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Escritório Online :: Artigos » Hermenêutica Jurídica


O sistema adotado pelo novo Código Civil para tornar concretos os seus regramentos e o aumento da liberdade do juiz na sua aplicação

19/10/2003
 
Jorge Luiz Braga



Se os julgamentos "fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos" (Montesquieu)

O novo Código Civil adotou um sistema para aplicação das suas normas que certamente vai exigir muito mais dos nossos magistrados, ou seja, deixou de ser rígido e fechado, impermeável às modificações sociais e econômicas, como o era o Código Civil de 1.916, o que não significa, entretanto, tê-lo como uma codificação totalmente aberta, mas, sim, móvel, permitindo a função criadora do intérprete, como se verá adiante.

Muitos e acalorados debates ocorreram na fase legislativa de discussão do Projeto que resultou na Lei n° 10.406, de 09/01/2002, notadamente se o novo sistema deveria positivar os conceitos jurídicos, ou seja, criar um sistema fechado, ou se os conceitos jurídicos deveriam constar como elementos com características de indeterminação, ou de determinação pela função ou ainda se deveriam existir as chamadas cláusulas gerais, portanto um sistema aberto, tendo o legislador adotado uma alternativa mista, isto é, estabeleceu algumas casuísticas e fincou que os elementos em apreço seriam efetivamente os integradores da unidade e da ordenação do sistema do novo Código.

Antes de evoluirmos na exposição deste despretensioso trabalho, vejamos, de forma bem objetiva, o que seriam, então, os tais conceitos jurídicos ou legais indeterminados, os determinados pela função e as cláusulas gerais, bem como o significado de princípios gerais de direito, também elemento importante do sistema adotado pelo Código Civil de 2.002. Para tanto, utilizemo-nos, além de outros, dos concisos, porém claros, ensinamentos do Doutor Nelson Nery, Professor Titular da PUC/SP, externados na obra Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, Ed. RT, 1ª edição, 2002, às páginas 5 a 7, os quais considero suficientes para o objetivo desse trabalho.

Iniciemos pelos princípios gerais de direito, que, nas palavras do autor referido, “São regras de conduta que norteiam o Juiz na interpretação da norma, do ato ou do negócio jurídico. Podem ou não estar positivados, ou seja, previstos expressamente em lei, mas normalmente não são positivados. São regras estáticas que carecem de concreção. Têm como função principal auxiliar o Juiz no preenchimento de lacunas (art. 4º da LICC; CPC art. 126)”. E acrescenta o Professor da PUC/SP: “Os preceitos romanos ‘honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuire’ (viver honestamente, não causar dano a outrem e dar a cada um o que é seu), são os primórdios dos Princípios Gerais de Direito”.

O inigualável NORBERTO BOBBIO, em sua obra Teoria do Ordenamento Jurídico, Editora UNB, 1989, páginas 158 e 159, explica a importância dos princípios gerais de direito como fator determinante da completude do ordenamento jurídico, afirmando que: "Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraíd
os e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que serem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?".

BOBBIO acrescenta, à página 159 da citada obra, que "Ao lado dos princípios gerais expressos há os não-expressos, ou seja, aqueles que se podem tirar por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema".

Portanto, os ‘princípios gerais de direito’, que nos parece podem ser entendidos como os princípios fundamentais da cultura jurídica humana em nossos dias, não apenas aqueles princípios gerais do direito nacional, são importantes no preenchimento das lacunas da lei, em face de seu caráter normativo à falta de lei ou costume aplicável ao caso concreto, ou seja, são os mesmos “dotados de validade positiva e não se reportam a um fato específico, mas atuam como indicadores de uma opção pelo favorecimento de um determinado valor”. (cfe. Tânia da Silva Pereira - Advogada, Conselheira da OAB/RJ, Professora da PUC/RIO e da UERJ, in O Princípio do "Melhor Interesse da Criança": da Teoria à Prática, artigo publicado na Revista Brasileira de Direito de Família nº 06 - jul-ago-set/2000, pág. 31, Ed. Síntese).

O Advogado Daniel Ustárroz, recorrendo a juristas de escol, assere, em artigo intitulado ‘Os Princípios e as Regras no Sistema Normativo Brasileiro’, publicado no CD Juris Síntese nº 31 - set/out de 2001, editado pela Editora Síntese, que “Os princípios gerais de direito, observados em determinado Estado, contêm, em seu seio, valores prezados pela comunidade. Os princípios mais relevantes são denominados de fundamentais (Rechtsgrundsaetze), na medida em que traduzem os valores mais importantes introduzidos na consciência popular. São exemplos clássicos de princípios fundamentais, pertencentes ao sistema nacional, o da dignidade da pessoa humana e do Estado democrático de direito, os quais, ressalte-se, prescindiriam de textura constitucional para valerem em toda sua extensão. De tais princípios, basilares, decorrem outros tantos que os complementam, pois, através de sua função normogenética, permitem que sejam elaboradas outras normas (regras e princípios) que auxiliem sua observância na maior escala possível”.

E acrescenta: “Os princípios, nessa medida, não necessitam estar expressos em textos legais. Ainda que o legislador os tenha intentado expressar, mas, por equívoco, não tenha logrado, através das palavras, oferecer a verdadeira dimensão de sua importância, mesmo assim os princípios permanecem presentes com toda sua exuberância. Ao operador caberá, através da confrontação com os demais elementos do sistema, relativizar a interpretação da norma escrita, amoldando-a às exigências do espírito do sistema. Os princípios traduzem os verdadeiros e momentâneos sentimentos de justiça e eqüidade de uma comunidade que permanentemente evolui, superando conceitos com a velocidade que o fogo se propaga no palheiro. Os princípios, assim, são deduzidos a partir de todos esses fatores: a sociedade, a cultura, as normas, etc”.

São exemplos de princípios gerais de direito: todos são iguais perante a lei; ninguém deve ser punido por seus pensamentos (cogitationis poenam nemo patitur); diz-me o fato e te darei o direito (narra mihi factum dabo tibi jus); o princípio pelo qual ninguém é obrigado a citar os dispositivos legais nos quais ampara sua pretensão, pois se presume que o juiz os conheça; ninguém está obrigado ao impossível (ad impossibilia nemo tenetur ou impossibilium, nulla obligatio est).

Os conceitos jurídicos ou legais indeterminados, por sua vez, na lição de Nelson Nery, “São palavras ou expressões indicadas na Lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso”, devendo se observar, no entanto, que: (1) eles “sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em causa”, cabendo “ao Juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto”, e (2) “Preenchido o conceito jurídico ou legal indeterminado, a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo ao Juiz apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora”, sendo que este preenchimento de sua indeterminação, feito pelo Juiz por meio de valores éticos, morais, sociais, econômicos e jurídicos, transforma o conceito jurídico ou legal indeterminado em conceito determinado pela função, ou seja, “Os conceitos legais indeterminados se transmudam em conceitos determinados pela função que têm de exercer no caso concreto”, servindo “para propiciar e garantir a aplicação correta, eqüitativa do preceito ao caso concreto” (sublinhamos para ressaltar).

São exemplos de conceito jurídico ou legal indeterminado, citados pelo Professor da PUC/SP, a “atividade de risco, para caracterizar responsabilidade objetiva (art. 927, par. único); caso de urgência (art. 251, par. único); perigo iminente, como excludente de ilicitude do ato (art. 188, II); divisão cômoda, como critério para alienação de imóvel em condomínio que não a comportar (art. 2019); necessidade imprevista e urgente, como causa autorizadora da suspensão, pelo comodante, do uso e gozo da coisa emprestada”.

Relativamente ao conceito determinado pela função tem-se que “Nos conteúdos das idéias de boa-fé (CC 422), bons costumes (CC 187), ilicitude (CC 186), abuso do direito (CC 187), etc, está implícita a determinação funcional do conceito, como elemento de previsão, pois o Juiz deverá dar concreção aos referidos conceitos, atendendo às peculiaridades do que significa boa-fé, bons costumes, ilicitude ou abuso do direito no caso concreto. Vale dizer, o Juiz torna concretos, vivos, determinando-os pela função, os conceitos legais indeterminados. São, na verdade, o resultado da valoração dos conceitos legais indeterminados, pela aplicação e utilização, pelo Juiz, das cláusulas gerais” (g.n.).

E o que seriam as cláusulas gerais? O Doutor Nelson Nery diz se caracterizarem “como fonte de direito e de obrigações”, sendo “normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao Juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir (Wieacker, Privatrechtsgeschichte, § 25, III, 3, p.)” ou seja, “são formulações contidas na Lei, de caráter significativamente genérico e abstrato (Engisch, Einführung, Cap. VI, p. 120/121), cujos valores devem ser preenchidos pelo Juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz (Larenz-Wolf, Allg. Teil, § 3°, IV, n° 94, p. 82/83)”.

A função das cláusulas gerais, no dizer do insigne jurista, citando outros autores, é “Dotar o sistema interno do CC de mobilidade, mitigando as regras mais rígidas, além de atuar de forma a concretizar o que se encontra previsto nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais intedeterminados”, prestando-se, também, “para abrandar as desvantagens do estilo excessivamente abstrato e genérico da lei”. E continua, asserindo: “Para tanto, as cláusulas gerais passam, necessariamente, pelos conceitos determinados pela função”.

E mais: “Como as cláusulas gerais têm função instrumentalizadora” (portanto é essa a sua natureza jurídica), “porque vivificam o que se encontra contido, abstrata e genericamente, nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais indeterminados, são mais concretas e efetivas do que esses dois institutos”, sendo certo que “cláusula geral não é princípio, tampouco regra de interpretação; é norma jurídica, isto é, fonte criadora de direitos e de obrigações”.

Cita o Professor paulista os seguintes exemplos de cláusulas gerais: “a função social do contrato como limite à autonomia privada (art. 421); as partes têm de contratar observando a boa-fé objetiva e a probidade (art. 422); o ato ou negócio jurídico deve ser realizado com atendimento aos seus fins sociais e econômicos (art. 187); a empresa deve atuar atendendo a sua função; o fato de o gestor de negócios responder por dano causado por caso fortuito, quando realizar operações arriscadas (art. 868); o dever de indenizar, objetivamente (sem dolo ou culpa), quando a atividade causadora do dano, por sua natureza, trouxer risco para o direito de outrem (art. 927, par. único)”.

Aduz o mesmo jurisconsulto que os exemplos citados podem levar, num primeiro momento, a se fazer uma “confusão entre as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados. Ocorre que em ambos há a extrema vagueza e generalidade, que tem de ser preenchida com valores pelo juiz. Quando a norma já prevê a conseqüência, houve determinação de conceito legal indeterminado: a solução dada pelo juiz é aquela prevista previamente na norma. Ao contrário, quando a norma não prevê a conseqüência, dando ao juiz a oportunidade de criar a solução, houve a aplicação da cláusula geral: a conseqüência não estava prevista na norma e foi criada pelo juiz”.

Em resumo, conforme ainda Nelson Nery, temos que as cláusulas gerais “distinguem-se dos conceitos legais ou jurídicos indeterminados pela finalidade e eficácia, pois os conceitos legais indeterminados, uma vez diagnosticados pelo Juiz no caso concreto, já tem a sua solução preestabelecida na Lei, cabendo-lhe aplicá-la, enquanto nas cláusulas gerais, ao contrário, se diagnosticadas pelo Juiz, permitem-lhe preencher os claros com os valores designados para aquele caso, para que se dê a solução que ao Juiz parecer mais correta, ou seja, concretizando os princípios gerais de direito e dando aos conceitos legais indeterminados uma determinabilidade pela função que têm de exercer naquele caso concreto”.

Visto o que seriam os elementos atrás referidos, vejamos as justificativas apresentadas pelo Advogado e Deputado Ricardo Fiúza, Relator do Projeto de Lei n° 634/75, que redundou na adoção desse sistema no novel diploma substantivo, expostas na parte introdutória à obra Novo Código Civil Comentado, publicado pela Ed. Saraiva, diz, às fls. XV e XVI, que afirmou: “O excesso de positivismo, que vê no sistema legal inexauríveis soluções para todas as hipóteses da vida legal, onde a lei tudo prevê e tudo dispõe, é a maior fonte de instabilidade e precariedade das normas do direito legislado, propagando e contaminando de forma igualmente corrosiva a ordem jurídica do País de que todos temos sido testemunhas, nas últimas décadas.”

E continua o ilustre jurista: “O ‘animus’ desse novo Código reside justamente no combate a essa instabilidade. Não que se esteja a defender a chamada “escola do direito livre”, encabeçada por Kantorowics, nem mesmo o movimento muito em moda na atualidade do chamado ‘direito alternativo’. Mas a flexibilidade na interpretação das normas permitirá que o direito se modernize, sem que haja necessidade de estar, a cada instante, alterando os textos legais.”

O Doutor Nelson Nery, também partindo em defesa da postura adotada pelo legislador pátrio, assere, à página 4 da obra citada, no verbete ‘Técnica Legislativa do CC’, que “Em pleno século XXI não seria mais admissível legislar-se por normas que definissem certos pressupostos e indicassem, também de forma precisa, suas conseqüências, formando uma espécie de sistema fechado. A técnica legislativa moderna se faz por meio de conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais, que dão mobilidade ao sistema, flexibilizando a rigidez dos institutos jurídicos e dos regramentos do direito positivo”.

Aduz ainda o indigitado Professor de Direito, em prosseguimento, que o Código Civil, no entanto, não poderia fundar-se apenas em cláusulas gerais, tendo o método casuístico sido também bastante utilizado, “notadamente no direito das obrigações, de modo que podemos afirmar que o CC seguiu técnica legislativa mista, com base nos métodos da casuística, dos conceitos legais indeterminados e das cláusulas gerais”.

A adoção desta postura pelo legislador foi severamente criticada por muitos, inclusive na fase do Anteprojeto do CC, tendo o Deputado Fiúza referenciado, na obra antes citada, pág. XVI, apenas a opinião do Professor José Paulo Cavalcanti, que verberou: “a orientação adotada pelo Anteprojeto importa, portanto, o sacrifício do valor certeza, pela possibilidade do arbítrio judicial na aplicação das normas flexíveis. Por esse risco de arbítrio judicial, que implica, não nos parece prudente a orientação adotada pelo Anteprojeto”, acrescentando que essas normas elásticas, “até certo ponto redigidas ‘em branco’, que deixam ao juiz o poder de determinar o regulamento mais adequado a cada caso concreto, normas que existem em muito menor número e importância no Código atual. Pelos riscos de arbítrio judicial, que implica, não me aprecia prudente a orientação do Anteprojeto”.

O Doutor Nery, citando autor alienígena, também aborda o tema das desvantagens da cláusula geral, pois “Confere certo grau de incerteza, dada a possibilidade de o juiz criar a norma pela determinação dos conceitos, preenchendo o seu conteúdo com valores. Pode servir de pretexto para o recrudescimento de idéias, como o instrumento de dominação por regimes totalitários ou pela economia capitalista extremada”.

Esta postura crítica foi rebatida pelo Relator do Projeto com as seguintes palavras, fincadas às páginas XVI e XVII da obra atrás referida: “Entendo a preocupação do Professor José Paulo e de tantos quantos partilhavam de suas opiniões. Julgo todavia que muito mais grave que o risco do arbítrio judicial é a certeza que a norma logo estará defasada, que logo precisará de reforma. Além do mais, contra essa possibilidade de arbítrio judicial o ordenamento jurídico prevê o duplo grau de jurisdição, com a garantia da pluralidade de instâncias e a composição coletiva dos tribunais” (sic).

O Deputado Fiúza, na continuidade, diz que por diversas vezes têm repetido “a importância que a Hermenêutica Jurídica terá nos tempos que se avizinham, principalmente em razão da velocidade das grandes transformações sociais e políticas. As leis não poderiam deixar de ser expressas em termos gerais, fixando regras, consolidando princípios, estabelecendo normas, em linguagem o mais clara possível. Todavia, seria absolutamente impossível que descessem a minúcias. É a imperiosa necessidade do intérprete de entender a relação entre o texto abstrato da lei e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social. Fixar o sentido verdadeiro da norma positiva e logo depois o respectivo alcance e sua extensão, extraindo da norma o que nela se contém, determinando seu sentido e alcance”.

E acrescentou o ilustre parlamentar, um pouco mais adiante, que “Quaisquer que sejam as dificuldades que a Hermenêutica traga em sua análise, serão sempre menores do que permanecermos engessados neste positivismo individualista incompatível com a prestação jurisdicional atualizada, aplicável a cada caso e, em conseqüência, socialmente mais justa. É função do intérprete compreender o texto da lei em seu significado e alcance, seu sentido íntimo e sua expressão visível”.

A atitude do Juiz é, portanto, dar concreção ao Direito, método esse que lhe permite a elaboração da solução aplicável ao caso concreto e às conseqüências jurídicas daí decorrentes, utilizando-se, como afirma Maria Cristina Cereser Pezzella, Professora de Direito Civil da Unisinos - RS, Mestranda em Direito na UFRGS, em artigo sob o título A Boa-Fé no Direito, o Princípio da Boa-Fé Objetiva no Direito Privado Alemão e Brasileiro, publicado na Revista Síntese Trabalhista, nº 103 - Jan/1998, pág. 131, de “padrões, parâmetros identificáveis para a solução de casos concretos, admitindo um tipo de construção jurisprudencial, pois os princípios gerais de direito e os conceitos jurídicos indeterminados são pautas de valoração que carecem de preenchimento valorativo”.

E adiciona a mestre gaúcha: “O preenchimento do conteúdo normativo destes conceitos é feito no exame de cada caso, por meio de atos de valoração, pois aqui a tarefa do julgador não pode se restringir à rígida subsunção, uma vez que se exige mais do que a mera aplicação da norma, numa concepção do sistema jurídico que possibilita uma abertura por via da qual se permite o ingresso de valores extrajurídicos”, complementando: “Ao juiz cabe uma margem residual de livre apreciação do caso, o que não significa que desenvolva um processo arbitrário ou irracional, pois a tarefa do julgador é a materialização das valorações, encontráveis, por exemplo, na Constituição e/ou nos princípios por ela consagrados, onde ao menos encontra uma direção previamente traçada pelo legislador. Também o jurista deve indagar-se sobre os motivos práticos e observar os princípios ou critérios valorativos em que as formulações legislativas se baseiam e que são próprias ao ordenamento jurídico”.

Mas é importante deixar vivo que a adoção desse novo sistema de concreção das regras insertas no novo Código Civil vai ter no seu aplicador um ente humano, cheio de falhas, com ideologias, vaidades, interesses pessoais, pendores individuais, etc, etc, o que pode gerar, ainda bem que apenas com uns muito poucos magistrados, decisões efetivamente arbitrárias, injustas, às vezes até ilegais, que poderão gerar efeitos tão imediatos que um recurso não poderá reverter, o que vai de encontro ao objetivo maior do Poder Judiciário, fazer Justiça. Montesquieu, que definiu o juiz como a bouche de la loi (a boca da lei), já dizia no seu Espírito das Leis, p. 160, que se os julgamentos "fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos".

Por fim, importante transcrever, agora, lição de Humberto Theodoro Júnior, Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG, Desembargador Aposentado do TJMG, Advogado e Doutor em Direito, retirada do artigo O Juiz e a Revelação do Direito in concreto, publicada no Juris Síntese nº 31 - set/out de 2001. Diz o mestre mineiro: “Para vencer o longo espaço que se mete entre a generalidade da lei e a concretude da aplicação em juízo, cabe ao magistrado estabelecer um confronto entre aquilo que o legislador programou e aquilo que realmente aconteceu na experiência concreta da vida. Se a vida humana se submetesse a uma cristalização, de modo que os atos sociais fossem sempre iguais, sempre os mesmos, a missão do juiz seria muito mais simples, pois padronizar-se-ia como a do matemático e a do físico, que sempre aplicam a mesma regra e chegam sempre ao mesmo e exato resultado. Mas os agentes que, posteriormente ao estabelecimento da norma legal, irão praticar os atos antevistos pelo legislador são homens e, como tais, sujeitos a novos e imprevisíveis fatores, quer psicológicos, quer do meio sócio-cultural em que atuam. Esses homens, simplesmente, não serão aqueles que o legislador conheceu ou supôs conhecer quando traçou a regra legal para o futuro”.

E continua: “Cada ser humano, no dizer de Recasens Siches, insere-se em novas objetivações da vida, que lhes interfere profundamente na consciência e na conduta que põe em prática. Assim, os homens re-vivem a experiência vivida pelo legislador já, então, sob nova ótica dos objetos culturais. O lastro valorativo, embora perene, sofre o impacto da realidade de um novo homem dentro de um novo contexto social. Daí porque o juiz não pode restringir seu conhecimento ao plano da regra legal, ignorando as mudanças do contexto social renovado. Assim como a sociedade se altera e seus valores são reavaliados, igualmente as regras jurídicas terão de ser revistas e reavaliadas em seu sentido prático e valorativo. Terão, em uma palavra, de ser revividas, por obra e engenho do juiz”.

Fonte: Escritório Online


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