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Orçamento anual da União. Para onde vai o dinheiro dos tributos

08/02/2005
 
Kiyoshi Harada



Com um atraso de vinte e cinco dias foi sancionada a Lei nº 11.100, de 25 de janeiro de 2005, que estima a receita da União e fixa as despesas para o corrente exercício.

Lamentavelmente, a publicação do texto da lei no DOU do dia, 26 de janeiro de 2005, foi feita com omissão de dados essenciais ao perfeito entendimento da matéria. Não há quadro demonstrativo das despesas segundo categorias econômicas, nem quadro demonstrativo de despesas por funções, limitando-se à indicação de órgãos orçamentários. Sem especificação dos elementos de despesas só se pode ter uma visão genérica do direcionamento das receitas públicas auferidas. Não atende ao princípio da transparência da gestão fiscal, previsto no art. 48 da LRF. Sem conhecimento integral do orçamento anual, como é óbvio, não há que se falar em divulgação de planos, de lei de diretrizes orçamentárias, de acompanhamento da execução orçamentária, da prestação de contas etc. Ao que tudo indica, trata-se de uma transparência bastante nebulosa. A adjetivação é uma imposição dos dias atuais em que as palavras não mais expressam o seu sentido original. Se antes tínhamos apenas o furto famélico, hoje, temos a democracia truculenta, o dolo benéfico, a felicidade infernal etc.

Com esse esclarecimento preliminar, tentaremos fazer uma mini radiografia da peça orçamentária, pinçando, por amostragem, alguns de seus itens para aguçar o raciocínio dos leitores, que hão de extrair suas próprias conclusões.

Segundo o art. 1º da lei orçamentária examinanda, a receita é estimada em R$1.642.362.320.073,00 (um trilhão, seiscentos e quarenta e dois bilhões, trezentos e sessenta e dois milhões, trezentos e vinte mil, setenta e três reais) e a despesa em igual importância. Uma soma nada desprezível em confronto com os orçamentos dos demais países emergentes.

A primeira observação que se faz é a de que do total da receita estimada, conforme se depreende do item 1.1 do Anexo I, o montante direta e compulsoriamente retirado dos contribuintes corresponde a R$466.172.451.807,00 (quatrocentos e sessenta e seis bilhões, cento e setenta e dois milhões, quatrocentos e cinqüenta e um mil, oitocentos e sete reais), isto é, 19,28% a mais do que do ano de 2004 que, conforme Lei nº 10.837, de 16 de janeiro de 2004, foi de R$390.797.178.997,00 (trezentos e noventa bilhões, setecentos e noventa e sete milhões, cento e setenta e oito mil e novecentos e noventa e sete reais), o que acaba com a falácia governamental de que os tributos não aumentaram. O aumento superou, não só o índices inflacionários, com também, ‘n’ vezes o índice de crescimento econômico, fato que, por si só, revela o empobrecimento da população. Desse total, R$147.418.883.561,00 referem-se aos impostos e demais espécies tributárias, com exceção das contribuições sociais, que concorrem com R$318.753.568.246,00, ou seja, praticamente o dobro dos demais tributos estimados. As receitas originárias são inexpressivas, destacando-se, porém, a de serviços com R$18.390.982.492,00.

A pesada imposição das contribuições sociais revela astúcia do legislador da União para livrar-se da repartição do produto da arrecadação de impostos federais (art. 159 da CF). Daí as ‘n’ contribuições sociais que são, na verdade, tributos de destinação intrínseca. Contudo, o produto de arrecadação dessas contribuições sociais não vem sendo aplicado na consecução das finalidades que ensejaram sua criação. São, por essa razão, verdadeiros impostos mascarados de contribuições. Por isso, a maioria delas é inconstitucional, por afronta ao princípio constitucional da discriminação de impostos. Não é por acaso que as rodovias, atualmente, estejam mais esburacadas do que antes da criação da CIDE, e que a Previdência está mais deficitária do antes da invenção das inúmeras contribuições para a seguridade social.

A segunda observação, diz respeito à reserva de contingência no valor de R$5.343.027.400,00 (Anexo II), uma invenção da LRF (art. 5º, III), para atendimento de despesas futuras incertas e não sabidas, como se não bastassem os fantásticos R$93.234.490.361,40 (noventa e três bilhões, duzentos e trinta e quatro milhões, quatrocentos e noventa mil, trezentos e sessenta e um reais e quarenta centavos), correspondentes a 20% de todos os tributos que compõem um Fundo sem nome, por obra e graça do art. 76 do ADCT, com a redação dada pela EC nº 42/03. Esse Fundo foi criado, originariamente, pela Emenda Revisional de nº 1/94 exclusivamente para atender a uma situação emergencial de todos conhecida. Por isso, foi batizado de Fundo Social de Emergência, um conceito elástico e impreciso. Superada a situação de emergência, com a normalização da vida institucional do País, para o espanto de todos, aquele Fundo foi prorrogado com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal, aproveitando-se a bandeira da época. Esse conceito era tão nebuloso quanto o do anterior. Porém, aos menos, as duas denominações apontavam indícios, ainda que tênues, de como seriam utilizados os volumosos recursos financeiros desses Fundos. Novas prorrogações abandonaram o nome. Agora, nem indícios, sinais ou fumaças existem. O Fundão simplesmente não tem mais nome, acabando de vez com o enfraquecido princípio da transparência orçamentária, ironicamente, tão enfatizada pela LRF. Logo, o contribuinte não sabe e nem pode ter a menor idéia para onde vão esses fantásticos R$93.234.490.361,40. Devemos todos confiar no dolus bonus ou no fumus boni dispendium.

A terceira observação é pertinente às despesas com refinanciamento da dívida pública, no montante de R$935.835.222.075,00 (novecentos e trinta e cinco bilhões, oitocentos e trinta e cinco milhões, duzentos e vinte e dois mil setenta e cinco reais) (inciso III do art. 3º) correspondente a 58,25% do orçamento fiscal e do orçamento da seguridade social, ou 56,98% do orçamento anual (orçamento fiscal, orçamento da seguridade social e orçamento de investimento das estatais). Some-se a isso as despesas com o serviço da dívida, no montante de R$179.393.459.934,00 (Anexo II), as despesas com preenchimento de cargos e funções vagos ou criados no âmbito do Executivo, no montante de R$719.864.669,00 (item 4 do Anexo V) e as despesas referentes à reestruturação de diversas carreiras, no montante de R$919.976.127,00 (itens 4.1 e 4.2 do inciso III do Anexo V) e terá um quadro nada promissor em termos de desenvolvimento, muito menos, em termos de progresso. Não há dados para saber o montante das despesas com servidores efetivos e os inativos (aposentados e pensionistas). O certo é que sobraram para as despesas de investimento míseros R$35.959.149.031,00 (Anexo IV), representando 2,189477% do orçamento anual. Parece que o orçamento anual sob exame confirma o ditado popular: ‘a sociedade produz para pagamento da folha e do serviço da dívida’.

Porém, o mais curioso é que o exame das despesas de capital (investimento) por órgão revela uma despesa de R$3.435.495.674,00 para o Ministério da Fazenda contra os R$347.090.020,00 para o Ministério dos Transportes, por exemplo, órgão vocacionado para a construção de infra-estrutura do País, para viabilizar o crescimento econômico e assegurar o futuro de nossos filhos e netos. Pode ser um indício de expansão da estrutura fazendária, aumentando consideravelmente o número de leões para despertar maior boa vontade nos contribuintes acossados e esmagados pelo peso da tributação. Pode ser, também, uma punição ao Ministério dos Transportes, campeão absoluto na execução de obras e serviços com indícios de irregularidades graves, conforme apontados no Anexo VI.

Finalmente, vejamos, em rápidas pinceladas, algumas das curiosidades orçamentárias, concernentes às despesas por órgãos (Anexo II):

a) O Senado Federal, com apenas oitenta e um membros gasta R$2.435.308.897,00, quase tanto quanto a Câmara dos Deputados, uma das maiores Casas da espécie no planeta, contemplada com R$2.477.538.381,00 já computadas as despesas com o ‘Trem de Alegria’, um presente de final de mandato do atual Presidente daquela Casa Legislativa. No exercício de 2004 esses valores eram de R$1.817.276.108,00 e R$ 2.185.392.244,00, representando um aumento de 34,00% e 13,36%, respectivamente, fato que revela um crescimento espantoso, difícil de ser explicado em face da conjuntura econômica.

b) A justiça federal, justiça especial para julgar casos de interesse da União, com tendência para avançar em outras áreas implicando duplicação do Poder Judiciário, gasta R$5.701.349.069,00, cifra bem próxima das despesas fixadas para a Justiça do Trabalho, uma justiça especializada, no montante de R$6.638.313.821,00. No exercício de 2004 era de R$4.601.032.232,00 e R$5.877.944.165,00, respectivamente, o que representa uma expansão de 23,91% e 12,93%, respectivamente, sem a perspectiva de uma contrapartida de melhoria dos serviços que irão prestar no decorrer do exercício. Ao que tudo indica vai haver muita disputa entre os órgãos em prejuízo dos usuários da justiça. Com a decisão final da disputa de clientela (servidores públicos federais) pelo STF entre as duas justiças, esses valores deveriam ser remanejados. Como não o serão, fatalmente, deverá ocorrer abertura de crédito adicional suplementar mediante uso de nova fonte de custeio, que acabará caindo na cabeça do contribuinte, como de hábito. Por falar em Judiciário, digno de nota a fixação de despesas para a Justiça dos territórios.

c) As despesas da Presidência da República no montante de R$3.041.683.670,00 é exorbitante e desproporcional em relação aos demais órgãos, mesmo considerando a redução nominal em relação ao ano anterior. É que o Chefe do Executivo tem à sua disposição os fantásticos R$93.234.490.361,40 para serem gastos discricionariamente contra os R$78.159.437.599,40 de que dispunha no exercício de 2004, o que representa um aumento de 19,28%.

Atente-se, por fim, que a Lei Orçamentária em curso prevê, como não poderia deixar de ser, abertura de créditos adicionais suplementares em todas essas dotações, o que poderá aumentar consideravelmente as despesas inicialmente fixadas.

O exame superficial da Lei Orçamentária Anual de 2005, nos termos retro, é suficiente para propiciar uma idéia geral sobre as fontes de receitas e a utilização dessas receitas, ou seja, o direcionamento das despesas públicas. Pode-se dizer que ora, as despesas são feitas às claras e com transparência, segundo os princípios constitucionais de fixação das despesas e de proibição de concessão de créditos ilimitados; outras vezes, elas são feitas de forma nebulosa e o cidadão não tem como saber quando, onde e como foram feitas as despesas.

O exame detalhado do orçamento anual, não realizado neste artigo, permitirá identificar o verdadeiro plano de ação do governo que, quase sempre, não coincide com as pregações políticas pré-eleitorais. Permitirá diagnosticar e apontar os setores sacrificados pela transferência compulsória de riquezas e os setores mais beneficiados com essas transferências. Por isso, costumamos dizer que o orçamento anual, aprovado pelo Legislativo, em tese, representa um instrumento de exercício da cidadania, à medida que o princípio constitucional da legalidade das despesas implica obediência à vontade média da população, na fixação de despesas públicas. Daí a crescente participação salutar dos parlamentares no remanejamento de verbas contempladas na proposta orçamentária anual, elaborada pelo Executivo e encaminhada ao Parlamento pelo Presidente da República. Isso sem falar nas Leis do Plano Plurianual e de Diretrizes Orçamentárias, aprovadas pelo Parlamento, que direcionam a elaboração da proposta orçamentária anual.

É preciso que a população em geral evolua no sentido de pressionar o Congresso Nacional no direcionamento das despesas públicas, exigindo o expurgo de despesas correntes inúteis e improdutivas, para privilegiar as despesas de capital, notadamente, a de investimentos, independentemente da figura da ‘gestão orçamentária participativa’, existente apenas na esfera municipal, conforme art. 44 da Lei nº 10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade.

Fonte: Escritório Online


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