A lei estabelece que aquele que vender, oferecer à venda, reproduzir, importar, exportar, bem como embalar ou armazenar para esses fins, ou ceder a qualquer título, de material de propagação de cultivar protegida sem autorização do titular implica obrigação de indenizar, apreensão do material e pagamento de multa.

A cultivar poderá ser utilizada para fins alimentícios e não com a intenção de obter lucros.

O responsável pela infração incorre nos crimes de violação dos direitos de melhorista, sem prejuízos das demais sanções penais cabíveis.

Além disso, pagará multa de 20% do valor comercial do material apreendido, sem prejuízo das sanções legais previstas. E, no caso de reincidência, o valor da multa será duplicado.


Conclusão


O objetivo básico da Lei de Proteção de Cultivares consiste em estimular o desenvolvimento de pesquisas voltadas para o melhoramento das sementes de plantas ou de suas partes reprodutoras, por intermédio da concessão do direito temporário de propriedade intelectual sobre cultivares, tornando a circulação do conhecimento mais segura.

É importante ressalvar, contudo, que a proteção de cultivares é uma legislação que protege os inventos e assegura aqueles que investem em recursos humanos, em tecnologia e em recursos financeiros, na descoberta científica, direitos de utilização e, conseqüentemente, a auferição de lucros a partir da sua exploração.

Por outro lado esta norma regulamentadora não esta atingindo todos os seus objetivos e, muitos questionamentos e contradições estão sendo levantados, como por exemplo:

A Lei de Proteção de Cultivares, em sua normativa, confere ao titular do invento as prerrogativas a eles inerentes e considera titular da cultivar o requerente do pedido: a empresa e não o inventor (melhorista). O pesquisador sofre uma expropriação e não possui garantia alguma de participar dos lucros obtidos com a descoberta obtida por sua força de trabalho intelectual, limitando-o a um contrato de trabalho;

Tratando-se de desacordo entre empregado e empregador a lei, também, não traz nenhum um arbítrio;

Quanto aos casos de averbação das licenças voluntárias, a lei não traz nada expresso;

Com relação à multa prevista para quem utilizar indevidamente o material, ela é uma multa administrativa, civil ou penal? Quem a recebe? Se penal, constituir-se-á na única sanção criminal? Quanto a esses pontos, como devem ser decididos? E a apreensão do material é acautelatória, para obter prova processual, ou punitiva?

A lei também prevê algumas exceções ao privilégio concedido ao obtentor do direito, nos casos em que as cultivares forem utilizadas com a finalidade de pesquisa voltada para o desenvolvimento de novas cultivares ou de cultivares essencialmente derivadas. Esses preceitos, estabelecidos pela norma legislativa, são precaução de extrema relevância para a defesa dos interesses maiores da sociedade brasileira.

De uma parte se quer proteger, preservar o pequeno agricultor, ao mesmo tempo se estabelecem condições especiais para que o detentor do direito de proteção a uma determinada cultivar não possa abusar, do ponto de vista econômico, ou sonegar esse material para comercialização, mediante instrumento que a lei contempla para justamente assegurar a disponibilidade dele à sociedade.

Levando todos esses pontos em consideração, advindos do sistema sui generis de proteção de cultivares, adotado pelo Brasil, concluímos que a os beneficiados da prática desta modalidade de proteção serão os que detêm maior conhecimento e poder econômico. Na maioria dos casos a proteção fica nas mãos das grandes empresas transnacionais e o verdadeiro obtentor, que é o melhorista, fica fadado as cláusulas de um contrato de trabalho.


NOTAS DO TEXTO:


[1] Cultivar é uma variedade de qualquer gênero vegetal claramente distinta de outras variedades conhecidas e que resulta de um trabalho de melhoramento genético.

[2] Denominado sistema sui generis.

[3] A UPOV (União Internacional para Proteção de Obtenções Vegetais) é uma organização internacional com sede em Genebra (Suíça), responsável pela implementação da Convenção Internacional de Proteção de Novas Variedades de Plantas, cuja primeira versão data de 1961 e que sofreu três revisões: em 1972, em 1978 e em 1991.

[4] Lei nº 9.456/97, art. 3º, inciso IV.

[5] DEL NERO, Patrícia Aurélia Del. Propriedade Intelectual. A tutela jurídica da biotecnologia. RT. 1998. p. 207.

[6] CARVALHO, Sérgio Medeiros Paulino de,; CARVALHO FILHO, Renato Paulino de. Pelo entrelaçamento das atividades inerentes ao INPI e ao SNPC (necessidade de administração conjunta). Disponível em . Acesso em 10 de set. 2001.

[7] DEL NERO, Patrícia Aurélia. Op. Cit., p. 211.

[8] Inciso V do art. 3º da lei nº 9.456/97.

[9] Inciso IX do art. 3º da lei nº 9.456/97.

[10] Inciso XIV do art. 3º da lei nº 9.456/97.

[11] Inciso XVI do art. 3º da lei nº 9.456/97.

[12] Inciso I do art. 3º da Lei 9.456/97.

[13] Art. 5º da Lei 9.456/97.

[14] BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2º V. 1998. p. 78

[15] Esses requisitos estão expressamente previstos no art. 30 da Lei 9.456/97.

[16] Conselho criado pela Lei 8.884, de 11 de junho de 1994.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS


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Fonte: Escritório Online


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