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Escritório Online :: Artigos » Direito do Trabalho


Da irresponsabilidade subsidiária da Administração Pública. Inaplicabilidade do Enunciado 331 do TST aos entes públicos

17/11/2004
 
Fábio Nadal Pedro e Luís Renato Vedovato



SUMÁRIO: I - Introdução. II - A responsabilização objetiva pressupõe uma conduta positiva da Administração Pública. III - A eventual responsabilização subsidiária deriva de uma relação contratual. IV - Travamento de um contrato administrativo como produto de uma relação engessada sobre o regime de Direito Público. Observância da Lei Federal nº 8666/93. V - Das jurisprudências favoráveis à tese de inaplicabilidade do Enunciado. 331 do E. TST. VI - Da hierarquia das normas. Impossibilidade de Enunciado derrogar comando derivado de lei federal. VII - Vulneração do Enunciado nº 331 do E. TST ao artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93. Possibilidade de se efetuar prequestionamento ensejador do agitamento do Recurso de Revista. VIII - Vulneração do Enunciado nº 331 do E. TST ao termos do artigo 2º da CRB. Possibilidade de se agitar o prequestionamento ensejador do manejo do Recurso Extraordinário. IX - Da inexistência da culpa “in eligendo” da recorrente. X - Da inexistência da culpa “in vigilando” da Administração Pública. XI - Da lesão ao princípio da razoabilidade. XII - Conclusão.


I - Introdução.


Na seara trabalhista, a responsabilização subsidiária das terceirizações está fulcrada no Enunciado nº 331 do TST que diz:

Nº 331 - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (Art. 37, II, da Constituição da República).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei nº 8.666/93). (Redação dada ao item pela Resolução TST nº 96, de 11.09.2000, DJU 18.09.2000).

Parte da jurisprudência trabalhista entende que o artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93[1] se mostra inconstitucional à luz do § 1º do art. 37 da CRB, evidencia que viabiliza a incidência do Enunciado nº 331 do TST ao caso concreto.

Data venia, este entendimento é equivocado, consoante procuraremos demonstrar topicamente.


II - A responsabilização objetiva pressupõe uma conduta positiva da Administração Pública.


A alegação de que o artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93 é inconstitucional por ferir o princípio da responsabilidade objetiva estatal, não leva em conta que o disposto no artigo 37, § 6º da CRB somente se dirige nas hipóteses em que o dano deriva da conduta positiva do ente estatal. Diz o referido dispositivo legal:

Art. 37- (...)
§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Em abono as nossas falas, trazemos o escólio de Diógenes Gasparini:

“O texto constitucional em apreço exige para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado uma ação do agente público, haja vista a utilização do verbo “causar” (causarem). Isso significa que se há de ter por pressuposto uma atuação do agente público e que não haverá responsabilidade objetiva por atos omissivos.” (Direito Administrativo, Editora Saraiva, São Paulo, 5ª edição, 200, pág. 814).

É perguntar: Qual a ação da Administração Pública pode ensejar a aplicação da responsabilidade objetiva (extracontratual) quando contrata observando os parâmetros da Lei Federal nº 8666/93 ?

A resposta, somente pode ser no sentido de que inexiste qualquer ação que enseje a aplicação do art. 37, § 6º da CRB. Somente por esta constatação pedestre se nota que não há como se aplicar referida norma constitucional.

Noutro falar, a ação de travar um contrato administrativo (responsabilidade contratual) não pode ensejar qualquer responsabilização estatal. É necessário demonstrar, a culpa da Administração Pública na lesão ao trabalhador contratado pela prestadora de serviços.


III - A eventual responsabilização subsidiária deriva de uma relação contratual.


Ora, o que se põe perante a Justiça Especializada é a extensão da responsabilização das partes em litígio derivadas de uma relação contratual (rectius, contrato administrativo).

É perguntar: Como adequar a principiologia da responsabilização extracontratual a casos deste jaez (responsabilidade contratual)?

Cremos que a presente questão seja irrespondível e reforce a inaplicabilidade do art. 37, § 6º da CRB ao caso concreto.

Com efeito: não havendo conduta positiva da Administração pública a ser contrastada e derivando eventual responsabilização sobre um liame de natureza extracontratual, resta indene de dúvidas a inaplicabilidade do artigo 37, § 6º da CRB.


IV - Travamento de um contrato administrativo como produto de uma relação engessada sobre o regime de Direito Público. Observância da Lei Federal nº 8666/93.


As “ações” praticadas pela Administração Pública no travamento de um contrato administrativo se desenvolvem sob o império da legalidade, sendo portanto produto final de um processo licitatório regulado pela Lei Federal nº 8666/93.

Pois bem, o artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93 é claro ao dispor sobre os limites da responsabilização CONTRATUAL da Administração Pública (colocamos o vocábulo “contratual” em caixa alta para reforçar que não se aplica na espécie a teoria da responsabilizada EXTRACONTRATUAL do Estado):

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º. A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995).
§ 2º. A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do artigo 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995).
§ 3º. (VETADO)

Da leitura do referido artigo se nota que a Administração Pública, se tanto, deve ser responsabilizada solidariamente pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato administrativo, nos termos do art. 31 da Lei Federal nº 8212/91 (cfe. § 2º do art. 71 da Lei Federal nº 8666/93).

No mais, “a inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento.” (cfe. art. 71 caput e seu § 1º da Lei Federal nº 8666/93)

É a aplicação clara e precisa da lei de regência dos contratos administrativos. Fora daí, o que se vislumbra, data venia, são interpretações teratológicas do ordenamento.

E os especialistas são unânimes no sentido de afastar a responsabilização subsidiária do ente estatal. Vejamos:

Diz Marçal Justen Filho:

“Também fica expressamente ressalvada a inexistência de responsabilidade da Administração Pública por encargos e dívidas pessoais do contratante. A Administração Pública não se transforma em devedora solidária ou subsidiária perante credores do contratante. Mesmo quando as dívidas se originarem de operação necessária à execução do contrato, o contratado permanecerá como o único devedor perante terceiros.
Qualquer litígio entre particular e terceiros resolve-se no estrito âmbito entre eles, sem acarretar sacrifício da posse da Administração Pública.”[2]

No mesmo diapasão, José Torres Pereira Júnior ensina:

“O fato de contratar com a Administração não exclui a empresa privada da incidência de normas jurídicas impositivas de encargos, sejam estes de natureza trabalhista, previdenciária, fiscal ou comercial, no que se referir à execução do contrato público.
(...)
Em todas estas relações de direito público ou privado, a contratada é a única e exclusiva titular dos correspectivos encargos, que não se comunicam à Administração contratante, antes, durante, ou depois da execução do contrato.”[3]


V - Das jurisprudências favoráveis à tese de inaplicabilidade do Enunciado. 331 do E. TST.


PARADIGMA Nº 1

Trata-se do V. Aresto do E. TRT – 15ª Região abaixo transcrito:

ACÓRDÃO Nº

PROCESSO TRT/15a.REGIÃO Nº 17.167/96-1
REMESSA EX OFFICIO E RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE : E. 2ª JCJ DE ARARAQUARA E DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE ARARAQUARA - DAAE
1º RECORRIDO : VALDECIR MATIAS TEODORO
2º RECORRIDO : GRIFFE ENGENHARIA LTDA.

“Ente público. Terceirização. Inaplicabilidade da responsabilidade subsidiária do Enunciado 331, IV, do C. TST. A contratação regular de empresa prestadora de serviços terceirizados, através de processo licitatório, não obriga o ente público pelos débitos trabalhistas da contratada. “In casu”, não se aplica a orientação do Enunciado 331, IV, do C. TST, diante do óbice legal do artigo 71, da Lei 8.666/93.

Trata-se de Remessa Ex Officio e Recurso Ordinário em face da r. decisão de fls. 46/49, prolatada nos autos da reclamação trabalhista n° 72/96-3, perante a E. 2ª JCJ de Araraquara, em que figuram como partes: Elias da Silva Ribeiro, reclamante, e Grife Engenharia Ltda e Departamento Autônomo de Água e Esgoto de Araraquara, reclamado.

A r. sentença condenou a 2° reclamada, subsidiariamente, e, diretamente, o 1° reclamado a efetuar o pagamento do aviso prévio indenizado, 10/12 de férias proporcionais+1/3, 10/12 de 13° salários, 18 dias de salários, em dobro, multa do artigo 477 da CLT, FGTS, 40%.

Recorreu a 2ª reclamada, sustentando que a Lei de Licitações e Contratos não permite a responsabilidade da Administração Pública pelos débitos trabalhistas da empresa terceirizada (Leis 8.666/93 e 8.883/94).

Contra-razões, fls. 59/62.

Remessa de ofício, nos termos do Decreto-lei 779/69.

Parecer da D. Procuradoria, fls. 64/65, através da Dra. Nilza Aparecida Migliorato, pelo conhecimento e não provimento do recurso voluntário e do reexame necessário.

É o relatório

V O T O

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da remessa de ofício.

1. Vínculo de Emprego:

A r. sentença condenou, subsidiariamente, o ente público a arcar com os valores rescisórios do reclamante, com suporte no Enunciado 331, IV, do C. TST.

Observa-se pelos documentos juntados com a defesa (fls. 23/37), que a Autarquia Municipal efetuou regular processo de licitação para a terceirização dos serviços de leitura de hidrômetro e entrega domiciliar de contas de água.

O obreiro esclareceu, em depoimento pessoal (fl. 13), que foi contratado pela reclamada Griffe Engenharia Ltda, recebendo ordens e salários desta, a par de ter sido dispensado por preposto da referida empresa.

Não se verifica, portanto, qualquer ilegalidade na contratação dos serviços da 1ª reclamada, assim como em relação ao vínculo de emprego entre o obreiro e seu real empregador.

Trata-se, pois, terceirização lícita.

Resta analisar a possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público, diante da inexecução dos pactos de emprego firmados, diretamente, com empresas terceirizadas.

A regra geral é a de que a responsabilidade subsidiária é cabível, quando o empregador principal torna-se inadimplente (Enunciado 331, IV, do C. TST), tendo em conta a culpa “in vigilando” e “in elegendo” do empregador.

Todavia, o legislador pátrio reservou maior proteção ao ente público, aos estabelecer regras específicas, com o fito de proteger o erário e evitar que procedimentos duvidosos possam esconder fraudes em prejuízo do patrimônio público.

Cumpre destacar que somente a União possui competência para legislar sobre o direito laboral ou regras que interfiram em seu contexto, além de normas gerais sobre licitação no âmbito federal, estadual e municipal (art. 22, I e XXVII, da C.F.).

Nesse diapasão, a União editou a Lei 8.666/93, com as alterações da Lei 8.883/94, em seu artigo 71 (Lei das Licitações), excluindo qualquer tipo de responsabilidade da Administração Pública Direta e Indireta em relação aos encargos trabalhistas:

“Art. 71, O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1°. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.”

O óbice do artigo 37, II, da Carta Magna e da Lei 8.666/93, somado ao fato de que não há qualquer relação de pessoalidade e subordinação no contrato típico de terceirização, impedem qualquer liame de responsabilidade com o ente público.

Destarte, reformo a r. sentença de origem para excluir a responsabilidade subsidiária da 2ª reclamada, declarando a improcedência da pretensão em relação à mesma.

Isto posto, dou provimento à remessa de ofício e ao recurso voluntário do 2° reclamado para reformar a condenação “a quo”, declarando a improcedência do pedido exordial em relação à responsabilização subsidiária do reclamado Departamento Autônomo de Águas e Esgoto de Araraquara - DAEE, mantendo a condenação em relação ao reclamado Griffe Engenharia Ltda, tudo consoante fundamentação.

Mantenho o valor condenatório arbitrado pela MMª Junta de origem, eis que compatível com a manutenção do julgado.

FANY FAJERSTEIN
Juíza Relatora


PARADIGMA Nº 2

Trata-se do V. Aresto do E. TRT – 15ª Região abaixo transcrito:

ACÓRDÃO N.º

PROCESSO TRT - 15º REGIÃO N.º 019866/2001-RO-3
2ª TURMA
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE: JOÃO ANTONIO DE OLIVEIRA
1º RECORRIDO: MUNICÍPIO DE CASTILHO
2º RECORRIDO: VALMIRO E. DE SOUZA NOVA INDEPENDÊNCIA-ME
ORIGEM : VARA DO TRABALHO DE ANDRADINA’

ARTIGO 71 DA l. 8.666. CONSTITUCIONALIDADE
Afirme-se de forma categórica que o artigo 71 da L. 8.666 não é inconstitucional. Nem se argumente com o Princípio da Igualdade. O ente público não é igual ao privado porquanto enquanto este contrata quem bem entender (ato discricionário), aquele somente poderá fazê-lo através de licitação pública obrigatória (ato vinculado), ditame imposto pelo artigo 37, XXI e seus parágrafos da Constituição Federal/88.

ENTE PÚBLICO – L. 8666 – Limite de responsabilidade.
É até mesmo contraditório e ilógico que o Estado (ou seus entes), comprovada regular licitação ou concorrência, respondam subsidiariamente pela totalidade de possíveis créditos de trabalhador contratado por terceiros estranhos à Administração Pública, enquanto respondem apenas por salários quando contrata seu servidor direta mas irregularmente por falta de concurso (art. 37, II da CF/88 e enunciado de súmula 363 do C. TST). Entender-se de forma distinta haverá violação literal de lei federal ( L. 8.666, art. 71, § 1º).

A r. sentença de fls. 138/143, cujo relatório adota-se, julgou procedente em parte a ação.

Inconformado, recorre o autor (f. 154/158), alegando:

A) O Município não pode ser excluído do polo passivo da ação devendo ser reconhecida sua responsabilidade subsidiária.

Não é do recorrente o ônus das custas.

Contra-razões do primeiro recorrido (f. 161/174).

A d. Procuradoria opina pelo provimento para manter o Município no polo passivo como responsável subsidiário prosseguimento do feito (f. 181).

É o relatório.

V O T O

1 – Conhece-se do recurso por regular e tempestivo.

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ENTE PÚBLICO

Inicialmente afirme-se de forma categórica que o artigo 71 da L. 8.666 NÃO é inconstitucional como alegado pelo Ministério Público pois se a Constituição Federal exige licitação e esta deve seguir diretrizes de lei infra constitucional.

Nem se argumente, como feito por ele em seu parecer, com o Princípio da Igualdade. O ente público não é igual ao privado porquanto enquanto este contrata quem bem entender (ato meramente discricionário), aquele somente poderá fazê-lo através de licitação pública OBRIGATÓRIA (ato administrativo vinculado) ditame imposto pelo artigo 37, XXI e seus parágrafos da Constituição Federal/88..

Ora, se são diferentes, como podem ser tratados da mesma forma?. Além do mais, tratam-se os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade.

Incontroversamente a ora recorrente, empresa pública, contratou através de regular processo licitatório (Processo Licitatório 058 de 22 de agosto/97 – fls 63/70, sucessor do Processo Licitatório 012 de 12/3/97 – fls 54/62)

Prescreve o artigo 71 da Lei 8.666:

“art. 71 – O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º - A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais NÃO transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações...
§ 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários...”

Ou seja, o órgão público contratante responde apenas e tão somente frente a possíveis débitos previdenciários mas não os trabalhistas.

Não se argumente com o § 6º do art. 37 da Constituição que declara:

“As pessoa jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causares a terceiros,...

Não é o trabalhador do contratado “terceiro” mas parte na relação, enquadrado que é como “agente”. Ou seja, se o reclamante causasse algum dano a terceiros, não só o empregador contratado como a Administração contratante, no caso o ora recorrido, responderiam pelo ato.

Igualmente não se argumente com a modificação introduzida no inciso IV do enunciado 331 do C. TST.

É evidente que a Administração Pública responderá de forma subsidiária SE – repetimos SE – a contratação for feita de forma irregular sem o devido processo licitatório constitucionalmente obrigatório.

No entanto, se a contratação for feita de forma regular com respeito aos ditames da L. 8.666, impossível reconhecer-se a responsabilidade, mesmo que subsidiária, sob pena de violação literal a lei federal – parágrafo 1º do art. 71 da L. 8.666.

É até mesmo possível criticar-se a norma legal sob exame já que privilegia o preço em detrimento da qualidade razão pela qual ser desarrazoado falar-se em culpa in eligendo.

Portanto, enquanto estiver em vigor a supra mencionada lei, enquanto não for declarada – erga omnes – possível inconstitucionalidade (que subjetivamente entende-se não existir), deve ser ela aplicada sob pena de sua violação literal.

É até mesmo contraditório e ilógico que o Estado responda apenas por salários quando contrata seu servidor direta mas irregularmente por falta de concurso (art. 37, II da CF/88 e enunciado de súmula 363 do C. TST) enquanto responde subsidiariamente pela totalidade de possíveis créditos de trabalhador contratado por terceiros estranhos à Administração Pública.

Nestas condições, a contratante tomadora dos serviços, ora recorrente deve ficar excluída do polo passivo da ação como julgado pela origem, não respondendo sequer de forma subsidiária, por se tratar de órgão público sujeito que é aos ditames da L. 8.666.

Por todo o exposto, decide-se: negar provimento ao recurso do autor.

ISMÊNIA DINIZ DA COSTA
Juíza Relatora


VI - Da hierarquia das normas. Impossibilidade de Enunciado derrogar comando derivado de lei federal.


Fundado sobre singela vulgata kelseniana e à luz do que dispõe o art. 59 da CRB, podemos afirmar que nosso ordenamento jurídico é composto de normas escalonadas (<>) estabelecendo, figurativamente, a forma de uma pirâmide.

Pois bem, nessa “pirâmide de normas” se nota que o artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93 se encontra “mais próximo” do ápice da pirâmide (rectius, Constituição) do que o Enunciado 331 do TST[4] .

Dessa evidencia “figurativa” se dessume que o Enunciado em questão deve (como deveria) respeitar, na relação de <>, os comandos do artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93.

Inexistindo esta adequação orgânica entre a lei federal (artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93) e o enunciado (Enunciado nº 331 do TST), deve prevalecer, por ter maior hierarquia normativa, os comandos da lei federal[5] .

Ademais, Enunciados dos Tribunais, por mais relevantes que sejam, não podem ab-rogar ou derrogar lei federal. Isto porque enunciado não é lei em sentido estrito, até mesmo porque ao Poder Judiciário não incumbe a função típica (Alessi) de exercer tal função legislativa!

Assim sendo, não padecendo o artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93 de qualquer eiva de ilegalidade, o entendimento cristalizado no Enunciado nº 331 do E. TST constitui verdadeira interpretação derrogante/ab-rogante do ordenamento jurídico.

Nossa retórica nos leva a concluir que: A-) o artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93 não é inconstitucional; B-) o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho não pode “legislar através de enunciados” no sentido de ab-rogar ou derrogar o comando inserto no artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93.


VII - Vulneração do Enunciado nº 331 do E. TST ao artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93. Possibilidade de se efetuar prequestionamento ensejador do agitamento do Recurso de Revista.


De todo exposto, temos que o Enunciado n. 331 do E. TST vulnera o artigo 71 da Lei Federal nº 8666/93.


VIII - Vulneração do Enunciado nº 331 do E. TST ao termos do artigo 2º da CRB. Possibilidade de se agitar o prequestionamento ensejador do manejo do Recurso Extraordinário.


O Enunciado n. 331 do E. TST se mostra inconstitucional pois fere de morte o princípio da separação dos poderes (artigo 2º da CRB), pois adentra os meandros do contrato administrativo firmado por outro poder, sem qualquer outro supedâneo legal, para impor uma conduta abstrata de responsabilidade.

Assim, invocando a figura da responsabilidade subsidiária impõe responsabilidade à Administração Pública por ato de terceiro, visando favorecer uma quarta pessoa com a qual a Administração Pública não mantém qualquer vínculo jurídico.

Giza-se, por pertinente, que a aplicação do comando inserto no Enunciado n. 331, especialmente na inserção que sofreu para o acréscimo do seu inciso IV, extrapola a mens legis contida no próprio instituto.

Observa-se, com efeito, a absoluta falta de enquadramento legal para que se permita visualizar algum direito, norma ou costume violado a permitir inserir, principalmente os entes públicos, na categoria de responsável subsidiário, gerando, portanto, ofensa direta ao artigo 37 caput da Constituição que traz estampado o princípio da legalidade para a Administração Pública.

A Administração Pública, de ordinário, trava um contrato administrativo com empresa privada, através de regular certame licitatório. Obviamente que lhe é exigido comprovar sua habilitação para o travamento do contrato. Pois bem, dentro de sua esfera de competência a Administração pública tudo faz para respeitar os ditames da lei das licitações.

O que mais há de fazer a Administração pública? Invadir a seara da União (Ministério do Trabalho) e promover inspeções na empresa privada para saber se a mesma cumpre as normas de proteção ao trabalho? Exigir documentos e provas de idoneidade que não constam da lei das licitações?

Ou seja: perde a Administração Pública por não cumprir a lei das licitações e perde a Administração Pública por dar cumprimento aos seus ditames!

Trata-se de situação kafkaniana!

Por tais razões, lembra Flávio Amaral Garcia, em trabalho intitulado Da inexistência de responsabilidade subsidiária da Administração Pública nas terceirizações, que:

“É, portanto, de todo descabido obrigar órgãos e entidades públicas estaduais e municipais a arcarem com uma atribuição que refoge aos limites de sua competência, em evidente violação ao princípio da legalidade insculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal, já que, ao exercerem poder de polícia que não se insere no seu campo de atuação, estarão agindo sem qualquer respaldo legal.”[6]

Por fim, cabe alertar que o entendimento sufragrado pelo Enunciado nº 331 do E. TST constitui afronta ao princípio do concurso público inserto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal, pois concede reflexos trabalhistas (portanto em alguma medida considera um liame trabalhista com o recorrido) ao recorrido, sem que o mesmo tenha ingressado nos quadros da Administração Pública pela via do concurso público ou cargo em comissão.


IX - Da inexistência da culpa “in eligendo” da recorrente.


Não há que se falar em culpa in eligendo da Administração Pública, pois a contratação de empresa privada deriva de um contrato administrativo entabulado após regular certame licitatório.

Conforme bem expõe Flávio Amaral Garcia:

“Com efeito, se a licitação é séria – não se podendo partir de premissa de que não seja esta –, a autoridade administrativa está jungida à contratação com o primeiro colocado, sendo-lhe vedado celebrar contrato com preterição da ordem de classificação” (art. 50 da Lei nº 8666/93).
A licitação é, em verdade, mera decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público, cuja essência se traduz na impossibilidade de os administradores disporem do interesse público a seu bel-prazer, não se podendo cogitar de uma liberdade de atuação na escolha do contratado; daí o total descabimento de eventual culpa in eligendo quando a contratação é precedida de procedimento licitatório.”[7]


X - Da inexistência da culpa “in vigilando” da Administração Pública.


De acordo com a discriminação de competências estabelecidas na Constituição Federal, compete privativamente a União (artigo 22, inciso I da CRB) legislar sobre Direito do Trabalho, bem como compete a este ente político organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, conforme artigo 22, inciso I da CRB.

Destarte, fundado sobre a regra básica de que o ente político a quem compete legislar, incumbe exercer o poder de polícia[8] , temos que é dado à União, através do Ministério do Trabalho e Emprego exercitar o poder de polícia em matéria de fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho, não podendo os demais (Estados, DF e Municípios) invadirem tal seara.


XI - Da lesão ao princípio da razoabilidade.


Lembra Flávio Amaral Garcia que inexistindo norma constitucional ou legal e obrigação oriunda de contrato, o dever da Administração Pública de fiscalizar encargos trabalhistas e sua conseqüente responsabilização subsidiária viola, também, o princípio da razoabilidade, “pois obriga o tomador dos serviços a assumir o comportamento de verdadeiro empregador, com os encargos conseqüentes, o que a terceirização visa, justamente, evitar.”[9]

Assim sendo, a terceirização que implementada pela Administração pública, justamente para reduzir seus custos e possibilitar a destinação de suas energias na sua atividade-fim, reverte-se em pesado ônus.

Ademais, obrigar a Administração Pública a manter todo aparato de fiscalização de seus inúmeros contratos administrativos (atividade-meio), não importaria em redução e racionalização de custos e, por via reflexa, esvaziaria por completo o instituto da terceirização.


XII - Conclusão.


De todo o exposto, concluímos que o artigo 71 da Lei 8.666/93 permanece pulsante, elidindo a Administração pública de eventual responsabilização subsidiária, sendo inaplicável os ditames do Enunciado 331 do TST aos entes públicos submetidos aos termos da lei das licitações e contratos administrativos.


Notas do texto:


[1] Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º. A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995)
§ 2º. A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do artigo 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995)
§ 3º. (VETADO)

[2] Comentários à lei das licitações e contratos administrativos, Dialética, São Paulo, 1998, pág. 530.

[3] Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, Renovar, Rio de Janeiro, 1994, pág. 434.

[4] Ademais, o teor do enunciado nada mais é do que o entendimento reiterado dos Tribunais do Trabalho e serve de mera orientação, tendo duração episódica (TST, Ed – RR 113.599/94.0, José Luiz Vasconcelos, AC. 3ª T 5666/96). Não se trata de “lei” na acepção estrita do termo.

[5] Trata-se, neste aspecto, de aplicação do aparato de hermenêutica clássica no sentido de que “norma de maior hierarquia prevalece sobre norma de menor hierarquia” e que resolve plenamente a aparente antinomia do sistema.

[6] Boletim ILC nº 89, Editora Zênite, julho/2000, pág. 566.

[7] Ibidem, pág. 566.

[8] Conforme escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Como critério fundamental, procede o dizer-se que é competente para dada medida de polícia administrativa quem for competente para legislar sobre a matéria. Assim, a União exercerá em caráter exclusivo polícia administrativa sobre o que estiver arrolado no art. 22 da Constituição e concorrentemente com Estados e Distrito Federal sobre o que consta do art. 24.” (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo, 11ª edição, pág. 575).

[9] Ibidem, pág. 567.

Fonte: Escritório Online


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