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Escritório Online :: Artigos » Direito Financeiro


Gestão em fim de mandato: desfazendo os mitos

17/08/2004
 
Silas Queiroz



Restrições para o último ano de mandato. Lei de Responsabilidade Fiscal e Legislação Eleitoral. Aspectos administrativo, civil e criminal. Considerações Gerais.

Editada em 04 de maio de 2000, a Lei Complementar 101/00, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, veio estabelecer novas regras para a gestão da coisa pública, na esteira de preceitos constitucionais, especialmente nos arts. 163 a 169 da Carta Política de 1988.

Além das regras regais previstas no documento legislativo sob referência, alguns se destacam para o último ano do mandato do gestor. No caso dos Municípios, o exercício de 2004 é o primeiro em que se terá de obedecer tais dispositivos. Em 2000 as regras foram aplicadas parcialmente, e sob muitas dúvidas. De qualquer sorte, não coube àqueles gestores qualquer responsabilidade criminal, visto o princípio da irretroatividade da lei penal.

Desta vez, nenhuma dúvida resta. Todos os dispositivos introduzidos ao Código Penal pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000 estão plenamente em vigor. Foi a dita norma que estabeleceu os crimes contra as finanças públicas.

Para o fim do mandato, as principais observações devem ser:


1. despesas com pessoal


Despesa com pessoal é todo o gasto com ativos, inativos e pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros do Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas-extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas à previdência.

Também se computam, sendo classificadas como Outras Despesas de Pessoal, os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos. Antes da vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, os gastos com terceirização de mão-de-obra eram contabilizados como Serviços de Terceiros, sem aderir às despesas com pessoal. A LC 101/00 mudou isso.

É o que se extrai do seu art. 18 e parágrafos.

Para fins de simplificação, convém somente mencionar o que não se contabiliza como despesas de pessoal, a fim de compreender-se o ângulo de abrangência da referida classificação orçamentária.

Não se classificam como despesas com pessoal as verbas de natureza indenizatória, tais como, auxílio moradia, auxílio alimentação, auxílio creche, auxílio escola e auxílio transporte. Tal entendimento está esposado em diversas manifestações doutrinárias. Os Tribunais de Contas vem emitindo pareceres prévios neste sentido, a exemplo da Corte de Rondônia, que o fez através do parecer prévio nº 107/2001.

Também não são computados como gastos com pessoal, para fins do disposto no art. 18 e 19 da LC 101/00, os dispêndios com o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF), salvo parcelas complementares, como é o caso do décimo-terceiro salário pago aos agentes comunitários de saúde que, submetidos a concurso público, ascenderam a cargos de provimento efetivo.

Tais despesas, portanto, devem ser expurgadas para fins do apuratório do índice de gastos com pessoal, devendo-se observar, para tanto, que também não devem tais recursos ser computados como receita corrente líquida especificamente para os fins do disposto nos arts. 18 e 19 da LRF. Há, portanto, uma relativa vantagem para o Município em assim fazê-lo.

É este o entendimento do Tribunal de Contas de Rondônia manifestado no parecer prévio nº 177/2003.

Por analogia, é de se entender que todos os recursos recebidos pelo Município para programas específicos, que importam na contratação de pessoal, devem ter o mesmo tratamento, ipso facto. Ou seja: não são computados como receita corrente líquida e nem considerados como despesa com pessoal.

Tal ocorre em programas geridos pelas Secretarias Municipais de Ação Social, Saúde e Educação. No caso desta última, cita-se, como exemplo, o Programa de Alfabetização de Adultos, que contrata monitores, remunerando-os com o pagamento de bolsas.


Despesa com pessoal. Limites.


Conforme disposto no art. 19, III da LRF, os Municípios só podem destinar 60% (sessenta por cento) de sua receita corrente líquida (RCL) para gastos com pessoal. O art. 20, III dispõe que desse percentual 6% é o limite para o Legislativo, e 54% é o limite para o Executivo. O índice, portanto, a ser observado pelos prefeitos é o de 54%.

Importa ver, contudo, que a lei prevê um limite, denominado prudencial, que é de 95% do limite total. Ou seja, o gestor não deve permitir o comprometimento contínuo de 54% da RCL, mas observar o sinal amarelo dos 95%, sob pena de sofrer algumas restrições, conforme prescreve o parágrafo único e incisos do art. 22.

Em qualquer tempo, se a despesa com pessoal exceder a 95% da RCL, fica vedado ao gestor:

a) concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal;

b) criação de cargo, emprego ou função;

c) alteração de estrutura de carreira que implique em aumento de despesa;

d) provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;

e) contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6º do art. 57 da Constituição (convocação extraordinária do Congresso Nacional) e as situações previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Nos três primeiros anos do mandato, se a despesa com pessoal exceder o limite de 54%, o Município dispõe de dois quadrimestres para promover a necessária adequação, adotando as medidas previstas nos §§ 1º e 2º do art. 23.

Não havendo a referida redução, o Município sujeita-se às restrições previstas no § 3º do artigo retrocitado: não poderá (a) receber transferências voluntárias, (b) obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; e (c) contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

A exasperação do índice no último ano implica na imediata aplicação das restrições. Inteligência do § 4º do art. 23.


Despesa com pessoal. Vedação ao aumento.


Nos últimos 180 dias do mandato (a partir de 05.07.2004), fica vedado qualquer ato que importe em aumento de despesa. Isso independe em que percentual esteja o gasto com pessoal. A vedação está ligada estritamente ao período – 180 dias antes do final do mandato. É o que dispõe o parágrafo único do art. 21.

Trata-se de ponto dos mais polêmicos da LRF.

Em princípio deve-se ater que a proibição não é direta ao aumento de despesa, mas a prática de ato, i. e., mesmo que a despesa não ocorra nesse período, e somente venha ser realizada na gestão futura, a prática do ato que a originou é que demandará a prática do ilícito.

Recorramos ao exemplo lançado por Paulo Curi Neto, procurador do Tribunal de Contas de Rondônia, verbis: “lei que promova o aumento de despesa com pessoal, editada no período sujeito à restrição (últimos 180 dias do mandato) cuja eficácia seja diferida ao primeiro exercício do mandato caracteriza ofensa à norma em comento”.

Sobre o aumento de despesa, deve ser aferido considerando-se o percentual da RCL gasto com pessoal nos últimos 12 meses, sendo junho o mês de referência.

A proibição não é contra a contratação pura, visto que o gestor pode contratar a qualquer tempo. No caso de servidores ao quadro efetivo, o que se deve observar é a homologação do concurso público, que deve ocorrer antes dos três meses que antecedem o pleito, i. e., 03 de julho (art. 73, V, c da Lei nº 9.504/97). A proibição é quanto à prática de ato que resulte aumento da despesa.

Como se afere esse aumento?

Calcula-se o índice de despesa com pessoal nos últimos 12 meses, tendo o mês de junho como referência. Somente 12 meses depois (em agosto de 2005) é que será possível dizer se houve ou não aumento de despesa decorrente de ato praticado no período sob restrição.

O ilícito não é simplesmente o aumento nominal da despesa em valores. Por exemplo: não basta considerar que em junho de 2004 gastava-se R$ 2 milhões com pessoal e que em julho de 2004 passou-se a gastar R$ 2,1 milhões. É preciso verificar os períodos por inteiro (o índice da RCL nos 12 meses antes e nos 12 meses seguintes).

O que é vedado é superar o percentual de referência.

E no caso de haver queda da RCL? Naturalmente que o índice de gastos com pessoal será elevado, mas isso não será considerado crime. Por outro lado, se houver aumento da RCL, não está autorizado o gestor a aumentar o gasto com pessoal. Se fazê-lo poderá incorrer em ilícito administrativo, civil e penal.

Convém salientar, então, que não existe, por força do dispositivo sob análise, nenhuma proibição estanque para contratação nos últimos 180 dias. Vedado está o aumento da despesa.

Insta analisar, contudo, que existem exceções, ou seja, despesas com pessoal que, em sendo praticadas, não serão computadas para fins de verificar a prática do mencionado ilícito.

Vejamos:

Pagamento de professores do ensino fundamental: Se o Município tiver que aumentar seus dispêndios com pessoal com vistas a cumprir o percentual mínimo de investimentos no ensino fundamental, poderá (deverá) fazê-lo. É que a aplicação de 60% dos recursos do Fundef no pagamento de professores em efetivo exercício do magistério deriva de disposição constitucional: está prescrito no § 5º do art. 60 do ADCT. Trata-se de norma hierarquicamente superior.

Calamidade pública: Conforme previsto no inciso I do art. 65 da LRF, o período relativo ao estado de calamidade pública suspende a contagem do prazo previsto para o reenquadramento da despesa com pessoal ao limite (art. 23). Portanto, as despesas com pessoal realizadas estritamente em função da calamidade pública não serão computadas para os fins da LRF.

Crescimento vegetativo da folha: Trata-se de questão das mais relevantes, especialmente quando o Município estiver vivendo, por exemplo, recente implantação de Plano de Cargos, Carreiras e Salários, que guardam a previsão de direitos que não são aplicados de forma imediata, mas ao longo do tempo.

Nesse caso, tais gastos também não são computados para fins do ilícito decorrente do art. 23, parágrafo único da LRF. Trata-se de simples exegese do dispositivo, visto que a vedação é a expedição de ato nos 180 dias anteriores ao final do mandato que resulte em aumento de despesa.

Ora, não dependerá da prática de ato algum o incremento de despesas decorrentes, por exemplo, do pagamento de gratificações por especialização, assim como os adicionais por tempo de serviço. É o que se chama de crescimento vegetativo da folha, vantagens pessoais que derivam de legislação anterior ao período cinzento dos 180 dias.

“Nesse caso – explica Toledo Júnior e Ciquera Rossi in Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada, 2. ed., ed. NDJ, p. 2002 – não há ato voluntário, discricionário do ordenador da despesa; ele está, na verdade, vinculado a direito anterior. Em sendo assim, as vantagens pessoais que incidirem em tais cento e oitenta dias poderão ser assumidas, sem que se afronte o comando legal. E nem poderia ser diferente, vez que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Nota-se, portanto, que esforço hercúleo terá que ser adotado pela Controladoria Geral do Município a fim de que, em conjunto com a Secretaria Municipal de Administração, consiga desmembrar em seus cálculos tais dispêndios, terminando por apresentar um cálculo enxuto, que oriente o gestor municipal quanto ao cumprimento do dispositivo ora analisado.

Contratação de pessoal por prazo determinado para atender programas da União. Também escapa da proibição em comento, como já visto em regra geral, as despesas eventualmente decorrentes de contratações por força de convênio federal (PACs, PSF, Recomeço, Esporte e Lazer...).

Decisão judicial: outro ponto a ser analisado de forma bem detida é o incremento de despesa com pessoal em decorrência de decisão judicial. Tal pode ocorrer no período dos 180 dias ainda que importe em aumento de despesa, visto que, como diferente não poderia ser, a Administração está obrigada a cumprir a determinação judicial. Não se trata de ato voluntário do gestor. Assim, os cálculos devem desconsiderar todos os pagamentos dessa natureza, especialmente aqueles advindos de precatórios. São muitos os municípios que estão pagando mensalmente precatórios trabalhistas.


Despesas com pessoal. Sanções


Além das restrições que podem ser impostas ao ente público, na forma do disposto no art. 23, § 3º, I a III da LRF, o gestor responde diretamente pela prática dos atos ilícitos.

Vejamos:

I – multa de 30% dos vencimentos anuais (art. 5º, § 1º da Lei nº 10.028/00);

II - julgamento irregular de suas contas pelo Tribunal de Contas, o que poderá acarretar a suspensão de seus direitos políticos, além da aplicação de multa de até R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos reais);

III – responsabilização do prefeito por ato de improbidade administrativa na forma dos arts. 10, IX e ll, I da Lei nº 8.429/92, sujeitando-o às penas previstas no art. 12 da citada norma: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos e pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente. Inteligência do inciso III do art. 12 da sobredita lei.

IV – reclusão de 1 a 4 anos (art. 359-G do Código Penal, verbis: “ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura”).


2. assunção de obrigações. despesas


O discutido art. 42 da LRF dispõe, verbis:

“Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Parágrafo Único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício”.

A polêmica em torno do citado dispositivo reside no fato de que existem diferentes entendimentos sobre o que quis dizer o legislador complementar.

O Tribunal de Contas de Rondônia se manifestou através do Parecer Prévio nº 12/2001 pelo seguinte entendimento:

nos últimos oito meses de mandato os empenhos liquidados até 31 de dezembro, independente de data de emissão, deverão ser pagos até o encerramento do exercício, caso contrário serão inscritos em restos a pagar;
a inscrição em restos a pagar deverá ser efetuada até o limite da disponibilidade financeira;
havendo anulação de empenho por insuficiência de recursos, o direito do credor não se extingue, uma vez que a despesa poderá ser reempenhada em despesas de exercícios anteriores, a qualquer momento, caso haja excesso de arrecadação, desde que não prescrita.

A lei não proíbe, portanto, passar débitos para a futura gestão. Ela determina, contudo, que haja disponibilidade financeira (recurso em caixa) para o devido suporte, quando tais despesas forem contraídas nos dois últimos quadrimestres.

O TCER tem sido rigoroso com relação a esta norma, entendendo que a vedação é quanto à obrigação de despesa, e não somente à obrigação de pagamento. São coisas distintas: quer dizer o Tribunal que não é vedado simplesmente deixar dívidas relativas a despesas já realizadas, mas mesmo àquelas simplesmente empenhadas ou contratadas. É que a partir do empenho nasce a obrigação de pagamento, que se consuma com a liquidação da despesa. Não se flexibiliza mesmo quando se trata de serviço de natureza continuada.

Importa ver, desde já, que a responsabilidade não é somente do detentor de mandato, mas também do agente designado, aquele que tenha competência decisorial.

Em síntese, a LRF dispõe que:

I - os empenhos liquidados até 31 de dezembro, independentemente de data de emissão, devem ser pagos até o encerramento do exercício (ordem cronológica de liquidação);

II - as obrigações contraídas no período compreendido no intervalo de dois quadrimestres que antecedem o final de mandato (maio a dezembro de 2004), devem ser pagas no exercício financeiro de 2004, independentemente de estarem liquidadas, ou não (ou deve-se ter em caixa para o exercício futuro suficiência de disponibilidade financeira para os pagamentos das obrigações assumidas);

III - a regra geral é não contrair obrigação de despesa no período em referência que não possa ser paga no exercício, ou caso não tenha sido paga que exista a correspondente disponibilidade em caixa, não só para as despesas liquidadas, mas, também, para as não-liquidadas;

IV - contratos de aquisição de serviços de longa duração, para atender necessidades públicas essenciais, também devem ser negociados para vigerem e serem pagos até o final do mandato; caso em contrário, devem estar disponíveis recursos financeiros para adimplemento de toda a obrigação assumida;

Esta, pois, é a posição expressa do Tribunal de Contas de Rondônia, embora haja discordâncias no Órgão, mesmo que ainda não sistematizadas.

De qualquer linha, data maxima concessa venia, vemos que a posição da Corte de Contas foge à realidade de qualquer administração pública, ferindo o razoável e o princípio da continuidade das ações estatais.

É desta forma que entendemos existirem exceções à regra contida no art. 42 da LRF, embora a norma assim não o preveja. Os serviços de natureza continuada e as obrigações de longo prazo (os investimentos) não podem estar adstritos a este dispositivo, sob pena de, por um lado, prejudicar o interesse público, e, por outro, penalizar o gestor sem que o tal pratique qualquer ato que lesione a Administração.

É assim que vê a Consultoria NDJ, em resposta a questionamento formulado pela Procuradoria-Geral do Município de Ji-Paraná, RO, verbis:

“Como é sabido, a Lei de Responsabilidade Fiscal não contempla nem limita prazo para execução de obras públicas, serviços contínuos ou locação de equipamentos e utilização de programas de informática. Tampouco impede realização de licitações e celebração de contratos em finais de mandato do titular de Poder.”

“Apenas estabelece algumas cautelas que devem anteceder determinadas contratações públicas. Vejamos:

Como é sabido, o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal veda expressamente ao titular de Poder ou órgão referido no seu art. 20 ‘nos dois últimos quadrimestres do seu mandato, contrair obrigações de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para esse efeito’”.

“Todavia, convém salientar que esse dispositivo está direcionado para a disciplina ‘restos a pagar’ (despesas empenhadas e não pagas até o final do exercício financeiro).”

“Portanto, tratando-se de ajustes que ultrapassem o exercício financeiro, a exemplo de obras públicas (art. 57, inc. I, da Lei nº 8.666/93), serviços contínuos (art. 57, inc. II, da Lei nº 8.666/93) e aluguel de equipamentos e utilização de programas de informática (art. 57, inc. IV, da Lei nº 8.666/93), não se entende necessário que o atual mandatário deixe recursos em caixa para o pagamento de todo o período contratado (satisfação integral da obrigação assumida).”

“O que está vedada é a existência de restos a pagar sem que haja disponibilidade de caixa para pagamento da obrigação cumprida no ano anterior, sendo certo que as parcelas vincendas no exercício seguinte serão pagas pelo sucessor do atual mandatário, na medida em que for sendo executado o contrato, com recursos do exercício financeiro subseqüente”.

É também este o entendimento de Marçal Justen Filho in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10. ed., São Paulo, Dialética, 2004, p. 117.

Diz ainda a NDJ:

“Em suma, se o vencimento da obrigação ocorrer tão-somente no início do exercício seguinte dever-se-á reservar a verba necessária para o pagamento da parcela vencida e/ou executada até 31 de dezembro de 2004, que permanecerá em caixa até a data do efetivo pagamento, sendo que as demais parcelas serão pagas pelo sucessor do titular de Poder”.

Embora ainda amplamente polemizado o assunto, esta Procuradoria entende ser razoável, tanto quanto possível, firmar contratos cujo termo final seja 31.12.2004. As exceções terão de ser devidamente justificadas a fim de que, mantendo o TCER o entendimento atual, caiba defesa no tempo oportuno, seja em que seara for, afinal, deve sempre prevalecer o cumprimento ao princípio da legalidade e o atendimento do interesse público.


3. operação de crédito por antecipação de receita


A chamada ARO – Antecipação de Crédito por Antecipação de Receita Orçamentária – está proibida no último ano de mandato. Art. 38, IV, b, LRF.


4. despesas com publicidade. Limite


O controle de gastos com publicidade no último ano está previsto na Lei nº 9.504/97, o Estatuto das Eleições. Tem havido divergência na interpretação dispositivo que trata do tema, o art. 73, VI. Há quem entenda que a limitação ali expressa se refira a todo o exercício. Ainda que esta tenha sido a intenção do legislador, não é o que ficou escrito claramente. Portanto, tem-se que no primeiro semestre do último ano de mandato somente pode ser gasto com publicidade valor que não exceda à média dos gastos nos três últimos anos, ou do último ano imediatamente anterior à eleição, prevalecendo o que for menor.

Assim dispõe a Lei nº 9.504/97 em seu art. 73:

Art. 73. São proibidas aos agentes público, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(...)
VI - nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;
b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;
VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

É de exegese simples ver que a realização da despesa com base na média dos três primeiros anos do mandato ou no terceiro ano (o que for menor) deve ser vista somente no prazo anterior aos três meses que antecedem o pleito, ou seja, no primeiro semestre. No período da eleição a vedação é não se prende à quantidade dos gastos, mas ao tipo de publicidade, como se vê na alínea “b” do inciso VI do art. 73 da sobredita lei.


5. licitações, contratos e convênios a partir de 3 de julho


Questão polêmica é travada sobre as vedações relativas aos à celebração de contratos e convênios e à realização de licitações no período da campanha eleitoral, ou seja, de 3 de julho a 3 de outubro.

De se ver, a priori, que diretamente à administração municipal nenhuma vedação há neste sentido do ponto de vista formal (salvo a exigência de disponibilidade financeira e o rigor quanto aos gastos com publicidade).

Especificamente no pleito municipal, o que a lei eleitoral disciplina é a realização de transferência de recursos dos entes federal e estaduais para os Municípios. Nada mais.

Diz a Lei nº 9.504/97 que nos três meses que antecedem o pleito não podem os citados entes realizar transferência voluntária de recursos aos Municípios, com ressalvas.

Primeiro, entendamos a que tipo de transferência se refere o legislador. Naturalmente que não se trata das obrigações constitucionais e o cumprimento dos programas de natureza continuada já de muito em funcionamento. A contrario sensu, seria a instalação de caos.

Em linhas gerais, a vedação refere-se à liberação de recursos decorrentes de ajustes e convênios com objeto ainda não iniciada sua execução. Assim, mesmo que determinado convênio esteja há muito assinado, não poderá o recurso ser liberado no período cinzento alhures informado.

Veja que a lei não proíbe a celebração de convênio, mas a liberação de recurso. Em passant, é forçoso ver que nada tem a ver com a realização de licitação. Não há período algum em que se proíba licitar.

As ressalvas legais dizem respeito à liberação de recursos para o cumprimento de “obrigação formal preexistente para a execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado”. Nota-se que havendo convênio celebrado e estando a obra ou serviço em andamento nada obsta que se repasse o recurso.

Assim dito, se a municipalidade firmou convênio com a União, licitou e deu início à obra ou serviço satisfeita está a exigência legal para que o concedente libere as parcelas de recursos que lhe cabe.

De toda evidência que a lei não prevê a necessidade de ter havido liberal inicial de recursos. A norma fala simplesmente em obra ou serviço em andamento. Se o Município está executando diretamente ou indiretamente com recursos de contrapartida previstos no convênio nenhuma ilegalidade existe.

De mais a mais, se existe convênio celebrado e o Município quer, no período de 3 de julho a 3 de outubro, providenciar a licitação para posterior recebimento dos recursos nada obsta.

O que se deve ver, sempre, a teor dos termos do convênio, é se o instrumento foi devidamente publicado no Diário Oficial da União, confirmando a obrigação formal de futuro repasse.

Como o volume de recursos advindos da União via convênio geralmente exige a modalidade licitatória de tomada de preços ou concorrência pública, o período de 03 (três) meses poderá ser todo consumido com os atos interno e externos da licitação, permitindo que o empenho e a efetiva contratação se dê somente após 3 de outubro, quando os recursos estiverem disponibilizados.


6. vedações gerais de 3 de julho a 3 de outubro


I) participar, os candidatos a cargos do Executivo, de inauguração de obras: não estão proibidas as inaugurações, mas somente a participação de candidatos a cargos do Executivo. Assim, se o prefeito não disputa a reeleição pode realizar inaugurações e participar livremente.

II) na realização de inaugurações, a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos;

III) nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que antecedem o pleito e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito. De importante nota as ressalvas feitas nas alíneas do inciso V do art. 73 do Estatuto das Eleições, quais sejam, verbis:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários.

IV) e mais:

1. ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

2. usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

3. ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

4. fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.


Conclusão


À guisa de conclusão, nota-se que o gestor municipal está diante de um terreno movediço a ser palmilhado no último ano de seu mandato, especialmente porque seus atos serão analisados bem a posteriori, quando já não terá à sua disposição todas as informações necessárias para justificar seus atos, provando tê-los praticado na forma da lei, embora assim não pareça, prima facie, pelo ver dos números frios da contabilidade.

Outro ponto a ser analisado são as diferentes realidades administrativas nos mais de 5,5 mil municípios do país, tornando forçosamente distintas as aplicações dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, eis que deve prevalecer sempre a aferição do atendimento do interesse público, com a plena prova de ter havido ou não dolo na conduta do gestor.

Ademais, se assim não for nas Cortes de Contas, que às vezes preferem produzir decisões mais ao gosto do legalismo, o Judiciário tem se esmerado um pouco mais por imiscuir nas questões públicas com vistas a perquirir o grau de culpa do gestor e o liame subjetivo para aferição do dolo.

Fonte: Escritório Online


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