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Escritório Online :: Artigos » Direito Constitucional


Democracia para o Século XXI e Poder Judiciário

19/10/2003
 
José Augusto Delgado




Sumário: 1- Introdução; 2 – Modelo de Democracia para o século XXI; 3- Conclusões.


1 - INTRODUÇÃO


O ambiente onde o mundo jurídico desenvolve as suas idéias permite ser comparado com o mundo natural, por ambos vivenciarem constante e imprevisíveis transformações.

O aspecto diferencial existente entre ambos está, apenas, nos objetivos que procuram alcançar. O primeiro busca impor regras que facilitem a convivência dos seres humanos entre si e com circunstâncias ambientais que os cercam. O segundo, não obstante tentar sempre a harmonia, tal ocorre por processo desenvolvido e exercitado pela própria natureza.

Esse contraste existente entre os meios trabalhados pelos dois mundos supra referidos quando buscam igual objetivo, especifamente, a paz por eles perseguida, reflete, neste final de Século, no campo da Ciência Jurídica, na questão voltada para se estruturar um regime democrático para o Século XXI, e para se criar pilares que sustentem um Poder Judiciário atuando de modo compatível com as linhas definidas por tal forma de Governo.

Essa comparação tem por finalidade demonstrar que a Ciência Jurídica, em relacionamento com outros ramos científicos (Ciência Política, Sociologia, Axiologia, etc., ), tem por obrigação estudar o fenômeno referente à formação de uma Democracia para o Século XXI sem imposições legais, porém, adotando preceitos que, consigam obrigar e sensibilizar os dirigentes dos Poderes da Nação, e, também , os cidadãos de que uma nova era envolvida por graves questionamentos no campo das liberdades, das mudanças institucionais, dos anseios do homem individual e grupal e da tecnologia aproxima-se , pelo que necessita receber, por antecipação, princípios que os regulem, sob pena do caos instalar-se no contexto social.

De há muito persiste a afirmação de que o conceito fundamental de Democracia se assenta na real participação do povo no exercício do poder, sob a forma de que esse poder é exercido por alguém em nome de quem o elegeu.

Na verdade, em retrato teórico, nada mais perfeito do que o povo participando do poder e por via dele, atingindo a concretização das suas necessidades de segurança, saúde, educação, amparo à criança, à velhice, ao adolescente, ao deficiente físico, ao meio ambiente, consumando-se com o respeito à sua dignidade, à sua liberdade e ao seu direito de ser cidadão.

Ocorre que, como é plenamente sabido, em nenhuma Nação os aspectos jurídicos e políticos formadores de conceito de democracia convivem em harmonia com a realidade administrativa exercida pelos Poderes Constituídos, pelo que os séculos já vivenciados de culto à esse regime político de governo demonstram a ilusão das idéias construídas e defendidas para tão importante entidade política.

A democracia experimentada pelo povo durante o Século XX espelhou um regime político longe de se pautar na soberania popular, na liberdade eleitoral, na divisão e autonomia dos poderes, na legalidade, na moralidade e no controle dos atos administrativos praticados pelas autoridades.

Desnecessária a revisão e exame dos fatos acontecidos durante o período secular que se encerra para a comprovação do afirmado, tendo em vista que todos os agentes da comunidade sentem os efeitos da não obediência à realização dos seus anseios e à concretização das suas necessidades vitais.

A doutrina política da democracia cristã, por exemplo, não se transformou em realidade, haja vista que não foram conciliados os imperativos da fé com o da moral, vistos como sendo verdadeiros princípios democráticos, ao nível dos que pregam a igualdade, a fraternidade, a liberdade e a dignificação do ser humano.

Os postulados das diversas formas de Democracia não se transformaram realidades. O resultado apresentado neste final de Século é que, não obstante os aplausos oferecidos ao regime Democrático, por exemplo, no Brasil, sem se falar nos pontos negros dos momentos ditatoriais vividos pela Nação, nos últimos 100 (cem) anos, a cidadania convive com o mais alto grau de insegurança, com a ausência quase total de proteção à saúde, à velhice, aos adolescentes, às crianças, à educação e sem a entrega de uma prestação jurisdicional adequada.

O exame do panorama social da era contemporânea identifica a sociedade atravessando uma tensão pré-milênio.

Esse estado emocional inédito está afetando as relações entre as pessoas e foi identificada, recentemente, em trabalho elaborado por Sérgio Villas Boas, sob o título “Tensão pré-milênio”, publicado no jornal “Gazeta Mercantil”, de 12 e 13 de junho de 1999, pg. 2. Caderno – Leitura de Fim de Semana. Extraio trecho de tal ensaio para meditação:

“O mundo está atravessando um período de tensão pré-milênio, com todos os desconfortos, irritabilidades, fadigas, tormentas, mau humor e, acima de tudo, medo. Terrores geralmente infundados. Profecias e noticiários de TV formam um coro que reforça a nova TPM e produz uma repetição estafante: fome, miséria, guerras, assaltos, assassinatos hediondos, tráfico de drogas e de influências, corrupção; impunidade, protecionismos, sonegações (48% do que o governo arrecada vem do trabalho assalariado; calcula-se que US$ 825 bilh6es circulam no país sem pagar impostos); precária sociabilização (taxa de desemprego em São Paulo superou 20% em maio), maior exigência por escolaridade, conhecimento e aparências, deflação (ambiente talvez pior para fazer funcionar o capitalismo do que o regime de inflação), instabilidade financeira, solidão.

O medo nunca escolheu seu objeto de terror, tampouco pode ser delimitado em fronteiras geográficas. Nos Estados Unidos, adolescentes armados exterminam colegas no pátio da escola e se suicidam em seguida; na Europa, grupos de extrema-direita atentam contra minorias étnicas, renutrindo o ideal da purificação pelo extermínio. A desinformação (ou seria desentendimento?) está levando as pessoas a viver um filme real permanente. É como se, a qualquer momento, um sujeito infectado por um vírus que corrói os ossos humanos arrancasse o cidadão de seu BMW adquirido por leasing e dirigisse a máquina roubada até um aeroporto, onde uma adolescente grávida, sob efeito de cocaína, acabara de seqüestrar um avião levando para a Flórida velhinhos aposentados, dispostos a realizar o sonho da casa de praia civilizada. Mas o avião seqüestrado pela viciada e pelo delinqüente, "representantes das minorias", se esborracha no asfalto reverberante do aeroporto.”

Não é positivo, portanto, a apresentação de um balanço positivo no balanço que se faz da aplicação da democracia neste final de século, porque a realidade demonstra que a sua linhas tradicionais foram, aparentemente, seguidas.

Urge, portanto, ser pensada uma forma de regime democrático que seja capaz de inverter esse quadro catastrófico para a humanidade. Para tanto, torna-se primordial que a Ciência Jurídica e a Ciência Política renovem os seus postulados e os seus propósitos voltem-se para a criação de novos degraus e de novos princípios, atentas para a força cogente e imperativa que eles devem ter, colocando o cidadão com todas as suas aspirações e necessidades como sendo o centro das preocupações.


2 – MODELO DE DEMOCRACIA PARA O SÉCULO XXI


O fato do regime democrático adotado no Brasil, pela maioria dos anos, durante o Século XX, não ter produzido resultados administrativos desejados e necessitados pela Nação, não deve servir de suporte para a defesa da volta ao autoritarismo ou de qualquer outra forma de regime.

Há que se reconhecer que as dificuldades vividas pela Nação não podem ser tributadas, apenas, ao mau uso do regime democrático. Negativas, em grande escala, foram os modelos das eras de 1937 a 1946 e de 1964 a 1988, especialmente, para o campo das liberdades, dos direitos humanos e da valorização da dignidade dos homens.

Filio-me à corrente daqueles que pregam ser a Democracia, com todos os seus defeitos, um regime muito melhor do que a mais perfeita dos ditaduras.

A Democracia, mesmo ferida, ela homenageia, pelo menos, a esperança de um povo e simboliza o modelo de liberdade, de segurança e de desenvolvimento cultural e econômico pretendido pelo cidadão, diferente do que acontece com qualquer outro tipo de regime.

Aperfeiçoar a atuação do regime Democrático para o Século XXI não é tarefa das mais fáceis. Uma série de obstáculos devem ser enfrentados e regulados, sem se falar nas resistências que serão impostas por clones conservadores e privilegiados às mudanças.

O certo é que algo precisa se feito e com ousadia. Necessário enfrentar os problemas e sugerir soluções com posições que se integrem no atuar do homem encarregado de pensar e de fazer ciência, o que deve ser exercido sem temor. Pelo contrário. Da exposição e publicidade das idéias surgem os modelos para a construção do futuro. Se os objetivos forem alcançados, contribuições essenciais foram dadas para se evitar a mais temida revolução que pode ser feita pelo ser humano, que é a da revolta interna e silenciosa contra as instituições, com força até de extinguir, caso se realize, a entidade tradicional do Estado.

O exame dos aspectos a serem trabalhados para a remodulação da estrutura da Democracia atual, há, primeiramente, de se conceber que o mundo inclina-se para aceitar uma sociedade plural conforme foi visualizado por Marcos Vinicius Vilaça, in “Democracia – Vigência e Vivência” ,[1] no trecho seguinte :

“Caminhamos para sociedade plural. Tanto para o pluralismo econômico - que, reconheça-se, ainda é excludente de muitos - quanto para o social, que ainda se encontra fragilmente estruturado. E tanto para o pluralismo político - que carece de melhor institucionalidade quanto o cultural que precisa consolidar a adesão aos valores comuns como fulcro da unidade e coesão nacionais e como norma a pautar a diversidade necessária e a divergência legitima de aspirações e interesses coletivos.

Dir-se-ia que buscamos, no pluralismo, organizar a liberdade. Não a idéia, ou o ideal, do ser livre, que é pura transcendência Mas, sim, sua práxis, concreta, compartilhada, que, como toda construção humana, é historicamente contingente. Ou seja, queremos a democracia como vivência e vigência, sempre incompletas, porem sempre incompletas, porém sempre perfectíveis.

Sabemos todos que organizar a liberdade de modo que ela seja socialmente bem distribuída envolve aparente paradoxo: entre a necessidade de criar as condições materiais imprescindíveis ao seu exercício e a de impor-lhe, ao mesmo tempo, limites bem precisos. Eles se explicitam sob a forma de restrições ao uso do poder na vida em comum dos homens, através de diversas e complexas formas de controle societário. O fundamento axiológico desses mecanismos de controle espelha os valores de harmonia e bem-estar, solidariedade e eqüidade, consubstanciados no ordenamento jurídico e nos usos e costumes que os conduzem como Povo e Nação.

É nesse sentido que, no plano das relações de poder entre o público e o privado, a eficiência econômica, de que decorrem a estabilidade, o crescimento, embora essencial à ampliação, individual e coletiva, da liberdade, deve cingir-se a seu caráter instrumental. Assim cabe submeter as forças de mercado a correções e condicionamentos determinados e exercidos pelo Estado, em especial para favorecer melhor repartição da renda e da riqueza e para assegurar o uso ecoambientalmente prudente dos recursos naturais. Estado e mercado, porém, não se opõem, complementam-se. Liberdade, eqüidade e eficiência não devem conflitar, mas viabilizarem-se multiplamente. Na incessante busca de objetivos nacionais compartidos, que constituem nossa utopia possível: edificar "a civilização do ser, na partilha equilibrada do ter", como falou o padre Joseph Lebret, fundador do grupo Economia e Humanismo.”

O segundo ponto que não pode ficar sem meditação é que o Século XXI, além de ser o século voltado para fortalecer os valores da cidadania, será todo voltado para momentos de inovação.

E no regime democrático não se pode desprezar esse aspecto de tão forte influência nas relações do homem entre si e com o Estado.

Jacques Marcovitch [2] , em artigo sobre o assunto, chamou a atenção para o fato de que :

“Estudo da revista "The Economist" mostra-a como melhor alternativa para expansão dos negócios. O inovador despreza o investimento especulativo e não faz isso só porque é um bom sujeito. Além de gesto construtivo, é opção inteligente: as inovações geram muito mais lucro do que meras especulações comerciais. A taxa média de retorno de retorno de 17 inovações de sucesso nos EUA, em uma década, foi de 56%, enquanto a de todos os investimentos da economia norte-americana nos últimos 30 anos ficou em 16%.

Os inovadores japoneses, de olho no consumo doméstico, diminuíram o tamanho do vídeo-cassete, lançado em 1974. Eles encolheram tudo: o preço, a embalagem e a fita, que se reduziu a três quartos de polegada. Esse video-cassete compacto entrou para a história do mercado. É, com o telefone celular, o produto mais comprado no mundo. Os EUA vivem um extraordinário momento de prosperidade, e a inovação terá papel decisivo no prolongamento dessa fase. Mais de 50% do crescimento do país vem de indústrias novas, com pouco mais de dez anos de existência, que reformularam seus processos.

Embora a inovação possa verificar-se em qualquer área, ela está mais acentuadamente vinculada à dimensão tecnológica. Nos países em desenvolvimento, não havendo prioridade estratégica para programas de ciência e tecnologia, o retrocesso é inevitável. SE o Brasil não agir hoje para construir o seu futuro, simplesmente não haverá futuro. Não me refiro ao futuro só como o tempo que sucede ao presente, mas como o tempo em que a ciência de hoje vai, finalmente, produzir seus frutos.

A América Latina e o Brasil foram atingidos pelos vendavais que abalam quase todas as economias do mundo. O governo central empenha-se numa inadiável tarefa de ajustar as contas públicas. Percebe-se, porém, que essa iniciativa, embora justa, comete dois desvios perigosos: corta recursos de programas sociais já limitados e diminui drasticamente verbas já escassas em ciência e tecnologia. Uma exceção (e um paradigma de consciência estratégica) é a Fapesp, em São Paulo, que, apesar de todas as crises, vem zelando exemplarmente pelo progresso da ciência.”

Há, portanto, do regime democrático do Século XXI, ficar atento a tal fenômeno, para que, por ser ele produzido pela atuação da indústria tecnológica, não se transforme em patamar de absoluta ganância financeira pelos detentores das técnicas inovadoras, em prejuízo das necessidades e dos direitos da cidadania.

O terceiro ponto a influenciar o novo conceito da democracia é o de que há de tal tipo de regime emprestar, na atualidade, maior respeito aos direitos humanos. Para tanto, há de ser imposta uma conduta aos responsáveis pelo exercício dos Podres e aos integrantes da sociedade plural que não priorizem o desenvolvimento econômico em detrimento da adequação dos meios necessários para combater as violações aos direitos do homem que estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Violações que quanto mais a sociedade alcança progresso material mais elas aumentam, sem que o Estado apresente político razoável de combate..

A Democracia para o Século XXI há de romper com a tradição de que a ““A declaração Universal, em si mesma, não apresenta força jurídica obrigatória e vinculante. E assumindo forma de declaração, e não de tratado, confirma o reconhecimento universal de direitos humanos fundamentais, afirmando um código comum a ser seguido por todos os Estados. Representa o amplo consenso alcançado acerca dos requisitos mínimos necessários para uma vida com dignidade. É uma visão moral da natureza humana, tratando seres humanos como cidadãos autônomos e iguais e que merecem igual consideração e respeito.” [3]

No artigo em referência, o autor registra, ainda, que:

“A natureza dos deveres humanos decorre dos direitos naturais e inatos ou direitos positivos e históricos, ou, ainda, direitos que derivam de determinado sistema moral. No dizer de Norberto Bobbio (A era dos direitos, RJ. Campus. 1992), a questão dos direitos humanos não é mais o de fundamentá-los, mas o de protegê-los.”

Após diversas considerações envolvendo o tema Pessoa Humana e o Poder Judiciário, o autor supra citado sugere várias proposições que merecem ser investigadas e transformadas em regras de natureza absoluta, imperativas e cogentes a qualquer forma de regime democrático.

As formulações em questão são as seguintes:

a) – “Os deveres relativos aos direitos de primeira geração implicam em obrigações cujo descumprimento pode acarretar conseqüências civis e sobretudo penais.”

b) – “O dever do Estado com a educação e o trabalho da mulher deve ser efetivado mediante garantias das normas constitucionais ou infra constitucionais.”

c) “Os deveres decorrentes dos interesses difusos ou coletivos devem estar amparados por procedimentos capazes de proteger o patrimônio público contra atos lesivos e a proteção do meio ambiente e do consumidor.”

d) “O Estado tem o dever de manter ascendência sobre as experiências científicas relativa à engenharia genética e clonagem, garantindo o direito à vida das gerações futuras.”[4]

No campo específico da atuação do Poder Judiciário em harmonia com as novas estruturas que devem ser fixadas para a Democracia ser exercida no Século XXI, há de se ter a consideração. também, os postulados sugeridos por Antônio Rulli Júnior, em trabalho publicado na Revista EMERJ(Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, V. 1, n. 4, Edição Especial, pgs. 31 e segs.),[5] cujo teor dos mesmos passo a transcrever:

a) “É dever do Juiz-Estado a participação democrática no processo, no interesse das partes e efetivação da Justiça. “

b) “É dever do Juiz-Estado dar ao processo o procedimento animado pela relação processual que persegue a realização do direito material, meio de efetivação da justiça.”

c) “O dever de acesso à justiça deve estar caracterizado pela assistência judiciária aos necessitados e na implantação dos juizados especiais de pequenas causas permitindo que um número maior de pessoas traga ao Judiciário os seus casos.”

d) “O Processo exige do Juiz-Estado o dever de consciência jurídica, fundamento de legitimação e de legitimidade do procedimento, através do contraditório e da ampla defesa.”

Por fim, na linha da defesa que se faz de ser adotado um regime democrático que sublime a proteção dos direitos humanos no mais alto grau, apresento a parte final do trabalho intitulado “O Poder Judiciário e os Poderes do Homem, de autoria do Des. Cristovan Daiello Moreira, do Estado do Rio de Janeiro, publicado na Rev. da EMERJ, já citada, pg. 52:

“Urge retirar os deveres humanos da sombra do ostracismo com o prévio, científico, investigar, pesquisar, estudar metódico e sistematizar da Teoria e Princípio. E, depois, evangelizar através de seminários, cursos, currículos, conferências, debates dialogais coordenados pelas Escolas de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e Agentes do Ministério Público, Faculdade de Direito, institutos culturais da Ordem dos Advogados do Brasil, com o clarificar e contínuo divulgar inciso pelos meios de comunicação social.

Se agir não houver, os deveres humanos figurarão em mais uma simples declaração, inócua, vazia, ineficaz e ineficiente.”

Há um quinto aspecto que há de chamar a atenção dos cientistas jurídicos e políticos na elaboração de um novo modelo de democracia para o século XXI. É o relativo ao problema criado com o avanço das comunicações, e consequentemente, da velocidade e da variedade da informação.

Esse tema é abordado por Cláudio Lachini, em artigo intitulado “Sobre-Circuito da informação”[6] , de onde destaco o trecho seguinte:(doc. 06)

“A leitura tardia de Gracián, um autor restrito em sua época (Século XVII) pelo temor a sua própria ordem religiosa, leva-nos a algumas reflexões sobre o conhecimento e as formas de o transmitir, pois é com ele que o homem sempre evoluiu, na escola clássica, no ensino secular, na escola da vida, no escritos cuneiformes, nos pergaminhos, nos livros, nos jornais, nas revistas e nos meios criaturas do Século XX: o rádio, a televisão e, nos dias de hoje, nas embalagens eletrônicas associadas às telecomunicações.

O desenvolvimento da telemática dissemina o conhecimento em escala global. Perdida na Babel e na balbúrdia, a mídia impressa está derrapando na subtração do leitor. A Internet é uma desculpa esfarrapada para publicações que estão perdendo seus leitores, não porque está decretada a morte da palavra impressa sobre o papel, mas sim porque os meios estão perdendo conteúdo e se tornam repetitivos da informação que foi ofertada ao cidadão em velocidades instantâneas.”

Ora, se não for imposta uma disciplina rígida ao sistema evoluído da informação a ser adotado no próximo século XXI, sem prejuízo da prática do direito de liberdade da imprensa, haverá, evidentemente, insuperáveis prejuízos à cidadania pelos males que serão causadas às diversas formas dos relacionamentos econômicos, sociais, familiares e jurídicos a serem exercidos.

O outro aspecto a ser enfrentado pela Democracia do século XXI é o efeito a ser produzido na estrutura patrimonial e financeira das Nações, especialmente, da Nação brasileira, pelo fenômeno que está sendo denominado de “Nova Economia”, em razão do sucesso que está experimentando os EE.UU. com o seu crescimento econômico.

O mundo enfrenta e analisa o que está acontecendo nos EE.UU. e procura soluções de sobrevivência para as outras Nações.

É conveniente registrar, para ser fiel aos fatos como apresentados, a análise que Marcelo Rezende fez sobre o assunto, em artigo intitulado “Em busca da nossa Economia”[7] :

“Nouvelle Economie" é a literal tradução francesa para um fenômeno de expansão constante mostrado há quase oito anos nos indicadores econômicos dos Estados Unidos. Alta taxa de criação de empregos, crescimento contínuo e inflação estável resumem o cenário. Antes um fenômeno local, motivo de espanto no resto do mundo e discutido, muitas vezes publicitariamente, nos semanários sobre finanças em língua inglesa, a "nova economia", o significado desse possível novo modelo de desenvolvimento, interessa também à Europa e, após mensagem dada pelo ministro da Economia do país, especialmente a França.

Em um pronunciamento sobre os rumos da economia francesa, Dominique Strauss-Kahn afirmou estar o país caminhando rumo "a um novo regime de crescimento. Mais durável porque garantido pelas novas tecnologias, como acontece na América. Nós estamos ainda atrasados em relação aquele país. Apenas 15% do nosso crescimento é devido as novas tecnologias, mas nós estamos inventando, também, o novo crescimento do século XXI". Apesar de o ministro ter comparecido para mais uma vez revisar as expectativas de crescimento em 1999 (anunciando queda) houve a sinalização de uma alteração de "modelo" e a preocupação da academia e profissionais franceses em entender o “milagre dos EUA" passou a interessar bem mais do que seu costumeiro público.

Há no país, e no continente, uma indisfarçável decepção com o primeiro semestre do euro, a moeda única de onze países membros da União Europ6ia. Após um início comemorado nos primeiros dias de janeiro com champanhe e declarações entusiasmadas de presidentes e primeiro-ministros, o euro vem sofrendo constantes desvalorizaq6es. As principais razões, na visão dos analistas locais, têm sido a série interminável de "acidentes" sofridos. ' A política imposta pelo Banco Central Europeu (BCE), as denúncias de desvios administrativos na Comissão Européia, os desacertos políticos em cada nação e, por fim, os conflitos raciais e bélicos em Kosovo. Procura-se, claro, um crescimento "durável e garantido")

....................................................................................................................................................

Ao menos não para todos, segundo Robert Boyer, economista e diretor do Cepremap (órgão de estudo das estratégias econômicas do Centro Nacional de Pesquisas Científicas - CNRS). Boyer falou a este jornal na terça-feira e, em sua visão, não se trata apenas de uma discussão técnica, mas, sobretudo, política: "Claro que essa é também uma discussão política, porque o celebrado crescimento americano é fundamentado na desigualdade. Em um crescimento de riqueza, em essência, na classe média, ocasionando então o aumento da população mais pobre. Trata-se de política, mas também de ideologia, pois a 'nova economia' ultrapassa o fordismo", diz. Boyer acaba de publicar um estudo sobre o tema: "Innovation et Croissance", em parceria com Michel Didier, editado pelo Conselho Nacional de Análise Econômica.

O debate sobre o resultado menos grandioso da "Nova Economia" – a mesma discussão na qual a Europa está obrigada a escolher entre o perfil "humanista" ou "comercial" - não impediu o governo francês de anunciar uma primeira medida para a mudança de rota. O Ministério da Economia e das Finanças fará uso de um "indicador de inovação", onde será medido o papel representado pelas novas tecnológicas no crescimento da economia francesa. Um relatório será publicado duas vezes ao ano. Em março e em setembro. Os itens a serem avaliados são: novos capitais, criados a partir de fundos de novas tecnologias, novo empresariado e novos empregos, novas tecnologias e novos usuários das recentes invenções. Outra ação foi passar a medir também a atividade das empresas de tecnologia.”

Não se pode esquecer que o fortalecimento econômico de uma Nação, de modo desproporcional às demais, gera intranqüilidade para a permanência da paz mundial e para se garantir o respeito integral dos direitos e garantias da cidadania.

O sétimo ponto que merece ser abordado é o de que uma democracia plena só existirá se as leis do País protegerem o “fim da censura de qualquer tipo, sutil ou agressiva, tácita ou explícita, política ou econômica, social ou individual”, conforme anota Jorge Wenthein, in “Democracia e liberdade de expressão”[8] porque ““Somente em uma sociedade de cultura democrática, o que envolve tempo e boa vontade, é possível falar em liberdade de expressão em geral e liberdade de imprensa em particular. Leis democráticas por si só não garantem o livre exercício da expressão do pensamento. É imprescindível que essas leis, cada vez mais claras e transparentes, venham seguidas de perto por uma práxis democrática, por um exercício diário de reeducação intelectual, de governantes e sociedade civil, de forma que todos passem a compreender as manifestações de pensamento e as divulgações de fatos Como peças fundamentais do jogo democrático.”[9]

Há, ainda, variados aspectos que devem ser considerados para a adoção de um modelo democrático apto a preencher os anseios da cidadania durante o século. Passo a enumerá-los, sem nenhum comentário, em face da vinculação ao espaço dedicado ao presente trabalho.

Ei-los:

a) as questões oriundas dos lobbies econômicos ameaçando por em xeque as evidências científicas;

b) a necessidade de, sem ferimento ao direito das libaerdades humanas, ser protegido o patrimônio;

c) a desavença existente entre as propostas dos cientistas de combater, ao custo de milhões de dólares, os resultados falsos apresentados pela chamada "ciência oficial" com relação à influência do desenvolvimento industrial sobre o aquecimento global;

d) a necessidade de, em um regime democrático, existir educação para todos e como forma de investimento;

e) a garantia dos direitos fundamentais em um processo de globalização provocador de complexos problemas econômicos e sociais;

f) a preocupação atual dos doutrinadores com o desenvolvimento do processo de globalização com crueldade, haja vista que, conforme tudo está a indicar, "Por mais otimista que alguém seja, torna-se difícil imaginar um processo suave de globalização ancorado em regras desiguais de mobilidade de capital e de mão-de-obra; num mundo onde se abrem fronteiras para o capital e as empresas, mas onde se apertam fronteiras para a mão-de-obra; onde capitais entram e saem sem um mínimo de regras; onde a riqueza se concentra e a pobreza se expande cada vez mais, e sobretudo num quadro geopolítico mundial onde conflitos se repetem num vai e vem de guerras étnicas e religiosas";[10]

g) há de ser enfrentado pela Democracia do Século XXI os desafios com que se defronta o capitalismo na atualidade, conforme destacado por Miguel Reale em três artigos: "O Capitalismo na encruzilhada (Estadão, 17104199);" "Ainda a crise do Capitalismo" (idem, 115199) e "Capitalismo Selvagem" (ibidem, 2915199);

h) o fenômeno da chamada judicionalização da economia quando a crise econômica defronta-se, ao elencar soluções, com o formalismo do Direito e da Justiça, chegando, as vezes, a ser considerado como uma forma agravadora de criar mais dificuldades lpara o País;

i) a preocupação em recentes pesquisas que atestaram haver, em determinados segmentos da sociedade brasileira, no momento, preferência pela ditadura no lugar da democracia.


3 - CONCLUSÕES


Ultimo as meditações desenvolvidas no presente trabalho, lembrando estudo da autoria de Roque Spencer Maciel de Barros, sob o título "Que espaço restará para a cidadania no mundo atual? "(Jornal da Tarde, 5 Paulo, 5 de junho de 1999)

Após definir e rever os conceitos de cidadania moderna e analisá-la sob os perigos de sua função nos regimes totalitários e nas demais formas de regime, conclui com as seguintes observações:

"Hoje, quem se lembra do sonho de um “estado estacionário" de John Stuart MilI, cuja impossibilidade, aliás, Ludwig von Mises demonstrou brilhantemente em um capítulo de sua Ação Humana (4a. Parte, capítulo XIV, 5 e 6) ou das mais que previsões, quase profecias, de Herman Kahn para o ano 2000 ou mesmo da visão generosa, assim mesmo ainda viável, quem sabe, como possibilidade, de John Kenneth Galbraith acerca da "sociedade da abundãncia", para não citar outras tentativas de rasgar o véu do futuro?

Dessa forma, não é, de maneira alguma, nosso propósito o fazer previsões sobre o que se irá verificar no mundo globalizado e informatizado Não, não pretendemos prever, mas apenas registrar nossos temores e perplexidades O que irá de fato acontecer, considerando os imprevistos e os acasos da História, confessemo-lo sinceramente, pertence ao terreno do ignoto e provavelmente contrariará todas as previsões globais, ainda que confirme algo, ocasionalmente, aqui e ali~"

Não comungo com as desesperanças do autor porque creio na força do Direito e na conscientização dos homens que assumirão os Poderes Governamentais durante o Século XXI que o cidadão passará a ser considerado o centro de suas atenções.

Ocorre, apenas, que ao meu espírito chega determinado temor, por mais que tente dissipá-lo, pelos exemplos oferecidos pela atual geração dirigente dos nossos destinos políticos, econômicos e sociais, cujos atos e exemplos não se apresentam confiáveis pra os que são defensores da existência de uma Democracia plena e efetiva.

O futuro dirá o que irá acontecer. As gerações de hoje e de amanhã serão testemunhas da evangelização dos cientistas políticos e jurídicos para a consolidação de uma nova Democracia para o Século XXI. SE a Nação brasileira não conseguir, que Deus tenha piedade de nós e de nossas instituições.


Notas do texto:


[1] Marcos Vinícios Vilaça, escritor, Ministro do Tribunal de Contas da União. Trecho de discurso na abertura dos trabalhos anuais do Tribunal de Contas da União, como Presidente.

[2] Jacques Maracovitch, 52, reitor da USP Universidade de São Paulo, é autor de “A Universidade (Mi)possível” (Editora Futura/Sibilino). Trecho extraído do artigo “O século da inovação”, publicado na Folha de S. Paulo, Caderno 1 – 3, Seção: Tendências /Debates, de 11 de junho de 1999.

[3] Artigo da autoria do Juiz Benedito Silvério Ribeiro, do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, sob o título “O Poder Judiciário e os Deveres Humanos”, publicado na Revista de EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), volume n. 1, n. 4, Edição Especial, pgs. 23 e segs.

[4] As proposições anunciadas estão todas no trabalho citado na nota anterior.

[5] O título do trabalho é : “O Poder Judiciário e os Deveres Humanos. Antônio Rulli Júnior, o autor, é Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de S. Paulo.

[6] Trabalho publicado na Gazeta Mercantil, de 11, 12 e 13 junho de 1999, página A-3.

[7] Trabalho publicado no jornal Gazeta Mercantil, de 7,8 e 9 de maio de 1999, pg. 4, Caderno Atualidades.

[8] Artigo publicado na Folha de S. Paulo, de 3 de maio de 1999, no Caderno Tendências/Debates, 1-3.

[9] Idem.

[10] Armand F. Pereira é membro da Academia Nacional do Direito do Trabalho, em artigo intitulado “Direitos Fundamentais”, publicado no Correio Brazileiense, de 10.05.1999.

Fonte: Escritório Online


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