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Escritório Online :: Artigos » Direito do Consumidor


Cláusula que prevê pagamento de multa nos casos de roubo do aparelho de usuário do serviço de telefonia móvel - sua natureza abusiva

02/05/2005
 
Demócrito Reinaldo Filho



1. Um breve esclarecimento sobre o tema


Um ponto de tensão se estabeleceu recentemente entre as operadoras de telefonia móvel e os órgãos de defesa do consumidor. Diz respeito à prática das empresas que atuam através da venda de aparelhos celulares e da prestação conjunta de serviços de telefonia móvel, por meio da celebração de contratos (de adesão) com seus clientes com inclusão de cláusula que estabelece multa a ser paga pelo outro contratante (consumidor), nos casos em que este solicita transferência para plano inferior ou o cancelamento do plano original antes de decorrido o prazo de permanência mínima prevista no instrumento contratual, seja qual for o motivo do cancelamento ou transferência, incluindo as hipóteses de furto, roubo ou extravio do aparelho celular.

A cláusula questionada, em síntese, proíbe que o contratante se desligue de plano de tarifa especial (em mínimo de reais) antes de expirado o prazo de permanência mínima, seja qual for o motivo do desligamento. A cláusula consagra uma espécie de prazo de carência (“período de permanência mínima”) dentro do qual o usuário do serviço de telefonia móvel não pode trocar de plano ou cancelar o contrato, seja por qual motivo for, sem antes pagar a multa contratual prevista. O valor da multa é proporcional ao número de meses faltantes para o término do prazo de permanência, ou seja, a multa é menor quanto mais se aproximar o ato do cancelamento (desativação dos serviços) da data prevista para o final do “prazo de permanência”. Sem excepcionar qualquer circunstância para a obrigatoriedade de pagamento de multa pela rescisão antecipada do (contrato) plano, a cláusula inclui também as hipóteses de roubo e furto de aparelho celular do usuário. É contra esse ponto específico da cláusula que se insurgem os órgãos de defesa do consumidor, alegando contrariedade com as normas do CDC (Lei 8.078/90) que proíbem cláusulas abusivas.

Ao ter oportunidade de examinar a matéria, concluí que somente na parte em que prevê multa para a hipótese de roubo pode a cláusula em foco ser considerada abusiva. Adiante forneço as considerações e argumentos que me levaram a tal conclusão.


2. O exame da cláusula sob o aspecto da abusividade


As cláusulas abusivas são realidades decorrentes das diferenças de posições que as partes assumem numa relação contratual de consumo, onde uma delas, a parte que detém a supremacia econômica (o fornecedor), tem maior poder de negociação das condições do contrato, ou mesmo poder supremo para impor as condições do negócio – esta realidade é o que caracteriza o chamado contrato de adesão, em que a vontade da parte mais fraca (o consumidor) se resume a aderir às condições predispostas pelo outro contraente. Partindo desse desequilíbrio inicial no poder de barganha (unequal bargaining power) das partes, as condições contratuais resultantes podem colocá-las em situação acentuadamente desigual, em que o mais fraco dos contraentes experimente uma desvantagem exagerada. Daí o legislador ter previsto que certas cláusulas, embora escritas em instrumento contratual, são nulas de pleno direito, por incorporarem a nota da abusividade. Daí também o poder que se confere ao Juiz para intervir nessa relação de desequilíbrio imanente, modificando cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6o., V, CDC).

A previsão legislativa homenageia o princípio da harmonia ou equilíbrio do contrato de consumo, pelo qual se procura evitar que uma das partes obtenha uma vantagem exagerada em detrimento de outra. As regras cogentes do CDC procuram assegurar o equilíbrio das obrigações e direitos das partes de uma relação contratual, através da proibição do uso de cláusulas abusivas. A faculdade de intervenção judicial no contrato de consumo, para extirpar dele as cláusulas abusivas, tem por finalidade dar efetividade ao objetivo de harmonizar os interesses envolvidos e assegurar a justiça contratual.

A tarefa presente é identificar se cláusula de contrato padrão que as concessionárias de telefonia se utilizam para comercializar a prestação de seus serviços (com seus consumidores) é abusiva ou não. A cláusula questionada, como se esclareceu antes, prevê multa para os casos de mudança voluntária do plano de tarifa (quando o novo plano é inferior ao originalmente contratado) ou quando ocorre o cancelamento da linha celular (desativação dos serviços) antes de decorrido o prazo de permanência mínima previsto no contrato (em outra cláusula), seja por qualquer motivo for, incluindo os casos de roubo ou furto do aparelho celular do usuário.

A princípio, a previsão de prazo de “permanência mínima” não é desvantajosa para o usuário, quando este recebe um benefício em contrapartida a essa exigência. A prática comercial é de conferir um desconto, sobre o preço de aquisição do aparelho celular, para as hipóteses em que o usuário se vincula a um plano de pagamento de tarifa mínima (em reais). A empresa concessionária de telefonia espera, com esse expediente, lucrar o suficiente, ao longo do período em que o usuário permanece vinculado ao plano, que compense o desconto dado na compra do aparelho celular. Nesses casos, portanto, se o consumidor aceita aderir conscientemente a tal plano, não se observa desequilíbrio contratual excessivo em favor do fornecedor. O prazo de permanência mínima no plano é compensado pelo desconto na compra do aparelho celular; trata-se de uma proposta comercial, que se pode apresentar vantajosa ao consumidor. Desde que ele seja perfeitamente informado das condições, com a cláusula impositiva de deveres devidamente destacada das demais (como manda o art. 54, par. 4o., do CDC), não se vislumbra a onerosidade excessiva (para o consumidor) que caracteriza a abusividade contratual.

Não se pode aplicar o mesmo raciocínio quando a cláusula abrange todas as hipóteses de inobservância do prazo mínimo de vigência, incluindo casos de rescisão antecipada que não se dê por culpa do usuário. Quando o consumidor não cumpre disposição contratual por motivo de força maior ou situação de qualquer maneira alheia à sua vontade e, mesmo assim, ainda fica obrigado a pagar multa, a cláusula que a consagra assume nesse aspecto um nítido caráter abusivo. As hipóteses de roubo do aparelho celular do usuário configuram situações a respeito das quais não se lhe pode atribuir culpa (pelo desligamento antecipado do plano). Se a cláusula não dispensa do pagamento da multa sequer essas situações, coloca o consumidor em posição de desvantagem exagerada, o que fere o princípio da equivalência das relações contratuais e lhe imputa natureza de disposição contratual abusiva (art. 51, IV, CDC).

A cláusula ampla e irrestrita de previsão de pagamento de multa (por desligamento antecipado) é uma fórmula para eliminar todo e qualquer risco do negócio para o fornecedor, para não sofrer prejuízo em razão do desconto que deu sobre o preço de aquisição do aparelho do usuário. Como espera reaver ao longo do período de “permanência mínima” valor correspondente ao que deixou de ganhar em razão do desconto, insere disposição contratual prevendo pagamento de multa pelo usuário em toda e qualquer hipótese de desligamento antecipado, incluindo aquelas decorrentes de furto ou roubo do aparelho celular. É um meio de se precaver contra os riscos do negócio, como se disse. É o tipo de cláusula que, para melhor garantir a posição e a certeza de lucro ao fornecedor, transfere para o consumidor os riscos tipicamente profissionais. Afasta os prejuízos ao fornecedor quando do advento de circunstâncias que tornam impossível o normal cumprimento da obrigação. Cláusula com tais contornos tem natureza evidentemente abusiva.


3. A inexistência de culpabilidade do usuário na hipótese de roubo do seu aparelho móvel (celular)


Ainda que eventual usuário de plano não possa se enquadrar no conceito de consumidor, para fins de aplicação das normas protetivas do CDC, a cláusula que prevê a imposição de multa por cancelamento decorrente de roubo, não resiste a um confronto com o art. 408 do C.C, que só admite a cobrança de cláusula penal (multa moratória ou compensatória) quando o devedor age culposamente. Com efeito, reza o citado artigo que “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.

Ora, sobretudo em situações de roubo do aparelho celular do usuário, nunca será possível se atribuir culpa ao contraente obrigado ao pagamento da multa. Pelo menos na sua forma comum (de culpa simples), a culpa é “a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude" (cf. José de Aguiar Dias). Atentando-se para os elementos desse conceito, temos, então, como culposo o procedimento onde, através de um fazer ou não fazer, em que, não objetivando um resultado, nem assumindo a tarefa de produzi-lo, deixa o agente de observar preceitos mínimos, previsíveis. O quesito da previsibilidade é determinante na caracterização da culpa. Todo fato previsível pode ensejar uma conduta (ação ou omissão) de onde poderá decorrer o dever de indenização por um eventual resultado danoso. E é justamente este juízo de previsibilidade que direciona a culpa para seu atual entendimento, ou seja, o dever de prever um resultado decorrente de uma conduta.

As hipóteses de roubo de aparelho do usuário nunca se enquadrarão no figurino da culpabilidade, pois são estranhas à previdência do contraente obrigado e superiores às suas forças, não autorizando a cobrança da multa contratual. Um portador de aparelho celular não tem como se prevenir de um assalto, fato que pode acontecer de todas as formas e a qualquer momento. Obrigar-lhe a habilitar outro aparelho ou exigir-lhe o pagamento de multa, nessa hipótese, é realmente impor-lhe uma onerosidade exagerada, que fere o sentimento da justiça contratual.

O mesmo não se pode dizer em relação às situações de furto. Sempre se poderá afirmar que um determinado usuário foi negligente no dever de cuidado sobre o aparelho que lhe foi disponibilizado. Configurado um simples desleixo no dever de cautela que pretensamente o usuário deve ter sobre o aparelho sob sua responsabilidade, e tal situação pode ser confundida com uma atitude culposa de sua parte, que, se não determinante, pelo menos pode ser enxergada como concorrente para o eventual resultado lesivo (a consumação do furto). Existem circunstâncias, portanto, em que o furto pode resultar da inobservância de um dever de atenção ou cautela do possuidor do bem móvel furtado, podendo lhe ser imputada acusação de falta voluntária de uma obrigação contratual – se presumido que o usuário deve ter o dever de cuidado sobre o aparelho sob sua guarda. Em muitos casos, inclusive, pode ficar difícil separar situações de simples perda dos casos de furto, já que pode haver furto sem que se identifique o seu autor.

Nas hipóteses de roubo, todavia, não há essa confusão, pois o usuário sempre terá suas forças anuladas, diante da violência utilizada pelo agente que comete o crime. A violência empregada no ato de desapossamento anula qualquer observância de cuidado por parte da vítima, não sendo razoável que, mesmo nessa hipótese, o contraente tenha que pagar multa contratual. Um assalto, por exemplo, configura situação imprevisível, sem que a vítima tenha como evitá-lo. É completamente diferente, sob a ótica do comportamento da vítima, da situação de um simples furto, onde, nessa hipótese sim, ainda se pode vislumbrar que a perda da posse do objeto tenha resultado da falta de um dever de cuidado.

Somente as situações de cancelamento antecipado do plano em decorrência de roubo do aparelho celular do usuário, pelas razões expostas, é que revelam a iniqüidade da cláusula contratual, se inseridas como hipóteses de pagamento de multa contratual por não observância do “período de permanência mínima”.


4. O caráter de multa compensatória da cláusula e o objetivo de “fidelização” de clientes


As concessionárias argumentam que a cláusula que prevê o pagamento de multa, mesmo para as hipóteses de desligamento antecipado do plano em conseqüência de roubo do celular do usuário, configura exigência absolutamente legítima, pois, embora tenha recebido a denominação de “multa”, o valor que deve ser pago pelo usuário para se desvincular da “permanência mínima” na verdade não possui caráter punitivo, pois equivale à contrapartida pelo desconto recebido na aquisição do aparelho.

Ao contrário do que alegam, no entanto, a cláusula tem, sim, uma natureza punitiva, de multa (compensatória) pelo desligamento antecipado do usuário do plano. É que ela não tem somente a finalidade de compensar o desconto oferecido pela concessionária, em caso de desligamento antecipado do usuário. O tipo de contratação que realizam, com a previsão do prazo de “permanência mínima”, objetiva atingir outros fins comerciais da concessionária – a “fidelização” do cliente. A sistemática de oferecimento de serviços de telefonia móvel, através da contratação dos serviços juntamente com a venda de aparelho celular, com desconto sobre o preço de aquisição do aparelho mediante a condição de permanência no plano por um período mínimo, atende talvez muito mais a interesses comerciais e mercantilistas da concessionária do que propriamente do consumidor. A cláusula de permanência mínima “fideliza” o cliente, eliminando os riscos comerciais da concessionária, como, p. ex., o risco dele se desligar e migrar para outra operadora.

Por outro lado, mais do que “fidelizar” o cliente e garantir o pagamento do preço integral do aparelho (não cobrado por ocasião da assinatura em razão do desconto), a cláusula estabelece uma forma de potencializar os ganhos da concessionária, que, de outra forma, talvez não fosse possível. Explico: embora os planos alternativos prevejam a cobrança de um valor mínimo mensal, os usuários sempre terminam excedendo esse valor, não somente cobrindo as perdas iniciais (na venda do aparelho celular) resultantes do desconto, mas gerando lucro para a concessionária.

A condição de “permanência mínima”, em troca da concessão de desconto/subsídio na aquisição de aparelho telefônico, como se vê, atende principalmente aos fins de “fidelização” do usuário, o que favorece mais a concessionária do que propriamente aquele. A exigência de “prazo de permanência” sob pena de multa não é apenas uma simples cobrança do que a concessionária deixou de ganhar de início (por conta do desconto sobre o preço de aquisição do aparelho). Se a cláusula visasse somente a essa específica finalidade, de favorecer o consumidor com desconto no preço de aquisição do aparelho telefônico, aí desapareceria sua natureza de multa (cláusula penal), mas ela tem outras finalidades, como se demonstrou.


5. A inexistência de analogia com as vendas à prazo ou financiadas


A concessionárias de telefonia também comparam a exigência de permanência mínima no plano (com previsão de multa em caso de desligamento antecipado) com as vendas financiada ou à prazo de bens móveis duráveis. Alega-se que, tal como nessas operações, se comprador perde ou tem o bem roubado ou furtado nem por isso se livra da obrigação de continuar o pagamento das prestações (da venda à prazo ou do financiamento).

A analogia, no entanto, é imprestável, diante das peculiaridades do tipo de contratação do serviço de telefonia móvel. O “contrato de prestação de serviço móvel pessoal” que a concessionária de telefonia estabelece com o usuário não é uma simples compra e venda, mas um contrato complexo que envolve a prestação de serviços de telefonia móvel conjuntamente com uma espécie de comodato do equipamento. Trata-se de um contrato que envolve obrigações acessórias para o usuário, que não somente o simples pagamento do preço (como ocorre numa compra e venda).

Numa compra e venda, a única obrigação do adquirente é o pagamento do preço e, uma vez realizado, a outra parte fica obrigada a transferir-lhe o domínio da coisa vendida (art. 481 do C.C.). No contrato em exame (plano pós-pago alternativo de serviços de telefonia móvel), a concessionária se reserva o direito de restringir a habilitação da estação móvel (aparelho celular) à sua rede de telefonia. De certa maneira, não ocorre uma transferência do domínio do aparelho celular ao usuário, pois fica configurado tecnicamente para somente funcionar de forma limitada à rede de telefonia da concessionária contratante. O usuário, como se vê, depois da tradição do aparelho, não fica autorizado a fazer pleno uso da coisa, como ocorreria numa compra e venda. Durante o prazo de “permanência mínima”, o aparelho celular (estação móvel) permanece em sua posse em situação mais próxima da de um comodato, já que não pode usar a coisa senão de acordo com as condições estabelecidas no contrato.

As diferenças entre o contrato de prestação de serviços de telefonia móvel (com cláusula de “permanência mínima”) e a compra e venda pura afastam qualquer analogia com esta última espécie.


6. Dissonância da cláusula com o Regulamento do Serviço Móvel Pessoal


Ainda se pode ajuntar um argumento final contra a cobrança da multa nos casos de roubo do aparelho celular do usuário vinculado a plano de serviço de pagamento mínimo mensal (“plano alternativo” ou “promocional”). Tem origem no próprio “Regulamento do SMP” (Anexo da Resolução n. 316, de 27.09.02, da Anatel), no seu art. 72, par. 2o., que diz ser facultado à prestadora de serviços de telefonia impor prazo de carência de 12 meses (na hipótese de omissão do plano de serviço) e exigir a cobrança de um valor preestabelecido, “quando o usuário optar por sair do referido plano antes de expirado o prazo de carência”. Ou seja, fica bem claro que a cobrança de multa somente tem autorização para os casos em que a mudança do plano ocorre por ato voluntário do usuário, quando opta por deixá-lo antes de expirado o prazo de carência. Não é razoável estender essa cobrança para as hipóteses em que a mudança ocorre por fato imprevisível e superior às forças do usuário.


7. Conclusão


Não há, portanto, como deixar de se reconhecer a nulidade da cláusula contida em contratos celebrados pelas empresas de telefonia móvel, na parte em que contém a previsão da obrigação de pagamento de multa contratual (cláusula penal) nas hipóteses de cancelamento de plano motivada por roubo do aparelho celular (estação móvel) dos consumidores adquirentes de seus serviços de telefonia, por ferir normas e princípios do CDC, da legislação civil e por contrariar o sentido do próprio regulamento expedido pela Anatel sobre o SMP.

Fonte: Escritório Online


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