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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Validade jurídica das provas geradas por interceptações telefônicas

09/08/2004
 
Jorge José Lawand



A CF/88, no art. 5º, XII, previu a criação da maior arma contra a criminalidade organizada (seqüestro, tráfico de entorpecentes entre outros), que foi a escuta telefônica.

Outrossim, o STF consagrou, definitivamente, a regra do direito americano fruits of the poisonous tree (árvore dos frutos envenenados) a que na verdade já estava prevista no § 1º do art. 573 do CPP (“a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam conseqüência”, por nós conhecida através de Ada Pellegrine como prova ilícita por derivação.

A tendência majoritária da doutrina brasileira é no sentido da inadmissibilidade da prova ilícita por derivação.

Entre as garantias fundamentais a Constituição inclui a vedação ao uso em processo de “provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, inc. LVI). E entre estas o problema mais freqüente e complexo refere-se à tutela, também fundamental, à inviolabilidade do sigilo da correspondência e da intimidade (art. 5º, XII e X).

Diante do preceito constitucional não é possível interceptação para fins civis, comerciais, industriais, administrativos, políticos etc. Nem sequer para investigação que envolva direitos difusos (coletivos). Não cabe interceptação em ação civil pública, ação de enriquecimento ilícito etc.

A vedação de provas obtidas por meio de escuta e gravação de comunicações telefônicas foi categoricamente proclamada pela Carta Magna, que somente a excepcionou para a investigação do processo criminal e mediante prévia autorização judicial. No cível, portanto, jamais se poderia utilizar, como prova lícita, a obtida por meio de interceptação telefônica.

De início, porém, cumpre distinguir entre gravação da mensagem feita pelo próprio destinatário e gravação promovida por terceiro na escuta de conversa telefônica entre outros interlocutores.

Jurisprudência e doutrina se inclinam pela tese de que “a conversa telefônica gravada por um dos protagonistas sem o conhecimento do outro é válida (como prova), pois não foi obtida ilicitamente”. Não se trata de “interceptação”, como é óbvio. É que o caso da gravação por aquele que recebe a mensagem não é diferente do uso de carta ou telegrama, meios de comunicação cujo sigilo igualmente se tutela pela garantia constitucional e que, no entanto, são utilizáveis como prova lícita, pelo CPC (arts. 374 e 376). O que, enfim, se proíbe é a interceptação clandestina, que só se opera quando ocorre a gravação não consentida da conversa telefônica alheia, nunca a da conversa própria, ainda que sem assentimento do interlocutor.

PROVA – PRODUÇÃO – CONVERSA TELEFÔNICA – GRAVAÇÃO ATRAVÉS DE FITA MAGNÉTICA – RECORRENTE FIGURANDO COMO INTERLOCUTORA – ADMISSIBILIDADE – MEIO LÍCITO – Não representa gravação clandestina, de modo a qualificar-se como prova obtida por meio ilícito, a gravação de conversa entre os próprios interlocutores, ainda que a pessoa que se encontra do outro lado da linha não tenha conhecimento de que a conversa estaria sendo gravada. (TJSP – AI 187.942-1-SP – 8ª C. – Rel. Des. Fonseca Tavares – J. 03.02.1993) (RJTJESP 143/199)

Mesmo no campo da interceptação da conversa alheia, notam-se, na doutrina e na jurisprudência, manifestações recentes que, com autoridade e veemência, preconizam o abrandamento do rigor com que, literalmente, se vedou esse tipo de gravação.

Parte-se da constatação de que entre os princípios de direito, inclusive os de ordem constitucional, é impossível evitar conflitos e que, não raro, instalam-se contraposições graves, a exigir do intérprete e aplicador da lei delicada operação para harmonizar os comandos principiológicos e definir o ponto de equilíbrio entre eles.

O princípio da inviolabilidade das comunicações não é o único dentro das garantias constitucionais e, seguramente, outros o superarão em situação de confronto, como, por exemplo, o que tutela o direito à vida, à liberdade e à honra. O próprio acesso à justiça e a garantia processual máxima do devido processo legal podem se inutilizar quando o juiz tiver de desprezar a prova ilícita para conscientemente proferir uma sentença injusta, por desamparar o direito subjetivo evidente e tutelar o seu violador inconteste.

Em semelhantes conflitos, a melhor orientação jurídica é a que encara a vedação constitucional à quebra da inviolabilidade de comunicação com certa flexibilidade, conferindo ao juiz “a liberdade de avaliar a situação em seus diversos aspectos”. Conforme a lição de BARBOSA MOREIRA, deve-se orientar o magistrado sob inspiração do “princípio da proporcionalidade”, também defendido por NELSON NERY JÚNIOR, e, dessa maneira, poderá concluir que a transgressão “se explicava por autêntica necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte”; e que se a parte se manteve nos limites determinados pela necessidade, ou se havia a possibilidade de provar a alegação por meios regulares e, assim, se “a infração gerou dano superior ao benefício trazido à instrução processual”. Em suma, por inspiração do princípio da proporcionalidade, deve o juiz “averiguar se, dos dois males se terá escolhido realmente o menor”.

Entre os próprios constitucionalistas, há o reconhecimento, acerca da vedação às provas ilícitas, de que “o preceito constitucional há de ser interpretado de forma a comportar alguma sorte de abrandamento relativamente à expressão taxativa de sua redação”.

Um precedente jurisprudencial importante foi constituído pelo Superior Tribunal de Justiça, no Ac. de 05.03.1996, da 6ª T., no HC 4.138, em que prevaleceu o entendimento flexível acerca da proibição constitucional às provas obtidas por meios ilícitos. Rejeitou-se no aresto, relatado pelo Min. ADHEMAR MACIEL, a defesa fundada na imprestabilidade de gravação de conversa telefônica, por escuta policial irregular, dentro do presídio onde o delinqüente se achava encarcerado. Alertou o voto do Relator para a relatividade dos direitos contemplados no texto constitucional, decorrente da própria necessidade de harmonização recíproca, e referiu-se ao “substrato ético” que não pode deixar de orientar o intérprete na fixação dos limites razoáveis.

BARBOSA MOREIRA, na análise do acórdão, conclui que o Relator sublinha, com razão, “quão descabido é arvorar em valor supremo, sejam quais forem as circunstâncias, a privacidade deste ou daquele indivíduo: “pode haver”, adverte, “do outro lado da balança, o peso do interesse público a ser preservado e protegido”.

É, sem dúvida, problema dos mais sérios o relacionado com a proscrição constitucional das provas obtidas por meios ilícitos. Por isso mesmo, não deve ser enfrentado apenas a partir de dogmatismos forjados pela exegese rigorosamente literal.

Assim, como, aliás, em todo o terreno dos princípios fundamentais, sempre presente e atuante tem de estar a força harmonizadora dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.


BIBLIOGRAFIA


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Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1996.

Freitas, Juarez. A interpretação Sistemática do Direito, 1ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1995.

Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 17ª ed., São Paulo, 1989.

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Fonte: Escritório Online


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