:: Seu mega portal jurídico :: inicial | sobre o site | anuncie neste site | privacidade | fale conosco
        

  Canais
  Artigos
  Petições
  Notícias
Boletins informativos
Indique o
Escritório Online
 

Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Trabalho prisional: aspecto relevante na ressocialização do detento

23/02/2005
 
Juliano Heinen



"Não existem verdadeiros profissionais do crime senão após sua passagem por um estabelecimento penitenciário" – Edmond Locar

No cenário de tantas ciências permanece destacada discussão acerca de uma definição plausível do Direito, muito embora há quem diga que esta busca desemboca em um paradoxo não-desmontável(1).

Assim, na ânsia da busca de respostas mais ou menos aceitáveis, parte-se à definição de institutos afins, como o Estado, a lei, a Justiça, a ordem social, etc. Esse contexto, revelador, fornece substrato fértil a se entender o Direito e, principalmente, entender a sua forma social mais incisiva: o Direito Penal.

O uso da força(2) como forma de promoção da paz, ainda que numa primeira visão possa haver uma ambigüidade, foi alvo de estudo de Kelsen na obra Teoria Geral do Direito e do Estado, de 1945, em que definiu:

Pois o que deve ser obtido através da ameaça de perda de vida, saúde, liberdade ou propriedade é precisamente que os homens, em suas relações mútuas, se abstenham de privar um ao outro de vida, saúde, liberdade ou propriedade. A força é empregada para prevenir o emprego da força na sociedade. […] A antinomia, no entanto, é apenas aparente. O Direito, com certeza, é uma ordenação que tem como fim a promoção da paz, na medida em que proíbe o uso da força nas relações entre os membros da comunidade. Contudo ele não exclui absolutamente o uso da força. Direito e força não devem ser compreendidos como absolutamente antagônicos. O Direto é uma organização da força. (Kelsen, 2000, p. 30)

Partindo desses conceitos e percorrendo o caminho que o Estado se utiliza a chegar ao uso da força como consectário do Direito Penal, percebe-se, como condição de passagem, o processo penal, a pena e sua execução.

A pena, então toma assento final na esteira em que se desenvolve o Direito Penal, como forma de aplicação de força. A pena, então, é o produto final de um processo, um produto que deve ser “injetado” no paciente como forma de salvar o social. E essa metáfora é interessante, porque permite desnudar-se uma faceta escondida: muitas vezes a pena, vista como remédio social, não passa de um placebo, inócuo, e causador de ilusões.

Daí surge a necessária e pertinente discussão acerca dos fins da pena e da pergunta que ecoa no Direito Penal mundial e que não cansa de instigar: “para quê punir?”. Muitas vezes, diante da complexidade das coisas, há uma miopia coletiva na tentativa de se enxergar uma finalidade solucionadora ao apenamento(3).

E nessa busca, argumenta-se que o trabalho do preso é sensivelmente revitalizador de uma finalidade humana da pena. Inegavelmente, independente da pena aplicada, o trabalho do preso sustenta pilar sério à ressocialização.

Nessa perspectiva, o trabalho do preso se mostra aplicado de forma ampla nos países protestantes, especialmente na sociedade americana.(4) Na sociedade protestante, o trabalho tem condão de ofertar ao preso responsabilidade individual, apregoando senso de disciplina, valor pelo custo de vida, limitando os anseios de lucro fácil e ilegal. O trabalho era ligado a um fator divino, como a redenção dos pecadores. Portanto, “a falta de vontade trabalhar é um sintoma da ausência do estado de graça”. (Weber, 1981, p. 113) Nesse sentido, o trabalho tem uma concepção espiritual terapêutica, que promove a conversão do criminoso. Dão a conclusão da necessidade da ocupação coerente do tempo que os apenados passam segregados.

Segundo o soiólogo: "a perda de tempo, portanto, é o primeiro e o principal de todos os pecados.” (Weber, 1981, p. 112) Assim, o trabalho é visto, na perspectiva Protestante, como uma forma de dinamizar a conversão do detento em homem inserido na sociedade. O trabalho dignificaria o preso, a fim de proporcionar a ele senso de responsabilidade e perspectiva de sucesso social. (Luttwak, 1996, p. 59)

Essa seria uma explicação que se tem como plausível ao intenso desenvolvimento do trabalho do apenado em países de ordem Protestante, aliado à argumentação weberiana. Mas, independente da questão sociológica levantada pelo autor, certo é que o trabalho, ou melhor, a sua falta, converge para a exclusão social e, por conseqüência, à criminalidade.

Gilberto Dupas (1999) investiga esses dois vetores: trabalho e exclusão social, concluindo que o desemprego é fator que concretiza a exclusão social, permitindo a expansão sem precedentes do crime. Nas páginas 218 e 219 de sua obra, mais precisamente, volta à questão antes levantada por Weber, acerca das bases protestantes ao desenvolvimento do trabalho como dignificação humana. Conclui, outrossim, que o sentimento de desamparo dos infratores é causa primeira da criminalidade. Esse desamparo pode ser tolhido mediante o trabalho. (Dupas, 1999)

Inserir o detento no contexto social é propiciar a ele condições mínimas de sobreviver nesse meio. Se a sociedade atual tem por base o trabalho(5), a pena também deve ter essa mesma base. Seria ilógico que se “injetasse um antídoto social” desligado do próprio social. Seria o mesmo que dar aspirina a quem tem dor de estômago. Em outras palavras: se pena é remédio à violência(6), deve ter ligação lógica com ela.

Pertinente, pois, a crítica de Dupas acerca dos adolescentes infratores:

Para esse grupos perigosos, constituídos por jovens desesperançados e sem perspectivas – desenraizados entre a puberdade e o casamento – não existe mais limites ao seu comportamento. A violência passa a ser regra de conduta. Em tese o conflito social atual – pressão dos excluídos (desempregados, pobres, crianças de rua, jovens carentes ou infratores) sobre os incluídos – pode ser controlado mediante certas válvulas de segurança, como tantos outros conflitos plebeus urbanos em cidades pré-industriais o foram. (...) O Estado, no entanto, pode perder essa capacidade de mediação se for percebido envolvendo-se simplesmente numa “conspiração dos ricos em seu próprio interesse”. (1999, p. 219-220)

Sem dúvida uma “válvula de segurança”, para pegar “carona” na expressão do autor, é o trabalho do detento, o qual proporciona o sentimento de inclusão e de dignificação pessoal.

Nas palavras de Coutinho:

Constitui o trabalho um direito e um dever social dos apenados, reeducativo e produtivo, de forma a possibilitar o alcance dos escopos secundários a que se destina a pena e não uma obrigação imputada por sentença. Outrossim, diz-se, poderá preparar-se o preso com formação profissional para o mercado de trabalho que deverá enfrentar no futuro, quando recuperar a sua liberdade, pelo cumprimento da pena, embora não se constitua tal em finalidade própria da imposição de sanções penais. (1999, p. 7)

Segundo a autora, o trabalho do detento, inclusive, deveria ser regido pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho, tendo repercussão, também, no âmbito previdenciário(7).

Do ponto de vista educativo, essa integração exige que o preso reconheça que o trabalho que ele realiza tem o mesmo valor social do realizado extramuros e que voltará, um dia, a executar. Esta a condição para que se sinta ligado à comunidade e participante do desenvolvimento e do progresso do seu país, havendo de servir para modificar a desconfiança do meio para com o preso, e, deste para com a sociedade que o aceitará. (Pinto, 1999, p. 23)

O artigo 28 da Lei de Execuções Penais é um resumo muito claro da necessária convivência do preso com o trabalho: "um dever social e condição de dignidade humana, que terá finalidade educativa e produtiva". Por sua vez, o artigo 31 dessa mesma Lei traz a seguinte redação: "O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade".

A sociedade continuará pagando caro se o descaso quanto ao explanado permanecer; isso enquanto o Estado preferir sustentar milhares de homens numa ociosidade privilegiada para muitos deles. (Pimenta, 1948)

Portanto, fica muito claro que o Estado deve ter como propósito imprescindível a concretização do trabalho pleno e sadio dos detentos, ferramenta eficaz de desafogamento da violência e da reincidência.


Notas do texto:


(1) Acredita-se que esta plasticidade de conceitos que o signo “Direito” possua seja fruto de sua relativização (natural) histórica, uma vez que é fim, ferramenta, (Grinover, 1999) e, portanto, passível de molde às finalidades dos detentores do poder. Também, cada ciência, na medida da sua visão das coisas, concebe o Direito da sua peculiar forma de investigação. Exemplo disso é a definição, ainda que de certa forma jocosa, acerca do Direito: “Não pergunte a um jurista o que é Direito. Ele não sabe. Pergunte a um jurista do Direito.”.

(2) Monopólio estatal.

(3) H. G. Wells (1999), em seu conto "A Terra dos Cegos", discorre acerca das aventuras de um homem de visão normal, que, em terra de cegos, tenta persuadir essa população de pessoa que não enxergam, de que possui um sentido do qual ela é desprovida; o personagem não consegue seu intento, e, por fim, decidem os cegos que se lhe deviam arrancar os olhos para curá-lo dessa ilusão. O mesmo ocorre com a questão do apenamento, muitas vezes traduzido da mesma forma que o homem que vê, do conto de Wells.

(4) Para averiguação mais concreta do disposto, consultar: WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2ª ed., São Paulo: Pioneira; [Brasília]: ed. da Universidade de Brasília, 1981.

(5) Conforme perspectiva de Arrighi (1994).

(6) Investigação esta relegada a outro plano.

(7) Muito embora seja posição deslocada da lei e da doutrina. Ver exposição de Guimarães citada por Coutinho: "Na realidade, o trabalho carcerário é executado em conseqüência de uma pena ou de uma medida administrativa de segurança. Por isso mesmo, trata-se de uma prestação de serviço de natureza pública e não privada, muito embora, não esteja fora de relativa tutela social e jurídica". (p. 1999, p. 7)


Bibliografia:


ARRIGHI, Giovani. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997.

COUTINHO, Aldacy Rachid. Trabalho e pena. Revista da Faculdade de Direito da UFPR. Curitiba: UFPR, 1999, vol. 32.

DUPAS, Gilberto. Economia Global e exclusão social. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GRINOVER, Ada Pelegrini, CINTRA, Antônio de Araújo e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LUTTWAK, Edward. O capitalismo turbinado e suas conseqüências. Novos Rumos - CEBRAP. São Paulo: Editora brasileira de ciências, jul. 1996, n. 45.

PIMENTA, Joaquim. Sociologia Jurídica do Trabalho. Rio de Janeiro, Editora Nacional do Direito, 1948.

PINTO, Celso de Magalhães. O trabalho e a execução penal. Revista Juris Síntese. São Paulo: Júris Síntese, set-out 1999, n. 19.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2ª ed., São Paulo: Pioneira; [Brasília]: ed. da Universidade de Brasília, 1981.

WELLS, Herbert George. A terra dos cegos. São Paulo: Martin Claret, 1999.

Fonte: Escritório Online


Enviar este artigo para um amigo                            Imprimir


Para solicitar o e-mail do autor deste artigo, escreva: editor@escritorioonline.com



© 1999-2012 Escritório Online. Direitos Reservados. Leis 9.609 e 9.610/98.


Publicidade