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Escritório Online :: Artigos » Ensaios, Crônicas e Opiniões


Falta de serviço

19/10/2003
 
Enéas Castilho Chiarini Júnior



“Deve existir lei que limite a capacidade de amar? Quem pode afirmar ou firmar este dogma?” (Paulo Duarte Lopes Angélico)


Nos últimos dias a mídia anunciou a intenção de um determinado Deputado Federal pelo PRONA de elaborar uma lei que impeça o beijo entre pessoas de mesmo sexo em público.

Tal atitude, além de demonstrar – como apregoam alguns - falta de serviço do referido Deputado, demonstra, ainda, um retrógrado preconceito e absoluta ignorância legal.

O preconceito fica caracterizado ao impedir a demonstração de amor entre duas pessoas, apenas pelo fato de que estas pessoas possuem o mesmo sexo.

Duas pessoas de sexos distintos podem, perfeitamente, e sem qualquer problema, se beijar em público, enquanto que, pela proposta do Deputado desocupado, duas pessoas, simplesmente por possuírem um comportamento diferente da maioria da população não podem fazer o mesmo, sob pena de contravenção penal.

Este único fato já é suficiente para demonstrar o preconceito do referido “representante da nação”, além de se configurar argumento suficiente para configurar a inconstitucionalidade de tal dispositivo legal.

Apenas para reforçar a inconstitucionalidade de referida intenção, cumpre assinalar que a Liberdade é um dos pilares da Constituição Federal que, além de trazer a liberdade como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, na tentativa de “construir uma sociedade livre” (artigo 3º, inciso I), traz ainda, em vários momentos a idéia de liberdade, como é por exemplo o caso do caput do artigo 5º que apresenta “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito [...] à liberdade”, ou, também é o caso da “livre manifestação do pensamento” (artigo 5º, inciso IV), da “liberdade de consciência e de crença” e do “livre exercício dos cultos religiosos” (artigo 5º, inciso VI), da “livre expressão da atividade intelectual” (artigo 5º, inciso IX), do “livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão” (artigo 5º, inciso XIII), da “livre locomoção no território nacional” (artigo 5º, inciso XV), da “plena liberdade de associação para fins lícitos” (artigo 5º, inciso XVII). Isto apenas para apresentar-se alguns exemplos, ficando, apenas, com alguns direitos do artigo 5º. De modo que o impedimento de um beijo entre pessoas de mesmo sexo é absolutamente incompatível com a Liberdade almejada para Carta Magna brasileira.

Pode-se demonstrar ainda que, seria impossível a aprovação de tal lei, mesmo através de Emenda Constitucional, uma vez que o artigo 64, § 4º, inciso IV da CF/88 é claro ao afirmar que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir [...] os direitos e garantias individuais”, dos quais, como já demonstrado, um deles é justamente a liberdade individual que, frise-se, é absolutamente incompatível com a pretendida proibição.

Tal preconceito revela-se retrógrado numa época onde, em todo o mundo, surgem leis que, não só deixam de incriminar condutas homossexuais, como, muito mais que isso, chegam a permitir o casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Este descompasso entre a medida e a realidade social é sentido também aqui no Brasil, onde já existe um projeto de lei de autoria da então Deputada Federal pelo estado de São Paulo, a atual prefeita Marta Suplicy, PL 1.151/95 que visa, ao contrário do que pretende o infeliz Deputado, regulamentar o que o projeto chama de “união civil de pessoas do mesmo sexo”, e que já é combatido por parte da doutrina por ser atrasado (como, por exemplo, faço em meu trabalho de conclusão de curso intitulado “A união homoafetiva no Direito brasileiro contemporâneo”).

Apenas para se reforçar tal argumento, cumpre assinalar que é bastante comum a união fática de dois homossexuais, sendo inclusive de aceitação popular, uma vez que no dia 10 de agosto de 2000, no programa de televisão Você Decide, o público, de todo o país, votou a favor e um “casal” de mulheres que desejavam dar à luz a uma criança, para constituírem uma família - fato muito mais “atentatório ao pudor” que o simples beijo entre duas pessoas de mesmo sexo - (o placar foi 63.649 votos contra, e 100.547 - 61,2% - a favor), sendo, ainda que, no dia 17 de janeiro de 2002, no site do portal Terra, até as 16 horas e 45 minutos, obteve-se uma aprovação de 82,78% (10.376 votos) a favor de que o filho da cantora Cássia Eller permanecesse com a sua ex-companheira, Maria Eugênia. Fatos estes que evidenciam a abertura da sociedade brasileira à união entre homossexuais.

Por outro lado, a ignorância legal fica demonstrada, além da inconstitucionalidade da absurda lei por discriminação infundada, pelo desconhecimento de que já existe lei capaz de punir a importunação ofensiva ao pudor (artigo 61 do Decreto-Lei nº 3.688/41 – “Lei das Contravenções Penais”), que, segundo definição legal consiste no ato de “importunar alguém, em lugar público, ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”, de tal sorte que, caso fosse o desejo dos Tribunais punir o beijo entre pessoas do mesmo sexo, isso seria possível sem qualquer alteração legal, apenas dando uma definição jurisprudencial de “pudor” de forma que este abrangesse o beijo entre pessoas de mesmo sexo.

Porém, tal atitude nunca se concretizou, nem jamais se concretizará, pois quem conhece a lei – como é o caso dos desembargadores e ministros - sabe que não existe espaço para discriminação em um ordenamento jurídico.

Somente seria possível a punição de um beijo entre pessoas de mesmo sexo se - e somente se - este beijo fosse um beijo tal que, se fosse praticado por pessoas de sexo diferente também importasse em ofensa ao pudor.

Por outro lado, imagine-se o caso de um pai que dê um beijo em seu filho (ou uma mãe que dê um beijo em sua filha), iriam ambos serem processados por “beijo entre pessoas de mesmo sexo”? E aqui cumpre assinalar, mais uma vez, que não existe espaço para discriminações em um ordenamento jurídico, de forma que, admitindo-se o absurdo caso de tal lei inoportuna vier a ser aprovada e, por igual preconceito dos membros do STF, ser declarada constitucional, seria impossível processar os homossexuais e não se processar igualmente o pai e filho (ou mãe e filha) que se beijassem em público.

Vê-se assim, claramente, quão impensada e infeliz foi a declaração do Deputado em questão que, ao invés de se preocupar com tantos outros assuntos de muito maior importância, pretende punir uma demonstração de amor em um mundo que padece, justamente, por falta de amor.

Fonte: Escritório Online


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