:: Seu mega portal jurídico :: inicial | sobre o site | anuncie neste site | privacidade | fale conosco
        

  Canais
  Artigos
  Petições
  Notícias
Boletins informativos
Indique o
Escritório Online
 

Escritório Online :: Artigos » Direito Imobiliário


Da execução extrajudicial no SFH - Choque de princípios?

19/10/2003
 
Jorge Luiz Braga



"Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". É o que estabelece o art. 5°, LIV da na nossa Carta Magna, que até para um leigo dá para perceber que é uma norma de cunho eminentemente principiológico.

Mas o que seria o "devido processo legal" ou o due process of law? Tem ele o significado de que ninguém poderá ser privado na sua liberdade ou nos seus bens sem antes tal privação se submeter ao crivo do Poder Judiciário, onde, na forma do disposto no inciso LV do mesmo artigo 5° da Constituição Federal, será oportunizado o exercício do direito de ampla defesa e do contraditório, regras essas que também têm caráter principiológico.

O princípio do devido processo legal impede "toda restrição à liberdade ou aos direitos de qualquer homem, sem a intervenção do Judiciário" (Manoel Gonçalves Ferreira Filho in Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., S. Paulo, Saraiva, p.11), como autoriza ao Poder Judiciário afastar, com a pecha de inconstitucionais, leis processuais injustas. É o que afirma Carlos Roberto de Siqueira Castro quando diz que "o princípio permite que o Judiciário negue aplicação a leis injustas, mesmo que de direito material", acrescentando que "O 'devido processo legal' opera em íntima associação com outros princípios supralegais, notadamente o da legalidade, o da igualdade e o da ampla defesa, e contém, ao lado de dimensão adjetiva, indicada por sua própria denominação, outra, mais importante, substantiva, que permite ao juiz, tomando por paradigma a denominada jurisprudência construtiva, entrar no mérito dos atos administrativos e mesmo legislativos, pondo em questão sua 'razoabilidade'" (Carlos Roberto de Siqueira Castro, in O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, Rio de Janeiro, Forense, 1989).

Por sua vez, o eminente jurista José Frederico Marques nos ensina que "o exercício da jurisdição deve operar-se através do devido processo legal, garantindo-se ao litigante julgamento imparcial, em procedimento regular onde haja plena segurança para o exercício da ação e do direito de defesa." E acrescenta o grande processualista: "É que de nada adiantaria garantir-se a tutela jurisdicional e o direito de ação sem um procedimento adequado em que o Judiciário possa atuar imparcialmente, dando a cada um o que é seu. Se a lei permitisse ao juiz compor o litígio inquisitorialmente, sem a participação dos interessados, não haveria tutela jurisdicional, e sim atuação unilateral do Estado para impor sua vontade aos interessados. Juiz e jurisdição, para atuarem, pressupõem sempre o devido processo legal; e, por imposição expressa e categórica do Art. 5º, LIV, da Constituição, a qual solenemente proclama que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (Manual de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 1º v., 13ª ed., 1990, pp. 80-81).

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, dentro da sua alta estrutura técnica e moral, nos explica que tal princípio "constitui a síntese de três princípios fundamentais, a saber, do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular .Contempla este a observância das normas e da sistemática previamente estabelecida como garantia das partes no processo".

O Decreto-lei 70/66, criado na época da "ditadura militar", que autoriza a execução extrajudicial de débitos existentes em face de imóveis financiados pelo SFH, cujos valores todos sabem são impagáveis, pois atingidos graças a uma forma absurda de cálculo, que, se realizados por duas pessoas dos próprios credores os resultados nunca serão iguais, fere de morte o princípio do 'devido processo legal', pois permite ao agente do SFH já ir direto à fase do leilão, não consentindo sequer seja aberta uma discussão, antes da arrematação, sobre a própria dívida junto ao Poder Judiciário, que é quem teria a capacidade de verificação até da liceidade da sua cobrança.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, no entanto, decidiu, em 1.998, que o aludido diploma legal é compatível com a Carta da República, "posto que, além de prever uma fase de controle judicial, conquanto 'a posteriori', da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados" (trecho da Ementa do RE 223075/DF).

Data maxima venia, mas parece existir uma pequena confusão entre o direito de acesso à justiça, que também é um princípio constitucional (art. 5°, XXXV - 'A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito'), com o princípio do devido processo legal. Uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa, malgrado se saiba que o devido processo legal só existirá após se ter o acesso à justiça, mas o que se impõe é que quem deve ir ao Poder Judiciário (acesso à Justiça) para cobrar o que lhe é devido é o credor e não obrigar o devedor a procurá-lo para se defender de um ato autoritário e arbitrário de expropriação de um bem, pois se o débito não está sendo pago o foro próprio para cobrá-lo é o Poder Judiciário e não um leiloeiro extrajudicial, onde sequer é instaurado o contraditório e onde poderá o devedor exercer seu direito sagrado direito de ampla defesa (devido processo legal).

A respeitável decisão também afronta o monopólio de jurisdição e o princípio do juízo natural, esculpidos nos incisos XXXVII e LIII do mesmo art. 5º da Carta Magna, onde toda lesão a direito ou controvérsia deve ser levada ao Poder Judiciário, que terá de conhecê-la e decidi-la, vez que uma controvérsia jurídica só pode ser resolvida pelo Poder Judiciário, inexistindo jurisdição fora deste.

É consabido, e assim já o decidiu o Colendo STJ, que "o aparelhamento da execução, depois de observado o devido processo legal, é o corolário natural do acesso à Justiça" (EDRESP 217503), defluindo deste excerto do aresto que um processo de execução só pode ocorrer se observar o devido processo legal.

O Juiz Wilson Zauhy Filho, da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, em ação proposta pelo IDEC, ao suspender os leilões extrajudiciais de imóveis por inadimplência do mutuário, inclusive os já iniciados, aduziu que "várias das garantias ínsitas à cláusula do devido processo não são atendidas pelo procedimento de arrematação extrajudicial disciplinado no Decreto-Lei 70/66, questionada pela autora. Em primeiro lugar, ao afastar a participação do Poder Judiciário, e submeter a direção e supervisão do procedimento de excussão patrimonial ao preposto do credor, é evidente que não se está na presença de órgão imparcial; a parcialidade compromete a igualdade das partes, o respeito ao direito de defesa, e em sentido mais amplo o contraditório, postulados de significativa importância no ordenamento jurídico nacional, hoje elevado a cláusula de garantia intangível (art. 5º, incisos I -- igualdade --, XXXVII -- tribunal de exceção --, lV -- contraditório e ampla defesa)."

Já o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por sua 1ª Câmara Cível, sob o argumento de que "ninguém poderá ser privado de seus bens a não ser pelo juiz natural, mediante o devido processo legal, assegurados o contraditório e a ampla defesa", também determinou a nulidade da execução extrajudicial de bens de mutuários do SFH, onde o Relator, Des. Martinho Campos, aduziu que "certas medidas editadas no regime militar, como o Decreto-lei 70/66, contrariam direitos e garantias individuais essenciais nos regimes democráticos - tão desprezados à época - e princípios arraigados no direito brasileiro", acrescentando que as instituições financeiras que se valem da execução extrajudicial agem com "extrema leviandade" (Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2000).

O Juiz Federal Paulo Alberto Jorge, então lotado em Dourados - MS, ao analisar a constitucionalidade do Decreto-Lei 70/66, asseriu que a questão deveria ser examinada "a partir do disposto no art.5°, inciso LIV, da Constituição Federal, segundo o qual 'ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal'", acrescentando "que o constituinte estabeleceu como requisito para perda de liberdade e de bens, a prévia instauração de um processo legal que, pela necessidade de ser devido, haverá de salvaguardar direitos do processado contra o arbítrio, dando-se a este efetivas garantias de imparcialidade, ampla defesa e contraditório".

O indigitado magistrado cita FREDERICO MARQUES, que aduz: "quando se fala em processo, e não em simples procedimento, alude-se sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo próprio Estado, dê a cada um o que é seu, segundo imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais."

"A noção de devido processo legal", continua o mesmo Juiz Federal, "está, assim, diretamente associada à de Estado de Direito, qual seja, aquele regido exclusivamente de acordo com a vontade da lei. Sua consagração no texto constitucional implica em dupla conseqüência. A primeira a de ser requisito para a perda e para a liberdade de bens. A segunda, de se tratar de procedimento necessariamente estatal, pois somente a atividade do estado é que pode ser considerada imparcial, somente ao Estado, pela força que lhe é própria, é que pode impor o equilíbrio entre as partes litigantes e assim garantir a isonomia e bilateralidade dos atos".

Sobre a decisão do STF, antes mencionada, assim se pronunciou o Juiz Paulo Alberto Jorge: "E com a devida vênia, notadamente do Supremo Tribunal Federal, não é possível considerar constitucional o Decreto- lei 70/66 pela razão de 'além de prever uma fase de controle judicial, antes da perda de imóvel pelo devedor (art. 37, § 2°),não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso de venda do imóvel seja, de logo, reprimida pelos meios processuais próprios', conforme voto do Min. Ilmar Galvão no RE 223.075 - DF notificado no Informativo 118 do STF, de 10/08/98, pág. 3). Primeiramente não seria porque lesão ou ameaça de lesão de direito possa ser, apreciada pelo Poder Judiciário (art.5° XXXV, da Constituição Federal), que o ato lesivo estaria legitimado. Segundo, porque da interpretação sistemática dos parágrafos 2° e 3°, do art. 37 do Decreto-lei 70/66, o adquirente tem o direito de ser imitido liminarmente na posse do imóvel em 48 (quarenta e oito horas), o que pode não ocorrer na hipótese do devedor comprovar que "resgatou ou consignou judicialmente o valor de seu débito, antes da realização do primeiro e segundo leilão". Assim sendo o tal controle judicial esta inconstitucionalmente reduzido a eventual solução em perdas e danos, haja vista a perda de fato do imóvel no início da ação, e de direito, com a adjudicação. Quer dizer, por maior que seja a barbaridade que o credor pratique no procedimento realizado sob sua responsabilidade e no exclusivo interesse, quando o Judiciário for chamado a intervir este já é dono do imóvel, do qual, apenas não tem a posse, podendo-se no máximo, determinar seja o devedor indenizado, ainda que tenha perdido ilicitamente mais do que um imóvel, mas um lar, com todos os efeitos deletérios que isso possa causar na sua vida e na de sua família".

O Professor Celso Ribeiro Bastos, dentro da sua competência impar, nos afirma ter sido oportuna a inclusão do princípio do 'devido processo legal' na nossa Lei Maior, pois "Embora o bem capital do homem seja livre ninguém pode ignorar a importância representada pelo patrimônio na vida pessoal e familiar de cada um. Portanto, embora por vezes se faça presente que o Estado destitua alguém, do domínio de determinado bem, é necessário que esta medida de extrema gravidade se processe com as garantias próprias do devido processo legal" (in Comentários à Constituição do Brasil, S. Paulo, Saraiva, 1989, p.263, v. 2).

Já o Juiz Federal Rubem Martinez Cunha, então na 3ª Vara da Justiça Federal de Cuiabá - MT, ao decidir o Processo 95.964-1 afirmou que seria "o próprio direito à propriedade que é mortalmente ferido ao privar-se "o cidadão/executado de seus bens sem o devido processo legal"(TRF, 1ª R, DJU 08.08.1994).

Por fim, também entendemos que o Decreto 70/66, notadamente na parte que permite a execução extrajudicial, foi revogado pela Carta Magna de 88, pois absolutamente incompatível com os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (sobre revogação de lei incompatível com a CF veja-se a ADin 337, de 11.03.1992, Rel. Min. Paulo Brossard), como também o é em relação às regras do Código de Defesa do Consumidor, até porque, como afirmou o juiz Francisco Cardozo de Oliveira, da 6ª Vara Cível de Curitiba - PR, a Constituição de 88 "elevou a defesa dos direitos do consumidor à categoria de princípio fundamental da ordem econômica constitucional (inciso V, do artigo 170)", que "deve reger toda a atividade econômica, notadamente os contratos de financiamento para aquisição da casa própria, já que a moradia é considerada direito social (art. 6º, da constituição de 1988)".

Como se sabe que o direito não é uma obra da natureza mas um fenômeno social, espera-se que o próprio E. STF, com sua nova composição, reveja a sua posição, tomada em clara ofensa aos princípios constitucionais acima citados, pois o direito, e isso é também por demais sabido, só se realiza se não estivermos submissos a atos autoritários, e só quem o pode realizar, na sua plenitude, é o Poder Judiciário, que com sua neutralidade, independência e imparcialidade só deve obediência à lei válida e eficaz.

Fonte: Escritório Online


Enviar este artigo para um amigo                            Imprimir


Para solicitar o e-mail do autor deste artigo, escreva: editor@escritorioonline.com



© 1999-2012 Escritório Online. Direitos Reservados. Leis 9.609 e 9.610/98.


Publicidade