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Escritório Online :: Artigos » Direito Administrativo


O desvio de função e seus reflexos patrimoniais. Análise jurisprudencial

19/10/2003
 
Fábio Nadal Pedro



1-) INTRODUÇÃO. 2-) CARGO, EMPREGO E FUNÇÃO. 3-) DA BURLA AO CONCURSO PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 37, CAPUT, INCISO II E PARÁGRAFO 2º DA CF/88. 4-) DA IMPOSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO “LEGISLADOR POSITIVO”. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 2º DA CF/88 E ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE. SÚMULA 339 DO STF. 5-) DO DEVER-PODER DA ADMINISTRAÇÃO EM COIBIR EVENTUAIS CASOS DE DESVIO DE FUNÇÃO. 6-) CONCLUSÃO.


1.-) INTRODUÇÃO


Ao invés de procedermos a fastidioso elenco de posicionamentos doutrinários e de conteúdo “evocador” (ULMANN), nos encaminharemos para a “ciência prática” (EHRLICH), buscando no acervo jurisprudencial pátrio subsídios para a resposta.


2-) CARGO, EMPREGO E FUNÇÃO.


Porém, é mister procedermos breves comentários sobre a inteligência dos vocábulos “cargo, emprego e função” empregados no campo da Administração Publica.

Cargo e emprego: têm individualidade própria, uma unidade de atribuições distintas que liga o servidor ao Estado (estatutário/cargo e celetista/emprego). Porém, existem atribuições também exercidas por servidores, mas sem que lhe corresponda um cargo ou emprego (rectius, função – conjunto de atribuições às quais não corresponde um cargo ou emprego).

Há em nosso ordenamento jurídico dois tipos de situações que contemplam as funções: a-) função exercida por servidor contratado temporariamente (art. 37-IX da CRB); b-) função de chefia, direção e assessoramento para o qual o legislador não crie o cargo respectivo (art. 37-V da CRB).

A regra, portanto, é que o servidor exerça as funções inerentes a seu cargo ou emprego (presentes na descrição de atribuições), e que seu acesso se dê mediante regular processo de concurso público (artigo 37, II da CRB).


3-) DA BURLA AO CONCURSO PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 37, CAPUT, INCISO II E PARÁGRAFO 2º DA CF/88.


Destarte, fora das hipóteses excepcionadoras supracitadas, o servidor não pode exercer função não correlacionada com seu cargo ou emprego por encontrar óbices intransponíveis no ordenamento jurídico: A-) lesão aos princípios basilares que regem a Administração Pública (legalidade, impessoalidade e moralidade) e que estão insertos no caput do art. 37 da CF; B-) lesão ao princípio do concurso público, inserto no inciso II do referido artigo.

Por conta desta ilegalidade (lato senso), eventual desvio de função não gera direito pecuniário ao servidor que se encontre nesta situação.

Nesse sentido, torrencial apoio jurisprudencial:

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – DESVIO DE FUNÇÃO – O desvio de função não gera direito algum, seja na esfera da relação estatutária entretida com a Administração Pública, como no campo patrimonial. O acolhimento da pretensão induziria na afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade, legalidade e moralidade, todos eles vinculativos ao proceder do administrador. Desvio de função que não gera direito pecuniário, ainda mais quando a base fática da pretensão é expressamente reconhecida na peça angular. Sentença de improcedência da ação. Recurso de apelação não provido. (TJRS – AC 70003519535 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Augusto Otávio Stern – J. 28.02.2002)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. O desvio de função não gera direito algum, seja na esfera da relação estatutária entretida com a Administração Pública, como no campo patrimonial. O acolhimento da pretensão induziria na afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade, legalidade e moralidade, todos eles vinculativos ao proceder do administrador. Desvio de função que não gera direito patrimonial, ainda mais quando a perícia técnica realizada fundamenta sua conclusão em registros inespecíficos. Sentença de improcedência da ação. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO.” (TJRS, AC 70002593838, 3ª Câmara Cível, j. em 31/05/2001)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. Servidores públicos que postulam repercussão patrimonial decorrente do exercício de funções em desvio. O desvio de função não gera efeito algum, seja no plano patrimonial como no da relação institucional mantida com o Poder Público, pena de infringência aos princípios constitucionais que orientam a Administração Pública, especialmente os da legalidade e moralidade. Insculpidos no artigo 37, da CF/88. Caso concreto em que a prova produzida e as próprias declarações dos autores na inicial comprovam tal conduta. Sentença de improcedência. APELO DESPROVIDO.” (TJRS, AC 70003049558, j. em 18/10/2001, 3ª Câmara Cível)

No mesmo sentido, os julgados do E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Número do Acórdão: 156985
Número do Processo: 20010110353015APC
Órgão do Processo: 3a Turma Cível
Espécie do Processo: APELAÇÃO CÍVEL
Relator do Processo: LÉCIO RESENDE
Data de Julgamento: 03/06/2002
Data de Publicação: 01/08/2002
Página de Publicação: 44
Unidade da Federação: DF
Ementa:
AÇÃO DE CONHECIMENTO - ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - DESVIO DE FUNÇÃO - EXERCÍCIO DE FATO - PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS - REENQUADRAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO - MAIORIA. O PROVIMENTO DE CARGOS PÚBLICOS POR FORMAS DERIVADAS NÃO ENCONTRA AMPARO NO ORDENAMENTO VIGENTE, POIS, CONFORME PRECEITUA O ART. 37, ITEM II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O CONCURSO PÚBLICO É A ÚNICA FORMA DE ACESSO AO SERVIÇO PÚBLICO. O DESVIO DE FUNÇÃO NÃO TEM O CONDÃO DE AUTORIZAR O REENQUADRAMENTO DE CARGOS, BEM COMO O PAGAMENTO DE DIFERENÇAS SALARIAIS.

TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Número do Acórdão: 152810
Número do Processo: 19990110756427APC
Órgão do Processo: 5a Turma cível
Espécie do Processo: APELAÇÃO CÍVEL
Relator do Processo: MARIA BEATRIZ PARRILHA
Data de Julgamento: 04/02/2002
Data de Publicação: 08/05/2002
Página de Publicação: 47
Unidade da Federação: DF
Ementa:
ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - DESVIO DE FUNÇÃO - PRETENSÃO DE REENQUADRAMENTO E RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS E GRATIFICAÇÃO PELO EXERCÍCIO DE OUTRO CARGO. INCABÍVEL A TRANSFERÊNCIA DE SERVIDORES PARA CARGOS OU FUNÇÕES DIFERENTES DAQUELES PARA OS QUAIS FORAM INVESTIDOS. O ARTIGO 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EXIGE CONCURSO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO SE TRATE DE PRIMEIRA INVESTIDURA. TAMBÉM INCABÍVEL A PRETENSÃO DE REMUNERAÇÃO E GRATIFICAÇÃO ESTABELECIDAS PARA CARGO DIVERSO DAQUELE PARA O QUAL PRESTARAM OS SERVIDORES CONCURSO PÚBLICO, O QUE EQUIVALERIA A VALIDAR DESVIO DE FUNÇÃO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. UNÂNIME.

TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Número do Acórdão: 145685
Número do Processo: 20010020017425AGI
Órgão do Processo: 1a Turma cível
Espécie do Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator do Processo: VALTER XAVIER
Data de Julgamento: 04/06/2001
Data de Publicação: 14/11/2001
Página de Publicação: 149
Unidade da Federação: DF
Ementa:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SERVIDOR. DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇA DE VENCIMENTOS. AUSENTE A PLAUSÍVEL PREVISÃO DE VITÓRIA, EIS QUE A BUSCA DA TUTELA JURISDICIONAL VISA A PERCEPÇÃO DE DIFERENÇA REMUNERATÓRIA ASSENTADA EM DESVIO DE FUNÇÃO, O QUE, EM PRINCÍPIO, VIOLA O ORDENAMENTO JURÍDICO, CORRETO O DECISÓRIO SINGULAR QUE INDEFERIU A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Número do Acórdão: 145204
Número do Processo: 20000150061056APC
Órgão do Processo: 2a Turma cível
Espécie do Processo: APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA DE OFÍCIO
Relator do Processo: EDSON ALFREDO SMANIOTTO
Relator Designado do Processo: JAIR SOARES
Data de Julgamento: 16/04/2001
Data de Publicação: 31/10/2001
Página de Publicação: 50
Unidade da Federação: DF
Ementa:
ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇA. INVIABILIDADE.
1. POSTULANDO O AUTOR PAGAMENTO DE DIFERENÇAS DE VENCIMENTOS, A PRESCRIÇÃO É DE TRATO SUCESSIVO, ATINGINDO APENAS AS PRESTAÇÕES VENCIDAS HÁ MAIS DE CINCO ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO.
2. COM ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, O ACESSO A CARGOS PÚBLICOS SOMENTE É POSSÍVEL MEDIANTE CONCURSO PÚBLICO. ASSIM, AINDA QUE OCORRA, POR DETERMINAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO, DESVIO DE FUNÇÃO, INVIÁVEL O PAGAMENTO DAS RESPECTIVAS DIFERENÇAS DE VENCIMENTOS.
3. APELO PROVIDO.

TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Número do Acórdão: 143326
Número do Processo: 20000110894050APC
Órgão do Processo: 1a Turma cível
Espécie do Processo: APELAÇÃO CÍVEL
Relator do Processo: HERMENEGILDO GONÇALVES
Data de Julgamento: 25/06/2001
Data de Publicação: 03/10/2001
Página de Publicação: 56
Unidade da Federação: DF
Ementa:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DESVIO DE FUNÇÃO. PAGAMENTO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS REFERENTES À FUNÇÃO EXERCIDA.
1. O DESVIO DE FUNÇÃO NÃO AUTORIZA O ENQUADRAMENTO DO SERVIDOR PÚBLICO EM CARGO DIVERSO DAQUELE PARA O QUAL PRESTOU CONCURSO, TAMPOUCO PERCEPÇÃO DA REMUNERAÇÃO OU DIFERENÇAS SALARIAIS PREVISTA PARA O MESMO, RESTANDO-LHE TÃO-SOMENTE A POSSIBILIDADE DE REIVINDICAR, JUNTO À ADMINISTRAÇÃO, QUE PASSE A EXERCER AS FUNÇÕES DO CARGO PARA O QUAL SE HABILITOU.
2. INEPTA A INICIAL PELA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Permitimo-nos, outrossim, em razão de sua absoluta pertinência e erudição, transcrevermos o inteiro teor do V. Aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná:

TJPR - Tribunal de Justiça do Paraná
Processo Número: 111200900
Origem: LONDRINA - 2a. VARA CIVEL
Acórdão Número: 9313
Órgão Julgador: 6a. CAMARA CIVEL
Relator: ANTONIO LOPES DE NORONHA
Data de Julgamento: 08/05/2002
Inteiro Teor:
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N° 111.200-9, DE LONDRINA - 2ª VARA CÍVEL.
REMETENTE : JUIZ DE DIREITO.
APELANTE : CAIXA DE ASSISTÊNCIA, APOSENTADORIA E PENSÕES DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE LONDRINA - CAAPSML.
APELADO : RONALDO RIBEIRO DOS SANTOS.
RECURSO
ADESIVO : RONALDO RIBEIRO DOS SANTOS.
RELATOR
DESIGNADO : DES. ANTONIO LOPES DE NORONHA.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - DESVIO DE FUNÇÃO NÃO COMPROVADO - DIFERENÇA DE REMUNERAÇÃO - PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E MORALIDADE ADMINISTRATIVA - EXEGESE DOS ARTIGOS 37, II E 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 5º DA LEI MUNICIPAL Nº 4.928/1992 - APLICAÇÃO DA SÚMULA 339 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO - REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO ADESIVO PREJUDICADOS - DECISÃO UNÂNIME.
- "O exercício de atividades não inerentes ao cargo legalmente investido não assegura ao funcionário público, por si só, o direito à percepção dos vencimentos correspondentes e nem o respectivo enquadramento nas funções desempenhadas" (TFR - Apelação Cível Nº 85.952 - Relator: Ministro Flaquer Scartezzini).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário Nº 111.200-9, de Londrina - 2ª Vara Cível, em que é Remetente o Juiz de Direito, Apelante a Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina - CAAPSML, Apelado Ronaldo Ribeiro dos Santos e Recurso Adesivo de Ronaldo Ribeiro dos Santos.
1. Ronaldo Ribeiro dos Santos propôs ação ordinária de cobrança contra a Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina - CAAPSML, sustentado ser servidor do Município de Londrina e sujeito às regras do regime jurídico único. Disse que através do Plano de Cargos, Carreiras e Salários foi enquadrado no cargo de assistente administrativo mas que exercia funções específicas de agente administrativo, razão pela qual requereu administrativamente a equiparação salarial. Afirmou que a assessoria jurídica da CAAPSML emitiu parecer favorável à percepção da diferença salarial no período de 22/8/1995 em diante, mas que o superintendente da autarquia determinou que o pagamento fosse calculado somente até o mês de maio de 1997, ao mesmo tempo em que não foram considerados no cálculo os reflexos "sobre férias + 1/3 (um terço), anuênios, horas extras e décimos-terceiros salários", além de considerar como ilegais os descontos alusivos à contribuição ao Plano de Previdência Social e ao Plano de Assistência à Saúde. Requereu a restituição dos valores indevidamente descontados, bem como o pagamento da verba já paga sobre todos os reflexos e a equiparação salarial a partir de maio de 1997, até quando perdurar o desvio de função, mais os devidos reflexos.
Em contestação, a requerida argüiu, preliminarmente, a carência da ação pela ausência de interesse processual. No mérito, sustentou que inexiste o aludido desvio funcional, além do óbice previsto no artigo 37, II, da Constituição Federal, que impede a investidura em cargo sem concurso.
A audiência de conciliação e julgamento restou infrutífera. Após alegações finais, manifestou-se o representante do Ministério Público pela improcedência do pedido.
Sentenciando, o ínclito Dr. Juiz de Direito julgou parcialmente procedente o pedido condenando a requerida no pagamento das "exatas e respectivas proporções, do adicional por tempo de serviço, da complementação salarial e dos reflexos sobre férias e seu 1/3 - terço e abono de natal, com base no real valor recebido na oportunidade daqueles pagamentos", bem como "ao pagamento das diferenças de vencimentos entre os cargos de assistente administrativo e agente administrativo de março de 1994 a julho de 1995 e a partir de maio de 1997 até 24.02.2000 - data da audiência de instrução e julgamento, (...), bem assim ao pagamento dos reflexos sobre férias e respectivo 1/3 (terço), anuênios e décimo terceiros salários dessa diferença". Determinou que a condenação deve ser corrigida desde a data do pagamento, com juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da data da citação. Condenou, ainda, a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais foram fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da condenação.
Irresignada a Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina - CAAPSML interpôs recurso de apelação pleiteando a reforma parcial da sentença, afirmando ser imperiosa a correlação entre a descrição legal (Lei Municipal Nº 5834/94) e as tarefas exercidas, levando-se em conta, não só a função individualmente considerada, mas especialmente a grande complexidade e responsabilidade necessária para desempenhá-la, inexistindo o aludido desvio de função. Sustentou que para que se possibilite a percepção de remuneração equivalente à do cargo de agente administrativo, é imprescindível a aprovação em concurso público visando ao preenchimento do cargo, citando o artigo 5º da Lei Municipal Nº 4.928, de 17 de janeiro de 1992 (Estatuto do Regime Jurídico Único do Município de Londrina). Disse ainda existir vedação constitucional à pretensão do autor e que se deferida haverá violação aos princípios da legalidade e moralidade administrativa. Fez referência à Súmula 339 do Supremo Tribunal Federal, descabendo reflexos sobre verbas indenizatórias, as quais não têm, natureza de vencimentos.
Em contra-razões, o apelado aduziu que a autarquia procedeu ao reenquadramento do cargo de assistente administrativo para agente administrativo e que considera inaplicável a Súmula 339 do Supremo Tribunal Federal porque o que pretende é a correção da distorção temporária, causada pelo desvio funcional. Afirmou que as diferenças pleiteadas, abono de natal e férias acrescidas do terço constitucional decorrem da lei ("art. 128 e 191 e 141 do estatuto").
Ronaldo Ribeiro dos Santos interpôs recurso adesivo à apelação, pleiteando a reforma da sentença no que diz respeito aos descontos efetuados sob o título de plano de saúde e previdência social.
Nas contra-razões ao recurso adesivo, a autarquia sustentou que por não terem sido opostos oportunamente embargos de declaração, pela omissão da sentença quanto ao desconto relativo ao plano de saúde, tornou-se preclusa a questão. No mérito, aduziu que os descontos efetuados pela apelada obedeceram ao ordenamento jurídico em vigor.
O representante do Ministério Público de primeira instância manifestou-se pelo não provimento do recurso e a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela manutenção, in totum, da sentença hostilizada.
É o relatório.
2. Estão presentes os pressupostos legais para a admissibilidade do recurso - cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, preparo oportuno, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer.
Merece provimento o recurso de apelação interposto pela Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensões dos Servidores Municipais de Londrina.
Para caracterizar o exercício de tarefa do cargo melhor remunerado faz-se necessário, além do exame do plano de cargos da Lei Municipal Nº 5.834/94 de Londrina, uma análise ampla, que abranja não só a função individualmente considerada, mas especialmente o grau de complexidade e responsabilidade necessário para desempenhá-la. Torna-se necessário comprovar que o trabalho é fruto de esforço intelectual próprio que não necessita supervisão constante e que detenha a responsabilidade pelo trabalho desenvolvido e autonomia para decidir frente a situações conflitantes. No presente caso, tomando-se como exemplo os processos de aposentadoria instruídos pelo apelado, estes são "subscritos em conjunto pela sua chefia imediata", como também os ofícios externos da autarquia, encaminhadas pelo apelado, são assinados pelo Superintendente do órgão, que detém a responsabilidade pelas informações nele contidas.
Em outro aspecto, a investidura no cargo de agente administrativo, de acordo com o que dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso II, deve ser antecedida de concurso público:
Art. 37. A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
O Estatuto do Regime Jurídico Único do Município de Londrina (Lei Municipal Nº 4.928 de 17/01/1992) dispõe:
Art. 5º - Nenhum servidor poderá desempenhar atribuições ou assumir responsabilidades diversas daquelas inerentes ao cargo do qual é titular..."
O ilustre administrativo Hely Lopes Meirelles discorreu brilhantemente a respeito (Direito Administrativo Brasileiro p.401, 25ª edição):
"...A igualdade genérica dos servidores públicos não os equipara em direitos e deveres e, por isso mesmo, não os iguala em vencimentos e vantagens. Genericamente, todos os servidores são iguais, mas pode haver diferenças específicas de função, de tempo de serviço, de condições de trabalho, de habilitação profissional e outras mais, que desigualem os genericamente iguais. Se assim não fosse, ficaria a Administração obrigada a dar os mesmos vencimentos e vantagens aos portadores de iguais títulos de habilitação, aos que desempenham o mesmo ofício, aos que realizam o mesmo serviço embora em cargos diferentes ou em circunstâncias diversas. Todavia, não é assim, porque cada servidor ou classe de servidor pode exercer as mesmas funções (v.g., de médico, engenheiro, escriturário, porteiro, etc.) em condições funcionais ou pessoais distintas, fazendo jus a retribuições diferentes,..."
Prossegue o ilustre administrativista:
"... A igualdade nominal não se confunde com a igualdade real. Cargos de igual denominação podem ser fundamentalmente desiguais, em razão das condições de trabalho de um e de outro; funções equivalentes podem diversificar-se pela qualidade ou pela intensidade do serviço ou, ainda, pela habilitação profissional dos que as realizam. A situação de fato é que dirá da identidade ou não entre cargos e funções nominalmente iguais".
A Suprema Corte, através da Súmula 339, firmou seu posicionamento a respeito:
"Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia".
A jurisprudência de nossos tribunais tem se posicionado a respeito:
"Servidor público. Desvio de função. Diferença de remuneração. Aplicação da súmula 339 ("Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia"), que se funda exclusivamente nos princípios constitucionais - que foram ofendidos - de separação dos Poderes e da competência do Poder Legislativo, com a sanção do Chefe do Poder Executivo, de fixar os vencimentos dos cargos públicos. Recurso Extraordinário conhecido e provido" (pg. 343).
"O exercício de atividades não-inerentes ao cargo legalmente investido não assegura ao funcionário, por si só, o direito à percepção dos vencimentos correspondentes e nem o respectivo enquadramento nas funções desempenhadas" (Tribunal Federal de Recursos, Apelação Cível Nº 85.952 - Relator: Ministro Flaquer Scartezzini).
"FUNCIONÁRIO PÚBLICO - EQUIPARAÇÃO DE VENCIMENTOS - ISONOMIA.
Não basta a identidade de nomenclatura para justificar a equiparação; cargos com a mesma denominação podem ter atribuições desiguais" (Tribunal de Justiça do Distrito Federal - Apelação Cível Nº 37.421 (embargos) - Relator: Desembargador Paulo Alonso).
Este egrégio Tribunal de Justiça, em julgamento de caso análogo, já decidiu:
"AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM PEDIDO DE REENQUADRAMENTO. FUNCIONÁRIA PÚBLICA. DESVIO DE FUNÇÃO. PRETENDIDA CONDENAÇÃO DO REQUERIDO NO PAGAMENTO DA DIFERENÇA HAVIDA ENTRE OS VENCIMENTOS DO CARGO PARA O QUAL FOI NOMEADA E AQUELES RELATIVOS ÀS FUNÇÕES QUE EXERCE DESDE A DATA DE SUA ASSUNÇÃO, E BEM ASSIM, O SEU RESPECTIVO REENQUADRAMENTO NESTE ÚLTIMO. PROVIMENTO PARCIAL. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, TÃO SOMENTE, NO TOCANTE ÀS DIFERENÇAS DE VENCIMENTOS RECLAMADAS. APELAÇÃO DO REQUERIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO. APLICABILIDADE À ESPÉCIE DA SÚMULA 339 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROVIMENTO".
No que diz respeito à pretensão do apelado de reflexos sobre verbas indenizatórias, as quais possuem natureza de vencimentos, a mesma deve ser tida como improcedente.
O apelado é servidor público, ocupante de cargo efetivo e, conseqüentemente, as disposições a serem observadas são as estatutárias, que não guardam semelhança com as normas da Consolidação das Leis do Trabalho. A verba indenizatória não tem a mesma natureza do vencimento. Este é a retribuição pelo serviço prestado, sem outro reflexo. Negar validade às normas estatutárias e aplicar as regras da Consolidação das Leis do Trabalho é negar vigência ao artigo 39, caput, da Constituição Federal.
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
No âmbito do Município de Londrina, as normas estatutárias são as regidas pela Lei Nº 4.928/92, que define quais as verbas a serem incorporadas aos vencimentos do servidor público.
Relativamente ao recurso adesivo e a alegada omissão da sentença quanto ao desconto relativo ao plano de saúde, tornou-se esta matéria preclusa, por não ter sido objeto de embargos de declaração na ocasião oportuna, não merecendo aquele provimento, pois eram cabíveis e regulares os descontos alusivos ao plano de saúde e à previdência social.
Por estas razões, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em dar provimento à apelação e julgar prejudicados o recurso adesivo e o reexame necessário.
Esteve presente à sessão de julgamento e acompanhou o voto vencedor o Excelentíssimo Desembargador Cordeiro Cleve.
Curitiba, 8 de maio de 2002.
ANTONIO LOPES DE NORONHA - Presidente e Relator designado.
JAIR RAMOS BRAGA- Relator vencido, com declaração de voto em separado.

No mesmo sentido, V. Aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

TJRJ - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Acórdão: AC 2659/95
Registro: 170496
Código: 95.001.02659
Câmara: 4ª C.Cív.
Relator: Des. Roberto Wider
Data de Julgamento: J. 27/02/1996
Ementa:
SERVIDOR PÚBLICO - DESVIO DE FUNÇÃO - REENQUADRAMENTO DE CARGO - PAGAMENTO DE DIFERENÇA DE REMUNERAÇÃO - SÚMULA 339, DO STF - Administrativo. Exercício de funções desviadas de funcionários públicos. Conseqüências. Impossibilidade de enquadramento no cargo efetivamente exercido em razão de óbice constitucional, encontrado tanto na anterior, como na atual Lei Magna, pelo qual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público. Improcedência deste pedido. Deferimento do pagamento das diferenças entre os cargos da investidura e os realmente ocupados. Impossibilidade, na ausência de lei especifica. Enquanto na administração privada, pode-se fazer tudo aquilo que a lei não veda, na pública, só é permitido fazer aquilo que a lei prevê. Aplicação da Súmula nª 339 do Pretório Excelso. Provimento do recurso. (TJRJ - AC 2659/95 - Reg. 170496 - Cód. 95.001.02659 - 4ª C.Cív. - Rel. Des. Roberto Wider - J. 27.02.1996)


4-) DA IMPOSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO “LEGISLADOR POSITIVO”. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 2º DA CF/88 E ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE. SÚMULA 339 DO STF.


De todo o exposto, não pode o Poder Judiciário criar norma individual para o fim de estender a remuneração de operador de bombas ao autor (seja sobre o argumento da isonomia, da vedação ao enriquecimento ilícito, etc.), sob pena de estar inovando na ordem jurídica, atuando como verdadeiro legislador positivo – evidência que vulnera o artigo 2º da CF/88 e artigo 5º da Constituição bandeirante.

Cabe observar que a atuação do Poder Judiciário como “legislador positivo” (decision makers) implica no desatendimento da Súmula 339 da mais Alta Corte do país, que diz:

SÚMULA 339 DO STF - Não cabe ao poder judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.

Sobre os limites de atuação do Poder Judiciário, permitimo-nos juntar os V. Arestos:

Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de Lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765 – RTJ 161/739-740 – RTJ 175/1137, V.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. (STF – RE-AgR 322348 – SC – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 06.12.2002 – p. 00074)

O fato de haver irregularidade administrativa em relação a determinado empregado não justifica, por si só, a extensão da ilegalidade a todo o corpo de funcionários da Empresa. Deve-se corrigir a ilegalidade, e não ampliá-la. Nesse sentido, a jurisprudência do STF é pacífica ao estabelecer que, em matéria de aplicação do princípio da isonomia, o Poder Judiciário nunca pode ser legislador positivo, estendendo aos excluídos o benefício concedido normativamente, mas apenas pode atuar como legislador negativo, retirando dos privilegiados o benefício concedido de forma discriminatória (cfr. STF AGRAG 138344 - DF, Min. Celso de Mello, "in" DJ de 12-05-95). Recurso ordinário provido. (TST – ROAR 753858 – SBDI 2 – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 03.05.2002)

Por outro lado, pacífico é o entendimento de que o Poder Judiciário não pode estender a determinada categoria norma legal aplicável expressamente à outra, sob o fundamento de inconstitucionalidade decorrente de ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que sendo inconstitucional a Lei, não se pode aplicá-la a quem quer que seja, pois o reconhecimento da inconstitucionalidade implica a retirada da norma do ordenamento jurídico, e não a extensão de seus efeitos a terceiros que por ela não foram contemplados, pois o Poder Judiciário, no controle de constitucionalidade das Leis, somente pode atuar como legislador negativo (retirando a norma inconstitucional do ordenamento jurídico), e não como legislador positivo (criando nova hipótese de incidência da Lei). Precedentes do STF. 3. Apelação não provida. (TRF 1ª R. – AC 01000167550 – MG – 2ª T.Supl. – Rel. Juiz Conv. Leão Aparecido Alves – DJU 14.10.2002 – p. 483)


5-) DO DEVER-PODER DA ADMINISTRAÇÃO EM COIBIR EVENTUAIS CASOS DE DESVIO DE FUNÇÃO.

Corolário do regime jurídico administrativo, não pode o Administrador permitir a ocorrência (tampouco a “banalização”) do desvio de função.

Noutro falar, o posicionamento sedimentado da jurisprudência, no sentido de que o desvio de função não gera repercussão patrimonial, não pode remeter o Administrador à indenidade. Ao contrário, o regime jurídico administrativo impõe ao Administrador o dever de coibir/corrigir tais ocorrências (autotutela adminsitrativa).


CONCLUSÃO.


Em suma, concluímos: a-) eventual desvio de função não gera efeitos patrimoniais ao servidor nesta circunstância; b-) o Administrador deve coibir e corrigir tais ocorrências, corolário do regime jurídico administrativo a que está, indissociavelmente, jungido.

Fonte: Escritório Online


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