A cada dia o direito evolui e com ele os seus fundamentos e princípios. Assim ocorre com o princípio constitucional e jurisdicional do contraditório, que diante a evolução do direito e na visão dos processualistas mais modernos está pondo às vistas a extinção do princípio do dispositivo, conforme se verificará no decorrer do artigo.
O processo considera sobre o prisma, a igualdade de ambas as partes na lide. Confere-lhes, pois, iguais poderes e direitos. Com essa preocupação a assistência judiciária (justiça gratuita) é assegurada àqueles que não podem arcar com os gastos do processo inclusive despesas com advogado. O princípio consectário do tratamento igualitário, se realiza através do contraditório, que consiste na necessidade de ouvir a pessoa na qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo. Não há privilégios de qualquer sorte. Podemos conceituar o princípio do contraditório, como sendo o poder de atribuir as partes a igualdade no tratamento no curso da lide. Embora os princípios processuais possam ter exceções, o princípio do contraditório é absoluto, e deve sempre ser observado sob pena de nulidade do processo, ou do provimento jurisdicional, se já concedido. Decorrem três conseqüências básicas deste princípio: a) a sentença somente alcança àqueles que fizeram parte do processo e em alguns casos à seus sucessores; b) a relação jurídica processual somente se completa com a citação do (s) réu (s), ainda demandado; e finalmente, c) em regra, toda a decisão somente é proferida depois de ouvidas ambas as partes. O princípio do contraditório, ainda, além das características acima mencionadas, tem cunho de que se dê a oportunidade à parte também para oferecer a prova em contrário das alegações do autor. A não ser assim, se cairia no vazio. E, por isso, ao negar-se o princípio, nega-se e comete-se o cerceamento de defesa quando se assegura a audiência a parte adversária, mais não se faculta a contra prova. Quando se afirma o caráter absoluto do princípio do contraditório, o que se pretende dizer é que, nenhum, processo ou procedimento pode ser disciplinado sem assegurar às partes a regra da isonomia no exercício das faculdades processuais. Disso não decorre, porém, da supremacia absoluta e plena do contraditório sobre todos os demais princípios. O devido processo legal, síntese, geram da principiologia da tutela jurisdicional, exige que o contraditório, as vezes, tenha de ceder momentaneamente às medidas indispensáveis à eficácia e efetividade da garantia de acesso ao processo justo. Assim, no caso de medidas liminares (cautelares ou antecipatórias) a providência jurisdicional é proferida a uma das partes antes da defesa da outra. Isso se admite, porque sem essa atuação imediata da proteção do interesse da parte, a eficácia do processo se anularia e a garantia máxima de acessos à tutela da justiça restaria frustrada. As liminares, todavia, não podem ser utilizadas senão em casos específicos, de verdadeira urgência, e não podem se transformar numa completa e definitiva eliminação da garantia do contraditório e da ampla defesa. Assim é que, tão logo se cumpra a medida de urgência, haverá de ser propiciada a parte contrária a possibilidade de defender-se e de rever e, se for o caso, reverter a providência liminar. Dessa forma, não se nega o contraditório, mas apenas se protela um pouco o momento do seu exercício. Afinal a solução do litígio, somente será alcançada após o completo exercício do contraditório e da ampla defesa por ambos os litigantes. Outro exemplo de que o contraditório não pode prevalecer por si só, mas deve harmonizar-se com os outros princípios processuais, pode ser encontrado nos casos de cerceamento de defesa. Se, v. g., um documento se juntou sem a ciência da parte contrária, sem dúvida terá ocorrido uma afronta ao princípio do contraditório, em que pese o entendimento de muitos doutrinadores no sentido de não haver violação do contraditório, quando uma testemunha, em que inexista comprovação de convite para comparecer a uma audiência em que tramita pelo rito sumaríssimo (no processo do trabalho), não comparece, e o juiz encerra a instrução, sem deixar que a prova se faça, diante imperatividade legal. Mesmo diante o entendimento de alguns doutrinadores, concessa vênia, não se teve outra coisa senão violação do contraditório.
Em qualquer sistema processual, é imenso o valor da oferta de meios de participação aos litigantes, porque ordinariamente, são eles os sujeitos mais aptos á faze-lo, conhecendo melhor os fatos relevantes e os meios de prova disponíveis em cada caso. Além disso, a realidade mostra que o interesse pessoal é sempre a mais eficiente mola da vida dos direitos e de sua efetividade. Quem vem a juízo postular ou resistir é movido pela aspiração ao bem da vida litigioso, seja para obtê-lo (autor, demandante) seja para resisti-lo ou conserva-lo (réu, demandado). Sabido que o processo tem o escopo Mágno de eliminar conflitos, não só é natural que as pessoas envolvidas nestes se confie a iniciativa de instaura-lo, sendo proibido o juiz faze-lo de ofício; como ainda que se conte com a participação de cada um em busca da condição favorável. Instaurado o processo, cresce hoje a tendência a reforçar os poderes do juiz e os seus deveres de participação – porém ainda assim todo o sistema processual é construído de modo a oferecer a cada uma das partes ao longo de todo o procedimento a oportunidade para participar pedindo, participar alegando e participar provando. Oferece-lhes his day court é abrir portar para essa tríplice participação.
A garantia do contraditório, imposta pela Constituição Federal com relação a todo e qualquer processo, - civil, penal, trabalhista ou mesmo não jurisdicional (art. 5º, LV) – significa, como já demonstrado, que a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes no processo, e o juiz deve franquear-lhes esses meios. Mas significa também que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deste resolve-se, portanto, num direito das partes e deveres do juiz. É do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz. A participação a ser franqueada aos litigantes, é uma expressão da idéia, plantada no mundo político, de que o exercício do poder somente se legitima quando preparado por atos idôneos, seguindo a Constituição e a lei, com a participação dos sujeitos interessados. Tem-se por ponto de partida, a essencial distinção entre atos de poder, que atingirão a esfera jurídica de pessoas diferentes de quem os realiza; e atos de vontade, ou negócios jurídicos, que se destinam a auto-regulação de interesses (autonomia da vontade). A força vinculante destes tem origem e legitimidade na vontade livremente manifestada. A daqueles, na participação dos destinatários segundo as regras pertinentes. Tal é uma derivação da conhecida tese da legitimatio ad procedimentum, lançada em sede de sociologia política, e de valia em relação a todas as áreas de exercício do poder. Na realidade, o que legitima os atos de poder não é a mera e formal observância, mas a participação, que mediante o correto cumprimento das normas processuais tenha sido possível aos destinatários. Melhor falar, portanto, em legitimação pelo contraditório e pelo devido processo legal.
O juiz, inerte no inicio e sempre atuando por provocação das partes (princípio próprio do processo civil – dispositivo – esculpido no art. 2º e 262 do CPC) é um institucionalizado ignorante dos fatos que interessarão para o julgamento, sendo-lhe vedado, decidir segundo o conhecimento que eventualmente tenha deles fora dos autos (art. 131 do CPC). As partes conhecendo dos fatos, até porque os vivenciaram na maior parte dos casos, sabem de quais pessoas podem valer-se como testemunhas, conhece realidades captáveis mediante perícia (contábeis, médicas, de engenharia, etc.), têm documentos ou sabem onde estão. Daí o seu interesse em participar e a legitimidade da exigência constitucional de que se lhe dê oportunidade para isso. Foi à vista dessa realidade que já falou a doutrina no processo como um jogo (Calamandrei), sendo usual apontá-lo como a dinâmica do entrechoque entre uma tese sustentada pelo autor e uma antítese sustentada pelo réu, ambas à espera da síntese (provimento jurisdicional) que virá do juiz. Verifica-se que a garantia constitucional do contraditório endereça-se também ao juiz, como imperativo de sua função no processo e não mera faculdade (o juiz não tem faculdades no processo, senão deveres e poderes). A doutrina mais moderna reporta-se ao disposto no art. 16 do Noveau Côde de Procédure Civile Français como a expressão da exigência de participar, endereçada ao juiz. Diz tal dispositivo: “o juiz deve, em todas as circunstâncias, fazer observar e observar ele próprio o princípio do contraditório”. E também no moderníssimo Código de Processo Civil Português em sua redação atual estabelece que: “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de fato, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as parte tenham tido a possibilidade de sobre ela se manifestarem” (art. 3º, 3 CPCP).
A globalização da ciência processual foi o canal da comunicação pelo qual, uma regra de direito positivo de um país pode ser guindada à dignidade de componente deste princípio universal, transpondo fronteiras. A participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz consiste em atos de direção de prova e de diálogo. A lei impõe ao juiz entre os seus deveres fundamentais no processo, o de participar efetivamente. Tal é a perspectiva do ativismo judicial, que vem sendo objeto de ardorosos alvitres nos congressos internacionais de direito processual, marcados pela tônica da efetividade do processo. Opõe-se aos postulados do adversary sistem, prevalentes do direito anglo-americano, onde o juiz participa muito menos (principalmente no tocante a colheita da prova) e desenvolve como se diz, a relatively passive role.
Daí nasce a sua dupla destinação. O princípio do contraditório é também dirigido ao juiz, devendo este, observando a lei, dirigir o processo, e determinar o que entender, desde que sempre mantenha a imparcialidade que lhe é atribuída por imperatividade legal.Observar a possibilidade de uma existência e não clamar por ela é observar a luz e não se direcionar à ela.
Fonte: Escritório Online
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