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Aspectos sobre a possibilidade de interrupção na prestação de serviços públicos de água e esgoto

19/10/2003
 
Fábio Nadal Pedro



1-) INTRODUÇÃO. 2-) DA INAPLICABILIDADE DO DIREITO CONSUMERISTA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. 3-) O SERVIÇO UTI SINGULI PRESTADO. REGIME REMUNERATÓRIO. DA “VIRAGEM JURISPRUDENCIAL”. 4-) NEM TODO SERVIÇO PRESTADO PELA CONCESSIONÁRIA PODE SER CONSIDERADO JURIDICAMENTE UM SERVIÇO ESSENCIAL. 5-) DA POSSIBILIDADE DE INTERROMPER A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO A USUÁRIO INADIMPLENTE. 6-) DA VIABILIDADE NA INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS A USUÁRIO INADIMPLENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, § 3º, INCISO II DA LEI FEDERAL Nº 8987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995. 7-) DA BILATERALIDADE DO CONTRATO. VIABILIDADE NA INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS. 8-) A CONTINUIDADE DO SERVIÇO SE REFERE AOS USUÁRIOS ADIMPLENTES. LESÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. 9-) CONCLUSÃO.


1-) INTRODUÇÃO.


Talvez com o intuito de estabelecer um contra-argumento (ABUJAMRA) ao denominado senso comum teórico (WARAT), traço aspectos pontuais sobre o tema, submetendo-o ao falseamento do demais operadores do Direito.


2-) DA INAPLICABILIDADE DO DIREITO CONSUMERISTA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS.


A premissa inicial de que me valho é o de que, na esteira de Antonio Carlos Cintra do Amaral[1] , usuário de serviço público não possa ser qualificado como consumidor – circunstância que afasta a aplicação do CDC para as hipóteses de interrupção na prestação de serviço público.

Diz o citado jurista:

“... parece-me que se está incorrendo em um equívoco generalizado quando se afirma que o usuário de serviço público é um consumidor. Considera-se o usuário como consumidor do serviço público a ele prestado pela concessionária talvez seja possível pela ótica econômica. Mas sob a ótica jurídica o usuário de serviço público e o consumidor estão em situações distintas. Uma coisa é relação de consumo. Outra, a de serviço público...”

Nesse passo, o usuário do serviço público de água e esgoto não pode ser considerado consumidor, sendo inaplicável os comandos do Código de Defesa do Consumidor.

De princípio, portanto, afasto os argumentos que sugerem que a interrupção na prestação do serviço público expõe o “consumidor” (na verdade, usuário) ao vexame e quejandos.


3-) O SERVIÇO UTI SINGULI PRESTADO. REGIME REMUNERATÓRIO. DA “VIRAGEM JURISPRUDENCIAL”.


Via de regra as concessionária do serviço público (uti singuli) de água e esgoto prestam serviços de natureza uti singuli, sendo remuneradas mediante tarifa.

Nesse passo, a concessionária cobra de seus usuários tarifa para custear seus serviços (uti singuli), devendo, em contrapartida, prestá-lo com continuidade, eficiência, regularidade e demais normas atinentes aos serviços públicos

Num primeiro momento a jurisprudência se inclinava no sentido de não permitir a suspensão do serviço por conta do inadimplemento do usuário. Porém, o tempo e discussão do tema está sedimentando uma “viragem jurisprudencial”[2] , consoante restou consignado pelo Md Desembargador Eládio Torret Rocha, do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na oportunidade de relatar a Apelação Cível nº 97.003780-5, cujo V. Aresto colacionamos e excerto transcrevemos:

Contudo, sob a égide da atual Carta Política e de inúmeros julgados da Suprema Corte de Justiça, onde vem frisada a distinção entre taxa e preço público, incluídas no último conceito o fornecimento de água e de energia elétrica, os nossos Tribunais passaram a redimensionar o entendimento até então solidificado a respeito e que, como visto, vislumbrava meio coercitivo de cobrança na ameaça ou no corte de energia elétrica.

Quer a doutrina, quer a jurisprudência, em sendo assim, passaram a se inclinar, não no sentido de estabelecer sempre a ilegalidade dos atos de supressão ou de ameaça de corte do fornecimento de energia elétrica, mas admitindo, em determinadas situações, como legítimo esse corte ou essa ameaça de corte, mormente quando reiterado seja o débito do consumidor.

(... omissis...)

O lapidar Miguel Reale, ao tecer seus comentários sobre o art. 175 da Constituição Federal, que fomenta a plena eficácia do dispositivo legal acima transcrito, expõe:

".. é incontestável que se quis estabelecer claramente que as concessões e permissões de serviços públicos obedecem as diretrizes políticas próprias, variáveis de conformidade com a natureza e as finalidades dos serviços. Isto significa no setor de energia elétrica vigora uma política que, de maneira autônoma, vise tanto a proteção do concessionário e permissionário (com direito a remuneração que lhe permita manter o serviço adequado) como dos usuários. Vale pois ressaltar que uma questão é inseparável da outra, uma vez que, com base na tarifa a ser cobrada de todos os usuários - conforme os diversos critérios técnicos e a justiça social prefixados em lei e regulamentos - também se fixam os deveres de cada consumidor.

Há pois uma equação econômico-financeira entre a previsão global da receita e deveres de cada usuário, na medida de sua participação na fruição do serviço concedido, motivo pelo qual o mandamento constitucional prevê leis próprias para definir os direitos dos usuários, em se tratando de serviços públicos.

Note-se que essa equação econômico-financeira não constitui privilégio ou regalia do concessionário, mas sim uma exigência do serviço público, o qual, em princípio, deve sustentar-se em razão das tarifas outorgadas, cujo cálculo leva em conta o custo do serviço e sua adequada remuneração quanto ao interesse da comunidade.

Com maior especificidade sobre o tema ventilado nos autos vertentes, extrai-se do escólio do insigne Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Os usuários, atendidas as condições relativas à prestação do serviço e dentro das possibilidades normais dele, têm direito ao serviço. O concessionário não lhes poderá negar ou interromper a prestação, salvo, é claro, nas hipóteses previstas nas próprias cláusulas regulamentares. Cumpridas pelo usuário as exigências estatuídas, o concessionário está constituído na obrigação de oferecer de modo contínuo e regular, o serviço, cuja prestação é instituída não apenas em benefício da coletividade, concebida em abstrato, mas dos usuários, individualmente considerados, isto é, daqueles que arcarão com o pagamento das taxas ou tarifas a fim de serem servidos. Por isso, aqueles a quem for negado o serviço ou que sofrer-lhe a interrupção pode, judicialmente, exigir em seu favor o cumprimento da obrigação do concessionário inadimplente, exercendo um direito subjetivo próprio (Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª ed., pág. 380).

Extrata-se como óbvio, do lecionamento assim colacionado, que o direito líquido e certo do usuário em continuar a usufruir dos serviços de energia elétrica repousa numa pilastra fundamental: o cumprimento do seu concomitante dever de equacionar as obrigações assumidas, dentre as quais se inclui, como a de maior vulto, o pagamento do consumo utilizado.

Em que pese registrarem os anais desta Corte de Justiça, posicionamentos profundamente divergentes dessa conclusão, obtém ela repercussão em inúmeros outros precedentes, entre os quais colacionamos, a título de ilustração, os que se seguem:

"É legítimo o corte de fornecimento de energia elétrica quando não paga a conta respectiva (ACMS n. 2.796, de Criciúma, rel. Des. Xavier Vieira).

"Não há ilegalidade de ameaça de corte de energia elétrica por falta de pagamento relativamente à consumidora que, reconhecendo estar em atraso, se compromete a pagar o débito em parcelas, mas deixa de adimplir aquela obrigação (ACMS n. 3.657, de Tijucas, rel. Des. Amaral e Silva).

"Não é ilegal a suspensão do fornecimento de energia elétrica com prévio aviso, por falta de pagamento, sobretudo se há expressa previsão contratual nesse sentido e o consumo é destinado à atividade empresarial, porque não se trata de taxa específica do gênero tributo e sim pagamento remuneratório de um serviço que só aparece com a sua utilização (ACMS n. 4.943, de Itajaí, rel. Des. Vanderlei Romer).

"Comunicado severo endereçado à empresa inadimplente não pode ser tido como coação ilegal ou abuso de poder, porque a satisfação do crédito "não é taxa específica do gênero tributo e sim pagamento remuneratório de um serviço (RTJ 33/149). Dificuldades oriundas de Plano de Estabilização Econômica, que afetam o País, não justificam a persistência do débito e a continuidade do serviço, diante do risco de caos, com eventual paralisação dos trabalhos por falta de fundos para as atividades da empresa estatal (ACMS n. 5.551, de Itajaí, rel. Des. Francisco Oliveira Filho).

Esta própria Câmara já enfrentou matéria idêntica, que restou assim ementada:

"Mandado de Segurança. Energia elétrica. Corte. Falta de Pagamento. Inexistência de direito líquido e certo a fornecimento de energia elétrica sem a devida quitação. Devedora confessadamente em atraso. Parcelamento da dívida. Pagamento parcial. Provimento do recurso. (ACMS n. 4.004, de Tijucas, Rel. Des. Solon d`Eça Neves).

Ou, ainda:

"Mandado de Segurança. Corte no fornecimento de energia elétrica. Inadimplência reconhecida pela impetrante. Ausência de direito líquido e certo. Legalidade do ato. Lei n. 8.987 de 13.02.95, art. 6º, § 3º, inc. II. Cassação da ordem. Recurso provido.

"Não configura ilegalidade o corte de fornecimento de energia pela concessionária, em razão de débitos atrasados especialmente se a impetrante reconhece a inadimplência.

"Cumpridas as exigências do art. 6º, § 3º, inc. II da Lei n. 8.987/95, com a apresentação de regular aviso prévio pela CELESC, não é suficiente o argumento da indispensabilidade da energia elétrica para a concessão da segurança.

"As dificuldades decorrentes de política econômica qualificada de desastrosa para o setor empresarial, não justificam a inadimplência e nem autorizam a continuidade da prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica pois esta circunstância poderia ensejar graves riscos à continuidade das atividades da empresa estatal. (ACMS n. 96.0085610, de Itajaí, rel. Des. Nelson Schaefer Martins).

Sendo esta, precisamente, a hipótese enfocada nestes autos, voto pelo desprovimento do recurso.

Resta claro, portanto, que a inadimplência faz com que o usuário não tenha direito à prestação do serviço. Ao contrário, é justamente sua inadimplência que pode vir a malferir a continuidade dos serviços prestados (conforme veremos em tópico específico).

Aliás este é o entendimento que se infere da leitura de V Aresto do Egrégio Superior Tribunal de Justiça da lavra do Eminente e brilhante Ministro Luiz Fux[3] (AGRMC 3982, DJ 25/03/2002, PG: 00177, RIP VOL.: 00014 PG 00279) no sentido de que: “O corte de energia autorizado pelo CDC e legislação pertinente é o previsto “uti singuli”, vale dizer: da concessionária versus o consumidor isolado e inadimplente...”

Outrossim, determinar, por sentença[4] , que a concessionária de serviços públicos suportem a inadimplência de usuários nessa condição, sem a possibilidade de suspender seus serviços redundará: a-) no repasse desse custo para a tarifa (atingindo, mais uma vez, os usuários que honram seus compromissos); b-) a inviabilização do serviço (atingindo todos os usuários).


4-) NEM TODO SERVIÇO PRESTADO PELA CONCESSIONÁRIA PODE SER CONSIDERADO JURIDICAMENTE UM SERVIÇO ESSENCIAL.


De maneira equivocada, alguns asseveram que todo serviço público é essencial. Para tanto, citam o artigo 10 da Lei Federal nº 7.783, de 12 de junho de 1989.

Primeiramente, a citada lei federal indica os serviços que julga essenciais para efeito de regulamentar o exercício do direito constitucional de greve. Este é o alcance da lei.

Porém, é a lei emanada pelo ente federativo competente para prestar o serviço (artigo 175 da CF/88) que pode considerá-lo “essencial”, de acordo com a sua natureza.

Inexistindo lei emanada do ente político competente que indique o serviço prestado como essencial, não há, juridicamente, como increpar-lhe tal adjetivação.

Nesse sentido é o escólio de Diógenes Gasparini[5] :

“Essenciais, por fim, diga-se, são os serviços que não podem faltar. A natureza do serviço os indica e a lei os considera como indispensáveis à vida e à convivência dos administrados na sociedade, como são os serviços de segurança externa, de segurança pública e os judiciários. Para os fins do exercício do direito de greve, outros serviços são considerados essenciais, consoante estabelece o art. 10 da Lei Federal n. 7783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”.

Ademais, a essencialidade está relacionada com a continuidade na prestação dos serviços, ontologicamente considerado, vale dizer, a essencialidade está relacionado com o serviço em si mesmo considerado e que é prestado A TODA COLETIVIDADE.

Com isto queremos alertar que a interrupção pontual dos serviços por força do inadimplemento do usuário não se refere à descontinuidade na prestação dos serviços (o serviço continua a ser prestado).

Aliás, colacionamos v. aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que deslinda a questão:

É evidente que a confissão da inadimplência afasta, de todo o pressuposto relativo à fumaça do bom direito. Por outro lado, se deferida a manutenção do fornecimento de energia, de uma indústria de grande porte como a em questão, durante o processamento da ação principal, sem o respectivo pagamento do consumo, seguramente poderia ocorrer prejuízo grave e de difícil reparação à concessionária, haja vista que se trata de ação ordinária, de longo trâmite. Não há, portanto, como prover-se o recurso para reformar a sentença e julgar procedente a ação cautelar. Os incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Política não são aplicáveis à controvérsia em questão, cujo sentido mantém sideral distância do presente esgrimir de interesses. Os serviços prestados pelas concessionárias de serviço público devem ser adequados, eficientes e seguros e quanto aos essenciais contínuos a teor da tersa redação do invocado dispositivo da Lei de Regência. Todavia, a toda evidência que a imposição legal refere-se à contrapartida da concessionária nos contratos com os consumidores, que devem evidentemente cumprir a sua parte no contrato, como na hipótese, pagando a tarifa relativa ao consumo, mensalmente medido através de sistema técnico universalmente aceito. O Poder Público não pode intervir no contrato de fornecimento de energia para compelir o fornecedor a manter o abastecimento de energia ao consumidor que não paga as contas de consumo respectivo, ainda que ao argumento de que atravessa grave crise. É certo que no dizer da Lei, os serviços essenciais devem ser contínuos, mormente em se tratando de um estabelecimento industrial. Contudo, em se tratando de preço público é elementar que, para ver a continuidade dos serviços, o consumidor deve cumprir as suas obrigações contratuais. Interpretação diversa, seguramente, afetaria todo o sistema, pondo em risco o interesse do universo de consumidores, enfim de toda a sociedade. Recursos improvidos. (TJRJ – AC 14036/2001 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. José C. Figueiredo – J. 30.08.2001)

De qualquer sorte, por decorrência lógica, caso o Poder Judiciário venha a considerar (caso concreto) essencial o serviço, ter-se-á por estiolado o princípio da separação dos poderes (artigo 2º da CF/88), na medida que tal atribuição compete privativamente ao Poder Executivo.


5-) DA POSSIBILIDADE DE INTERROMPER A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO A USUÁRIO INADIMPLENTE.


Consoante reiterados julgados, ora colacionados, a inadimplência do impetrante, por si só, justifica a conduta , consistente na interrupção dos serviços.

139029282 – CAUTELAR – SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA – INADIMPLÊNCIA – AVISO PRÉVIO DO ÓRGÃO FORNECEDOR – VIABILIDADE DO CORTE – Sentença reformada no reexame necessário para indeferir a pretensão cautelar, cassada a liminar e prejudicado o recurso voluntário. (TJMG – AC 000.247.817-0/00 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. José Francisco Bueno – J. 09.05.2002)

86011547 – MANDADO DE SEGURANÇA – CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – Inadimplência reconhecida. Ilegalidade da medida não configurada. (TJSC – AC-MS 98.004546-0 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. João Martins – J. 24.08.2000)

86011551 – MANDADO DE SEGURANÇA – CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EM VIRTUDE DE INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA – Ilegalidade da medida não configurada. Recurso provido. (TJSC – AC-MS 99.002518-7 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. João Martins – J. 24.08.2000)

86011555 – MANDADO DE SEGURANÇA – CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA EM RAZÃO DE INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA – Ilegalidade da medida descaracterizada recurso provido. (TJSC – AC-MS 99.020080-9 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. João Martins – J. 24.08.2000)

A concessionária age, portanto, sem desbordar os limites de sua regular atuação, em razão de inadimplemento do usuário.

Salientamos, todavia, que a suspensão do fornecimento deve ser realizada mediante prévia notificação, bem como somente em casos que, mesmo se procedendo a todas as medidas administrativas cabíveis (por exemplo, parcelamento dos débitos), a inadimplência persiste.


6-) DA VIABILIDADE NA INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS A USUÁRIO INADIMPLENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, § 3º, INCISO II DA LEI FEDERAL Nº 8987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995.


Se mais não fora, repita-se, a Lei Federal nº 8987/95 (lei nacional), em seu art. 6º, § 3º, inciso II, expressamente excepciona a interrupção dos serviços por inadimplemento do usuário, das hipóteses de descontinuidade do serviço. Di-lo:

Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º. Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2º. A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

§ 3º. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Como se nota, a concessionária promove a interrupção dos serviços em caso de inadimplência justamente para garantir a prestação de serviços adequados a toda coletividade.

O interesse da coletividade (interesse público) na continuidade dos serviços se sobrepõe ao dos usuários inadimplentes (interesse individual).

Porém a existência da base legal para a interrupção nos serviços em caso de inadimplência, não inviabiliza, repita-se, que a concessionária disponibilize meios alternativos ao corte, tais como, parcelamentos de seus débitos, revisão das contas em caso de vazamentos, fazendo com que a maioria dos usuários, mesmo com possibilidades econômicas restritas, arquem com seus débitos.


7-) DA BILATERALIDADE DO CONTRATO. VIABILIDADE NA INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS.


Na essência, a relação estabelecida entre o usuário e a concessionária não perde seu caráter de bilateralidade.

Nessa senda, é possível se alvitrar como fundamento à interrupção na prestação dos serviços o artigo 476 do novel Código Civil que tem semelhante redação do artigo 1092 do antigo Código Civil.

Nesse sentido:

703456 – JCCB.1092 CONTA DE ENERGIA ELÉTRICA – INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR – SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO – LEGALIDADE – É legal a suspensão do fornecimento de energia elétrica ao consumidor inadimplente, em virtude do que preceitua o art. 1.092 do Código Civil. Precedentes desta Corte. (TJTO – AgRg-MS 1679/95 – Única C.Cív. – Rel. Des. José Neves – DJTO 14.08.1995)

Nesse passo, acenar para a impossibilidade da interrupção dos serviços públicos na hipótese de inadimplemento do usuário, implica em negar vigência ao art. 476 do Código Civil que reproduz o artigo 1092 do antigo Código Civil.


8-) A CONTINUIDADE DO SERVIÇO SE REFERE AOS USUÁRIOS ADIMPLENTES. LESÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA.


Os julgados abaixo transcritos são enluvantes no sentido de explicitar que a continuidade dos serviços públicos refere-se aos usuários adimplentes, bem como acenar para o fato de que a mantença dos serviços a usuário inadimplente fere o princípio constitucional da isonomia (artigo 5º caput da CF/88), pois trata igualmente situações distintas.

ADMINISTRATIVO – FORNECIMENTO DE ÁGUA – SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO – INADIMPLEMENTO DOS USUÁRIOS – IMPOSSIBILIDADE DE SE OBRIGAR A EMPRESA A FORNECER A ÁGUA AOS CONSUMIDORES INADIMPLENTES – PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO REFERE-SE AO CONSUMIDOR ADIMPLENTE – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA – POSSIBILIDADE ADMINISTRATIVA DE FORNECIMENTO DE ÁGUA A DESEMPREGADOS E A OCUPANTES DE ÁREAS INVADIDAS – SUSPENSÃO DE PAGAMENTO DE CONTA POR PRAZO DE ATÉ 3 ANOS – TORNEIRAS COLETIVAS – PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS – CADASTRAMENTO DOS USUÁRIOS – AUSÊNCIA DE RISCO À SAÚDE PÚBLICA – DECISÃO CORRETA – IMPROVIMENTO DO RECURSO" – Até por motivos de natureza material, não apenas jurídica, não pode prevalecer aquele paradoxal entendimento, pois basta que o inadimplemento seja maciço ou apenas considerável para se inviabilizar qualquer prestador de serviço público resultando, daí, sim, na interrupção do serviço, e não apenas em relação ao inadimplente, mas também para o usuário que sempre cumpriu sua contraprestação. Esta regra é válida para todo serviço público cuja remuneração (paga pelo usuário) represente uma contraprestação, ou contrapartida, de caráter contratual, pela prestação do serviço, ou seja, é aplicável a todo serviço remunerado por tarifa (preço público), e não por taxa, e tampouco por preço político..." ".A exigência de continuidade prevista no artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor implica, desde que instalado e em funcionamento o serviço público, a proibição de sua interrupção como um todo. Válido, entretanto, na consideração da bilateralidade da relação jurídica, e para que não se inviabilize economicamente o serviço, o corte do fornecimento em relação ao usuário faltoso. " (1º TACIVIL de São Paulo). (TJPR – ApCiv 0092934-6 – (20375) – Apucarana – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Dilmar Kessler – DJPR 13.05.2002)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – FORNECIMENTO DE ÁGUA – INADIMPLEMENTO DOS USUÁRIOS – RESTABELECIMENTO DO FORNECIMENTO E PROIBIÇÃO DE SUSPENSÃO – ACOLHIMENTO DO PEDIDO EM PRIMEIRO GRAU – RECURSO DA EMPRESA PÚBLICA – REFORMA DA SENTENÇA – Ausência de ilegalidade na suspensão do fornecimento de água por inadimplemento dos usuários. Maioria. Voto minoritário pelo improvimento do recurso. Embargos infringentes. Ilegalidade do corte de fornecimento de água. Essencialidade e continuidade do serviço. Princípios legais que são pertinentes ao usuário que presta a contrapartida pelo serviço utilizado. Inaplicação ao inadimplente. Rejeição dos embargos. (TJPR – EmbInfCv 0090199-9/01 – (3657) – Toledo – 2º G.C.Cív. – Rel. Des. Dilmar Kessler – DJPR 22.04.2002)

Destarte, a vedação da interrupção dos serviços públicos a usuários inadimplentes implica em flagrante lesão ao princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput da CF/88).


9-) CONCLUSÃO.


O tema merece, em nosso viso, maior atenção e reflexão. Espero ter contribuído para este fim.


NOTAS DO TEXTO:

[1] Distinção entre usuário de serviço público e consumidor. Revista Diálogo Jurídico, nº 13, abril/maio de 2002, Salvador/BA.

[2] Esta “viragem jurisprudencial” dá-se em grande medida por conta da nova consciência mundial sobre a escassez dos recursos hídricos no mundo e a necessidade em racionalizar seu uso, impondo a necessidade da cobrança pelo seu uso. A água está sendo denominado como “ouro azul”.

[3] No caso concreto, o Ministro afastou a possibilidade do corte de energia de repartição pública sobre o fundamento de que poderia por em risco a continuidade dos serviços prestados pelo ente públicos (supremacia do interesse público).

[4] Seja qual for o fundamento do r. decisum.

[5] Direito Administrativo, Ed. Saraiva, São Paulo, 5ª edição, 2000, pág. 254.

Fonte: Escritório Online


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