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O direito sucessório dos companheiros no novo Código Civil: uma perda de direitos em relação às normas infraconstitucionais

15/03/2005
 
Douglas Schmidt Florence



"O novo Código Civil ao invés de regularizar de uma forma geral a união estável, regrediu completamente, vez que colocou o companheiro em situação inferior a do cônjuge". (Douglas Schmidt Florence)


INTRODUÇÃO


O direito sucessório dos companheiros no novo Código Civil, sem dúvida alguma, sofreu modificações um tanto quanto drásticas, em relação à evolução aos direitos dos que vivem sob união estável.

Os anos de 1994 e 1996 foram de grande importância para os companheiros, sendo que finalmente, o legislador estaria “esclarecendo” alguns direitos, como por exemplo, prazo de 5 anos para o reconhecimento da união estável, direitos sucessórios, prestação de alimentos.

No entanto, com a entrada do novo Código Civil, as Leis n.°s 8.971/94 e 9.278/96, que versavam sobre os direitos do companheiro, acabaram sendo desvalorizadas, tendo ido por água abaixo tudo aquilo que o legislador pensou em um dia resolver da forma mais justa para os companheiros e seus familiares.

Hodiernamente, em algumas regiões, como por exemplo na Favela da Rocinha, cerca de 90% da população vive em forma de união estável, sendo esta a forma em que muitas pessoas do Brasil preferem viver. Vivem dessa forma talvez por muitos não terem condições de realizarem um casamento, ou mesmo pelo desconhecimento da legislação.

No decorrer deste artigo será realizada uma abordagem sobre as normas infraconstitucionais vigentes e após a entrada em vigor do Código Civil/2003, com relação à união estável, mais especificamente, sobre o direito sucessório do companheiro.


O direito sucessório dos companheiros no novo Código Civil: uma perda de direitos em relação às normas infraconstitucionais.


Há vários séculos as relações extraconjugais se multiplicaram de forma extraordinária, ocupando um grande espaço na sociedade atual em virtude da revolução científica, cultural e social, que concorreu para a emancipação do homem e da mulher, libertando-os dos mitos existentes em torno da família tradicional.

A família, em geral, era constituída através de celebrações religiosas ou por meio de simples convivência, o que era absolutamente natural em matéria de casamento, todavia, apesar de se tratar de um fato social, o legislador, desrespeitando essa lei natural e simples, entendeu a necessidade de se criar formalismos a esta união.

No Brasil, esse formalismo teve inicio com o Decreto nº. 181, de 24 de janeiro de 1980, sendo que contou com a colaboração de outras legislações que de certa maneira, tentava inserir o princípio de igualdade entre o casal. Nesta época, a família era eminentemente de natureza privada e permeada pelos reflexos de uma sociedade patriarcal.

No entanto, com o passar dos tempos, surgiu à possibilidade do desquite e, posteriormente, a existência do divórcio, podendo assim, ocorrer à dissolução das entidades familiares. Com isso, a Igreja que detinha o poder sobre o casamento e não permitia a possibilidade de novas núpcias, contribuiu, e muito, para o acréscimo avultante do concubinato, que, diante de tamanha incidência, necessitava de uma legislação que assegurasse os seus efeitos, restando até então, apenas o auxílio da jurisprudência para os casos concretos.

Para isso, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 3º, reconheceu o concubinato puro ou não adulterino e nem incestuoso (união estável), como uma das formas de instituição da família brasileira, dando margem ao legislativo infraconstitucional, a andar mais alguns passos rumo a normatização específica a cerca do assunto.

O § 3º do artigo 226 da Constituição Federal dispõe que:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Em 1994, com o advento da Lei nº. 8.971, surge à primeira regulamentação da união estável, que apesar de gravíssimos defeitos, foi quem deu início para que a matéria começasse a ser regulada.

Logo em seguida, estando o legislador insatisfeito, edita a Lei nº. 9.278/96 que institui o estatuto dos conviventes que de maneira mais clara e específica, constituiu deveres entre os companheiros.

Diante das leis regulamentando o direito dos companheiros, os tribunais do Brasil já estavam sempre tendo os mesmos posicionamentos a respeito do direito sucessório dos companheiros, como se verifica algumas ementas formuladas, antes da vigência do atual Código Civil, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

SUCESSÃO. HERANÇA. DISPUTA ENTRE COMPANHEIRO E COLATERAIS. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.971/94. Tratando-se de união estável admitida por testemunhos, que se extinguiu com a morte da companheira, e ausentes ascendentes e descendentes, o companheiro tem direito a totalidade da herança, afastando os colaterais. APELO DESPROVIDO[1].

SUCESSAO. HERANCA DISPUTADA ENTRE O COMPANHEIRO E OS COLATERAIS. APLICACAO DA LEI N. 8971/94. União estável prolongada, admitida pelas partes, e que se extinguiu com a morte da companheira, na vigência da lei n. 8071/94. Aplicação do art. 1577 do código civil, estabelecendo que a capacidade sucessória e regida pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão.Incidência da lei n. 8971/94,que contempla o companheiro como herdeiro ante a ausência de herdeiros necessários. Observância da ordem legal de preferência. RECURSO DESPROVIDO[2].
No entanto, em 2003, entrou em vigor o novo Código Civil. O que era para ser o fim das discussões acerca dos companheiros, tornou-se um pesadelo para todos aqueles que vivem sob a forma de união estável, principalmente com relação ao artigo 1.790 do aludido código.

A primeira crítica que se faz ao artigo é a de que ele se encontra no capítulo das “Disposições Gerais”. Sendo que aí não poderia estar, porque não se trata de disposições gerais, mas de ordem da vocação hereditária.

O art. 1.790 do Código Civil, dispõe que a sucessão do companheiro limita-se aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, em nada importando o regime patrimonial, se da comunhão parcial, ou de outra previsão contratual.

Esse fato mostra a confusão que o legislador fez entre sucessão e meação. Observa-se o absurdo desta regra: não tendo o de cujus deixado nenhum outro herdeiro sucessível, o companheiro recolherá todos os bens adquiridos na constância da união a título oneroso, e os demais bens serão considerados vacantes, passando ao domínio da Fazenda Pública. Não obstante a confusão, prevalece ainda à distinção, já que o art. 1.725 é claro em falar do regime de bens na união estável.

O Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Luiz Felipe Brasil Santos dá claro exemplo do absurdo desta regra:

“Basta imaginar a situação de um casal, que conviva há mais de 20 anos, residindo em imóvel de propriedade do varão, adquirido antes do início da relação, e não existindo descendentes nem ascendentes. Vindo a falecer o proprietário do bem, a companheira não terá direito à meação e nada herdará. Assim, não lhe sendo mais reconhecido o direito real de habitação nem o usufruto, restar-lhe-á o caminho do asilo, enquanto o imóvel ficará como herança jacente, tocando ao ente público”[3].

Como solução para este caso, o Dr. Luiz Felipe apresenta a linha interpretativa:

Para evitar tal situação de flagrante injustiça, creio que a interpretação deverá aproveitar-se de uma antinomia do dispositivo em exame. Ocorre que, enquanto o caput do artigo 1.790 diz que o companheiro terá direito de herdar apenas os bens adquiridos no curso do relacionamento, o seu inciso IV dispõe que, não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Ora, a expressão totalidade da herança não deixa dúvida de que abrange todos os bens deixados, sem a limitação contida no caput. Evidente a antinomia entre a cabeça do artigo e seu inciso. Entretanto, uma interpretação construtiva, que objetive fazer acima de tudo justiça, pode extrair daí a solução que evite a injustiça e o absurdo de deixar um companheiro, em dadas situações, no total desamparo. Portanto, não havendo outros herdeiros, o companheiro, por força do claro comando do inciso IV, deverá receber não apenas os bens havidos na constância da relação, mas a totalidade da herança[4].

Maria Helena Diniz ensina que:

Há quem ache que, na falta de parente sucessível, o companheiro sobrevivente teria direito apenas à totalidade da herança, no que atina aos bens onerosamente adquiridos na vigência da união estável, pois o restante seria do Poder Público, por força do art. 1844 do Código Civil. Se o Município, o Distrito Federal ou a União só é sucessor irregular de pessoa que falece sem deixar herdeiro, como se poderia adquirir que receba parte do acervo hereditário concorrendo com herdeiro, que, no artigo sub examine, seria o companheiro? Na herança vacante configura-se uma situação de fato em que ocorre a abertura da sucessão, porém não existe quem se intitule herdeiro. Por não existir herdeiro é que o Poder Público entra como sucessor. Se houver herdeiro, afasta-se o Poder Público da condição de beneficiário dos bens do de cujus, na qualidade de sucessor. Daí o nosso entendimento de que, não havendo parentes sucessíveis receberá a totalidade da herança, no que atina aos adquiridos onerosa e gratuitamente antes ou durante a união estável, recebendo, inclusive, bens particulares do de cujus, que não irão ao Município, Distrito Federal ou à União, por força do disposto no art. 1844, 1ª. Parte, do Código Civil, que é uma norma especial. Isto seria mais justo, pois seria inadmissível a exclusão do companheiro sobrevivente, que possuía laços de afetividade com o de cujus, do direito à totalidade da herança dando prevalência à entidade pública. Se assim não fosse, instaurar-se-ia no sistema jurídico uma lacuna axiológica. Aplicando-se o art. 5º. Da Lei de Introdução ao Código Civil, procura-se a solução mais justa, amparando o companheiro sobrevivente[5].

Não tem nenhuma razão de se limitar à incidência do direito sucessório do companheiro sobrevivente aos bens adquiridos onerosamente pelo de cujus na vigência da união estável. Salienta-se que por aquisição onerosa entende-se o patrimônio acrescido a título oneroso, excluídos aqueles bens sub-rogados ao patrimônio particular.

Tendo em vista a confusão (contradição) de tais disposições, o Projeto nº. 6.960/02, do Deputado Ricardo Fiúza, pretende alterar significativamente este dispositivo, sob o correto argumento de que “o art. 1.790 do Código Civil, tal como posto, significa um retrocesso na sucessão entre companheiros, se comparado com a legislação até então em vigor - Leis n.ºs. 8.971/94 e 9.278/96”, passando a constar:

“Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte:
I - em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641);
II - em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes;
III - em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança.
Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

Em relação ao direito real de habitação dos companheiros, o Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal, sob a orientação do Ministro do STJ, Ruy Rosado, assim se posicionou:

Enunciado 117 – Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88[6].

Observadas essas limitações na sucessão do companheiro, dispõe o art. 1.790, no inciso I que, se concorrer o companheiro sobrevivente com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Se concorrer com descendentes só do autor da herança, diz o art. 1.790, II, tocará ao companheiro sobrevivente a metade do que couber a cada um daqueles. Se concorrer com outros parentes sucessíveis (ascendentes e colaterais), terá direito a um terço da herança (1.790, III).

Se antes, no Código Civil de 1916, o companheiro sobrevivente era precedido na ordem vocacional sucessória apenas pelos descendentes ou ascendentes do de cujus, hoje, para que o companheiro sobrevivente receba toda a herança, deverá concorrer com os herdeiros colaterais do falecido até o 4º grau.

Nesse sentido, Giselda Maria Fernandes Hironaka discorre que:

Diferentemente do que ocorre com o cônjuge, que herda quota parte dos bens exclusivos do falecido quando concorre com os descendentes deste, percebendo, quanto aos bens comuns, apenas a meação do condomínio até então existente (e não mais do que isso), o convivente que sobreviver a seu par adquire não apenas a meação dos bens comuns (e aqui em igualdade relativamente ao cônjuge supérstite), como herda quota parte destes mesmos bens comuns adquiridos onerosamente pelo casal, nada recebendo, no entanto, relativamente aos bens exclusivos do hereditando, solução esta que, para adaptar uma expressão de Zeno Veloso a uma outra realidade, “não tem lógica alguma, e quebra todo o sistema. (...)[7].

Ou seja, o legislador ao invés de continuar com a evolução de seu pensamento - tornar a união estável praticamente igual ao casamento - , regrediu completamente ao deixar a totalidade da herança ao companheiro sobrevivente somente após concorrer com os herdeiros colaterais até o 4º grau, sendo que estes herdam por direito próprio.

O que muitos juristas têm entendido, é que o artigo 1.790 deve ser interpretado pelo artigo 1.844 do aludido código, sendo neste artigo a redação igualitária entre o cônjuge e o companheiro.


CONCLUSÃO


Diante do artigo apresentado, verificou-se que o Código Civil de 2003 constituiu-se em um diploma um tanto quanto discriminatório com relação ao direito sucessório do companheiro, privilegiando de certa forma o casamento.

Desde 1890, quando somente o casamento religioso era válido, passando por 1930, quando reconheceram os direitos dos concubinos, chegando a Constituição Federal de 1988 e as leis infraconstitucionais de 1994 e 1996, somando-se as inúmeras jurisprudências sobre a união estável, a população brasileira, bem como os operadores direito, enfim, encerravam a questão a cerca dos direitos dos companheiros.

Porém, com o advindo do atual Código Civil, verificou-se que o legislador “rasgou” tudo aquilo que havia construído - igualdade entre cônjuge e companheiro - , tornando-se o âmbito jurídico confuso a respeito da questão dos direitos sucessórios dos companheiros.

Deve ser observado que o Código Civil de 2003 não revogou expressamente as leis específicas de 1994 e 1996. Assim sendo, poderá os operadores, de uma forma, forçar aos tribunais que mantenham suas posições no sentido de igualar o companheiro do cônjuge.

Finalmente esperamos que sejam aprovadas as emendas constitucionais que estão tramitando pelo Poder Legislativo, para então, termos uma legislação igualitária entre cônjuges e companheiros, e que os legisladores não levem cerca de 30 anos para aprovarem as aludidas emendas.


REFERÊNCIAS


CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Disponível em: . Acesso em: 25.09.2004

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2003.

SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível em . Acesso em: 02.10.2004.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Disponível em: . Acessado em: 11.09.2004.


Notas do texto:


[1] Apelação Cível nº. 70004646113, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, julgado em 20/03/03.

[2] Apelação Cível nº. 599192390, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 11/08/99.

[3] SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível em . Acesso em: 02.10.2004.

[4] SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível em . Acesso em: 02.10.2004.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004. Págs. 133/134.

[6] Enunciado aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ. Disponível em . Acesso em: 11.09.04

[7] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2003.

Fonte: Escritório Online


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